Capítulo XXVI – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico

153. Contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA

As empresas e equiparados são obrigadas ao pagamento de contribuição sobre a folha de salários de 0,2% destinada ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Essa contribuição tem suporte no art. 15, II, da LC 11/71 em combinação com art. 3º do DL 1.146/70 e com os demais diplomas a que remetem, ainda mais antigos.

Durante muito tempo, o entendimento predominante foi no sentido de que se tratava de contribuição de seguridade e que, por isso, teria sido tacitamente extinta quando da unificação das previdências urbana e rural. Mas, em 2006, surgiu a tese de que: “As contribuições para o INCRA são verdadeiras contribuições de intervenção no domínio econômico que têm por escopo a arrecadação de recursos para a atuação direta do Estado na estrutura fundiária, por meio, precipuamente, da desapropriação para fins de reforma agrária, implantando o programa nacional de reforma agrária, sempre tendo como objetivo último a efetiva observância da função social da propriedade”.766 O STJ acatou tal entendimento, passando a reconhecer o seu caráter de contribuição de intervenção no domínio econômico e a entender que permanece vigente.767 Voltada às finalidades previstas no art. 170, III e VII, da CF/88, seu caráter interventivo está realmente presente.768

Discutiu-se se tal contribuição poderia mesmo ser exigida de todas as empresas, inclusive as urbanas, que não têm nenhuma relação direta com as questões relacionadas à função social da propriedade rural. Argumentava-se que, relativamente às empresas urbanas, não haveria a necessária referibilidade entre a finalidade financiada e os contribuintes. Assim, ROQUE CARRAZZA: “... a empresa que desenvolve atividades urbanas não pode ser alvo da contribuição para o INCRA. Reiteramos que as CIDEs somente são exigíveis de pessoa diretamente ligada à atividade que se pretende regular, não bastando, para tanto, um mero envolvimento difuso”.769 Nesse sentido, aliás, decidiu a 2ª Turma do TRF4 em acórdão por nós conduzido: “2. A amplitude do pólo passivo depende da verificação da referibilidade, traço inerente às contribuições. A intervenção para fiscalizar e fazer com que os imóveis rurais cumpram sua função social só diz respeito ao mundo rural. É incabível a cobrança da contribuição de empresa urbana, pois não mantém nenhum nexo com a atividade interventiva do INCRA”.770

O entendimento que prevaleceu no âmbito do STJ, contudo, foi diverso: “2. A Primeira Seção firmou posicionamento de ser legítimo o recolhimento da Contribuição Social para o Funrural e o Incra pelas empresas vinculadas à previdência urbana. 3. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 977.058-RS, sob o rito dos recursos repetitivos”.771 O STJ, assim, absteve-se de fazer um juízo de referibilidade ao argumento de que, em se tratando de CIDE, tal não seria um requisito para a sujeição passiva. Mas a posição final será dada pelo STF que, inclusive, já reconheceu a repercussão geral da matéria no RE 578635 RG, cujo mérito, no entanto, está pendente de julgamento.

Também se discutiu a compatibilidade da contribuição ao INCRA com a superveniente EC 33/01. É que essa emenda passou a definir as bases econômicas (revelações de riqueza) sobre as quais poderiam incidir as contribuições interventivas: faturamento, receita bruta ou valor da operação (art. 149, § 2º, III, a, da CF). Quanto a tal ponto, a 2ª Turma do TRF4, em acórdão por nós conduzido, entendeu que a contribuição ao INCRA, por incidir sobre a folha de salários, não teria sido recepcionada pela EC 33/01, restando, assim, tacitamente revogada por tal emenda. Externamos essa posição, também, em sede doutrinária, em coautoria com ANDREI PITTEN VELLOSO.772 Posteriormente, ROQUE CARRAZA igualmente expressou tal entendimento: “As leis que tratam da Contribuição ao Incra foram revogadas pela Emenda Constitucional 33/01, uma vez que o faturamento, a receita bruta e o valor da operação ou, no caso de importação, o valor aduaneiro, não se confundem com a folha de salários (base de cálculo da Contribuição para o INCRA)... a contribuição para o Incra somente seria válida caso se ajustasse, em tudo e por tudo, ao regime jurídico próprio desta figura, inscrito no art. 149, caput e em seus §§ 2º e 3º, da Constituição Federal... tal, porém, não se dá, porque a legislação que instituiu a contribuição para o Incra (cuja base de cálculo é a folha de salários) passou, com a edição da EC 33/01, a padecer de inconstitucionalidade superveniente, tendo sido, assim, revogada por este ato normativo”.773 O STJ manifestou-se no sentido de que a questão é constitucional e que deverá ser resolvida pelo STF em sede de recurso extraordinário, o que ainda não ocorreu.

154. Contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao SEBRAE

A contribuição ao SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) foi instituída pelo art. 1º da Lei 8.154/90 como um adicional às contribuições ao SESC e SENAC (do comércio), SESI e SENAI (da indústria). A parcela destinada ao SEBRAE é de 0,3% sobre a folha de salários.

Alguns setores específicos que recolhiam contribuições ao SESC, SENAC, SESI e SENAI passaram a recolher a serviços sociais autônomos mais específicos, criados posteriormente: o SECOOP (do cooperativismo), o SEST (do transporte), o SENAT (de aprendizagem do transporte) e o SENAR (de aprendizagem rural). Como as leis criadoras desses novos serviços sociais não fizeram referência ao adicional ao SEBRAE, surgiu a dúvida quanto a ser ou não devido o adicional também no que diz respeito a essas novas contribuições. Entenderam, tanto o STJ774 como o STF,775 que o que ocorreu foi simplesmente a alteração do destinatário das contribuições em nada modificando a sistemática de recolhimento da contribuição ao SEBRAE que, assim, é devido como adicional tanto às antigas contribuições como a essas novas decorrentes do desdobramento dos serviços sociais.

A natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico restou afirmada pelo STF quando do julgamento do RE 396.266-3: “A contribuição do SEBRAE – Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/03 – é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do DL 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, CF”. Afirmou o ministro relator CARLOS VELLOSO no voto condutor que “se o SEBRAE tem por finalidade ‘planejar, coordenar e orientar programas técnicos, projetos e atividades de apoio às micro e pequenas empresas, em conformidade com as políticas nacionais de desenvolvimento, particularmente as relativas às áreas industrial, comercial e tecnológica’ (Lei 8.029/90, art. 9º, incluído pela Lei 8.154/90), a contribuição instituída para a realização desse desiderato está conforme aos princípios gerais da atividade econômica consagrados na Constituição. ... não possui o SEBRAE qualquer finalidade de fiscalização ou regulação das atividades das micro e pequenas empresas, mas de incentivo à sua criação e desenvolvimento, em conformidade com o disposto no art. 179 da Constituição Federal, acreditando em seu potencial de influenciar positivamente as áreas industrial, comercial e tecnológica, estas também de interesse das empresas que contribuem ao SESC/SENAC, SESI/SENAI. Conclui-se, portanto, que a contribuição para o SEBRAE é daquelas de intervenção na atividade econômica”. Entende o STF que se trata de tributo constitucional, matéria, aliás, cuja repercussão geral foi reconhecida no AI 762202 RG para fins de aplicação uniforme do que decidido pelo STF.

Como o SEBRAE atua junto às micro e pequenas empresas, discutiu-se se as médias e grandes também poderiam ser obrigadas ao pagamento, já que não estavam no grupo alcançado por sua atividade. Surgiram decisões no sentido de que “A exação, apesar de constitucional, não é exigível das empresas de médio e grande porte, porquanto estas não são beneficiárias das atividades desenvolvidas pelo SEBRAE”.776 Mas o STF firmou orientação em sentido oposto, indicando que, nas contribuições interventivas, é desnecessário que “o contribuinte seja virtualmente beneficiado”.777 Destacou que a contribuição ao SEBRAE pode ser cobrada também das médias e grandes empresas porquanto a atividade de tal ente social autônomo, embora direcionada às microempresas e às empresas de pequeno porte, afeta todo o comércio e a toda a indústria, guardando, portanto, relação também com as médias e grandes.

Note-se que, assim como a contribuição ao INCRA, a contribuição ao SEBRAE é contribuição interventiva que tem por base de cálculo a folha de salários. Desse modo, é pertinente a discussão sobre a sua compatibilidade com a EC 33/01 que delimitou as bases econômicas sobre as quais poderiam incidir as contribuições interventivas: faturamento, receita bruta ou valor da operação (art. 149, § 2º, III, a, da CF). Entendemos que a contribuição ao SEBRAE foi tacitamente revogada, tendo em conta sua não recepção pela EC 33/01.778 As reformas constitucionais, aliás, tem sido no sentido de desonerar a folha de salários, do que é exemplo também a EC 42/03, a qual, incluindo o § 13 ao art. 195 da CF, previu inclusive a possibilidade de substituição da própria contribuição previdenciária sobre a folha pela incidente sobre a receita ou o faturamento. Essa questão da recepção ou não pela EC 33/01 já teve a sua repercussão geral reconhecida pelo STF no RE 603624 RG, cujo mérito está para ser decidido.

155. Contribuição de intervenção no domínio econômico sobre a comercialização de combustíveis

O art. 177, § 4º, da Constituição, acrescentado pela EC 33/01, estabelece suporte constitucional específico para a instituição de “contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível”. A intervenção dar-se-á mediante destinação dos recursos “ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo”, “ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás” e “ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes”, conforme prevê o inciso II do § 4º.

Estabelece o inciso I do § 4º que tal contribuição pode ter alíquota diferenciada por produto ou uso e que a alíquota pode ser “reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo”, atenuando, assim, a legalidade. Também dispensa a observância da anterioridade de exercício. Ocorre que tanto a legalidade quanto a anterioridade constituem garantias fundamentais do cidadão contribuinte com nível de cláusula pétrea. Desse modo, nem mesmo por emenda constitucional a sua observância poderia ser dispensada. Por isso, entendemos que a EC 33/01, no ponto, é inconstitucional, tal como já decidiu o STF na ADI 939 relativamente à EC 03/03, que, ao autorizar a instituição do IPMF, estabelecera invalidamente exceção à anterioridade de exercício. Já a EC 42/01, que criou a garantia da anterioridade nonagesimal do art. 150, III, c, da CF, não colocou tal contribuição dentre as suas exceções e é plenamente aplicável.

A CIDE-Combustível foi instituída pela Lei 10.336/01. Dispõe seu art. 1º que incide “sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível” e que terá a destinação idêntica à elencada no dispositivo constitucional (art. 177, § 4º, II). Fatos geradores da contribuição são as operações de importação e de comercialização no mercado interno de gasolinas e suas correntes, diesel e suas correntes, querosene de aviação e outros querosenes, óleos combustíveis (fuel-oil), gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta e álcool etílico combustível realizadas por seus produtores, formuladores ou importadores, que são os contribuintes, tudo nos termos dos arts. 2º e 3º da referida lei. O art. 3º, § 2º, prevê que a contribuição “não incidirá sobre as receitas de exportação, para o exterior, dos produtos relacionados no caput deste artigo”, o que está em consonância com o art. 149, § 2º, I, da CF, tendo em conta a imunidade criada pela EC 33/01.

As alíquotas são específicas: R$ 860,00 por m³ de gasolina, R$ 390,00 por m³ de diesel, R$ 92,10 por m³ de querosene de aviação e de outros querosenes, R$ 40,90 por t de óleos combustíveis com alto teor de enxofre, R$ 40,90 por t de óleos combustíveis com baixo teor de enxofre, R$ 250,00 por t gás liquefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e da nafta e R$ 37,20 por m³ de álcool etílico. É autorizada compensação do que tenha sido pago na importação ou na aquisição de outro contribuinte com o devido na comercialização no mercado interno (art. 7º).

No caso de comercialização, no mercado interno, a CIDE devida será apurada mensalmente e será paga até o último dia útil da primeira quinzena do mês subsequente ao de ocorrência do fato gerador e, na hipótese de importação, o pagamento da CIDE deve ser efetuado na data do registro da Declaração de Importação, nos exatos termos do art. 6º da Lei 10.336/01.

O art. 10 estabelece isenção da CIDE para produtos “vendidos a empresa comercial exportadora, conforme definida pela ANP, com o fim específico de exportação para o exterior”.

A administração e a fiscalização da CIDE compete à Secretaria da Receita Federal, nos termos do art. 13.

Notas

766 CAMARGOS, Luciano Dias Bicalho. Da natureza jurídica das contribuições para o Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária – INCRA. MP: 2006, p. 366.

767 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 977.058, 2008.

768 CF: “TÍTULO VII Da Ordem Econômica e Financeira CAPÍTULO I DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: ... III – função social da propriedade; ... VII – redução das desigualdades regionais e sociais;”.

769 CARRAZZA, Roque Antonio. Contribuição de intervenção no domínio econômico... RDDT 170/93, nov/09.

770 TRF4, Segunda Turma, Rel. p/Acórdão Juiz Fed. LEANDRO PAULSEN, AC 2005.71.08.005412, 2007.

771 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, AgRgAg 1.313.116, 2010.

772 PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Controle das CIDEs e das Contribuições Sociais pela Base Econômica – Art. 149, § 2º, da CF com a redação da EC 33/01. Publicado na RDDT em 2008.

773 CARRAZZA, Roque Antonio. Contribuição de intervenção no domínio econômico... RDDT 170/93, nov/09.

774 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, REsp 824.268, 2006.

775 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, AI 596552 AgR, 2007.

776 TRF4, Primeira Turma, Rel. p/Acórdão Dese. Fed. LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, AC 2000.72.05.003646, 2001.

777 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, AI 604712 AgR, 2009. Assim, também: STF, Primeira Turma, Rel. Ministro CARLOS BRITTO, RE 401823 AgR, 2004.

778 PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Controle das CIDEs e das Contribuições Sociais pela Base Econômica – Art. 149, § 2º, da CF com a redação da EC 33/01. Publicado na RDDT em 2008.