Capítulo XVI – Exclusão do Crédito Tributário

115. Natureza e efeitos da exclusão do crédito tributário

O art. 175 do CTN trata das causas de exclusão do crédito tributário: a isenção e a anistia. Tanto uma como outra dependem de lei específica, o que decorre direta e expressamente do art. 150, § 6º, da Constituição Federal.

Como o CTN artificialmente aparta o surgimento da obrigação tributária (art. 114) da constituição do crédito tributário (art. 142), estabelecendo momentos distintos para cada qual, pode-se concluir que a exclusão do crédito se dá pressupondo o prévio surgimento da obrigação respectiva.

A isenção e a anistia, ao excluírem o crédito, dispensam o contribuinte de apurar e de cumprir a obrigação tributária principal. De outro lado, impedem o fisco de constituir o crédito pelo lançamento e de exigi-lo, seja administrativa ou judicialmente.

Mas a exclusão do crédito não dispensa o sujeito passivo de cumprir as obrigações tributárias acessórias (art. 175, parágrafo único, do CTN). Mesmo as pessoas isentas continuam sujeitas aos deveres de colaboração com a administração e à fiscalização tributária.

116. Isenção

A isenção não se confunde com a imunidade, tampouco com a não incidência ou com a alíquota zero.

A imunidade está no plano constitucional. Trata-se de norma que proíbe a própria instituição de tributo relativamente às situações ou pessoas imunizadas. A imunidade é norma negativa de competência tributária. Sendo imune a impostos os livros, o legislador não pode determinar que incida ICMS sobre a operação de circulação de livros, sob pena de inconstitucionalidade da lei que assim determinar ou da aplicação que assim se fizer de eventual dispositivo genérico.

A alíquota zero corresponde ao estabelecimento de alíquota nula, resultando em tributo sem qualquer expressão econômica. Zero pontos percentuais sobre qualquer base dará sempre zero. Desse modo, embora instituído o tributo e ocorrido o fato gerador, o valor apurado será zero, e nada será devido.

A não incidência está no plano da aplicação da norma tributária impositiva. Só pode ser identificada pela interpretação, a contrario sensu, da abrangência ditada pela própria norma tributária impositiva.454 Revela-se na pura e simples ausência de incidência. Fala-se de não incidência relativamente a todas as situações não previstas na regra matriz de incidência tributária como geradoras de obrigação tributária.

A isenção, de outro lado, pressupõe a incidência da norma tributária impositiva. Não incidisse, não surgiria qualquer obrigação, não havendo a necessidade de lei para a exclusão do crédito. A norma de isenção sobrevém justamente porque tem o legislador a intenção de afastar os efeitos da incidência da norma impositiva que, de outro modo, implicaria a obrigação de pagamento do tributo. O afastamento da carga tributária, no caso da isenção, se faz por razões estranhas à normal estrutura que o ordenamento legal imprime ao tributo455 seja em atenção à capacidade contributiva,456 seja por razões de cunho extrafiscal.457 Note-se que o efeito da isenção é determinado pelo art. 175 do CTN ao elencá-la como hipótese de exclusão do crédito tributário, de modo que soam irrelevantes as especulações doutrinárias quanto à natureza do instituto,458 pois não podem prevalecer sobre dispositivo válido constante das normas gerais de direito tributário. O efeito de exclusão do crédito tributário, na sistemática do CTN, faz com que tenhamos o surgimento da obrigação, mas que reste, o sujeito passivo, dispensado da sua apuração e cumprimento.

Em suma, a imunidade é norma negativa de competência constante do texto constitucional, enquanto a não incidência decorre da simples ausência de subsunção, a isenção emana do ente tributante que, tendo instituído um tributo no exercício da sua competência, decide abrir mão de exigi-lo de determinada pessoa ou em determinada situação e a alíquota zero implica obrigação sem expressão econômica.

A isenção depende de lei específica que defina suas condições, requisitos e abrangência (arts. 150, § 6º, da CF, e 176 do CTN). Para os tributos sob reserva de lei complementar, também a concessão de isenção terá de ser feita através de tal instrumento legislativo, pois a isenção implica renúncia fiscal, precisando ser veiculada com o mesmo quorum exigido para a instituição da norma impositiva.

O legislador pode delimitar a abrangência da isenção, circunscrevendo-a a determinado tributo em particular. Também pode isentar determinadas pessoas ou operações dos tributos de competência do respectivo ente político. Neste caso de isenção genérica, contudo, de qualquer modo não se aplicará às taxas e contribuições de melhoria, que têm caráter contraprestacional, e aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão (art. 177 do CTN). As isenções de taxas e contribuições de melhoria têm de ser específicas e inequívocas.

A isenção concedida incondicionalmente pelo legislador constitui benefício fiscal459 passível de revogação a qualquer tempo (art. 178). E, embora o art. 104, III, do CTN possa levar ao entendimento de que os efeitos da revogação só ocorreriam no exercício seguinte, o STF tem posição consolidada no sentido de que, tratando-se de simples benefício, a revogação pode dar-se com efeitos imediatos, sem a necessidade de observância da anterioridade, conforme destacamos ao analisar esta garantia constitucional.

Tratando-se, porém, de isenção onerosa concedida por prazo certo, ou seja, de isenção temporária concedida mediante o cumprimento de condições que exijam do contribuinte determinadas ações concretas – como a realização de investimentos, a manutenção de determinado número de empregados etc. –, não poderá o legislador suprimi-la relativamente aos contribuintes que já tenham cumprido as condições e que, portanto, têm direito adquirido ao gozo do benefício,460 o que resta expresso tanto no art. 178 do CTN quanto na Súmula 544 do STF, que enuncia: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

117. Anistia

A anistia se dá quando o legislador exclui o crédito tributário decorrente de infrações à legislação tributária (art. 180 do CTN), dispensando o pagamento da multa. Não se confunde com a remissão, ou seja, com a extinção do crédito que alcança o próprio tributo devido (art. 172 do CTN).

A anistia, assim como as demais modalidades de desoneração, só poderá ser concedida mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que a regule com exclusividade ou que cuide do respectivo tributo, nos termos do art. 150, § 6º, da CF. Essa exigência visa a evitar anistias enxertadas em textos legais sobre outros assuntos, muitas vezes mediante emendas parlamentares ou em dispositivos finais e mediante remissão a outras leis, que acabem sendo aprovadas por arrasto, sem discussão adequada pelo Congresso. São específicas, cumprindo a exigência do art. 150, § 6º, da CF, as leis que combinam a adesão a parcelamentos especiais com anistia total ou parcial das multas.

A anistia visa a perdoar determinadas infrações. Aplica-se, por isso, apenas às infrações já cometidas. Fosse aplicável ao futuro estaria, em verdade, suspendendo ou revogando a lei instituidora da penalidade. As leis que deixam de definir determinada conduta como infração tributária, deixando, portanto, de cominar-lhe penalidade, são aplicadas retroativamente por determinação do art. 106, II, a, do CTN, que consagra a retroatividade da lei mais benigna. Assim, acabam tendo o efeito de uma anistia.

O legislador tem a faculdade de delimitar a extensão da anistia concedida, de modo que restem abrangidas apenas determinadas infrações, além do que é válido o estabelecimento de condições, como o pagamento do tributo. Efetivamente, o legislador pode estabelecer anistia sob condição do pagamento do tributo em determinado prazo, como medida para incentivar o ajuste de contas e para incrementar a arrecadação em determinado período. Aliás, aproximadamente a cada três anos têm surgido leis que permitem ao contribuinte reconhecer e parcelar seus débitos, com anistia total ou parcial de multas, desde que o faça no prazo por elas estabelecido. Assim foram o REFIS, do PAES, do PAEX e do Parcelamento da Crise. A reiteração dessas anistias, todavia, tem o efeito perverso de favorecer os infratores em detrimento daqueles que se sacrificam para o cumprimento correto e tempestivo das suas obrigações. Acaba criando uma cultura de impunidade. Deveriam, tais anistias, ser verdadeiramente excepcionais.

Não pode ser concedida anistia relativamente a atos qualificados em lei como crimes ou contravenções ou de qualquer modo praticados com dolo, fraude ou simulação, pois tal é vedado pelos incisos do art. 180 do CTN.

Notas

454 STF, ADI 286.

455 “El concepto técnico de exención se produce tan sólo en los casos en que la ley declara no sujeto al impuesto a un determinado objeto por razones extrañas a la normal estructura que el ordenamiento legal imprime al tributo.” (GIANNINI, Achille Donato. Instituciones de Derecho Tributario. Madrid: Editorial de Derecho Financiero, 1957. Traducción y Estudio preliminar por FERNANDO SÁINZ DE BUJANDA. Intituzioni di Diritto Tributario. 7ª edición italiana, 1956).

456 A isenção de imposto de renda até determinada faixa de rendimentos ou a isenção de taxa de serviço para os reconhecidamente pobres.

457 Uma isenção para determinado setor com a intenção de estimular seu rápido desenvolvimento.

458 Para RUBENS GOMES DE SOUSA, favor legal consubstanciado na dispensa do pagamento do tributo. Para ALFREDO AUGUSTO BECKER e JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, hipótese de não incidência da norma tributária. Para PAULO DE BARROS CARVALHO, o preceito de isenção subtrai parcela do campo de abrangência do critério antecedente ou do consequente da norma tributária, paralisando a atuação da regra-matriz de incidência para certos e determinados casos.

459 STF, ADIMC 2325.

460 STJ, REsp 487.735.