Capítulo XIII – Ilícito Tributário

98. Infrações à legislação tributária e penalidades

As infrações à legislação tributária consistem no descumprimento de obrigações contributivas (pagar tributo) ou de colaboração com a administração tributária (descumprimento de obrigações acessórias, não realização de retenções e de repasses etc.). O cometimento da infração enseja a aplicação de penalidades quando haja lei que as comine (art. 97, V, do CTN).

A penalidade mais comum em matéria tributária é a pecuniária, ou seja, a multa imposta nos casos de mora ou de infrações mais graves que impliquem sonegação ou, ainda, de simples descumprimento de obrigações acessórias. Trataremos das multas no próximo item. Há, também, embora mais raras, penalidades de perdimento de bens e de restrição a direitos.

A pena de perdimento é aplicada na hipótese de irregularidades graves na importação de bens. É que a realização de importação exige o cumprimento do rito próprio (obtenção da guia de importação, realização do contrato de câmbio etc.), pagamento dos respectivos impostos (IPI, II, ICMS, PIS-Importação, COFINS-Importação) e idoneidade da documentação que a subsidia no que diz respeito à origem, autenticidade e compatibilidade da declaração com os bens verdadeiramente internalizados. Eventual importação irregular enseja autuação e apreensão por parte da Inspetoria da Receita Federal, com subsequente aplicação da pena de perdimento, nos termos dos arts. 104/105 do Decreto-Lei 37/66, 23/27 do Decreto-Lei 1.455/76 e 675ss do Dec. 6.759/09. Entende-se, porém, que mera irregularidade formal, sem dolo e sem prejuízo ao erário, não autoriza a aplicação da pena. Na exportação, também pode haver aplicação da pena de perdimento no caso de clandestinidade e de utilização de documento falso.

Quanto às restrições a direitos, cabe considerar, inicialmente, que o direito ao exercício de atividade econômica ou profissional não pode ser restringido em razão da pura e simples existência de débitos do contribuinte. Tratando-se de direitos constitucionais, seria medida desproporcional tal restrição, mormente considerando que há meios próprios à disposição do Fisco para a cobrança dos seus créditos. Assim, medidas como a interdição de estabelecimento, não autorização da emissão de documentos fiscais, vedação da aquisição de estampilhas e cassação da habilitação profissional não são admitidas, constituindo o que se costuma designar de “sanções políticas”. Todavia, há situações específicas em que a restrição não se mostra desproporcional nem abusiva. Deve-se ter em conta que o dever de pagar tributos também tem caráter constitucional e que se caracteriza como dever fundamental.

Não há que se falar em restrição desproporcional ao exercício de direitos quando a exigência de demonstração do pagamento esteja prevista em lei e se trate de tributo devido em face da própria operação que se esteja realizando, sem prejuízo da discussão sobre o caráter confiscatório do próprio tributo. Assim é que não há impedimento à exigência da prova do pagamento dos tributos incidentes na importação como condição ao desembaraço e liberação dos produtos.

Justifica-se, ainda, excepcionalmente, a cassação ou não renovação de registros especiais de contribuinte inadimplente contumaz, conforme reconheceu o STF na AC 1.657-6 relativamente a uma indústria de cigarros que foi impedida de funcionar por deixar de pagar, reiteradamente, o IPI. Isso porque a inadimplência contumaz implica não apenas prejuízos ao Fisco como também desequilíbrios na concorrência, mormente em setores mais sensíveis em que a tributação assume patamares muito onerosos. Os tributos constituem custos importantes da atividade produtiva, sendo impositivo que os empresários cumpram suas obrigações, sob pena de se criarem vantagens competitivas artificiais. Na oportunidade, o Min. Joaquim Barbosa ponderou que “para ser reputada inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deveria ser desproporcional”.

Há, ainda, restrições de caráter geral, que não aparecem propriamente como penalidades, mas que impedem o exercício de certas prerrogativas por contribuintes em situação irregular. A participação em licitações, por exemplo, é condicionada à regularidade fiscal do interessado, o que se justifica porquanto o Poder Público não está obrigado a contratar com quem não vem cumprindo suas obrigações fiscais, constituindo, a restrição, também, um incentivo aos contribuintes que se mantêm em dia. Da mesma maneira, válida é a legislação que condiciona à regularidade fiscal o acesso a linhas de financiamento públicas. Além disso, em novembro de 2013, o STF decidiu pela constitucionalidade da admissão ao Simples Nacional apenas das empresas que ostentem regularidade fiscal. É o que se vê do RE 627.543, em que restou afirmada a constitucionalidade do art. 17, V, da LC 123/2006. Trata-se de mais uma restrição ao exercício de direitos que restou chancelada.

Quando as infrações à legislação tributária são consideradas pelo legislador penal como crimes, com a cominação de penas privativas de liberdade, passamos do Direito Tributário para o Direito Penal Tributário. Teremos, então, crimes de descaminho, de apropriação indébita e de sonegação, dentre outros, conforme é abordado em capítulo próprio relativo ao Direito Penal Tributário.

99. Multas

As multas são as penalidades pecuniárias impostas pelo descumprimento da legislação tributária. Todas as multas constituem respostas a um ilícito tributário, revestindo-se, portanto, de caráter sancionatório, punitivo. Configurando obrigação tributária principal, ao lado dos tributos, nos termos do art. 113, § 1º, do CTN, as multas também são objeto de lançamento e, até mesmo, de cobrança executiva, muitas vezes em conjunto com os tributos a que dizem respeito.

Há diversas classificações possíveis para as multas tributárias. A mais tradicional, inclusive adotada pela legislação, é a que destaca três classes de multa: moratórias, de ofício e isoladas. Vejamos:

• Classificação tradicional das multas:

a) moratória

b) de ofício

c) isolada

As multas moratórias constituem penalidades aplicadas em razão do simples atraso no pagamento de tributo. As multas de ofício são aplicadas pela própria autoridade através de auto de infração quando verifique que o contribuinte deixou de pagar tributo, mediante omissão ou fraude. As multas isoladas, por sua vez, são aplicadas pelo descumprimento de obrigações acessórias ou por outras infrações que independem de ser ou não devido determinado tributo.

Essa classificação, porém, não se reveste de rigor suficiente, porquanto utiliza critérios variados e coloca, lado a lado, gênero e espécie. Por isso, sugerimos outras classificações que entendemos possam melhor contribuir para a compreensão das multas:

• Quanto ao procedimento:

a) automática;

b) de ofício.

• Quanto à infração cometida:

a) não pagamento no prazo;

b) não pagamento mediante omissão culposa;

c) não pagamento mediante fraude ou sonegação;

d) descumprimento de obrigações acessórias.

• Quanto à autonomia:

a) dependente;

b) isolada.

• Quanto ao valor:

a) fixa;

b) proporcional.

• Quanto ao comportamento posterior do agente:

a) aumentada;

b) reduzida.

Quanto ao procedimento, as multas são devidas automaticamente ou dependem de lançamento de ofício. As multas automáticas são as consideradas devidas independentemente de lançamento, como ocorre com as moratórias. Quando o contribuinte, fora do prazo, vai preencher guia para pagamento de tributo, deve fazer incidir os juros e a multa por iniciativa própria, em cumprimento à legislação. O próprio sistema informatizado que auxilia o preenchimento de guias já acrescenta tal. Caso o contribuinte que declarou determinado débito se mantenha inadimplente, sua inscrição em dívida ativa é feita também com a multa moratória, sem a necessidade de procedimento para aplicação de tal multa e sem notificação para defesa. As multas de ofício, por sua vez, são aquelas constituídas por lançamento em que a autoridade, verificando infração, aplica a multa, notificando o contribuinte para se defender ou pagar. Normalmente, são aplicadas de ofício as multas mais graves, em casos de omissão ou fraude, ou mesmo as multas isoladas por descumprimento de obrigação acessória.

Quanto à infração cometida, temos multas pelo atraso no pagamento, pela falta de antecipação de tributo sujeito a ajuste, pelo inadimplemento mediante omissão, pelo inadimplemento mediante fraude e por descumprimento de obrigação acessória, dentre outras. Por certo que esse rol não é exaustivo, refletindo as infrações previstas na maior parte das legislações tributárias dos diversos entes políticos.

Quanto à gravidade da infração, as multas são comuns ou qualificadas. As multas tributárias costumam ser escalonadas em percentuais graduados conforme a gravidade da infração. As decorrentes de infrações que dispensam o dolo específico, são as comuns; as decorrentes de infrações que merecem maior reprovabilidade, normalmente em razão do dolo que constitui elemento do seu pressuposto de fato, e que, portanto, são aplicadas em percentual superior, são denominadas de multas qualificadas.

Quanto à autonomia, as multas podem ser dependentes ou isoladas. Há infrações que pressupõem o não pagamento de tributo (atraso, omissão ou sonegação) e outras que independem de qualquer obrigação principal, tendo como pressuposto o descumprimento de obrigações acessórias. No primeiro caso, o lançamento e/ou a cobrança da multa costuma ser realizada juntamente com o respectivo tributo; no caso das isoladas, é lançada e cobrada apenas a multa.

Quanto ao valor, as multas são fixas ou proporcionais. Fixas são as estabelecidas em montante invariável; proporcionais, as que variam mediante a aplicação de uma alíquota sobre determinado referencial, normalmente o montante do tributo devido ou da informação omitida.

Quanto ao comportamento posterior do agente, as multas podem ser aumentadas ou reduzidas. Isso porque, por vezes, a legislação estabelece causas de aumento da multa na hipótese de o contribuinte deixar de prestar esclarecimentos ou outros elementos solicitados pela fiscalização tributária e que seriam relevantes para a verificação da infração. Noutras, reduz a multa para o contribuinte que, notificado, abre mão de impugnar ou de recorrer e procede voluntariamente ao pagamento ou ao parcelamento do débito.

No âmbito dos tributos administrados pela SRFB, incluindo as contribuições de seguridade social, substitutivas e devidas a terceiros,412 a multa moratória é de 0,33% por dia de atraso até o limite de 20% (art. 61 da Lei 9.430/96).413 É inaplicável o limite de 2% estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, porquanto, além de haver lei específica para a matéria tributária, não se pode de modo algum qualificar o contribuinte de consumidor.414

Para a hipótese de falta de antecipação de tributos sujeitos a ajuste, será aplicada multa de ofício de 50% (art. 44, II, da Lei 9.430/96).415

Para os casos de omissão do contribuinte, a multa de ofício é de 75% (art. 44, I, da Lei 9.430/96), percentual este que dobra para 150% nos casos de fraude, sonegação ou conluio (art. 44, § 1º, da Lei 9.430/96). Por definição legal, “é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.” (art. 72 da Lei 4.502/64). Sonegação, também definida por lei, é “toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.” (art. 71 da Lei 4.502/64). Conluio, por sua vez, “é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas”, visando à fraude ou à sonegação (art. 73 da Lei 4.502/64).

A falta de colaboração do contribuinte quando chamado a esclarecer e a apresentar documentos relacionados à possível infração cometida leva ao agravamento da multa em mais 50% (art. 44, § 2º, da Lei 9.430/96).

Mas também há previsão de redução das multas para a hipótese de o contribuinte efetuar o pagamento ou requerer parcelamento de pronto ou após a rejeição da sua impugnação por decisão de primeira instância do processo administrativo. Essa redução varia de 50% a 20%. Será de 50% no caso pagamento ou compensação efetuados em 30 dias da notificação, de 40% no caso de o contribuinte, nesse prazo, requerer o parcelamento do débito, de 30% no caso de o pagamento ou compensação serem efetuados em 30 dias da notificação da decisão administrativa de primeira instância e de 20% se, nesse último prazo, for requerido parcelamento (art. 6º da Lei 8.218/91, com a redação da Lei 11.941/09)

Vale referir, ainda, que restou reconhecida a inconstitucionalidade de multa imposta aos contribuintes que tivessem indeferido pedido de ressarcimento de créditos ou de declaração de compensação não homologada (art. 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96), tendo em conta a afronta ao direito de petição.416

100. Responsabilidade por infrações à legislação tributária

A responsabilidade por infrações à legislação tributária é disciplinada pelos arts. 136 a 138 do CTN.

Na sua primeira parte, o art. 136 estabelece que a responsabilidade por infrações independe da intenção do agente ou do responsável. Com isso, dispensa o dolo como elemento dos tipos que definem as infrações tributárias. A regra geral em matéria de infrações tributárias, assim, é que a culpa é suficiente para a responsabilização do agente. A necessidade do dolo é que deve ser expressamente exigida, quando assim entender o legislador. Trata-se de regra inversa a que se tem no Direito Penal, porquanto o art. 18 do Código Penal dispõe: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.

Nessa mesma linha, RUY BARBOSA NOGUEIRA ensina: “... o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112, deixa claro é que para a matéria da autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos das infrações fiscais mais graves e para as quais o texto da lei tenha exigido esse requisito. Para as demais, isto é, não dolosas, é necessário e suficiente um dos três graus de culpa. De tudo isso decorre o princípio fundamental e universal, segundo o qual se não houver dolo nem culpa, não existe infração da legislação tributária”.417 LUCIANO AMARO também pondera: “... o dispositivo não diz que a responsabilidade por infrações independa da culpa. Ele diz que independe da ‘intenção’. Ora, intenção, aqui, significa vontade: eu quero lesar o Fisco. Eu quero ludibriar a arrecadação do tributo. Isto é vontade. Isto é intenção. (...) O Código não está aqui dizendo que todos podem ser punidos independentemente de culpa”.418 E prossegue: “Se ficar evidenciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracterizada, não cabendo, pois, falar-se em responsabilidade”.419 Mas há quem vislumbre no art. 136 uma opção pela responsabilidade objetiva.420

Em matéria de infrações à legislação tributária não se requer, como regra, que o agente tenha a intenção de praticar a infração, bastando que haja com culpa. E a culpa é presumida, porquanto cabe aos contribuintes agir com diligência no cumprimento das suas obrigações fiscais. Essa presunção relativa pode ser afastada pelo contribuinte que demonstre que agiu diligentemente. Aliás, o próprio Código afasta expressamente a imposição de penalidades, por exemplo, quando o contribuinte tenha incorrido em ilegalidade induzido por normas complementares, como regulamentos e instruções normativas (art. 100, parágrafo único, do CTN). Em recente precedente, o STJ decidiu: “tendo o contribuinte sido induzido a erro, ante o não lançamento correto pela fonte pagadora do tributo devido, fica descaracterizada sua intenção de omitir certos valores da declaração do imposto de renda, afastando-se a imposição de juros e multa ao sujeito passivo da obrigação tributária”.421 Em outro, assim concluiu: “I - Presume-se a boa-fé do contribuinte quando este reiteradamente recolhe o ISS sobre sua atividade, baseado na interpretação dada ao Decreto-Lei nº 406/68 pelo Município, passando a se caracterizar como costume, complementar à referida legislação. II - A falta de pagamento do ICMS, pelo fato de se presumir ser contribuinte do ISS, não impõe a condenação em multa, devendo-se incidir os juros e a correção monetária a partir do momento em que a empresa foi notificada do tributo estadual”.422

Na sua segunda parte, o art. 136 estabelece que a responsabilidade por infrações independe da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Isso significa que, praticado o ato que a legislação indica como implicando infração a que comina multa, não se perquire outros aspectos atinentes à situação. ELIZABETE ROSA DE MELLO destaca: “O sucesso do agente em concluir o ato ilícito e os seus efeitos, nos termos do referido artigo, também são desprezados. É bastante que o ato do agente acarrete risco para o Erário para que aquele seja penalizado com as sanções legais”.423 Aliás, FÁBIO FANUCCHI, há muito, já ensinava: “Isso significa que a violação da lei tributária pode até não determinar prejuízo para a Fazenda e, ainda assim, ser possível se afirmar a responsabilidade pela infração”.424

De qualquer modo, vale destacar que as normas que estabelecem penalidades podem ter como pressuposto de fato uma infração material ou formal. Para a configuração das infrações materiais, a lei exige dano efetivo, como no caso da “falta de pagamento ou recolhimento” (art. 44, I, da Lei 9.430/96), só verificada quando ocorrido o inadimplemento que implica prejuízo concreto à Fazenda Pública. Para a configuração das infrações formais, basta o comportamento puro e simples, sendo o dano meramente potencial, cuja verificação é desnecessária para a configuração da infração, como no caso da “falta da apresentação da declaração de rendimentos ou a sua apresentação fora de prazo” (art. 88 da Lei 8.981/95), em que ocorrerá a infração ainda que a declaração a ser apresentada não apontasse a existência de débito. Quando a lei que impõe a penalidade não se refere aos efeitos, será desimportante perquiri-los.

O art. 137 do CTN, por sua vez, estabelece o caráter pessoal da responsabilidade pelas infrações que configuram também crimes ou contravenções, definidas por dolo específico ou que envolvam dolo específico dos representantes contra os representados (art. 137, incisos I, II e III). Conforme expusemos ao cuidarmos da responsabilidade tributária, em casos como esses, até mesmo o tributo fica a cargo exclusivo do agente, marcando a diferença entre as hipóteses e abrangência das responsabilidades do art. 134 e do 135 do CTN, embora haja séria divergência doutrinária a respeito.

101. Denúncia espontânea e exclusão da responsabilidade por infrações

A denúncia espontânea é um instituto jurídico tributário que tem por objetivo estimular o contribuinte infrator a tomar a iniciativa de se colocar em situação de regularidade, pagando os tributos que omitira, com juros, mas sem multa. Incentiva, portanto, o “arrependimento fiscal”: “o agente desiste do proveito pecuniário que a infração poderia trazer” e cumpre sua obrigação.425

Restringe-se a créditos cuja existência seja desconhecida pelo Fisco e que sequer estejam sendo objeto de fiscalização, de modo que, não fosse a iniciativa do contribuinte, talvez jamais viessem a ser satisfeitos. Na medida em que a responsabilidade por infrações resta afastada apenas com o cumprimento da obrigação e que o contribuinte infrator, não o fazendo, resta sempre ameaçado de ser autuado com pesadas multas, preserva-se a higidez do sistema, não se podendo ver na denúncia espontânea nenhum estímulo à inadimplência, pelo contrário.

Dispõe o CTN: “Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração”.

O parágrafo único do art. 138 do CTN deixa claro que, juridicamente, para os fins do art. 138, é considerado espontâneo o pagamento realizado pelo contribuinte antes de sofrer fiscalização tendente à constituição do crédito tributário. O art. 196 do CTN, positivando o princípio documental, exige que a autoridade fiscal lavre termo de início do procedimento. Esse termo é o marco a partir do qual não se pode mais falar em denúncia espontânea. Aliás, o § 2º do art. 7º do PAF dispõe no sentido de que o ato de início da fiscalização afasta a espontaneidade por 60 dias.

Mas há casos em que não há que se falar em início de fiscalização, pois o próprio lançamento resta desnecessário em face da formalização do crédito tributário por outro meio: a declaração de dívida pelo contribuinte. Com a declaração, já se tem crédito tributário formalizado e do conhecimento do fisco, estando este habilitado para a sua inscrição em dívida ativa e cobrança, de modo que o pagamento após a declaração não tem caráter espontâneo. Neste sentido, a Súmula 360 do STJ: “O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo”.

Conforme entendimento do STJ, o instituto da denúncia aplica-se somente a infrações que tenham implicado o não pagamento de tributo devido. Diz respeito, assim, à obrigação principal, sendo inaplicável às infrações relativas ao descumprimento de obrigações acessórias.426 Entendemos de modo diverso. Para nós, a denúncia espontânea alcança, sim, as obrigações acessórias. Isso porque o descumprimento dessas também constitui infração à legislação tributária e não há razão alguma que possa embasar satisfatoriamente a não aplicação do art. 138 do CTN às obrigações acessórias. Pelo contrário, a expressão “se for o caso”, constante deste artigo, cumpre justamente este papel integrador das obrigações acessórias, deixando claro que nem sempre o cumprimento da obrigação tributária implicará pagamento de tributo, pois há os simples deveres formais de fazer, não fazer ou tolerar que caracterizam obrigações acessórias.

Não basta a simples informação sobre a infração, desacompanhada do pagamento. Pelo contrário, é requisito indispensável à incidência do art. 138 que o contribuinte se coloque em situação regular, cumprindo suas obrigações. Para que ocorra a denúncia espontânea, com o efeito de elisão das penalidades, exige-se o pagamento do tributo e dos juros moratórios. Considera-se que a correção monetária integra o valor do tributo devido. O pagamento dos juros moratórios, por sua vez, está previsto no próprio caput do art. 138 como requisito para a exclusão da responsabilidade pelas infrações. Não são, pois, afastados pela denúncia espontânea. A legislação federal estabelece a obrigação de pagar os tributos atrasados acrescidos da SELIC, índice que abrange tanto correção como juros.

Não há exigência de forma especial. Como os pagamentos de tributos são efetuados através de guias em que constam, expressamente, o código da receita (qual o tributo pago), a competência, o valor principal e de juros, o simples recolhimento a destempo, desde que verificada a espontaneidade, implica a incidência do art. 138 do CTN, não se fazendo necessária comunicação especial ao Fisco.

O pedido de parcelamento, normalmente acompanhado do pagamento da 1ª parcela, não é considerado suficiente para ensejar a incidência do art. 138 do CTN, que pressupõe o pagamento integral do tributo e dos juros devidos. A Súmula 208 do extinto TFR já dispunha: “A simples confissão da dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea”.

A denúncia espontânea exclui a responsabilidade tanto pela multa moratória como pela multa de ofício. Efetivamente, o STJ firmou posição, em sede de recurso repetitivo, no sentido de que “a sanção premial contida no instituto da denúncia espontânea exclui as penalidades pecuniárias, ou seja, as multas de caráter eminentemente punitivo, nas quais se incluem as multas moratórias, decorrentes da impontualidade do contribuinte”.427 A Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda acabaram por acolher essa orientação, conforme se vê da Nota Técnica Cosit nº 1/2012428 e do Ato Declaratório PGFN nº 4/2011.429

Notas

412 Conforme o art. 35 da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 11.941/09.

413 Lei 9.430/96: “Art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso. § 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subseqüente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que ocorrer o seu pagamento. § 2º O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento.”

414 TRF4, Primeira Turma, Rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, AC 1998.04.01.068825-3/RS, mar/04.

415 Lei 9.430/96, com a redação da Lei 11.488/07 e da MP 472/15.12.09: “Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; II – de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal: a) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de pessoa física; b) na forma do art. 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica... § 5º Aplica-se também a multa de que trata o inciso I do caput sobre: I – a parcela do imposto a restituir informado pelo contribuinte, pessoa física, na Declaração de Ajuste Anual, que deixar de ser restituído em razão da constatação de infração à legislação tributária; e II – o valor das deduções e compensações indevidas informadas na Declaração de Ajuste Anual da pessoa física”.

416 STF, Corte Especial, TRF4, Rel. p/Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch, ARGINC 5007416-62.2012.404.0000, jun/2012.

417 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva: 1995, p. 106-107.

418 AMARO, Luciano da Silva. Infrações Tributárias. RDT nº 67, São Paulo: Malheiros, p. 32/33.

419 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 444-445.

420 “Ao aderir à teoria da objetividade da infração fiscal, o CTN passa a desconsiderar o elemento subjetivo do injusto, isto é, a existência ou não de culpa ou dolo.” (MELLO, Elizabete Rosa de. Direito fundamental a uma tributação justa. Atlas: 2013, p. 93); “O ilícito puramente fiscal é, em princípio, objetivo. Deve sê-lo. Não faz sentido indagar se o contribuinte deixou de emitir uma fatura fiscal por dolo ou culpa (negligência, imperícia ou imprudência). De qualquer modo a lei foi lesada. De resto se se pudesse alegar que o contribuinte deixou de agir por desconhecer a lei, por estar obnubilado ou por ter-se dela esquecido, destruído estaria todo o sistema de proteção jurídica da Fazenda.” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 55/56)

421 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, AgRg no REsp 1384020/SP, set/2013.

422 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, REsp 215655/PR, set/2003.

423 MELLO, Elizabete Rosa de. Direito fundamental a uma tributação justa. São Paulo: Atlas: 2013, p. 93.

424 FANUCCHI, Fábio. Curso de Direito Tributário. Vol. I. São Paulo: Resenha Tributária, 1971, p. 131.

425 MELLO, Elizabete Rosa de. Op. cit., p. 108.

426 “Multa moratória. Art. 138 do CTN. Entrega em atraso da declaração de rendimentos. 1. A denúncia espontânea não tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega da declaração de rendimentos, uma vez que os efeitos do artigo 138 do CTN não se estendem às obrigações acessórias autônomas.” (STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, AgRg no AREsp 11.340/SC, 2011).

427 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 1149022/SP, jun/2010.

428 Nota Técnica Cosit nº 1/2012: “a) não cabe a cobrança da multa de mora nas hipóteses em que ficar configurada a denúncia espontânea; [...] e) uma vez identificadas as situações caracterizadoras de denúncia espontânea, devem os delegados e inspetores da Receita Federal do Brasil rever de ofício a cobrança da multa de ofício; f) em que pese a multa de mora tenha incidência automática, fato que dispensa lançamento para a sua exigibilidade, caso hajam créditos constituídos com exigência da multa de mora ou de ofício, em situações que configurem denúncia espontânea, a autoridade julgadora, nas Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento, subtrairá a aplicação da penalidade. MARIA DAS GRAÇAS PATROCÍNIO OLIVEIRA... ANDREA BROSE ADOLFO... ADRIANA GOMES RÊGO... CLÁUDIA LÚCIA PIMENTEL MARIA DA SILVA Auditora-Fiscal da RFB – Coordenadora-Geral da Cosit Substituta.”

429 Ato Declaratório PGFN nº 4/2011: “... fica autorizada a dispensa de apresentação de contestação, de interposição de recursos e a desistência dos já interpostos... ‘com relação às ações e decisões judiciais que fixem o entendimento no sentido da exclusão da multa moratória quando da configuração da denúncia espontânea, ao entendimento de que inexiste diferença entre multa moratória e multa punitiva, nos moldes do art. 138 do Código Tributário Nacional’... ADRIANA QUEIROZ DE CARVALHO Procuradora-Geral da Fazenda Nacional”.