Capítulo XII – Obrigações Tributárias

82. As diversas relações jurídicas com natureza contributiva, de colaboração e punitivas

A tributação tem como foco a arrecadação de tributos. Mas, para viabilizá-la, muitas relações jurídicas de naturezas distintas são estabelecidas, envolvendo tanto contribuintes como não contribuintes.

Os contribuintes assim se caracterizam por serem obrigados ao pagamento de tributos em nome próprio. Mas também estão sujeitos ao cumprimento de deveres formais, como prestar declarações, emitir documentos, manter escrituração fiscal etc.

Por vezes, pessoas que não são obrigadas ao pagamento de determinado tributo também são chamadas a colaborar com a Administração Tributária tomando medidas que facilitem a fiscalização, minimizem a sonegação ou assegurem o pagamento. Assim é que podem estas pessoas ser obrigadas a apresentar declarações, a exigir a prova do recolhimento de tributos para a prática de determinado ato, a efetuar retenções etc. É o caso das imobiliárias, obrigadas a informar sobre as operações através delas realizadas, e das empresas administradoras de cartões de crédito e instituições financeiras, obrigadas a informar sobre o volume das movimentações realizadas por seus clientes.

Tanto os contribuintes como as demais pessoas estão sujeitos, ainda, à punição no caso de descumprimento das suas obrigações, desde que assim disponha a lei. Deste modo, podemos afirmar que também podem ser aplicadas sanções em razão da tributação, normalmente multas.

Note-se que tais relações têm natureza, fundamento e pressupostos próprios, inconfundíveis.

Pagar tributo enquanto contribuinte é obrigação com natureza contributiva. A lei instituidora do tributo encontra suporte não apenas na respectiva norma de competência, mas fundamentalmente no dever fundamental de pagar tributos. O critério para tanto é a revelação de capacidade contributiva. Relações contributivas envolvem, necessária e exclusivamente, Fisco e contribuinte.

Obrigações de caráter formal ou instrumental, como as obrigações tributárias acessórias, não impõem o pagamento de tributos. Pode-se dizer, por isso, que são obrigações com natureza de colaboração. Estão fundadas no dever fundamental de colaboração de qualquer pessoa com a Administração Tributária. A lei instituidora de tais obrigações será válida na medida em que as instituir atentando para a capacidade de colaboração de tais pessoas, observando a razoabilidade e a proporcionalidade. Envolvem o Fisco e qualquer pessoa, contribuinte ou não.

As relações de natureza punitiva (ou sancionadora) têm como pressuposto de fato o cometimento de infrações à legislação tributária. Essas infrações consistem no descumprimento de obrigações contributivas (pagar tributo) ou de colaboração com a administração tributária (e.g., descumprimento de obrigações acessórias). A aplicação de penalidades está fundada, mediatamente, no dever de cumprir as leis e, diretamente, na lei que impõe a penalidade associada à que impõe a obrigação contributiva ou de colaboração descumprida. Tem como finalidade inibir e reprimir a prática de ilícitos. E deve observar critérios como a pessoalidade, a culpabilidade e a proporcionalidade.

Para uma boa compreensão de tais relações jurídicas, dos diversos aspectos das obrigações respectivas e do regime jurídico a que se submetem, impõe-se ter sempre presente qual a sua natureza.

83. Obrigações principais e acessórias

Os entes políticos exercem sua competência tributária atribuindo a determinadas situações (fatos, atos, negócios) o efeito de geradoras da obrigação de pagar determinado tributo. Ademais, estabelecem deveres formais no interesse da administração tributária, como os de emitir nota fiscal, prestar declaração quanto ao montante devido e facultar o acesso dos auditores fiscais aos livros da empresa. Também estabelecem penalidades, principalmente multas, pelo descumprimento das obrigações de pagar tributos e pelo descumprimento das obrigações de cumprir os deveres formais.

O art. 113 do CTN denomina as obrigações de prestar dinheiro, seja a título de tributo ou de multa, de obrigações tributárias principais (§ 1º) e as obrigações de fazer, deixar de fazer ou tolerar – os deveres formais – de obrigações tributárias acessórias (§ 2º).

As obrigações principais (de pagar) estão sob reserva legal absoluta (art. 150, I, da CF e 97, V, do CTN), dependendo de lei que defina seus diversos aspectos. Assim é que tanto a instituição de tributo, como o estabelecimento da obrigação de terceiro de pagar tributo devido por outrem na condição de substituto ou de responsável e, ainda, a cominação de penalidades dependerão de tratamento legal exaustivo, não admitindo delegação ao Executivo.

As obrigações acessórias têm como conteúdo, por exemplo, a emissão de documentos fiscais, a elaboração e guarda de livros fiscais e a apresentação de declarações ao Fisco.369 Podem obrigar, ainda, a simples abstenções, como quando a legislação veda ao transportador carregar mercadoria sem nota.

A referência à “legislação tributária” como fonte das obrigações acessórias, no art. 115 do CTN, remete à definição constante do art. 96 do CTN, que abrange os decretos e normas complementares, principalmente as instruções normativas e portarias. Isso tem sido considerado pelo STJ, conforme destacamos ao cuidarmos da garantia da legalidade tributária. Mas não se deve perder de vista a necessidade de que a própria lei crie o dever formal, ainda que deixe ao Executivo seu detalhamento. Estão sob reserva legal relativa (art. 5º, II, da CF), obrigando exclusivamente a quem a lei imponha o dever formal, independentemente de serem ou não contribuintes. Criadas por lei, podem ser detalhadas pelo Executivo. Mas a Lei 9.779/99, em seu art. 16, traz autorização genérica para que a Secretaria da Receita Federal disponha sobre as obrigações acessórias relativas a impostos e contribuições que administra.370

Embora denominadas de acessórias, têm autonomia relativamente às obrigações principais. Efetivamente, tratando-se de obrigações tributárias acessórias, não vale o adágio sempre invocado no âmbito do Direito Civil, de que o acessório segue o principal. Mesmo pessoas imunes ou isentas podem ser obrigadas ao cumprimento de deveres formais. Os arts. 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, do CTN, aliás, são expressos a respeito da necessidade de cumprimento das obrigações acessórias e de submissão à fiscalização também por parte das empresas que eventualmente não estejam sujeitas ao pagamento de determinado tributo. Há precedente do STJ inequívoco nesse sentido: “os deveres instrumentais, previstos na legislação tributária, ostentam caráter autônomo em relação à regra matriz de incidência do tributo, uma vez que vinculam, inclusive, as pessoas físicas ou jurídicas que gozem de imunidade ou outro benefício fiscal”.371 Também o STF afirma: “O fato de a pessoa jurídica gozar da imunidade tributária não afasta a exigibilidade de manutenção dos livros fiscais”.372

Vale cuidarmos um pouco mais detalhadamente de algumas obrigações acessórias.

Dentre os documentos fiscais a serem produzidos, é de elevada importância a emissão de nota fiscal de venda e de prestação de serviços.

Há diversos livros fiscais. No Livro-Diário, são lançados, dia a dia, diretamente ou por reprodução, os atos ou operações da atividade mercantil, ou que modifiquem ou possam vir a modificar a situação patrimonial do comerciante.373 O Livro-Razão é utilizado para resumir ou totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Livro-Diário. O LALUR (Livro de Apuração do Lucro Real) é obrigatório para as pessoas jurídicas tributadas pelo Lucro Real e se destina à sua apuração para fins de cálculo do imposto de renda devido. Mas há ainda, inúmeros outros livros, como o Livro de Apuração do IPI, o Livro de Apuração do ICMS, o Livro de Registro Especial do ISSQN, o Livro Registro de Inventário, o Livro Registro de Entradas, o Livro Registro de Saídas, o Livro Registro de Controle da Produção e do Estoque, o Livro Registro Permanente de Estoque, o Livro de Movimentação de Combustíveis, o Livro Registro de Entrada e Saída do Selo de Controle, o Livro Registro de Impressão de Documentos Fiscais, o Livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrências, o Livro Caixa – Carnê-Leão e o Livro Caixa da Atividade Rural.

As pessoas físicas e jurídicas estão obrigadas, ainda, à apresentação de declarações, como a Declaração de Rendimentos do Imposto de Renda da Pessoa Física. Para as pessoas jurídicas, há, por exemplo, a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) e a Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF), dentre muitas outras. Uma das mais importantes obrigações tributárias acessórias, na área federal, aliás, é a de apresentação mensal ou semestral de informações acerca da maior parte dos tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil através da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF).374 A DCTF é mensal para empresas que no ano anterior tenham tido elevada receita bruta ou cujo somatório de débitos declarados seja considerável e semestral para as demais. Constam da DCTF informações acerca dos débitos de CSLL, PIS e COFINS, bem como de outros tributos. A DCTF tem efeito de confissão de dívida. Juntamente com a DCTF, as pessoas jurídicas têm a obrigação de preencher o Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais (DACON), em que apresentam os dados relativos à apuração do PIS e da COFINS.

Pode ocorrer, contudo, o descumprimento das obrigações acessórias, ensejando a aplicação de multa. Ou seja, a infração à obrigação acessória (deveres formais) poderá implicar o surgimento de obrigação principal (pagar multa). O art. 113, § 3º, do CTN, ao referir que a “obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária” destaca que o descumprimento do dever formal implica infração autônoma, que independe de ter ou não havido o inadimplemento de tributo. Mas a aplicação de multa pelo descumprimento de obrigação acessória depende de previsão legal específica, exigida expressamente pelo art. 97, V, do CTN. O art. 57 da MP 2.158-35/2001, ainda vigente, prevê multa para o obrigado que deixar de apresentar, à RFB, declaração, demonstrativo ou escrituração digital, que os prestar extemporaneamente ou que deixar de prestar esclarecimentos quando intimado, bem como que cumprir obrigações acessórias com informações inexatas, incompletas ou omitidas.

84. Aspectos da norma tributária impositiva

A lei instituidora de um tributo não apenas define a hipótese de incidência (antecedente da norma), como prescreve a obrigação decorrente (consequente da norma). A norma tributária impositiva é composta por essas duas partes. Contém uma hipótese de incidência, mas não se esgota nela, culminando com um mandamento ou prescrição.

Tanto a hipótese como a prescrição podem ser dissecadas em mais de um aspecto, conforme abaixo:

NORMA TRIBUTÁRIA IMPOSITIVA

• Antecedente ou hipótese:

a) aspecto material (o que – fato gerador)

b) aspecto espacial (onde – território em que a ocorrência do fato implica o surgimento da obrigação tributária)

c) aspecto temporal (quando – momento em que se deve considerar ocorrido o fato gerador)

• Consequente ou prescrição:

d) aspecto pessoal (quem – sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária)

e) aspecto quantitativo (quanto – critérios estabelecidos para cálculo do montante devido)

A lei que veicula a norma tributária impositiva deverá conter os aspectos indispensáveis para que se possa determinar o surgimento e o conteúdo da obrigação tributária, ou seja, qual a situação geradora da obrigação tributária (aspecto material), onde a sua ocorrência é relevante (aspecto espacial) e quando se deve considerar ocorrida (aspecto temporal), bem como quem está obrigado ao pagamento (aspecto pessoal: sujeito passivo), em favor de quem (aspecto pessoal: sujeito ativo), e qual o montante devido (aspecto quantitativo). Pode-se sintetizar pelos advérbios latinos: quid, ubi, quando, quis, quanti.

Os “aspectos” ou “elementos” da norma tributária impositiva são todos integrantes de uma mesma norma e, assim, partes indissociáveis de um todo único, devendo guardar harmonia entre si.

A norma impositiva incompleta, por insuficiência de dados, não assegura ao contribuinte a certeza quanto ao surgimento ou ao conteúdo da sua suposta obrigação tributária, sendo, pois, incapaz de implicar o surgimento da obrigação tributária, já que não pode ser suplementada por regulamento em face da reserva absoluta de lei.

Isso não significa, contudo, que todos os cinco aspectos da norma tributária impositiva (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo) devam, necessariamente, constar da lei de modo expresso e didático. Em leis de boa técnica, isso se dá,375 mas não constitui requisito para que se a considere completa. Cabe ao intérprete e aplicador analisar a lei e identificar os diversos aspectos, só concluindo pela incompletude na impossibilidade de levar a efeito tal identificação por absoluta falta de dados, referências ou elementos para tanto. Vejam-se, a respeito, as considerações que fizemos sobre a matéria quando da análise do princípio da segurança jurídica e da garantia de legalidade tributária absoluta.

Vale destacar que, normalmente, o aspecto espacial é identificado com o território do ente tributante, o que se impõe, inclusive, para evitar invasão de competência tributária entre Estados-Membros ou entre Municípios. O STJ entende, por exemplo, que o Município competente para cobrar o ISS é aquele em cujo território foi efetivamente prestado o serviço, independentemente de onde seja a sede do estabelecimento prestador.376 Diz-se, pois, que se segue o princípio da territorialidade. Mas nos tributos federais, pode haver dispositivo expresso em sentido contrário, sem vício de inconstitucionalidade. No IR, por exemplo, a extraterritorialidade está prevista no art. 43, § 2º, do CTN, embora reste amenizada por tratados internacionais que procuram evitar a bitributação.

É importante ter em consideração, ainda, que não se confunde, de modo algum, o aspecto temporal da hipótese de incidência com o prazo de recolhimento do tributo. O aspecto temporal é a circunstância de tempo do aspecto material ou o momento em que, por ficção legal, visando à operacionalidade (ou “praticabilidade”) da tributação, é determinado que se considere ocorrido o fato gerador. O prazo de recolhimento, por sua vez, sequer integra a norma tributária impositiva: simplesmente explicita o momento em que deve ser cumprida a obrigação pecuniária surgida com a ocorrência do fato gerador.

Na definição do aspecto quantitativo, por sua vez, a lei pode, simplesmente, estabelecer um valor fixo, determinar a aplicação de uma alíquota sobre determinada base de cálculo ou utilizar-se do enquadramento em tabelas, mas sempre tendo em conta a dimensão do fato gerador.377

85. Hipótese de incidência e fato gerador

A lei, ao instituir determinado tributo, estabelece a sua hipótese de incidência, ou seja, a previsão abstrata da situação a que atribui o efeito jurídico de gerar a obrigação de pagar.

Rigorosamente, pode-se distinguir tal previsão abstrata (hipótese de incidência) da sua concretização no plano fático (fato gerador). A hipótese de incidência integra o antecedente ou pressuposto da norma tributária impositiva. O fato gerador é a própria situação que, ocorrida, atrai a incidência da norma.

Há situações, contudo, em que o próprio CTN e o legislador ordinário tratam a hipótese de incidência por fato gerador, como se pode ver no art. 19 do CTN e no art. 1º do DL 37/66. Não há nenhum inconveniente nisso, desde que se tenha bem presente a distinção entre o plano normativo e o plano fático.

A incidência é o fenômeno jurídico de adequação da situação de fato verificada (fato gerador) à previsão normativa (hipótese de incidência). Com a subsunção do fato à norma, o que poderia ser um simples fato da vida assume a qualidade de fato jurídico gerador de obrigação tributária.

A não incidência é definida por exclusão. É errado, portanto, falar-se em “hipótese de não incidência”. Tecnicamente, só há hipóteses de incidência; a não incidência é mera consequência, dizendo respeito ao que se situa fora dos limites da norma.

É importante ter bem claro, ainda, que é a lei instituidora do tributo, normalmente lei ordinária, que define sua incidência, e não a norma de competência. Pode-se afirmar, com razão, que “O constituinte não cria tributo. Ele apenas autoriza sua criação, a qual se dá por meio de uma lei. É o legislador quem, atuando dentro de sua competência, decide se o tributo será, ou não, instituído. [...] Fica clara, entretanto, a ideia de que, se o legislador não contemplou a hipótese, está ela fora do campo de incidência (está na não incidência), ainda que possa estar no campo de competência. Somente a lei cria a incidência”.378

Os artigos 114 e 115 do CTN cuidam dos fatos geradores das obrigações principais e acessórias, embora, normalmente, utilizemos a expressão “fato gerador” para referir o pressuposto de fato da obrigação de pagar tributo tão somente.

Fato gerador da obrigação principal “é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, conforme a redação do art. 114 do CTN. Isso porque não se pode deixar de exigir o tributo quando o fato corresponda à hipótese de incidência, tampouco entender que seja devido relativamente à situação não abarcada por ela. Para que incida a norma, é imprescindível e basta que ocorra o que ela prevê como situação geradora da obrigação tributária; nada mais, nada menos.

Fato gerador da obrigação acessória “é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal”, conforme dispõe o art. 115 do CTN.

86. Ocorrência dos fatos geradores

Conforme o art. 116 do CTN, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, “I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios” ou, “II – tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável”. O art. 117 do CTN cuida, ainda, da ocorrência do fato gerador quando envolva negócios jurídicos condicionais. Dispõe no sentido de que se reputam perfeitos e acabados desde a prática do ato ou da celebração do negócio quando sujeitos à condição resolutória (inciso I), mas apenas quando do implemento da condição quando se trate de condição suspensiva (inciso II).

O CTN, em seu art. 118, dispõe, ainda, no sentido de que “A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”.

Forte nesse dispositivo, tem-se entendido, por exemplo, que, prestado serviço de telefonia, incide o ICMS, ainda que o consumidor deixe de pagar a conta telefônica, porquanto “Não compete ao Estado zelar pelo cumprimento da obrigação dos consumidores; cabe, no caso, à prestadora dos serviços buscar, pela via própria, o recebimento de seus créditos”.379 Também já decidiu o STJ que “A exigência tributária não está vinculada ao êxito dos negócios privados”.380 Têm entendido o STF e o STJ, também, que o PIS e a COFINS – contribuições sobre a receita cobradas pelo regime de competência – são devidos ainda que posteriormente se verifique inadimplência dos adquirentes dos produtos.381 Pensamos, todavia, que tal entendimento não poderia ser generalizado desse modo. Tratando-se de tributo sobre a receita mensal, não se verifica a capacidade contributiva que legitima e fundamenta sua cobrança quando, em vez de perceber tal receita, a empresa a tenha visto frustrada, incorrendo em prejuízo decorrente do inadimplemento.

Outra discussão que se estabelece com suporte no art. 118 do CTN diz respeito à tributação dos ilícitos. Jamais um ato ilícito estará descrito na hipótese de incidência de um imposto ou contribuição, por exemplo, porquanto tributo não é sanção de ato ilícito! Assim, do ponto de vista normativo, é descabido pensar-se na tributação de ilícitos.

Mas hipóteses de incidência a princípio lícitas, como a propriedade, a aquisição de renda, a percepção de receita ou a circulação de mercadorias, podem acabar sendo vislumbradas em fatos geradores que consubstanciem situações ilícitas, como a propriedade de bens furtados, a aquisição de renda proveniente de estelionato, a percepção de receita oriunda da exploração de jogos e a circulação de medicamentos sem autorização do órgão competente. Nesses casos, é relevante questionar se o conhecimento do caráter ilícito da situação por parte do Fisco tem ou não repercussão no que diz respeito à incidência da norma tributária e ao surgimento da obrigação de pagar tributo.

Deparando-se com situação de evidente caráter criminoso, por certo que a conduta a ser exigida do Fiscal não será a lavratura de lançamento, mas a representação à autoridade superior ou mesmo a comunicação direta do ilícito às autoridades competentes com vista à tomada das medidas policiais e de persecução penal. Lembre-se que a qualquer pessoa e aos funcionários públicos em especial compete levar ao conhecimento das autoridades os crimes de que tomarem conhecimento, cabendo aos fiscais e auditores representarem nesse sentido à autoridade superior para as providências cabíveis que levarão à investigação e à persecução penal. O que for produto de crime e, por isso, restar perdido em favor do Estado ou for objeto de sequestro, nos termos dos artigos 91 do Código Penal e 125/133 do CPP, não ensejará a cobrança de tributo.

Outra é a situação, todavia, em que o caráter ilícito da situação não seja evidente e que, embora alguma desconfiança por parte do Fiscal, revista-se da aparência de legalidade. Nesses casos, não havendo convicção imediata e inequívoca por parte do fiscal quanto à ilicitude penal, deverá proceder ao lançamento, sem prejuízo da comunicação de eventuais indícios à autoridade superior para que considere se é ou não o caso de representação à autoridade policial ou ao Ministério Público. A mera suposição de ilicitude, ou sua afirmação pelo agente, não é razão suficiente para que se deixe de levar a cabo a atividade vinculada de lançamento e cobrança dos tributos.

87. Classificação dos fatos geradores

Os fatos geradores são classificados quanto ao momento da sua ocorrência em instantâneos, continuados ou de período, como segue:

fato gerador instantâneo: é o fato isolado que ocorre num determinado momento plenamente identificável, como a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial (art. 2º, II, da Lei 4.502/64: IPI) ou o lançamento a débito em conta corrente de depósito (art. 2º, I, da Lei 9.311/96: CPMF, extinta no final de 2007);

fato gerador continuado: é a situação jurídica que se perpetua no tempo, verdadeiro status jurídico, como a propriedade de imóvel rural (art. 1º da Lei 9.393/96: ITR);

fato gerador de período (ou complexo): é a situação composta por diversos fatos considerados em conjunto, como os rendimentos anuais da pessoa física ou o lucro real trimestral ou anual da pessoa jurídica apurado tendo em conta suas receitas e despesas operacionais, com as adições, exclusões e compensações determinadas pela legislação (arts. 1º e 2º da Lei 9.430/96: IRPJ). Entendemos que a denominação fato gerador “de período” é preferível à denominação fato gerador “complexo” porque esta pode levar à ideia de atos jurídicos complexos,382 383 quando, em verdade, o fato gerador de período pode não envolver atos complexos, mas um conjunto de atos simples considerados como uma unidade por questões de política tributária.

Também são classificados, conforme configurem atividade do estado ou situação relativa ao próprio contribuinte, em vinculados e não vinculados:

fato gerador vinculado: é aquele realizado pela própria Administração, como a prestação de serviço de recolhimento de lixo (taxa de lixo) ou a realização de fiscalização para renovação de licença de funcionamento (taxa de renovação de alvará);

fato gerador não vinculado: é aquele que não diz respeito à atividade da Administração, mas ao próprio contribuinte, como ser proprietário de imóvel rural (ITR), adquirir a disponibilidade econômica ou jurídica de renda (IR), promover a saída de mercadoria do estabelecimento (ICMS), importar produto estrangeiro (II).

Não se deve confundir o fato gerador vinculado (aspecto material da hipótese de incidência) com a vinculação do produto da arrecadação (destinação do tributo).

88. Planejamento tributário e norma tributária antielisiva

O planejamento tributário é o estabelecimento de estratégias para a realização de atos e negócios ou mesmo de toda uma atividade profissional ou empresarial com vista ao menor pagamento de tributos.

A compreensão e o enfrentamento das questões relativas aos limites do planejamento tributário exige a ponderação do livre exercício de atividade econômica e da liberdade em geral, de um lado, com a capacidade contributiva e a solidariedade social, de outro.

O debate não se restringe à análise da validade e eficácia de atos de direito privado. Impende que se proceda à análise da legitimidade das opções realizadas sob a perspectiva específica do Direito Tributário, com seus fundamentos e perspectivas. É preciso que se tenha em consideração o dever fundamental de pagar tributos e os princípios próprios da tributação, o que envolve não apenas a segurança jurídica, mas também a capacidade contributiva e a isonomia, consideradas as pessoas enquanto contribuintes.

Acerca da evolução da análise do planejamento fiscal, MARCO AURÉLIO GRECO ensina: “na primeira fase, predomina a liberdade do contribuinte de agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos, salvo simulação; na segunda fase ainda predomina a liberdade de agir antes do fato gerador e mediante atos lícitos, porém nela o planejamento é contaminado não apenas pela simulação, mas também pelas outras patologias do negócio jurídico, como o abuso de direito e a fraude à lei. Na terceira fase, acrescenta-se um outro ingrediente que é o princípio da capacidade contributiva que – por ser um princípio constitucional tributário – acaba por eliminar o predomínio da liberdade, para temperá-la com a solidariedade social inerente à capacidade contributiva. Ou seja, mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade) nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva. A capacidade contributiva assume tal relevância pro ser princípio constitucional consagrado no § 1º do art. 145 da CF/88, constatação a partir da qual nasce a importante discussão quanto à sua eficácia jurídica e à identificação dos seus destinatários. como princípio constitucional, consagra uma diretriz positiva a ser seguida, um valor – tal como os demais previstos na CF/88 – perseguido pelo ordenamento e do qual as normas e regras são instrumentos operacionais de aplicação. [...] Daí o debate sobre planejamento tributário dever, ao mesmo tempo, considerar e conjugar tanto o valor liberdade quanto o valor solidariedade social que dá suporte à capacidade contributiva ...”.384

O art. 149, inciso VII, do CTN autoriza o lançamento de ofício “quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação”. Aqui, estamos em face da deliberada intenção do contribuinte de enganar o Fisco. A fraude, normalmente, envolve falsificação material ou ideológica de documentos. A simulação, o contribuinte representa a ocorrência de situação em verdade inexistente, visando a determinado ganho fiscal consubstanciado na redução dos tributos a pagar ou na apropriação de créditos a receber.

O parágrafo único do art. 116 do CTN (acrescido pela LC 104/01) dispõe no sentido de que: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

Dissimular é ocultar, esconder, encobrir. Resta o Fisco, assim, autorizado a desconsiderar atos ou negócios jurídicos cujo conteúdo não corresponda à sua aparência e à real intenção do contribuinte.

Note-se que o artigo exige que o ato tenha o efeito de ocultar a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos que configuram a hipótese de incidência e que o ato tenha sido praticado com tal finalidade.

Faz-se necessário que o Fisco, ao invocar a desconsideração, justifique suficientemente sua decisão, demonstrando que o ato ou negócio foi realizado com a finalidade de ocultar a ocorrência do fato gerador.

A norma do art. 116, parágrafo único, do CTN remete à observância dos procedimentos “a serem estabelecidos em lei ordinária”. Mas o legislador ainda não se desincumbiu de tal mister.

Há muitas medidas de planejamento tributário, algumas bastante corriqueiras e regulares, outras desbordando para a sonegação.

Há empresas que optam por contratar a maior parte dos serviços de que necessitam sempre com pessoas jurídicas, escapando, com isso, do ônus decorrente da contribuição previdenciária que incide sobre o pagamento de remuneração às pessoas físicas (profissionais autônomos e mesmo empregados) e que não incide sobre o pagamento de serviços a pessoas jurídicas.

Alguns contribuintes pessoas físicas constituem pessoas jurídicas com o único e exclusivo intuito de submeterem suas atividades profissionais a carga tributária inferior à suportada pelas pessoas físicas. Muitas vezes, isso é facultado e até induzido pela legislação, que criou, inclusive, a figura da empresa individual de responsabilidade limitada (Lei n. 12.441/2011). Noutras, há a formação de sociedade para efetiva atuação conjunta de profissionais, de modo que se une a utilidade da sociedade com a conveniência da menor carga tributária. Em outros casos, todavia, há sociedades meramente de fachada, sem qualquer intuito associativo, em que um dos sócios presta pessoal e diretamente serviços personalíssimos, restando os demais meramente figurativos e sem qualquer participação, com o que se revela uma sociedade aparente ou fictícia, o que é questionado pelo fisco.

Algumas empresas, buscando reduzir sua carga tributária, fragmentam suas atividades, distribuindo-as entre diversas empresas com faturamento menor, passíveis de se enquadrarem no Simples. Quando tal ocorra de modo simulado, sem que haja efetiva autonomia de cada empresa, teremos um abuso da forma jurídica, ensejando sua desconsideração, com a cobrança dos tributos efetivamente devidos acrescidos de juros e de multas pesadas, além do que estarão os diretores sujeitos à responsabilização criminal por sonegação e até mesmo, conforme as circunstâncias, por crime de falso em razão do potencial lesivo que extrapole a sonegação, espraiando-se por outras esferas, como as comerciais e trabalhistas.

O planejamento tributário, normalmente, constitui estratégia voltada ao âmbito da atividade privada. Mais recentemente, contudo, inclusive o poder público passou a adotar medidas de planejamento tributário. É o caso dos Municípios que criaram entidades sem fins lucrativos dotadas de personalidade jurídica própria para atuarem nas áreas da assistência, da saúde e da educação, atraindo, assim, a imunidade às contribuições de seguridade social de que gozam as entidades beneficentes de assistência social, nos termos do art. 195, § 7º, da CF. Note-se que o Município propriamente, enquanto ente político, goza apenas da imunidade a impostos, assegurada pelo art. 150, VI, a, da CF, enquanto as entidades beneficentes de assistência social gozam tanto da imunidade a impostos prevista no art. 150, VI, c, como da imunidade às contribuições de seguridade.

89. Sujeito ativo

O sujeito ativo da relação tributária é o credor da obrigação, tendo as prerrogativas de editar normas complementares necessárias à fiscalização e à cobrança, exercer a fiscalização, constituir o crédito tributário mediante lançamento, inscrevê-lo em dívida ativa e exigir o seu pagamento, se necessário, mediante o ajuizamento de execução fiscal.

O art. 119 do CTN exige que a lei coloque na condição de sujeito ativo uma pessoa jurídica de direito público, ou seja, o próprio ente político, uma autarquia ou uma fundação pública. Tal dispositivo está em perfeita harmonia com o art. 3º, que diz que os tributos são cobrados mediante “atividade administrativa plenamente vinculada”, e com o art. 7º do CTN, que diz da possibilidade de uma pessoa jurídica de direito público conferir a outra as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos e de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária.

Assim, a condição de sujeito ativo da relação jurídico-tributária pode ser delegada pelo ente político titular da competência tributária,385 por lei, para outra pessoa jurídica de direito público, como uma autarquia.

Mas a posição de sujeito ativo não se confunde com a do destinatário do produto da arrecadação, ou seja, com a daquele a quem a lei destina os valores arrecadados. As pessoas jurídicas de direito privado, desde que exerçam função pública e sem fins lucrativos, podem ser destinatárias do produto de determinadas contribuições instituídas justamente para tal fim, mas jamais integrarão a relação jurídico-tributária. Uma pessoa jurídica de direito público haverá de fiscalizar e cobrar o tributo, repassando-o, então, ao destinatário do seu produto. É o caso das contribuições devidas ao SENAC e ao SENAI, que atualmente têm a União como sujeito ativo. Relativamente a essa última contribuição, entendeu o STJ que: “Embora a fiscalização e a arrecadação da contribuição adicional em questão tenham sido atribuídas diretamente à entidade privada destinatária da dita contribuição (cf. art. 10 do Decreto n. 60.466/67), ainda assim se trata de tributo instituído pela União e exigível mediante lançamento, atribuição típica de autoridade administrativa federal (art. 142 do CTN)”.386 De outro lado, contudo, foi editada a Súmula 396 do STJ: “A Confederação Nacional da Agricultura tem legitimidade ativa para a cobrança da contribuição sindical rural”. Essa súmula pressupõe uma visão mais larga – e que nos parece equivocada – das possibilidades de delegação a que se refere o art. 7º do CTN.

90. Sujeitos passivos das diversas relações jurídicas com o Fisco

O art. 121 do CTN cuida do “sujeitos passivo” da obrigação tributária principal. Ao fazê-lo, limita-se a dizer que sujeito passivo “é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária” e que pode ser “contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” ou “responsável, quando sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”. Cuida-se, contudo, de uma simplificação grosseira e que leva a diversos equívocos na interpretação e na aplicação das normas tributárias.

O art. 121 não esclarece, por exemplo, que o contribuinte e o responsável não são sujeitos passivos de uma mesma relação jurídica. O contribuinte é obrigado no bojo de uma relação contributiva, instituída por lei forte no dever fundamental de pagar tributos. O terceiro – designado pelo art. 121 simplesmente de responsável – é obrigado no bojo de uma relação de colaboração com a Administração, para a simplificação, a facilitação ou a garantia da arrecadação.

Tanto o contribuinte como o terceiro podem vir a ser obrigados ao pagamento do tributo, sujeitando-se à cobrança e à execução no caso de inadimplemento. Mas suas obrigações decorrem de diferentes dispositivos legais, têm diferentes hipóteses de incidência, surgem em momentos próprios. Enfim, são inconfundíveis. É absolutamente falso imaginar que, ocorrido o fato gerador do tributo, dele decorra diretamente a obrigação de qualquer outra pessoa que não o contribuinte. O terceiro só pode ser obrigado ao pagamento do tributo mediante previsão legal específica com recursos do contribuinte (na qualidade de substituto tributário) ou com recursos próprios, mas, neste caso, em decorrência do descumprimento de uma obrigação sua de colaboração para com o Fisco (na qualidade de responsável tributário). Cabe notar que o obrigado ao pagamento de penalidade terá de ser quem cometeu a infração, ou seja, o infrator.

O art. 121 ainda nos leva a uma visão demasiadamente simplificadora dos sujeitos passivos. Isso porque refere tão somente duas categorias: contribuinte e responsável. Nesta última, insere qualquer terceiro não contribuinte. A exata compreensão das relações jurídicas que vinculam terceiros ao Fisco exige um maior detalhamento. Tanto a doutrina estrangeira como a nacional cuidam de distinguir, dentre os terceiros, o substituto tributário, de um lado, e o responsável tributário, de outro, isso quando não detalham ainda mais, dando autonomia a outras categorias como aos chamados agentes de retenção.

Considera-se substituto tributário o terceiro obrigado diretamente ao pagamento do tributo em lugar do contribuinte e com recursos que possa exigir ou reter deste. Considera-se responsável tributário o terceiro obrigado subsidiariamente ao pagamento do tributo forte no inadimplemento por parte do contribuinte e do descumprimento, pelo responsável, de um dever seu de colaboração para com a Administração que tenha favorecido aquele inadimplemento.

Cuidaremos de cada classe em item próprio adiante.

Não constitui sujeito passivo o mero pagador, que, por liberalidade, paga tributo em nome de outrem. Também não é sujeito passivo o chamado contribuinte de fato, a quem é diretamente transferido o ônus econômico do tributo mediante destaque expresso do valor devido na operação mas que não está obrigado ao pagamento e não pode ser demandado pelo Fisco. Por fim, tampouco poder ser considerado sujeito passivo o contribuinte econômico, ou seja, aquele que suporta mediatamente o ônus da tributação.

Quanto ao sujeito passivo de obrigação tributária acessória, não entra em questão se a pessoa a ela obrigada é contribuinte, substituto ou responsável tributário, se goza ou não de imunidade ou de algum benefício fiscal como a isenção. Todos, contribuintes ou não, seja em que situação estiverem, podem ser obrigados por lei ao cumprimento de deveres formais, forte no dever fundamental de colaboração com a fiscalização tributária.

A condição de sujeito passivo de obrigação acessória dependerá única e exclusivamente da previsão, pela legislação tributária, de que lhe seja atribuído determinado dever formal de fazer (e.g. elaborar folha de salários indicando as contribuições previdenciárias devidas), não fazer (e.g. não transportar mercadoria sem nota fiscal) ou tolerar (e.g. facultar o acesso dos auditores-fiscais à documentação fiscal da empresa) em benefício da atividade tributária.

A sujeição passiva de qualquer relação obrigacional tributária é matéria estritamente legal forte na garantia da legalidade tributária (art. 150, I, da CF) ou mesmo da legalidade geral (art. 5º, II, da CF). O art. 123 do CTN constitui simples desdobramento disso ao dispor expressamente no sentido de que “salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes”.

Eventuais convenções particulares, como contratos de aluguel e acordos coletivos de trabalho, na parte em que distribuam ônus tributários para uma ou outra parte, terão efeitos entre os contratantes, mas não podem ser opostas ao Fisco, que identificará os sujeitos passivos tendo como referência exclusiva a lei ordinária. Assim, se num contrato de aluguel ficar definido que cabe ao locatário o pagamento do IPTU, tal será irrelevante para o Fisco. Havendo inadimplemento, o Município cobrará daquele que a lei diz ser o contribuinte, normalmente o proprietário. E como o pagamento, para extinguir o crédito tributário, é sempre em nome do contribuinte, ainda que realizado por outra pessoa, certo é que na eventualidade de ocorrer um pagamento indevido, só o proprietário poderá repeti-lo.387 Do mesmo modo, se em acordo coletivo de trabalho ficar definido que o empregador suportará o imposto de renda sobre determinado abono salarial, isso não terá qualquer relevância perante o Fisco, sendo incapaz de afastar as normas que determinam que contribuinte é quem percebe a renda e que o empregador deve fazer a retenção e recolhimento do imposto devido, este em nome do empregado.

91. Solidariedade

A solidariedade é um instituto jurídico que define o grau das relações entre os devedores e entre estes e o credor, indicando que cada um responde pela dívida toda, sem benefício de ordem.

O Código Civil dispõe sobre a solidariedade em seus arts. 275 a 285. O CTN torna inequívoca a ausência de benefício de ordem para os devedores solidários (art. 124, I e parágrafo único) e que, quando há solidariedade, “o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais”, “a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo” e “a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais” (art. 125, I, II e III, do CTN).

O art. 124 do CTN diz que são solidariamente obrigadas “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal” (art. 124, I) e deixa ao legislador ordinário estabelecer outros casos de solidariedade (art. 124, II).

Têm interesse comum aqueles que figuram conjuntamente como contribuintes. É o caso, por exemplo, dos coproprietários de um imóvel relativamente ao IPTU ou à taxa de recolhimento de lixo.

A solidariedade que venha a ser estabelecida pelo legislador ordinário pressupõe que a própria condição de devedor tenha suporte legal suficiente. O art. 124, II, do CTN não autoriza o legislador a criar, a título de solidariedade, novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN.388 Conforme ensina Misabel Derzi, a solidariedade não é “forma de inclusão de um terceiro no pólo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o pólo passivo”.389 O legislador ordinário também não pode determinar a solidariedade entre devedores que, por força de dispositivo constante do próprio CTN, devam responder subsidiariamente.

92. Contribuinte

O contribuinte é aquele obrigado por lei a contribuir para as despesas públicas, vertendo recursos do seu patrimônio para o erário. O fundamento jurídico direto da sua obrigação é a lei instituidora do tributo. O fundamento jurídico mediato, que permite ao legislador a instituição dos tributos, é seu dever fundamental de pagar tributos. Os critérios de justiça tributária considerados são a justiça distributiva, fundada na capacidade contributiva de cada pessoa, ou a justiça comutativa, buscando de cada um o custeio da atividade estatal que lhe diz particularmente respeito, por ser divisível e específica.

Nos termos do art. 121, I, do CTN, o contribuinte guarda relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Nos tributos com fato gerador não vinculado, contribuinte é a pessoa cuja capacidade contributiva é objeto de tributação, ou seja, uma das pessoas que pratica o ato ou negócio jurídico ou que está na situação indicada por lei como geradora da obrigação tributária, por exemplo, o titular da receita, do lucro, da propriedade, o que vende ou adquire mercadorias, o que importa produto estrangeiro. Nos tributos com fato gerador vinculado à atividade estatal, será aquele que demanda o serviço público, que sofre o exercício do poder de polícia ou que tem o seu imóvel valorizado pela obra pública.

Não se pode, senão por lei específica (art. 150, § 6º), dispensar quem quer que seja do cumprimento das suas obrigações, apenas por dispositivo expresso é que o contribuinte poderá ser excluído da obrigação de pagar. A previsão legal de que terceiro responderá pelo pagamento do tributo não exonera, por si só, o contribuinte. Inadimplido o tributo, poderá ser chamado ao seu pagamento, salvo se a atribuição da responsabilidade tiver se dado em caráter pessoal, integralmente, com sub-rogação. Não há como afastar a obrigação do contribuinte que, por definição, é devedor do tributo, sem que tal decorra diretamente da lei. Assim é que, estabelecida a obrigação da empresa de reter o imposto de renda devido pelos seus empregados, na hipótese de tal não ocorrer, poderá o Fisco exigir o tributo tanto da empresa que deixou de reter e de recolher, como do contribuinte que não sofreu a retenção e não pagou. Não poderá, por certo, exigir do contribuinte tributo que lhe tenha sido retido, ainda que não recolhido pelo empregador. Isso porque, neste caso, o contribuinte se sujeitou à retenção por determinação legal, suportando o ônus da tributação.

93. Substituto tributário

O substituto tributário é o terceiro que a lei obriga a apurar o montante devido e cumprir a obrigação de pagamento do tributo “em lugar” do contribuinte.

Esse terceiro sempre terá relação com o fato gerador e a prerrogativa de reter o montante do tributo ou de exigi-lo do contribuinte. Isso porque o substituto operacionaliza o pagamento em lugar, em nome e com o dinheiro do contribuinte. É um terceiro que o legislador intercala entre o contribuinte e o fisco para facilitar a arrecadação e a fiscalização dos tributos.

Cabe ao substituto tomar a iniciativa de verificar o montante devido e proceder ao seu pagamento, colaborando, assim, com a tributação. O substituto atua em lugar do contribuinte no que diz respeito à realização do pagamento, mas jamais ocupa seu lugar na relação contributiva. O terceiro, por ser colocado na posição de substituto, não se torna contribuinte do montante que tem de recolher. É sujeito passivo, sim, mas da relação própria de substituição, e não da relação contributiva.

A opção do legislador por eleger um substituto tributário normalmente visa à concentração de sujeitos, ou seja, a que um único substituto possa responsabilizar-se pela retenção e recolhimento dos tributos devidos por inúmeros contribuintes que com ele se relacionam. Isso evita o inadimplemento pelos contribuintes e facilita a fiscalização que, em vez de ser direcionada a muitos contribuintes, concentra-se em número muito menor de substitutos. É o caso do empregador ao reter e recolher o imposto de renda dos seus empregados. Essa concentração também implica redução dos custos da arrecadação e restringe as possibilidades de inadimplemento e de sonegação.

No capítulo sobre os critérios de tributação, abordamos o instituto da substituição tributária e suas diversas modalidades, de modo que sugerimos que seja lido para melhor compreensão da figura do substituto.

94. Responsável tributário

A atribuição da responsabilidade a terceiro jamais será presumida ou implícita; decorrerá, necessariamente, de dispositivo do CTN ou da legislação ordinária que assim determine. A par da norma tributária que estabelece a obrigação do contribuinte, teremos, ainda, uma norma específica impondo a responsabilidade tributária a outra pessoa: “A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu pressuposto de fato e seus sujeitos próprios”.390

O CTN estabelece alguns casos de responsabilidade tributária e deixa ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer outras hipóteses específicas. Seu art. 128 é inequívoco no sentido de que “a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Não poderá o legislador ordinário, por certo, contrariar o disposto no CTN.391

Note-se que o art. 128 do CTN só permite ao legislador atribuir responsabilidade tributária a terceiro vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. É imprescindível, portanto, que tenha “capacidade de colaboração”, ou seja, que esteja em situação tal que enseje a prática de atos que possam facilitar ou assegurar a tributação sem que sejam para si demasiadamente trabalhosos. Isso porque o responsável tributário não integra a relação contributiva. É sujeito passivo de obrigação própria de colaboração com o Fisco, cumprindo deveres que facilitam a fiscalização ou que impedem o inadimplemento. Só no caso de descumprimento da sua obrigação de colaboração é que assume a posição de garante, passando, então, à posição de responsável pela satisfação do crédito tributário. Exemplo é o caso do tabelião que tem a obrigação de exigir do comprador o comprovante de pagamento do ITBI, com o que impede que o negócio seja feito sem que esse tributo tenha sido devidamente recolhido.392 Caso o tabelião cumpra as suas obrigações, exigindo a apresentação da guia de pagamento do imposto, seu patrimônio nada terá de suportar. Descumprindo, contudo, poderá ser obrigado a satisfazer o tributo inadimplido pelo contribuinte. Não tivesse ele nenhuma relação com o fato gerador ou com o contribuinte, sequer poderia ser colocado na posição de responsável tributário, pois não teria como interceder junto ao mesmo.

Podemos distinguir as diversas hipóteses, efeitos e objetos da relações jurídicas de responsabilidade disciplinadas pelo CTN.

• Quanto aos pressupostos de fato da responsabilidade, pode decorrer:

a) da sucessão, seja na aquisição de imóvel, na aquisição ou remição de bens em geral, no falecimento, na fusão, transformação, incorporação ou cisão de empresa, ou na aquisição de estabelecimento comercial ou de fundo de comércio (arts. 130, 131, 132 e 133); neste caso, cuida-se de responsabilidade pelo pagamento que deveria ter sido feito no passado pelo contribuinte e não foi, restando a dívida em aberto por ocasião da sucessão, ainda que a formalização do crédito (normalmente pela lavratura de auto de infração) venha a ocorrer posteriormente (art. 129);

b) da prática de atos de representação pelos pais, tutores e curadores, administradores de bens, inventariantes, síndico e comissário e os sócios de sociedades de pessoas, a que o CTN se refere como “terceiros” (art. 134);

c) do descumprimento, pelos tabeliães e escrivães, do dever de zelar pelo recolhimento dos tributos quanto aos atos em que atuem (art. 134);

d) da prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos pelos representantes já arrolados, pelos mandatários, prepostos e empregados, ou pelos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (art. 135).

e) do dolo ou fraude na expedição de certidão negativa de débitos (art. 208).

• Quanto ao objeto da obrigação do responsável, a responsabilidade pode alcançar:

a) os créditos tributários, expressão genérica que corresponde tanto à obrigação de pagar tributo como à de pagar penalidade (art. 135);

b) os tributos, expressão que não se confunde com as multas, pois tributo não é sanção de ato ilícito (arts. 131, 132, 133, 134); há muitos precedentes, porém, entendendo que, mesmo alguns dispositivos do CTN referindo simplesmente “tributos”, a responsabilidade alcançaria também as penalidades.393

c) créditos tributários específicos relativos aos impostos sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, às taxas de serviços e às contribuições de melhoria referentes a tais bens (art. 130).

Note-se que o próprio CTN, no art. 3º, conceitua tributo, deixando inequívoco que não se confunde com sanção de ato ilícito. No art. 113, conceitua obrigação tributária principal, ressaltando que abrange tanto o tributo como a penalidade pecuniária, sendo que o crédito corresponde à obrigação, como outra face de uma mesma moeda, apenas formalizado posteriormente. Sendo, os conceitos de tributo e de obrigação tributária, distintos, aquele mais restrito que este, impende que, na interpretação dos dispositivos atinentes à responsabilidade, ou seja, quando da aplicação de tais conceitos pelo mesmo CTN, sejam considerados tais conceitos na sua dimensão específica, deles decorrendo as especificidades quanto à abrangência da responsabilidade em cada uma das hipóteses.

Em determinados casos, pode-se estranhar que a responsabilidade seja apenas pelos tributos, e não pela totalidade dos créditos (tributos e multas), mas deve-se compreender que o CTN busca preservar a pessoalidade da sanção. Assim é que, na maioria das hipóteses de responsabilidade, refere-se à responsabilidade pelos tributos tão somente, de modo que a responsabilidade pelas infrações (obrigação de pagar as penalidades) não se transfere ao sucessor ou a outro terceiro. Ademais, na seção acerca da responsabilidade por infrações, referindo-se à responsabilidade em sentido amplo, como obrigação de pagar seja do contribuinte ou do responsável tributário, embora estabeleça, como regra, seu caráter objetivo, no sentido de que não se tenha de perquirir sobre a “intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato” (art. 136), arrola diversas situações (crimes ou contravenções, infrações que pressuponham dolo específico e infrações em que verificado dolo específico do representante contra o contribuinte representado) em que o caráter pessoal da responsabilidade resta estabelecido de modo inequívoco (art. 137), ou seja, em que é pessoal do agente, e não de qualquer outra pessoa.

Ainda no que diz respeito à abrangência da responsabilidade, é relevante considerar que a responsabilidade por sucessão alcança todos os tributos relativos ao período anterior à sucessão, aplicando-se “por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data” (art. 129).

• Quanto aos efeitos ou ao grau da responsabilidade, podemos ter:

a) responsabilidade subsidiária, quando se tenha de exigir primeiramente do contribuinte e, apenas no caso de frustração, do responsável. É o caso mais típico de responsabilidade. Na falta de dispositivo em sentido contrário, presume-se a subsidiariedade. Dentre as hipóteses de responsabilidade previstas no próprio CTN, são subsidiárias as dos arts. 133, II, e 134 do CTN). O STJ também se refere à hipótese do art. 135 como se de responsabilidade subsidiária se tratasse.394

b) responsabilidade solidária, quando tanto o contribuinte quanto o responsável respondem, sem benefício de ordem (art. 124, parágrafo único,); ademais, quando há solidariedade, “o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais”, a “a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo” e “a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais”, tudo nos termos do art. 125, incisos I, II e III, do CTN. Só haverá solidariedade entre responsável e contribuinte quando a lei expressamente assim determine, conforme previsão do art. 124, I, do CTN.

c) responsabilidade pessoal, quando é exclusiva, sendo determinada pela referência expressa ao caráter pessoal ou revelada pelo desaparecimento do contribuinte originário, pela referência à sub-rogação ou pela referência à responsabilidade integral do terceiro em contraposição à sua responsabilização ao lado do contribuinte. São pessoais as responsabilidades dos arts. 130, 131, 132, 133, I, e 135 do CTN.395

Vale destacar, quanto a essa questão, que a legislação estrangeira costuma atribuir caráter subsidiário à maioria das hipóteses de responsabilidade tributária.396

95. Responsabilidade dos sucessores

A responsabilidade dos sucessores é disciplinada pelos arts. 129 a 133 do CTN. Inicia o art. 129 dizendo que se aplica a todos os créditos relativos a obrigações surgidas até a sucessão, ainda que constituídos posteriormente.

O art. 130 trata da responsabilidade dos adquirentes de imóveis, que alcança os créditos relativos a impostos que tenham como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse, bem como os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes ao imóvel, ou ainda os relativos a contribuições de melhoria. A responsabilidade do adquirente alcança, assim, o IPTU ou o ITR, que têm como fato gerador a propriedade, mas não o ISS relativo à construção de prédio, porque este tem como fato gerador a prestação de serviços. Dentre as taxas, alcança, por exemplo, a taxa de recolhimento de lixo. Dentre as contribuições, só a de melhoria é assumida pelo adquirente, não as contribuições previdenciárias relativas ao pagamento da mão de obra para construção do imóvel. Os créditos sub-rogam-se na pessoa do adquirente, “salvo quando conste do título a prova de sua quitação”. Conforme o parágrafo único do mesmo artigo, no caso de arrematação em hasta pública, “a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço”. Aliás, conforme já decidiu o STJ: “O crédito fiscal perquirido pelo fisco deve ser abatido do pagamento, quando do leilão, por isso que, finda a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo ou responsabilidade tributária”.397 O arrematante tem direito à certidão negativa.398

O art. 131 estabelece a responsabilidade pessoal do adquirente ou remitente (quem realiza o resgate de dívida) pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos (inciso I), do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada ao montante do quinhão, do legado ou da meação (inciso II) e do espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão (inciso III).

O art. 132, por sua vez, define a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra. ou em outra, pelos tributos devidos. A cisão, embora não referida expressamente, “é modalidade de mutação empresarial sujeita, para efeito de responsabilidade tributária, ao mesmo tratamento jurídico conferido às demais espécies de sucessão”.399 Também é responsável o sócio, ou seu espólio, que continue a exploração da atividade relativa pessoa jurídica extinta, ou seja, no caso de sucessão empresarial de fato.

A responsabilidade por sucessão também ocorre nos caos de aquisição de fundo de comércio ou de estabelecimento comercial, industrial ou profissional, conforme o art. 133. O adquirente que continuar a respectiva exploração responde “integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade” (inciso I) ou “subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo do comércio, indústria ou profissão” (inciso II). Não se dá tal responsabilidade quando a alienação ocorra em processo de falência ou em processo de recuperação judicial, desde que o adquirente não seja o próprio sócio, seus parentes, agente da empresa ou sociedade controlada, conforme os §§ 1º e 2º do art. 133.

96. Responsabilidade de terceiros, inclusive dos sócios-gerentes e administradores

Os arts. 134 e 135 estabelecem a responsabilidade de terceiros, o que, no sistema do código, diz respeito a pessoas que não são nem os próprios contribuintes, nem seus sucessores. “Terceiros” são os pais, os tutores e curadores, os administradores de bens de terceiros, o inventariante, o síndico e o comissário, os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício e os sócios de sociedades de pessoas.

Esses terceiros têm deveres próprios de boa administração ou de fiscalização cujo cumprimento é capaz de assegurar o pagamento dos tributos devidos por seus representados ou pelas pessoas que praticaram atos perante eles. Respondem eles “nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis”, conforme os diversos incisos do art. 134.

Caso descumpram seus deveres, passam a garantir o crédito tributário com seus próprios bens. Assim, por exemplo, o tabelião e o registrador que, por ocasião da lavratura de uma escritura de compra e venda ou do seu registro, deixem de exigir as guias comprobatórias do pagamento dos tributos inerentes à operação ou certidão negativa, passam a ser responsáveis pelos respectivos créditos tributários.400

A responsabilidade dos terceiros, nas hipóteses do art. 134, tem caráter subsidiário, ocorrendo “nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte”.401 Alcança os tributos e as multas moratórias, conforme o parágrafo único do art. 134.

Na hipótese de os terceiros referidos no art. 134 darem ensejo ao surgimento de crédito tributários ao praticarem atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”, sua responsabilidade será pessoal, ou seja, exclusiva (art. 135, I). A mesma responsabilidade é atribuída, nesses casos, aos mandatários, prepostos e empregados (inciso II), bem como aos “diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” (inciso III). Este último caso, aliás, é a hipótese de responsabilidade tributária mais aplicada e discutida no direito brasileiro.

A responsabilidade de que cuida o art. 135, III, do CTN pressupõe uma situação grave de descumprimento da lei, do contrato social ou dos estatutos em ato que sequer se poderia tomar como constituindo ato regular da sociedade e do qual decorra a obrigação tributária objeto da responsabilidade, daí por que é pessoal do sócio-gerente.

Tendo em conta que se trata de responsabilidade pessoal decorrente da prática de ilícito, impende que seja apurada, já na esfera administrativa, não apenas a ocorrência do fato gerador, mas o próprio ilícito que faz com que o débito possa ser exigido do terceiro, oportunizando-se aos responsáveis o exercício do direito de defesa. Assim, verificada a responsabilidade dos diretores nos autos do processo administrativo instaurado contra a empresa, deve ser lavrado termo apontando que foi constatada a prática de ilícitos que tem por consequência a sua responsabilização pessoal pelos tributos devidos pela empresa, dando-se aos supostos responsáveis a possibilidade de oferecerem defesa em nome próprio. Aliás, conforme afirmado pelo STF: “Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)”.402 A Portaria RFB 2.284/10 dispõe sobre os procedimentos a serem adotados nesses casos, valendo ressaltar que deve ser oportunizado aos responsáveis contestarem tanto o débito como o vínculo e responsabilidade. É-lhes assegurada, ainda, a possibilidade de pagamento voluntário antes da inscrição em dívida ativa.403

Somente os “diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado” podem ser responsabilizados, e não todo e qualquer sócio. Faz-se necessário, pois, que o sócio tenha exercido a direção ou a gerência da sociedade, com poder de gestão. Efetivamente, a responsabilização exige que as pessoas indicadas tenham praticado diretamente, ou tolerado, a prática do ato abusivo e ilegal quando em posição de influir para a sua não ocorrência. Constitui prova para a configuração da responsabilidade o fato de o agente encontrar-se na direção da empresa na data do cumprimento da obrigação, devendo ter poderes de decisão quanto ao recolhimento do tributo.404

A mera condição de sócio é insuficiente, pois a condução da sociedade é que é relevante. Daí por que o art. 13 da Lei 8.620/93, no que estabelece a solidariedade dos sócios de empresas por cotas de responsabilidade limitada, sem qualquer condicionamento, extrapola o comando do art. 135, III, do CTN, contrariando a norma geral de direito tributário e, portanto, incorrendo em invasão à reserva de lei complementar, com ofensa ao art. 146, III, b, da CF.405 Efetivamente, a responsabilidade pessoal dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, prevista no art. 13 da Lei 8.620/93, só existe quando presentes as condições estabelecidas no art. 135, III, do CTN.406

Sendo a responsabilidade, assim, do diretor, gerente ou representante, e não do simples sócio sem poderes de gestão, também não é possível responsabilizar pessoalmente o diretor ou o gerente por atos praticados em período anterior ou posterior a sua gestão. Assim, sócios que não tenham tido qualquer ingerência sobre os fatos não podem ser pessoalmente responsabilizados pelos créditos tributários decorrentes.

Situação típica de incidência do art. 135, III, do CTN é, sim, a apropriação indébita de contribuições e de impostos, quando a empresa retém os tributos devidos, mas os seus sócios-gerentes não cumprem a obrigação de repassar os respectivos valores aos cofres públicos.

O mero inadimplemento de obrigação tributária é insuficiente para configurar a responsabilidade do art. 135 do CTN na medida em que diz respeito à atuação normal da empresa, inerente ao risco do negócio, à existência ou não de disponibilidade financeira no vencimento, gerando, exclusivamente, multa moratória a cargo da própria pessoa jurídica. Veja-se a Súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.407

A falência não constitui ato ilícito, não podendo, de modo algum, ser invocada pelo Fisco para justificar a incidência do art. 135, III, do CTN. Aliás, é justamente a falta do requerimento da autofalência que implica a chamada dissolução irregular, a qual, contudo, a rigor, também não se enquadra na previsão constante do art. 135 do CTN. Note-se que, ou a empresa encerra suas atividades após o pagamento de todos os seus débitos tributários, obtendo, assim, a certidão negativa indispensável à requisição de baixa, ou a encerra com débitos que não tem como saldar. Neste último caso, deverá requerer a autofalência. Muitas vezes, porém, simplesmente fecha as portas deixando credores. Mas, ainda assim, é certo que tal dissolução irregular (de fato, não de direito) não é fato gerador de tributo algum; da dissolução, propriamente, não decorre obrigação tributária nova.

A dissolução irregular tem sido considerada causa para o redirecionamento da execução contra o sócio gerente. Neste sentido, consolidou-se a jurisprudência do STJ, conforme se vê da Súmula 435: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. Importa ter em conta que “A certidão emitida por oficial de justiça, atestando que a empresa devedora não funciona mais no endereço constante dos seus assentamentos na junta comercial, constitui indício suficiente de dissolução irregular e autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra os sócios-gerentes”.408 Vale destacar, ainda, que a o art. 9º, § 3º, da LC 123/06, com a redação da LC 139/11, permite a baixa da empresa de pequeno porte que se encontre sem movimento há mais de doze meses nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas. A baixa não impede posterior cobrança dos créditos tributários.

97. Responsabilidades estabelecidas pelo legislador ordinário

O art. 128 do CTN enseja ao legislador ordinário que estabeleça outras hipóteses de responsabilidade tributária além daquelas estabelecidas diretamente pelo próprio CTN. Poderá cuidar de novos casos; jamais dispor de modo diverso sobre os casos já previstos no CTN. É o que entende o STF: “O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária... bem como diretrizes para que o legislador de cada ente político estabeleça outras regras específicas de responsabilidade tributária relativamente aos tributos da sua competência, conforme seu art. 128. 3. O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma”.409

Há alguns dispositivos de leis ordinárias com grande aplicação, dentre os quais o art. 30, VI, da Lei 8.212/91.

Tal dispositivo estabelece a responsabilidade solidária do proprietário, do incorporador, do dono da obra ou condômino, com o construtor, pelo cumprimento das obrigações para com a Seguridade Social, ressalvado o seu direito regressivo contra o executor ou contratante da obra e admitida a retenção de importância a este devida para garantia do cumprimento dessas obrigações.

Em vez de simplesmente se referir às atividades inerentes à construção civil e de deixar ao intérprete descortinar sua amplitude, referiu-se expressamente à “construção, reforma ou acréscimo”, delimitando seu âmbito de incidência. São relevantes, pois, tais definições. “Construção” implica e edificação de prédio novo, abrangendo todas as suas fases, desde as fundações até o acabamento. “Reforma” implica alteração em características do prédio, mediante modificações nas divisórias ou aberturas ou substituição de materiais com vista à melhoria na aparência ou na funcionalidade. “Acréscimo” envolve ampliação, com aumento de área. As obrigações atinentes a construções, reformas e acréscimos estão submetidas ao regime de responsabilidade solidária. Outra é a situação de serviços que possam ser enquadrados como de simples manutenção, não alcançados pela norma, como pintar novamente o imóvel que, separadamente, não constitui senão mera conservação ou manutenção.

Outro aspecto que merece relevo é que as contribuições sobre o pagamento de empregados provavelmente constituam as maiores obrigações para com a seguridade social relacionadas às obras de construção civil, mas que o dispositivo legal não restringe às mesmas a responsabilidade estabelecida, pois se refere genericamente às “obrigações para com a Seguridade Social”, de modo que abrange também, por exemplo, as contribuições retidas dos empregados, bem como as contribuições sobre a remuneração de contribuintes individuais e, ainda, as retidas destes, dentre outras que digam respeito à obra.

Caberá ao proprietário, incorporador, dono da obra ou condômino, quando dos pagamentos ao construtor, exigir a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias, sob pena de caracterização da sua responsabilidade solidária. Em face disso, inclusive, a lei os autoriza à retenção da respectiva importância no caso da não comprovação do recolhimento pelo construtor.

Contudo, quanto aos efeitos da solidariedade estabelecida, cabe esclarecer que não autoriza o INSS a efetuar o lançamento contra o responsável pelo simples fato de não apresentar à fiscalização, quando solicitado, as guias comprobatórias do pagamento, pelo construtor, das contribuições relativas à obra. Impõe-se que o INSS verifique se o construtor efetuou ou não os recolhimentos. De fato, não há que se confundir a causa que atrai a responsabilidade solidária do dono da obra (ausência da documentação comprobatória do pagamento pelo contribuinte) com a pendência da obrigação tributária em si. A responsabilidade solidária recai sobre obrigações que precisam ser apuradas adequadamente, junto aos empreiteiros/construtores contribuintes, de modo a se verificar a efetiva base de cálculo e a existência de pagamentos já realizados, até porque, na solidariedade, o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais, nos termos do art. 125, I, do CTN.410 A análise da documentação do construtor é, assim, indispensável ao lançamento. Em existindo dívida, poderá ser exigida de um ou de outro, forte na solidariedade, sem benefício de ordem, conforme se infere do art. 124, parágrafo único, do CTN.411

Notas

369 “Hemos definido las prestaciones formales con aquellas que son objeto de deberes de hacer, no hacer o soportar inherentes a la gestión de los tributos. Son prestaciones instrumentales, no materiales y no pecuniarias. Y son tantas como la ley reguladora de cada tributo considere necesarias para la efectiva aplicación del mismo. Pueden catalogarse, no obstante, en algunos grandes géneros y, dentro de ellos, deslindar prestaciones especiales, concretas. Los grandes géneros son, a nuestro juicio, el deber de declarar, el de informar, el de contabilizar y conservar documentos, y el de facilitar las comprobaciones y controles administrativos.” (LAGO MONTERO, José Maria. La Sujeción a los Diversos Deberes y Obligaciones Tributarios. Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 104).

370 Lei 9.779/99: Art. 16. Compete à Secretaria da Receita Federal dispor sobre as obrigações acessórias relativas aos impostos e contribuições por ela administrados, estabelecendo, inclusive, forma, prazo e condições para o seu cumprimento e o respectivo responsável.

371 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, EDcl nos EDcl no REsp 1116792/PB, ago/2012.

372 STF, Primeira Turma, rel. Ministro MARCO AURÉLIO, RE 250.844, mai/2012.

373 DL 486/69, art. 5º.

374 A DCTF é regulamentada pela IN RFB 974/09.

375 É o caso das Lei 9.393/96, que institui o ITR, e da Lei 9.311/96, que institui a CPMF.

376 STJ, AgRgAg 763.269 e AgRgAg 747.266.

377 Não é de se admitir, como destaca JARACH, “um hiato artificioso entre el hecho imponible y la unidad de medida, o base imponible.” (JARACH, D. El Hecho Imponible: Teoría General del Derecho Tributario Sustantivo. 2ª ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971, p. 113).

378 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2012, p. 225.

379 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, REsp 1189924/MG, mai/2010.

380 REsp 956.842/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 20.11.2007.

381 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, RE 586482, nov/2011; STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, AgRg no AREsp 138672/MG, jun/2012.

382 “Simples se consideram os atos produzidos pela declaração de vontade de um só agente, ou de dois ou mais agentes constituídos em partes reciprocamente contrapostas. Dizem-se complexos, em sentido amplo, os atos resultantes do concurso de várias vontades paralelas.” (Rao, Vicente. Ato Jurídico. 4ª ed. São Paulo: RT, 1999, p. 57).

383 “A doutrina do direito público, mais notadamente direito administrativo, costuma referir-se (a) a atos complexos e (b) a atos compostos, assim considerados aqueles atos jurídicos de direito público para cuja realização se exige a prática de vários atos e deliberações que lhes são condicionantes. A diferença entre eles residiria na circunstância de que, no primeiro (a), o conjunto de atos e deliberações que o integram seriam praticados por órgãos integrantes de um mesmo Poder do Estado ou entidade administrativa autônoma, enquanto o segundo (b) se comporia de atos e deliberações praticados por órgãos de Poderes ou entidades diversos.” (Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 159/160).

384 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2011, p. 319/320.

385 Diferentemente da competência tributária que é indelegável.

386 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, CC 122.713/SP, ago/2012.

387 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, AgRg no AgRg no AREsp 143631/RJ, out/2012.

388 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, RE 562276, 2011.

389 Veja-se o ensinamento de MISABEL ABREU MACHADO DERZI em nota de atualização à obra do Ministro ALIOMAR BALEEIRO. In: Direito Tributário Brasileiro, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 729: “4. A solidariedade não é forma de eleição de responsável tributário. A solidariedade não é espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta, como querem alguns. O Código Tributário Nacional, corretamente, disciplina a matéria em seção própria, estranha ao Capítulo V, referente à responsabilidade. É que a solidariedade é simples forma de garantia, a mais ampla das fidejussórias. Quando houver mais de um obrigado no pólo passivo da obrigação tributária (mais de um contribuinte, ou contribuinte e responsável, ou apenas uma pluralidade de responsáveis) o legislador terá de definir as relações entre os coobrigados. Se são eles solidariamente obrigados, ou subsidiariamente, com benefício de ordem ou não etc. A solidariedade não é, assim, forma de inclusão de um terceiro no pólo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o pólo passivo”.

390 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, RE 562276, 2011.

391 A Lei 8.620/93, que dispôs sobre a responsabilidade dos sócios de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, estabelecendo pura e simples solidariedade relativamente aos débitos junto à Seguridade Social, em sobreposição ao já disciplinado pelo art. 135 do CTN, que estabelecia requisitos mais rígidos para a responsabilização dos sócios, teve a sua inconstitucionalidade reconhecida pelo Tribunal Pleno do TRF4, AI 1999.04.01.096481-9. Vide, também, do STF, o RE 562.276.

392 O art. 130 do CTN prevê que os créditos tributários relativos a impostos sobre a propriedade sub-rogam-se na pessoa do adquirente. Mas há Municípios que exigem a apresentação quitação de dívidas de IPTU como condição para expedir a guia de ITBI e, assim, viabilizar seu pagamento e a lavratura de escritura de compra e venda do imóvel. O TJSC, analisando a questão, afastou a manutenção da exigência, ressaltando, nos termos do art. 130 do CTN, que é “desnecessária a apresentação de qualquer documento do adquirente no sentido de assumir a dívida tributária pré-existente” e que o “Município possui meios próprios e legais para cobrar os débitos tributários, de modo que a exigência do pagamento do IPTU em atraso para a expedição da guia de recolhimento do ITBI referente ao mesmo imóvel fere a garantia do direito de propriedade, elencado no inciso XXII do art. 5º da CRFB” (TJSC, MAS 2010.083537-0, Rel. Des. Francisco Oliveira Neto, set/2011). Esse esclarecimento nos foi sugerido pelo Professor Edmundo Eichemberg, da Faculdade de Direito da Fundação do Ministério Público.

393 STJ, REsp 295.222 e REsp 592.007.

394 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, AgRg no REsp 1196377, 2010; STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, REsp 1091593, 2010.

395 O art. 41 da Lei 8.212/91 também estabelece caso de responsabilidade pessoal em que restam claros os seus efeitos: “Art. 41. O dirigente de órgão ou entidade da administração federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, responde pessoalmente pela multa aplicada por infração de dispositivos desta Lei e do seu regulamento, sendo obrigatório o respectivo desconto em folha de pagamento, mediante requisição dos órgãos competentes e a partir do primeiro pagamento que se seguir à requisição”.

396 O § 219 da Abgabenordnung alemã, o art. 22º, apartado 3, da Lei Geral Tributária portuguesa e o art. 41.2 da Ley General Tributaria espanhola estabelecem o caráter subsidiário da responsabilidade, salvo determinação legal expressa em contrário.

397 STJ, Primeira Turma, rel. p/Acórdão Ministro LUIZ FUX, REsp 819.808, 2006.

398 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, REsp 909.254, 2008.

399 STJ, Primeira turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 852.972, 2010.

400 Vejam-se, a respeito, também os arts. 48 e 49 da Lei 8.212/91.

401 “10. Flagrante ausência de tecnicidade legislativa se verifica no artigo 134, do CTN, em que se indica hipótese de responsabilidade solidária ‘nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte’, uma vez cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária.” (STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, EREsp 446.955, 2008).

402 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, RE 608426 AgR, 2011.

403 Também dispõe sobre a matéria a Portaria PGFN 180/2010.

404 Conclusão tomada por maioria no Iº Encontro Nacional de Juízes Federais sobre Processo de Execução Fiscal, promovido pela AJUFE em 1999.

405 “5. O art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (mal gestão ou representação) e a conseqüência de ter de responder pelo tributo devido pela sociedade. 6. O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por violação ao art. 146, III, da CF. 7. O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição. 8. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93 na parte em que determinou que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.” (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, RE 562276, 2011).

406 STJ, REsp 796.613/RS.

407 No mesmo sentido: STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, AgRg no REsp 1295391/PA, set/2013.

408 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, AgRg no REsp 1339991/BA, ago/2013.

409 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, RE 562276, 2011.

410 CTN: Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade: I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;

411 CTN: Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.