Capítulo XIX – Administração Tributária
132. Órgãos de administração tributária
O sujeito ativo da relação jurídico-tributária tem as prerrogativas de fiscalizar, lançar e cobrar o respectivo tributo. No âmbito federal, a maior parte dos tributos federais (os impostos em geral, as contribuições de seguridade social, inclusive as previdenciárias e a terceiros etc.) tem como sujeito ativo a própria União, que os administra através da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), forte na unificação da administração tributária federal estabelecida pela Lei 11.457/07. Aliás, no portal da RFB, encontram-se todas as informações oficiais sobre os tributos que fiscaliza: <www.receita.fazenda.gov.br>.
Nos âmbitos estadual, distrital e municipal, a administração dos tributos dá-se através das respectivas Secretarias da Fazenda.
133. Fiscalização tributária
Compete aos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil realizar a fiscalização e proceder ao lançamento de créditos correspondentes aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Nos âmbitos estadual, distrital e municipal compete aos respectivos fiscais as atribuições de fiscalização e lançamento.
As autoridades fiscais têm o “direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores”, devendo ser exibidos quando solicitado, nos termos do art. 195 do CTN. Tal artigo estampa, assim, a obrigação inequívoca de qualquer pessoa jurídica de dar à fiscalização tributária amplo acesso aos seus registros contábeis, bem como às mercadorias e aos documentos respectivos. De fato, a obrigação do contribuinte de exibir os livros fiscais abrange também a obrigação de apresentar todos os documentos que lhes dão sustentação. Entendimento diverso jogaria no vazio a norma, retirando-lhe toda a utilidade, o que contraria os princípios de hermenêutica. Mas a prerrogativa do Fisco não alcança todo e qualquer documento. A correspondência do contribuinte, por exemplo, está protegida constitucionalmente por sigilo, nos termos do art. 5º, XII, da CF.
Vale destacar que a atuação do fisco é toda documentada. O art. 196 do CTN dispõe no sentido de que: “A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas”. Esta exigência de formalização dos diversos atos recebe detalhamento no art. 7º, inciso I, do Dec. 70.235/72 (Lei do Processo Administrativo Fiscal).
A fiscalização depende de autorização específica constante de um Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) expedido pelo Delegado da Receita Federal do Brasil, autoridade responsável pelas atividades de fiscalização tributária no âmbito de cada Delegacia. O MPF deve ser cumprido em 120 dias, podendo tal prazo ser prorrogado.
Ostentando o MPF, o Auditor dará início à chamada ação fiscal, lavrando um Termo de Início de Ação Fiscal (TIAF) e notificando o sujeito passivo a apresentar a documentação cuja análise seja necessária.
O art. 195 do CTN estampa a obrigação inequívoca de qualquer pessoa jurídica de dar à fiscalização tributária amplo acesso aos seus registros contábeis, bem como às mercadorias e aos documentos respectivos. Conforme a Súmula 439 do STF, “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos objeto da investigação”. A obrigação do contribuinte de exibir os livros fiscais abrange também a obrigação de apresentar todos os documentos que lhes dão sustentação. O parágrafo único do art. 195 determina que o contribuinte preserve os livros de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram. Dentre estes livros, estão o Livro Diário, em que é escriturada a posição diária de cada uma das contas contábeis, com seus respectivos saldos, o Livro Razão, utilizado para resumir ou totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Livro Diário, e o LALUR, livro de apuração do lucro real.502
O art. 197 do CTN estabelece, para tabeliães, instituições financeiras, administradoras de bens, corretores, leiloeiros e despachantes, inventariantes, síndicos, comissários e liquidatários, dentre outros que a lei designe em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, a obrigatoriedade de prestarem informações sobre bens, negócios ou atividades de terceiros. Preserva, contudo, em seu parágrafo único, as informações quanto aos fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo profissional, de modo que, nesses casos, o segredo prevalece sobre os deveres genéricos de informação tributária.503
A matéria atinente à obrigação das instituições financeiras é regulada, com maior detalhamento, pela LC 105/01, que determina a informação à administração tributária das operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços, com identificação dos titulares e dos montantes globais movimentados mensalmente e, mediante requisição no bojo de procedimento fiscal devidamente instaurado, que seja facultado o exame de documentos, livros e registros atinentes às respectivas movimentações. Note-se que o sigilo bancário não constitui um valor em si. Tem cunho meramente instrumental, só se justificando em função da proteção dos verdadeiros direitos fundamentais consagrados constitucionalmente. Não ostenta, de modo algum, caráter absoluto.504 Na quase totalidade dos países ocidentais, existe a possibilidade de acesso às movimentações bancárias sempre que tal seja importante para a apuração de crimes e fraudes tributárias em geral. No Brasil, não é diferente. A possibilidade de quebra depende da análise do caso concreto, considerando-se as suas circunstâncias específicas e o princípio da proporcionalidade.505 Além disso, deve-se considerar que sequer ocorre propriamente uma quebra de sigilo, mas, isto sim, uma transferência de sigilo. Isso porque as informações sob sigilo bancário são repassadas ao Fisco, que tem a obrigação de mantê-las sob sigilo fiscal. O art. 198 do CTN é expresso no sentido de vedar a divulgação, por parte da Fazenda Pública, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios.
Mas o STF mantém posição no sentido de que o acesso às movimentações financeiras dependeria de ordem judicial, ou seja, de que estaria sob reserva de jurisdição: “SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte”. (STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, RE 389808, 2010).506
Caso seja necessária a apreensão dos documentos para análise, o Auditor lavrará o respectivo termo de apreensão.
Havendo descumprimento do dever de exibição dos livros e documentos por parte da pessoa sujeita à fiscalização, o Fisco pode aplicar multa por descumprimento de obrigação acessória507 e buscar medida judicial que lhe assegure acesso aos mesmos. Embora o art. 200 do CTN autorize a requisição do auxílio de força pública pelas próprias autoridades administrativas quando, vítimas de embaraço no exercício de suas funções, for necessário à efetivação de medida de fiscalização, o STF tem entendido que, não obstante a prerrogativa do Fisco de solicitar e analisar documentos, os fiscais só podem ingressar em escritório de empresa quando autorizados pelo proprietário, gerente ou preposto. Em caso de recusa, o auxílio de força policial não pode ser requisitado diretamente pelos fiscais, mas pleiteado em Juízo pelo sujeito ativo, dependente que é de autorização judicial, forte na garantia de inviolabilidade do domicílio, oponível também ao Fisco.508
A determinação de apresentação da documentação prescinde da invocação de qualquer suspeita de irregularidade. A verificação da documentação pode ser feita até mesmo para simples conferência de valores pagos pelo contribuinte relativamente a tributos sujeitos a lançamentos por homologação. Efetivamente, jamais pode o contribuinte se furtar à fiscalização. Poderá, sim, opor-se a eventuais abusos dos agentes fiscais ou aos efeitos de eventual lançamento que entenda ilegal.
O art. 199 do CTN determina o auxílio mútuo entre as administrações tributárias dos diversos entes políticos e até mesmo a colaboração com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
A ação fiscal é encerrada com a lavratura de Termo de Encerramento da Ação Fiscal (TEAF), normalmente acompanhado de Relatório Fiscal e, se for o caso, de Auto de Infração (AI), ao qual, necessariamente, deverão ser anexadas cópias de todos os documentos referidos no Termo e no Auto e entregues ao sujeito passivo.
134. Inscrição em dívida ativa
O crédito tributário definitivamente constituído, mas que permanece em aberto, em face da ausência de pagamento pelo contribuinte, é inscrito em dívida ativa. A matéria é regulada pelos arts. 201 a 204 do CTN, 2º da LEF (Lei 6.830/80) e 39 da Lei 4.320/64.
A constituição do crédito tributário poderá ter sido realizada mediante lançamento pela autoridade, não mais sujeito a recurso, ou por simples declaração ou confissão prestada pelo próprio contribuinte. Ambos são modos de formalização da existência e liquidez do crédito tributário, conforme destacamos no item específico sobre a matéria. Ademais, o art. 5º, §§ 1º e 2º, do DL 2.124/84 é expresso no sentido de que “o documento que formalizar o cumprimento de obrigação acessória, comunicando a existência de crédito tributário, constituirá confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do referido crédito”, sendo que, “não pago no prazo estabelecido pela legislação, o crédito, corrigido monetariamente e acrescido da mula de 20% e dos juros de mora devidos, poderá ser imediatamente inscrito em Dívida Ativa para efeito de cobrança executiva”, o mesmo dispondo o art. 74 da Lei 9.430/96, quanto ao montante devido, objeto de declaração de compensação quando a compensação não seja homologada ou venha a ser considerada não declarada. Ademais, a jurisprudência é uníssona neste sentido.509 Por sua vez, o art. 12 da Lei 10.522/02, com a redação da Lei 11.941/09, dispõe no sentido de que: “O pedido de parcelamento deferido constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário”.
Tem sido admitida a inscrição em dívida do valor declarado, sem prejuízo do lançamento e inscrição de eventual diferença ainda devida. Portanto, poderemos ter mais de uma inscrição em dívida ativa relativamente ao mesmo tributo e competência, a primeira do valor declarado e a segunda da diferença apurada em auto de infração.
A inscrição em dívida ativa é feita, no âmbito federal, pelos Procuradores da Fazenda Nacional, mediante controle da legalidade da constituição do crédito, nos termos do art. 2º, §§ 3º e 4º, da LEF, do art. 12 da LC 73/93 e da Lei 11.457/07. Não havendo qualquer irregularidade, efetuam a inscrição em dívida ativa. Quando identificam vícios formais, ilegalidades ou imprecisões, devolvem o processo administrativo à Receita Federal do Brasil para revisão.
O Termo de Inscrição em Dívida Ativa é o documento que formaliza a inclusão da dívida do contribuinte no cadastro de Dívida Ativa. Seus requisitos constam nos arts 202 do CTN e 2º, § 5º, da LEF. Indicará o nome e domicílio dos devedores, a quantia devida e a maneira de calcular os juros, a origem, a natureza e o fundamento legal do crédito, a data da inscrição e o número do processo administrativo de que se originar. Da inscrição em dívida ativa, extrai-se a respectiva Certidão de Dívida Ativa (CDA), que deverá conter os mesmos dados e que valerá como título executivo, nos termos do art. 202, parágrafo único, do CTN, art. 2º, § 5º, LEF, e art. 585, inciso VI, do CPC. Os requisitos, tanto do Termo de Inscrição em Dívida como da Certidão de Dívida Ativa, tem por fim evidenciar a certeza e liquidez do crédito neles representados e a ensejar ao contribuinte o exercício efetivo do seu direito de defesa quando do ajuizamento da execução fiscal.
Embora o art. 203 do CTN diga da nulidade da inscrição e da execução dela decorrente quando da omissão de quaisquer os requisitos previstos no art. 202, tem prevalecido o entendimento de que o reconhecimento de nulidade depende da demonstração de prejuízo à defesa. Eventual vício que não comprometa a presunção de certeza e liquidez e que não implique prejuízo à defesa, como no caso em que o débito já restou sobejamente discutido na esfera administrativa, não justifica o reconhecimento de nulidade, considerando-se, então, como simples irregularidade.510 A referência, na CDA, a dispositivos revogados, embora revele má técnica, não autoriza o reconhecimento automático de nulidade quando também estejam referidos os dispositivos vigentes por ocasião dos fatos geradores e o crédito já tenha sido parcelado ou discutido administrativamente, de modo que se possa constatar que é de pleno conhecimento da embargante, não implicando prejuízo à defesa. Diferentemente, quando não haja nos autos elementos no sentido de ser do conhecimento do contribuinte a fundamentação específica aplicável, verificando-se, assim, prejuízo à defesa pela dificuldade de identificação da legislação pertinente, deve ser reconhecida a nulidade.
Não constando da inscrição e, posteriormente, da respectiva certidão, o nome dos responsáveis tributários, o fundamento legal da sua responsabilidade e o processo administrativo em que apurada, não poderá a futura execução ser automaticamente redirecionada contra os mesmos. Entendemos que o Fisco terá de apurar a responsabilidade, nos termos da Portaria RFB 2.284/10, oportunizando a defesa do responsável tributário, para só então, após o julgamento de eventuais impugnação e recurso, proceder à inscrição do seu nome em dívida e extrair título apto a ensejar execução contra ele. A Portaria PGFN 180/10, anteriormente, contentava-se com a apuração da responsabilidade pela própria PFN, como requisito para a inscrição do nome do suposto responsável no cadastro de dívida ativa. Os tribunais, por sua vez, vinham admitindo até mesmo que o Exequente demonstrasse, por simples petição nos autos da execução fiscal, os fundamentos de fato e de direito para o redirecionamento.511 O STJ entende que, constando o nome do sócio da CDA, há presunção em favor do título, invertendo o ônus probatório: “O fato de constar da CDA o nome do sujeito passivo gera a presunção de que houve regular processo ou procedimento administrativo de apuração de sua responsabilidade na forma do art. 135, do CTN, a afastar o entendimento de que está ali por mero inadimplemento, que é o caso do acórdão eleito como paradigma”.512
A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Tal presunção, porém, é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca a cargo do sujeito passivo nos termos do art. 204 do CTN. Caberá, portanto, ao devedor, apontar e comprovar os vícios formais ou materiais da inscrição ou, ainda, da declaração ou do lançamento que lhe deram origem.
O sujeito passivo não tem direito à notificação quanto à inscrição. Não há previsão legal nesse sentido, além do que já terá ele se defendido administrativamente por ocasião do lançamento. A inscrição, ato interno da Administração, faz-se apenas quando já definitivamente constituído o crédito tributário, ou seja, quando já superada a fase de defesa administrativa.
A inscrição não tem qualquer implicação no curso do prazo prescricional relativamente aos créditos de natureza tributária. O art. 2º, § 3º, da LEF, que diz da suspensão do prazo prescricional por 180 dias, contados da inscrição do débito em dívida ativa, só é aplicável à dívida ativa não tributária. Quanto aos créditos tributários, sujeitam-se às normas gerais de direito tributário, as quais, nos termos do art. 146, III, b, da CF, abrangem a prescrição. Como o art. 174 do CTN, ao cuidar da matéria, em nível de lei complementar, não prevê a suspensão do prazo pela inscrição em dívida, tal não se dá.513 A cobrança amigável feita pela Procuradoria da Fazenda Nacional, por Aviso de Cobrança, também não tem efeitos sobre a prescrição.
A inscrição e a cobrança de débitos de pequeno valor revelam-se, por vezes, desinteressantes e antieconômicas para a Fazenda Pública. Como os recursos financeiros e de pessoal são escassos, melhor atende aos princípios da economicidade e da eficiência concentrá-los na inscrição e cobrança de dívidas mais elevadas. Daí a existência de previsões legais estabelecendo limites mínimos para inscrição e execução e determinando o arquivamento das execuções de pequeno valor já existentes até que surjam outros débitos ou que seus acréscimos justifiquem sua retomada. Aliás, há normas determinando que sequer sejam lançados valores diminutos.
135. Certidões negativas de débito514
A exigência e a expedição de certidões de regularidade fiscal são reguladas pelos arts. 205 a 208 do CTN.
Decorre do art. 205 que apenas a lei poderá exigir a apresentação de certidão negativa, de modo que eventuais atos normativos que inovem, condicionando a prática de atos à ostentação de certidão para casos em que a lei não a requer expressamente, serão inválidos. Mas nem mesmo a lei poderá exigir a apresentação de CND sem observância da razoabilidade e da proporcionalidade. Não poderá comprometer desproporcionalmente direito do contribuinte.515 O exercício de direitos constitucionais como o direito ao trabalho e ao livre exercício da atividade econômica, por exemplo, não podem, como regra, ser condicionados à ostentação de regularidade fiscal. Ademais, deve-se atentar para a pessoalidade da situação fiscal, de modo que não se condicione a certificação da regularidade fiscal de uma pessoa à verificação da regularidade de outra. O STJ censura o condicionamento da expedição de certidão para a pessoa física ao pagamento de dívida da empresa de que é sócio.516
As certidões devem ser expedidas no prazo de até dez dias, conforme o parágrafo único do art. 205 do CTN.
Certificar significa dar ao conhecimento informações constantes de arquivos, livros ou sistemas de determinada repartição. Não se compadece, pois, com especulações, com presunções. Exige o dado, o ato, devidamente anotado ou registrado.
Não basta eventual presunção do Fisco de que o contribuinte não tenha cumprido suas obrigações tributárias. Não é suficiente, e.g., que deixe de constar do sistema de controle da arrecadação ingressos a título de determinada contribuição mensal. É preciso que o Fisco possa apontar a existência de débito, o que depende de prévia formalização do crédito tributário por declaração do contribuinte ou por lançamento da autoridade devidamente notificado ao contribuinte (art. 142). Efetivamente, embora o crédito surja simultaneamente à obrigação, apenas quando é documentada a sua existência é que o Fisco pode opor o crédito ao contribuinte, considerando-o devedor. No entanto, o § 10 do art. 32 da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 11.941/09, dispõe no sentido de que o descumprimento das obrigações de declarar os dados relacionados a fatos geradores, base de cálculo e valores de contribuições previdenciárias impede a expedição de certidão de prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional. O STJ tem dado aplicação a dispositivos como este, embora sem fazer juízo quanto à sua constitucionalidade.517
A Certidão Negativa deve ser expedida quando efetivamente não conste dos registros do Fisco nenhum crédito tributário formalizado em seu favor. Havendo lançamento (auto de infração, notificação fiscal de lançamento de débito etc.) ou declaração do contribuinte (DCTF, Declaração de Rendimentos etc.), não terá o contribuinte direito à Certidão Negativa. O STJ, aliás, já assentou tal entendimento na Súmula 446: “Declarado e não pago o débito tributário pelo contribuinte, é legítima a recusa de expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa”. O mesmo acontece nas divergências entre a declaração do contribuinte e a respectiva guia de pagamento, quando o montante pago é inferior ao declarado. Valores declarados como devidos e impagos, ou pagos apenas parcialmente, ensejam a certificação da existência do débito quanto ao saldo.
Havendo crédito tributário devidamente documentado, somente Certidão Positiva poderá ser expedida, cabendo, apenas, verificar se o contribuinte tem ou não direito à Certidão Positiva com Efeitos de Negativa.
O art. 206 do CTN estabelece que “tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa”.
Os sistemas do Fisco podem, pois, acusar três situações distintas:
1ª SITUAÇÃO: inexistência de formalização de crédito, dando ensejo à expedição de Certidão Negativa de Débitos (CND);
2ª SITUAÇÃO: existência de crédito formalizado exigível e não garantido por penhora, dando ensejo à expedição de Certidão Positiva de Débitos (CPD);
3ª SITUAÇÃO: existência de crédito formalizado não vencido, com a exigibilidade suspensa ou garantido por penhora, dando ensejo à expedição de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa (CPD-EN).
O fato de estar o crédito tributário sub judice não dá ao contribuinte o direito à Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, porque o ajuizamento de ação não tem, por si só, qualquer efeito suspensivo da sua exigibilidade. Apenas nas hipóteses do art. 151 do CTN é que se poderá considerar suspensa a exigibilidade, ou seja nos casos de moratória ou parcelamento, depósito do montante integral, impugnação ou recurso administrativo, liminar ou antecipação de tutela.
Como a penhora também enseja a obtenção de certidão com efeitos de negativa, mas, por vezes, a execução tarda a ser ajuizada, tem-se admitido que o contribuinte se adiante à execução fiscal, oferecendo garantia em Ação Cautelar de Caução para a obtenção do efeito da penhora.518 Não se cuida, por certo, de contracautela a amparar a concessão de liminar suspensiva da exigibilidade. Fosse assim, não poderia a execução ser ajuizada, pois pressupõe título certo, líquido e exigível. Cuida-se, na verdade, de antecipação de penhora, devendo observar, por isso, o rito previsto na LEF, especialmente a ordem de preferência constante do seu art. 11.
A comprovação da regularidade perante a Fazenda Nacional depende da obtenção, pelo contribuinte, de certidão específica quanto às contribuições previdenciárias, expedida pela SRFB, e de certidão conjunta quanto aos demais tributos e quanto à dívida ativa da União, também expedida pela SRFB. A certidão conjunta só é expedida quando não haja qualquer pendência. Havendo, deve ser esclarecida perante a Delegacia da Receita Federal ou, se relativo a débito inscrito em dívida ativa, perante a Procuradoria da Fazenda Nacional. A cada qual caberá, então, expedir certidão quanto aos débitos sob sua responsabilidade.
O Dec. 6.106/07, a IN RFB 734/07 e a Portaria Conjunta PGFN/RFB 3/07 disciplinam a comprovação da regularidade fiscal quanto aos tributos em fase de lançamento e cobrança administrativa e quanto aqueles já inscritos em dívida ativa.
Há, ainda, certidões específicas. O Decreto 14.560/04, do Município de Porto Alegre, dispõe sobre o requerimento e a emissão de certidões relativas aos tributos administrados pela Secretaria Municipal da Fazenda. Trata das certidões, dentre as quais a Certidão de Débitos Tributários do Imóvel, que especifica se o imóvel objeto do pedido possui débitos relativos ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e à Taxa de Coleta de Lixo (TCL). Esse tipo de certidão é importante para prevenir responsabilidades na aquisição de imóveis, de que cuida o art. 130 do CTN.
Notas
502 MARTINS, Iágaro Jung. Obrigações Acessórias: livros e declarações. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2006 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Tributário: módulo 1).
503 VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Atlas: 2007, p. 48.
504 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, MS 23.452, 1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Ministro PAULO MEDINA, HC 24.577, 2003.
505 AMS 2003.70.00.012284-4.
506 Já decidira assim anteriormente: STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, MS 23.452, 1999.
507 Vide arts. 32 e 95 da Lei 8.212/91.
508 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, AgRRE 331.303, 2004; STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, HC 79.512, 1999.
509 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, REsp 436.747, 2002; STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, AgREsp 443.971, 2002.
510 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro LUIZ FUX, AgRgAg 485.548, 2003.
511 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 729.192, 2006; STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, REsp 36.543, 1996.
512 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, AgRg nos EAREsp 41.860/GO, ago/2012.
513 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, REsp 708.227, 2005; STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, AgRgREsp 189.150, 2003.
514 Para maior detalhamento deste ponto, vide nossa obra Manual das Certidões Negativas de Débito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
515 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, ADI 173, 20008; STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, RE 413.782, 2005; Súmula STF 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo; Súmula STF 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos; Súmula STF 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
516 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 721.569, 2005; STJ, Segunda Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, REsp 439.198, 2003.
517 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 1.042.585, 2010.
518 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 536.037, 2005.