Capítulo XXI – Impostos sobre a Transmissão de Bens
139. Imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis (ITBI)
O art. 156, II, da Constituição outorga aos Municípios competência para instituir imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”. É o chamado ITBI. A competência é sempre do Município da situação do bem, nos termos do art. 156, § 2º, da CF.
A transmissão de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos dá-se mediante registro do respectivo título (como a escritura de compra e venda) no Cartório de Registro de Imóveis. O art. 1.227 do Código Civil dispõe que “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro”. O art. 1.245, que cuida especificamente da aquisição da propriedade, dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. De qualquer modo, pode o legislador determinar que o pagamento seja feito já antecipadamente, por ocasião da escritura, como medida de praticabilidade tributária que vise a evitar o inadimplemento. Isso porque toda escritura deve ser levada a registro, de modo que se pode presumir a iminência do fato gerador. Mas o STJ já decidiu que “a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria o Ordenamento Jurídico”.547
A transmissão inter vivos é a transferência do direito de uma pessoa a outra por força de um negócio jurídico. Não se confunde com a aquisição originária da propriedade,548 que se não se sujeita à incidência deste imposto porque não implica transmissão.549
Os direitos reais estão arrolados no art. 1.225 do Código Civil: propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito real de uso. A Súmula 326 do STF dispõe: “É legítima a incidência do Imposto de Transmissão Inter Vivos sobre a transferência do domínio útil”.
Há imunidade para a transmissão na realização de capital550 de pessoa jurídica e também nas transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, exceto quando a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens e direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, nos termos do art. 156, § 2º, I, da CF.
O STF entende que o ITBI é um imposto de natureza real551 e que, por isso, não se presta à progressividade,552 ou seja, não pode ter alíquotas progressivamente maiores conforme o aumento da base de cálculo.
O CTN dispõe que o fato gerador é a “transmissão”, a qualquer título, da propriedade e do domínio útil (art. 35, I) ou “de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia” (35, II). Conforme a Súmula 111 do STF: “É legítima a incidência do Imposto de Transmissão Inter Vivos sobre a restituição, ao antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua desapropriação”.
A base de cálculo “é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos” (art. 36). Quando da transmissão da propriedade, considera-se o seu valor venal, ainda que haja gravames temporários.553 De outro lado, dispõe a Súmula 108 do STF: “É legítima a incidência do Imposto de Transmissão Inter Vivos sobre o valor do imóvel ao tempo da alienação, e não da promessa, na conformidade da legislação local”. A Súmula 110 do STF, por sua vez, dispõe: “O Imposto de Transmissão Inter Vivos não incide sobre a construção, ou parte dela, realizada pelo adquirente, mas sobre o que tiver sido construído ao tempo da alienação do terreno”.
Os Municípios estabelecem Plantas Genéricas de Valores – PGVs – com os critérios gerais que servem para a definição, nos casos concretos, do valor de cada imóvel conforme suas características ou valem-se das Plantas Fiscais de Valores utilizadas para cálculo do IPTU, utilizando-as para fins de ITBI. Tal é válido, desde que não implique base de cálculo superior ao real valor de cada imóvel.
As alíquotas são fixadas pela legislação municipal, não prevendo mais a Constituição a fixação de limite por Resolução do Senado, o que só está previsto para o ITCMD, mas não para o ITBI.
Contribuinte pode ser qualquer das partes na operação tributada, nos termos do art. 42 do CTN.
No Município de Porto Alegre, o ITBI foi instituído pela LC 197/1989. Tem como fato gerador a transmissão intervivos, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou acessão física, a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, e a cessão de direitos relativos a tais transmissões. Considera-se ocorrido o fato gerador (aspecto temporal) por ocasião da lavratura da escritura pública ou da formalização do título hábil a operar a transmissão, ou ainda, se inocorrentes os casos anteriores, na data do registro do ato no ofício competente. Dispõe a lei, ainda, que “Na dissolução da sociedade conjugal, excesso de meação, para fins do imposto, é o valor em bens imóveis, incluído no quinhão de um dos cônjuges, que ultrapasse 50% do total partilhável, “Na cessão de direitos hereditários formalizada no curso do inventário, para fins de cálculo do imposto, a base de cálculo será o valor dos bens imóveis que ultrapassar o respectivo quinhão” e que “No total partilhável e no quinhão, mencionados nos parágrafos anteriores, serão considerados apenas os bens imóveis”.
Contribuintes são o adquirente, na compra e venda, cada um dos permutantes em relação ao imóvel ou ao direito adquirido por permuta e o cedente nas cessões de direitos, mas o transmitente e o cessionário respondem solidariamente.
Incide sobre o valor venal do imóvel, atribuído pelo agente fiscal, correspondendo ao valor de mercado do imóvel. O agente fiscal estima o valor venal do imóvel em até cinco dias úteis “contados a partir da apresentação do requerimento no órgão competente”. Esse requerimento pode ser feito por meio de qualquer tabelionato. O art. 14 da lei ainda estabelece que “Não serão deduzidos da base de cálculo do imposto os valores de quaisquer dívidas ou gravames, ainda que judiciais, que onerem o bem, nem os valores das dívidas do espólio”. Alíquota de 3%. A alíquota é reduzida para 0,5% quanto aos valores objeto de financiamento imobiliário e provenientes de recursos do FGTS do adquirente, sujeita a limite o valor sujeito à alíquota reduzida.
Deve ser pago antes mesmo da lavratura da escritura pública de compra e venda, só se admitindo parcelamento antes da ocorrência do fato gerador, em até doze parcelas. Aliás, o art. 26 da LC 197/1989 estabelece que “Não poderão ser lavrados, transcritos, registrados ou averbados, pelos Tabeliães, Escrivães e Oficiais de Registro de Imóveis, os atos e termos de sua competência, sem prova do pagamento do imposto devido, ou do reconhecimento de sua exoneração”, sendo que “Os tabeliães ou Escrivães farão constar, nos atos e termos que lavrarem, a estimativa fiscal, o valor do imposto, a data do seu pagamento e o número atribuído à guia pela Secretaria Municipal da Fazenda ou, se for ocaso, a identificação do documento comprobatório da exoneração tributária”. Ademais, os tabeliães e oficiais de registro de imóveis são obrigados a apresentar à Secretaria Municipal da Fazenda, mensalmente, a relação dos imóveis que, no mês anterior, tenham sido objeto de transmissão ou cessão, mediante apresentação da Declaração de Operações Imobiliárias do Município (DOIM), sob pena de multa. Mas, o valor é restituído “quando não se formalizar o ato ou negócio jurídico que tenha dado causa ao pagamento”.
É isenta a primeira aquisição de terreno destinado à construção de casa própria de baixo valor, bem como de casa própria por meio de programa governamental de habitação destinado a famílias de baixa renda (art. 8º).
A lei instituidora do ITBI no Município de São Paulo é a Lei Municipal 11.154/91, regulada pelo Decreto 51.357/10, que consolida a legislação tributária do município.
O art. 115 do Regulamento diz que o ITBI tem como fato gerador “a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso: a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física; b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões;” e “a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis”.554 Compreende, nos termos do art. 116, a compra e venda; a dação em pagamento; a permuta; o mandato em causa própria ou com poderes equivalentes para a transmissão de bem imóvel e respectivo substabelecimento, ressalvado o disposto no artigo 117, inciso I; a arrematação, a adjudicação e a remição; o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor. o uso, o usufruto e a enfiteuse; a cessão de direitos do arrematante ou adjudicatário, depois de assinado o auto de arrematação ou adjudicação; a cessão de direitos decorrente de compromisso de compra e venda; a cessão de direitos à sucessão; a cessão de benfeitorias e construções em terreno compromissado à venda ou alheio; a instituição e a extinção do direito de superfície; e todos os demais atos onerosos translativos de imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis.555
Considera contribuintes aqueles que transmitem o direito, nos termos do seu art. 120: os adquirentes dos bens ou direitos transmitidos; os cedentes, nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda; os transmitentes, nas transmissões exclusivamente de direitos à aquisição de bens imóveis, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento mercantil; os superficiários e os cedentes, nas instituições e nas cessões do direito de superfície.556
A base de cálculo, nos termos do art. 121, “ é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado”.557 Desse modo, poderá não corresponder exatamente ao valor da operação, ou seja, ao valor constante do negócio jurídico realizado. Os §§ 1º e 2º é claro no sentido de que “Não serão abatidas do valor venal quaisquer dívidas que onerem o imóvel transmitido”, mas que “Nas cessões de direitos à aquisição, o valor ainda não pago pelo cedente será deduzido da base de cálculo”.
O Município de São Paulo divulga os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal, facultando ao contribuinte, caso não concorde, requerer fundamentadamente a avaliação especial do imóvel (arts. 122 e 123 do Regulamento). O valor da base de cálculo é reduzido, “na instituição de usufruto e uso, para 1/3 (um terço)”, “na transmissão de nua propriedade, para 2/3”, “na instituição de enfiteuse e de transmissão dos direitos do enfiteuta, para 80%”, “na transmissão de domínio direto, para 20%”.
A alíquota normal é de 2%. Mas fica em 0,5% nas transmissões “compreendidas no Sistema Financeiro de Habitação – SFH, no Programa de Arrendamento Residencial – PAR e de Habitação de Interesse Social – HIS” até o limite de R$ 42.800,00, conforme o art. 125 do Regulamento; nas superiores, a faixa até o limite é tributada à razão de 0,5%, e a faixa acima do limite, à razão de 2% (art. 10 da Lei 11.154, de 30/12/91, com a redação da Lei 13.107, de 30/12/00 e da Lei 14.865, de 29/12/08).
A legislação determina o pagamento antecipado quando o ato ou contrato seja realizado por instrumento público, ficando os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos, obrigados a verificar a exatidão e a suprir as eventuais omissões dos elementos de identificação do contribuinte e do imóvel transacionado no documento de arrecadação, nos atos em que intervierem. Quando o negócio for realizado por instrumento particular, o imposto deverá ser pago nos dez dias posteriores. Já na arrematação, adjudicação ou remição, o imposto será pago dentro de 15 dias desses atos, antes da assinatura da respectiva carta e mesmo que essa não seja extraída. Nas transmissões realizadas por termo judicial, em virtude de sentença judicial, o imposto será pago dentro de 10 (dez) dias, contados do trânsito em julgado da sentença ou da data da homologação de seu cálculo, o que primeiro ocorrer. Tudo nos termos dos arts. 127 a 130 do Regulamento.
Não sendo pago no vencimento, será acrescido de correção monetária, multa moratória de 0,33% até o limite de 20% e juros de 1% ao mês. Quando o débito é apurado pela fiscalização, a multa é de 50%. Comprovada omissão ou falsidade, a multa é de 100% sobre o total do débito.
140. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD)
É dos Estados a competência para instituir impostos sobre “transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”, nos termos do art. 155, I, da CF, com a redação da EC 3/93. Transmissão é transferência jurídica, implicando a sucessão na titularidade do bem ou direito. Será causa mortis quando ocorra por força do falecimento real ou presumido do titular. A Súmula 331 do STF já dispunha: “É legítima a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis no inventário por morte presumida”. Aberta a sucessão, “a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, conforme o art. 1.784/CC. A doação também implica transferência de titularidade de bem ou direito, mas decorrente ato jurídico inter vivos a título gratuito. O art. 538 do Código Civil refere-se à doação como o contrato em que uma pessoa, “por liberalidade”, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para outra. Note-se que em nenhum dos casos – transmissão causa mortis ou doação – há qualquer contraprestação. Quanto aos bens imóveis, a transferência ocorre através do registro imobiliário; quanto aos móveis, pela tradição (art. 1.267 do CC).
A ausência de onerosidade é o traço comum entre tais transmissões. Ao referir-se a quaisquer bens ou direitos, o dispositivo constitucional dá enorme abrangência a tal base econômica, alcançando inclusive a transmissão de imóveis.558
No RE 562.045, o STF está decidindo sobre a possibilidade de progressividade no ITCMD. Há diversos votos em sentido afirmativo, considerando que o caráter dinâmico do fato gerador a autoriza. É que não incide sobre a propriedade, mas sobre a transmissão a título gratuito, podendo-se vislumbrar nessa medida capacidade contributiva de quem recebe. Entendimento contrário funda-se no caráter real do imposto.
O art. 155, § 1º, I e II, da CF define o Estado competente quando se tratar de imóveis (Estado da situação do bem) ou de móveis, títulos e créditos (Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador). Conforme o inciso III, cabe à lei complementar definir a competência nos casos de o doador ter domicílio ou residência no exterior ou de o de cujos possuir bens, ser residente ou domiciliado ou ter o seu inventário processado no exterior.
Considera-se ocorrido o fato gerador e incide a lei vigente à época do óbito. Este o posicionamento do STJ: “2. Pelo princípio da saisine, a lei considera que no momento da morte o autor da herança transmite seu patrimônio, de forma íntegra, a seus herdeiros. Esse princípio confere à sentença de partilha no inventário caráter meramente declaratório, haja vista que a transmissão dos bens aos herdeiros e legatários ocorre no momento do óbito do autor da herança. 3. Forçoso concluir que as regras a serem observadas no cálculo do ITCD serão aquelas em vigor ao tempo do óbito do de cujus. 4. Incidência da Súmula 112/STF”.559 Mantém-se, assim, a orientação da antiga Súmula 112 do STF: “O Imposto de Transmissão Causa Mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”. Mas, conforme a Súmula 114 do STF, “O Imposto de Transmissão Causa Mortis não é exigível antes da homologação do cálculo”.
Vale destacar: “Não se aplica Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doação – ITCD nos bens pertencentes à viúva meeira, pois ela não é herdeira, incidindo o imposto somente sobre a meação partilhável”.560
Outro ponto a ter em conta é que o adiantamento de legítima configura fato gerador do imposto sobre doação e não do imposto sobre transmissão causa mortis.561 Se a base de cálculo seria a mesma, a alíquota pode ser diversa em alguns estados da federação.
Importa ter em consideração as Súmulas do STF no sentido de que “O Imposto de Transmissão Causa Mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação” (Súmula 113) e que “Sobre os honorários do advogado contratado pelo inventariante, com a homologação do juiz, não incide o Imposto de Transmissão Causa Mortis” (Súmula 115).
A alíquota máxima possível é de 8%, limite este estabelecido pela Resolução 9/92 do Senado Federal forte no que prevê o art. 155, § 1º, V, da CF. Não podem os estados estabelecer que a alíquota do seu imposto seja equivalente à alíquota máxima, porque a instituição do tributo exige a definição da alíquota pelo ente competente.562
Nos termos do art. 192 do CTN, “nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas”, o que envolve também o pagamento do ITCMD. É certo que “a comprovação do pagamento de todos os tributos somente condiciona a expedição do formal de partilha e dos respectivos alvarás, mas não a tramitação do arrolamento sumário, ou seja, apenas após o trânsito em julgado da sentença de homologação de partilha é que há a necessidade de comprovação pela Fazenda do pagamento de todos os tributos (não apenas dos impostos incidentes sobre os bens do espólio) para a expedição do formal de partilha”.563 No inventário, podem ser resolvidas questões incidentais relativas à incidência, cálculo ou mesmo isenção de tal imposto, até porque, “tratando-se de inventário, compete ao juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, proceder ao cálculo do imposto de transmissão causa mortis, conforme dispõem os arts. 1.012 e 1.013 do CPC”; “enquanto não homologado o cálculo do inventário, não há como efetuar a constituição definitiva do tributo, porque incertos os valores inventariados sobre o qual incidirá o percentual da exação, haja vista as possíveis modificações que os cálculos sofrerão ante questões a serem dirimidas pelo magistrado, nos termos dos arts. 1.003 a 1.011 do CPC”.564 Mas no arrolamento sumário não se admitem estes questionamentos, sobrestando-se o feito até que decididas as questões administrativamente.565 A Lei 11.441/07, alterou os arts. 982 e 983 do CPC para permitir a realização do inventário e da partilha por escritura pública quando não haja testamento nem interessado incapaz e todos os herdeiros estiverem de acordo. A escritura não será lavrada sem a prévia comprovação do pagamento do ITCMD.
A plêiade de dispositivos de direito civil, processual civil e registral que dizem respeito às sucessões acaba por tornar complexa a análise da matéria, principalmente no que diz respeito ao modo de lançamento do tributo e ao seu prazo decadencial. O STJ já decidiu que “No Estado do Rio de Janeiro, a Lei 1.427/89 estabelece que, quando o inventário se processar sob a forma de rito sumário o imposto de transmissão será objeto de declaração do contribuinte nos 180 (cento e oitenta) dias subsequentes à ciência da homologação da partilha ou da adjudicação”, sendo que “Não havendo tal declaração no prazo legal, nasce para o Fisco o direito de proceder ao lançamento de ofício (art. 149, II, do CTN), o que deverá ocorrer no prazo qüinqüenal do art. 173, I, do CTN...”.566 Ou seja, trata-se de tributo sujeito a lançamento por declaração. Não sendo cumprida pelo contribuinte sua obrigação, surge para o fisco a possibilidade de proceder ao lançamento de ofício no prazo de cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte. E a doutrina segue procurando esclarecer a situação. Pela pertinência, transcrevo as críticas de CARLOS VICTOR MUZZI FILHO a respeito da matéria:
“Examino, aqui, a tributação, incidente sobre a transmissão causa mortis..., concentrando o exame na forma de lançamento adotada (ou adotável)... [...] ainda há muita confusão teórica sobre estes aspectos do imposto sobre heranças, confusão que é aumentada pela existência de normas processuais que disciplinam o ‘cálculo do imposto’ nos processos de inventário e partilha (arts. 1.102 e art. 1.103, ambos do Código de Processo Civil, CPC) e que são objeto de antigas súmulas do Supremo Tribunal Federal (por exemplo, Súmulas nos 113, 114 e 115, entre outras). Ademais, alterações na legislação processual permitiram ‘o inventário e a partilha por escritura pública’ (art. 982 do CPC, na redação da Lei nº 11.441, de 2007), chamado inventário extrajudicial, o que suscita ainda mais dúvidas a respeito do lançamento do ITCMD. [...] Não se deve confundir a competência estadual para definir a forma de lançamento do ITCMD Causa Mortis, que decorre da competência para instituir o imposto, e a disciplina do processo de inventário (ou de arrolamento) de bens. As normas processuais devem se limitar a disciplinar o procedimento judicial, por meio do qual se formaliza a partilha dos bens entre os herdeiros. ... as questões tributárias se mostram acessórias ao processo de inventário e partilha... [...] A persistência na adoção do lançamento jurisdicional... não mais se justifica. Com efeito, na medida em que se constata a tendência à retirada do inventário e da partilha do âmbito judicial, é de se questionar sobre a eficiência do lançamento jurisdicional... [...] ... há uma tradição em nosso Direito Processual, que, de modo incomum, instituiu a possibilidade de lançamento jurisdicional, mas esta tradição não se sobrepõe à competência tributária outorgada pela Constituição Federal aos Estados, competência que, de resto, é instrumento para a viabilização da própria autonomia política destes Estado. Nada impede, pois, que o legislador estadual, exercendo sua competência legislativa plena, preveja que o lançamento do ITCMD Causa Mortis ocorra independentemente do processo de inventário e partilha de bens, não sendo vinculantes para os Estados as regras processuais que cuidam do lançamento jurisdicional do imposto sobre heranças. ... registre-se como exemplos de legislações que adotam o lançamento nos moldes preconizados pelo CPC, dentre outros, as dos estados de São Paulo (art. 17 da Lei Estadual nº 10.705, de 2000), do rio de Janeiro (arts. 8º e 13 da Lei Estadual nº 1.427, de 1989), do Rio Grande do Sul (art. 16 da Lei nº 8.821/1989) e do Paraná (art. 10 da lei 8.927, de 1988). Por outro lado, prevêem lançamentos realizados exclusivamente pela autoridade fiscal, por exemplo, os Estados do Ceará (arts. 12 e 13 a Lei Estadual nº 13.417, de 2003), de Minas Gerais (art. 17 da Lei Estadual nº 14.941, de 2003) e ainda o distrito federal (Lei distrital nº 3.804, de 2006). Em todos estes casos, isto é, seja sob a forma jurisdicional, seja sob a forma administrativa, o lançamento do ITCMD Causa Mortis, normalmente, assume a modalidade de lançamento por declaração, prevista no art. 149 do CTN, visto que ao sujeito passivo se impõe a obrigação de fornecer informações sobre a situação de fato (morte do autor da herança, patrimônio do autor da herança, herdeiro etc.), impondo-se à autoridade (judicial ou administrativa) o cálculo do tributo devido”.567
No Estado do Rio Grande do Sul, o imposto foi instituído pela Lei 8.821/89, sob a sigla ITCD. Seu art. 2º define como fato gerador a “transmissão causa mortis e a doação, a qualquer título, de: I – propriedade ou domínio útil de bens imóveis e de direitos a eles relativos; II – bens móveis, títulos e créditos, bem como dos direitos a eles relativos.” E esclarece, no § 1º desse artigo, que se considera doação “qualquer ato ou fato em que o doador, por liberalidade, transmite bens, vantagens ou direitos de seu patrimônio, ao donatário que os aceita, expressa, tácita ou presumidamente, incluindo-se as doações efetuadas com encargos ou ônus”.
Conforme o art. 4º da lei gaúcha, ocorre o fato gerador, na transmissão causa mortis, “na data da abertura da sucessão legítima ou testamentária” e, na transmissão por doação, como regra, “na data da formalização do ato ou negócio jurídico”, sendo que especifica algumas hipóteses.
Não incide “na renúncia à herança ou legado, desde que feita sem ressalvas, em benefício do monte e não tenha o renunciante praticado qualquer ato que demonstre aceitação”, conforme seu art. 6º, I. Estabelece, ainda, isenção para as transmissões de imóvel de pequeno valor quando o recebedor “seja ascendente, descendente ou cônjuge, ou a ele equiparado, do transmitente, não seja proprietário de outro imóvel e não receba mais do que um imóvel, por ocasião da transmissão”, bem como para a “decorrente da extinção de usufruto, de uso, de habitação e de servidão, quando o nu-proprietário tenha sido o instituidor” e, ainda, para a transmissão de “imóvel rural, desde que o recebedor seja ascendente, descendente ou cônjuge, ou a ele equiparado, do transmitente, e, simultaneamente, não seja proprietário de outro imóvel, não receba mais do que um imóvel de até 25 (vinte e cinco) hectares de terras por ocasião da transmissão e cujo valor não ultrapasse o equivalente a 6.131 (seis mil cento e trinta e uma) UPF-RS”. Também isenta a transmissão causa mortis “por sucessão legítima, cuja soma dos valores venais da totalidade dos bens imóveis situados neste Estado, bens móveis, títulos e créditos, bem como os direitos a eles relativos, compreendidos em cada quinhão, avaliados nos termos do artigo 12, não ultrapasse a 10.509 (dez mil quinhentas e nove) UPF-RS”, dentre outras hipóteses, todas arroladas no art. 7º da lei gaúcha.
O art. 8º coloca como contribuinte, nas doações, o doador, quando domiciliado ou residente no país, e o donatário, quando o doador não tenha aqui domicilio nem residência, mas o art. 10 cuida de estabelecer responsabilidade solidária do donatário e do doador quando não contribuintes. Nas transmissões causa mortis, contribuinte é o beneficiário ou recebedor do bem ou direito transmitido.
A base de cálculo é o valor venal dos bens, títulos ou créditos transmitidos, apurado mediante avaliação procedida pela Fazenda Pública Estadual ou avaliação judicial, sendo que o contribuinte “deverá fornecer à Fazenda Pública Estadual os elementos necessários para apuração da base de cálculo do imposto”, conforme o art. 12 e seu § 5º. Não concordando com a avaliação, o contribuinte tem vinte dias para requerer avaliação contraditória, podendo, desde já, juntar laudo assinado por técnico habilitado, conforme o art. 14 da lei gaúcha. As despesas de reavaliação correm por conta do contribuinte, sendo expresso nesse sentido o art. 15.
As alíquotas são de 4% para a transmissão causa mortis e de 3% para a transmissão por doação, conforme os arts. 18 e 19 da lei.
Consta, ainda, que, no inventário pela forma de arrolamento sumário, a parte “deverá solicitar ao órgão competente da Fazenda Pública Estadual a avaliação de todos os bens do espólio, antes do ajuizamento, fornecendo todos os elementos necessários para apuração da base de cálculo e do imposto devido” (art. 21).
No Estado de São Paulo, o imposto é disciplinado na Lei 10.705/00, com a redação da Lei 10.992/01, e regulamentado pelo Decreto 46.655/02.
Fato gerador é a “transmissão de qualquer bem ou direito havido por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória, inclusive o fideicomisso, ou por doação”. (art. 2º) O § 1º esclarece que “ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários”. O art. 3º esclarece que também se sujeita ao imposto a transmissão de “qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza”. Assim também a transmissão de “dinheiro, haver monetário em moeda nacional ou estrangeira e título que o represente, depósito bancário e crédito em conta corrente, depósito em caderneta de poupança e a prazo fixo, quota ou participação em fundo mútuo de ações, de renda fixa, de curto prazo, e qualquer outra aplicação financeira e de risco, seja qual for o prazo e a forma de garantia”. E, ainda, a transmissão de “bem incorpóreo em geral, inclusive título de crédito que o represente, qualquer direito ou ação que tenha de ser exercido e direitos autorais”.
Contribuintes, conforme a lei paulista, são o herdeiro, o legatário ou o fiduciário, o donatário ou o cessionário de herança ou de bem ou direito a título não oneroso, conforme seu art. 7º.
Base de cálculo é o valor venal do bem ou direito transmitido, assim considerado “o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação”. Na transmissão causa mortis, o valor do bem ou direito “é o atribuído na avaliação judicial e homologado pelo Juiz”, tudo conforme os arts. 9º e 10 da lei paulista. Nos termos dos parágrafos do art. 9º, quando a transmissão disser respeito ao domínio útil, a base de cálculo corresponderá a 1/3 do valor do bem; a domínio direto, 2/3; a usufruto por ato não oneroso, a 1/3; a transmissão não onerosa da nua-propriedade, 2/3.
Importa destacar, forte no art. 12, que: “No cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”. Vale considerar, ainda, conforme o art. 13, que, no caso de imóvel, a base de cálculo não será inferior ao valor considerado para fins de IPTU e de ITR. No caso de móvel ou direito, “base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo” ou, supletivamente, o valor declarado pelo interessado, ressalvada a revisão pela autoridade, nos termos do art. 14.
O art. 15 esclarece que: “O valor da base de cálculo é considerado na data da abertura da sucessão, do contrato de doação ou da avaliação”.
A lei paulista, atualmente, estabelece alíquota linear de 4%, conforme o art. 16, com a redação da Lei 10.992/01.568
O recolhimento deve ser feito até 30 dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar o pagamento, na transmissão causa mortis, até o máximo de 180 dias da abertura da sucessão, quando começa a correr juros. Na doação, o imposto deve ser “recolhido antes da celebração do ato ou contrato correspondente”, sendo que, “Na partilha de bem ou divisão de patrimônio comum, quando devido, o imposto será pago no prazo de 15 (quinze) dias do trânsito em julgado da sentença ou antes da lavratura da escritura pública”. É admitido parcelamento em até doze meses tanto no caso de transmissão causa mortis como no de doação.
O atraso dá ensejo a juros conforme a taxa SELIC e a multa de 0,33% ao dia, esta até o máximo de 20%.
Notas
547 STJ, REsp 253.364.
548 São modos de aquisição originária da propriedade, não sujeitos ao ITBI, por exemplo, a usucapião, a acessão, a aluvião e a avulsão. Vide CC, arts. 1.238 a 1.259.
549 “... se o usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, não encerrando transmissão, inadmissível falar-se em incidência do imposto de transmissão previsto no art. 35 do CTN, agora de competência dos municípios, por força do disposto no inciso II do art. 156 da Constituição Federal de 1988.” (SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de Bens Imóveis e Móveis. 2ª ed. São Paulo: RT, 1992, p. 186-188).
550 Para DE PLÁCIDO E SILVA, “Realização do capital é o pagamento do capital, seja em dinheiro ou em outros bens, conforme se tenha estipulado em cláusula contratual, pelos sócios da sociedade”, em Vocabulário Jurídico, 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 1.149.
551 Quando se classifica os impostos em reais e pessoais, não se está considerando se diz respeito a direito real ou pessoal. Embora a terminologia, o critério de distinção está em saber se o imposto grava uma riqueza considerada em si, ou se considera as circunstâncias pessoais do seu titular.
552 STF, RE 259.339: “ITBI: progressividade: L. 11.154/91, do Município de São Paulo: inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade, reconhecida pelo STF (RE 234.105), do sistema de alíquotas progressivas do ITBI do Município de São Paulo (L. 11.154/91, art. 10, II), atinge esse sistema como um todo, devendo o imposto ser calculado, não pela menor das alíquotas progressivas, mas na forma da legislação anterior, cuja eficácia, em relação às partes, se restabelece com o trânsito em julgado da decisão proferida neste feito”.
553 Neste sentido, a doutrina de CÉLIO ARMANDO JANCZESKI no artigo Base de cálculo dos impostos de transmissão: aspectos controversos, RTFP 55/96, abr/04. Mas o TJRS considerou inconstitucional a lei que não autoriza a dedução dos ônus reais: “INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE TRANSMISSÃO. SUBTRAÇÃO DOS ÔNUS REAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. É inconstitucional o art. 12, § 3º, da Lei 8.821/89-RS, que não exclui da base de cálculo do imposto de transmissão ‘os valores de quaisquer dívidas que onerem o bem, título ou crédito transmitido’, porque, ignorando a capacidade econômica contributiva objetiva, que ‘somente se inicia após a dedução dos gastos à aquisição, produção, exploração e manutenção da renda e do patrimônio’ (MISABEL DERZI), a teor do art. 145, § 1º, da CF/88, acaba redundando em confisco (art. 150, IV). 2. Incidente de inconstitucionalidade acolhido. Votos vencidos.” (TJRS, Órgão Especial, Des. ARAKEN DE ASSIS, Inc. 70005713862, ago/03).
554 Art. 1º da Lei 11.154, de 30/12/91.
555 Art. 2º da Lei 11.154, de 30/12/91, com a redação da Lei 13.402, de 05/08/02, e da Lei 14.125, de 29/12/05.
556 Art. 6º da Lei 11.154, de 30/12/91, com a redação da Lei 13.402, de 05/08/02, e da Lei 14.125, de 29/12/05.
557 Art. 7º da Lei 11.154, de 30/12/91, com a redação da Lei 14.256, de 29/12/06.
558 É incompatível com a CF/1988 e, por isso, resta superada e inaplicável, a Súmula 328 do STF (“É legítima a incidência do Imposto de Transmissão Inter vivos sobre a doação do imóvel”), editada à luz do ordenamento anterior, quando era da competência dos Estados a instituição de um imposto sobre a transmissão, a qualquer título de bens imóveis e de direitos a eles relativos, o qual, por força do previsto no art. 35 do CTN e da orientação jurisprudencial, alcançava a transmissão onerosa ou gratuita, “inter vivos” ou “causa mortis”.
559 STJ, REsp 1142872/RS, out/2009.
560 STJ, AgRg no REsp 821.904/DF, set/2009.
561 STJ, REsp 1143625/MS, nov/2009.
562 STF, RE 213.266.
563 STJ, REsp 1.150.356/SP, ago/2010; STJ, REsp 1246790/SP, jun/2011.
564 STJ, AgRg no REsp 1257451/SP, set/2011.
565 Essa questão foi decidida no regime dos recursos repetitivos pelo STJ no REsp 1150356/SP, Primeira Seção, ago/2010. Veja-se também: “ARROLAMENTO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS. ENTREGA DE DOCUMENTOS À RECEITA ESTADUAL. INEXIGIBILIDADE. EXPEDIÇÃO DE FORMAL DE PARTILHA. COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DE TODOS OS TRIBUTOS. ARTIGOS 1031, § 2º, E 1034 DO CPC. 1. Embora não seja possível a discussão no arrolamento a respeito dos pagamentos dos impostos, após o trânsito em julgado da sentença de homologação de partilha, a expedição do formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes depois da comprovação verificada pela Fazenda Pública do pagamento de todos os tributos (não apenas dos impostos incidentes sobre os bens do espólio)...” (STJ, EDcl no AgRg no REsp 823.025/SP, jun/2010).
566 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 752.808/RJ, mai/07.
567 MUZZI FILHO, Carlos Victor. Imposto sobre transmissões causa mortis: lançamento e decadência. RDDT nº 212/29, mai/2013.
568 Na redação original da Lei 10.705/00, era progressiva de 2,5 a 4%.