Capítulo XXXI – Processo Administrativo-Fiscal

162. Processo administrativo-fiscal federal

O processo administrativo-fiscal não é regulado por norma geral de direito tributário. O CTN limita-se a determinar que os atos sejam documentados e que seja fixado prazo para exercício da fiscalização, não se ocupando, propriamente, do procedimento.

Cada ente político estabelece o processo administrativo fiscal relativo aos tributos que administra.

O Decreto 70.235/72 (Lei do Processo Administrativo-Fiscal – PAF), editado sob a égide de Atos Institucionais que delegavam ao Executivo tal competência e recepcionado como lei ordinária pela Constituição de 1988, dispõe sobre o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União.807 Os arts. 48 a 50 da Lei 9.430/96 dispõem sobre os processos administrativos de consulta, que são solucionados em instância única. O Decreto 7.574/11 regulamenta o processo de determinação e exigência de créditos tributários da União, o processo de consulta sobre a aplicação da legislação tributária federal e outros processos sobre matérias administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Através da Lei 9.784/99, foram definidas regras para os processos administrativos conduzidos no âmbito da Administração Pública Federal em caráter geral, de aplicação apenas subsidiária a outros procedimentos específicos que já existiam, como o administrativo fiscal, conforme se tira do seu art. 69.808 Havendo dispositivo específico e válido no Dec. 70.235/72, prevalece sobre a Lei 9.784/99. No caso de lacuna, contudo, a Lei 9.784/99 deve ser aplicada. Assim, aplica-se, por exemplo, seu art. 2º, que enuncia os princípios a serem observados pela Administração Pública: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Também aplicam-se os critérios a serem observados nos processo administrativos, tais como a adequação entre meios e fins, a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão, a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados e a adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados.

O processo administrativo-fiscal abrange todo o procedimento de fiscalização e de autuação (a ação fiscal) e o processamento da impugnação e dos recursos (a fase litigiosa).

163. Ação fiscal e autuação

O art. 196 do CTN dispõe no sentido de que: “A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas”. O Decreto 70.235/72, por sua vez, determina: “Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada”.

Esta exigência de formalização dos diversos atos, que é regulamentada por atos normativos infralegais, demonstra que o procedimento fiscal é informado pelo “princípio documental”.809 Efetivamente, a ação fiscal, assim entendido o procedimento de fiscalização tendente a verificar se o contribuinte cumpriu suas obrigações e a lançar eventuais valores devidos, é toda documentada. Desde a ordem para que seja realizada a fiscalização, passando pela sua abertura, diligências, encerramento, conclusão e eventual complementação, tudo é formalizado. Para tanto, há mandados, termos e autos próprios. O processo administrativo fiscal é autuado tal qual um processo judicial, recebendo numeração específica.

Os procedimentos de fiscalização são instaurados mediante Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), documento esse que constitui ordem do Delegado da Receita para que um Auditor-Fiscal realize determinada fiscalização. O MPF, ao mesmo tempo em que autoriza a ação do Auditor-Fiscal, delimita o objeto da fiscalização, definindo a abrangência do trabalho a ser realizado. O prazo para o cumprimento do MPF-F (Fiscalização) é de 120 dias, prorrogáveis. Fazendo-se necessária a ampliação do objeto da fiscalização para que alcance outros tributos ou períodos, expede-se um MPF-C (Complementação), sob pena de extrapolação inválida do mandado originário. A existência de MPF é requisito para que a fiscalização ocorra de modo válido; sua ausência implica nulidade do procedimento, nos termos do Decreto 3.724/01.810 Mas há algumas poucas exceções à exigência de prévio MPF, relacionadas à fiscalização aduaneira, a flagrantes de ilícitos e ao tratamento automático das declarações, as chamadas malhas finas.

Conforme destacamos alhures, “a ação fiscal poderá abranger apenas os tributos e períodos de apuração constantes no MPF, não sendo legítima a pretensão de, sem novo e prévio MPF com abrangência mais ampla, o setor de fiscalização exigir do sujeito passivo informações e esclarecimentos sobre tributos e períodos não abrangidos pelo MPF. Essa limitação está intimamente ligada à finalidade de controle administrativo em que se fundou a criação do MPF. O contribuinte tem o direito, inclusive, de não fornecer informações e documentos que sejam pertinentes a tributo ou a período não abrangidos pelo MPF, com a cautela de, em resposta a eventual intimação neste sentido, destacar em resposta que o fundamento da recusa é justamente a inexistência de prévio MPF com a abrangência pretendida”.811

No âmbito dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (SRF), o auditor-fiscal, tendo em mãos o MPF, dá início à fiscalização através do Termo de Início de Ação Fiscal (TIAF), notificando o sujeito passivo para apresentar a documentação e os livros que necessita analisar. Lavrado o TIAF e notificado o contribuinte, que nele apõe sua assinatura, resta afastada a possibilidade de denúncia espontânea das infrações812 relativamente ao objeto do MPF que delimita a fiscalização. A retomada do estado de espontaneidade se dá no caso de inércia da autoridade por sessenta dias, nos termos do art. 7º, § 2º, do Dec. 70.235/72.

A não apresentação, pelo contribuinte, dos elementos solicitados, implica descumprimento de obrigação tributária acessória, podendo configurar, por si só, infração autônoma sujeita a multa.813 Além disso, a falta de elementos para a análise da real atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte dá ensejo ao arbitramento dos tributos devidos.814 A autoridade realiza o arbitramento estimando qual tenha sido a base de cálculo a partir de algum dado conhecido da contabilidade ou da atividade da empresa, o que, muitas vezes, também é chamado de aferição indireta. Embora não tenha caráter punitivo, o arbitramento costuma ser bastante gravoso.

Realizados os levantamentos de dados necessários à verificação das obrigações tributárias do contribuinte relativamente ao tributo e período especificados no MPF, o auditor lavrará o Termo de Encerramento de Ação Fiscal (TEAF). No Termo, é enunciada a conclusão sobre a ocorrência de infração quanto às obrigações principais (pagamento de tributo e multa) ou acessórias (deveres formais). Na hipótese de ser verificada a ocorrência de infração, é lavrado Auto de Infração (AI), documento que formaliza a constituição do crédito, apontando o tributo devido e aplicando a multa. O Auto de Infração, portanto, consubstancia lançamento de ofício do crédito tributário.

O Auto de Infração tem de satisfazer requisitos mínimos estabelecidos no art. 10 do PAF, devendo apontar: qualificação do autuado, descrição dos fatos, fundamentação legal da exigência do tributo e da multa, montante devido, notificação para pagamento ou impugnação, identificação do autuante, local, data e assinatura. Como se vê, não se trata de nada que não seja absolutamente necessário para a compreensão do lançamento e verificação da sua regularidade, ensejando o exercício do direito de defesa.

É importante considerar que o AI normalmente é acompanhado de documentos que detalham o trabalho realizado e a exigência fiscal. O primeiro deles é o Relatório Fiscal que indica o modo como foram apurados os créditos, as razões de direito e de fato que lhe dão sustentação. O segundo é o Discriminativo de Débito, com o detalhamento dos valores devidos, por competência, a partir de seus valores originários. A verificação acerca do cumprimento dos requisitos já referidos, estampados no art. 10 do PAF, faz-se à vista de todo este conjunto documental, ou seja, do AI com os seus anexos.

Conforme já ressaltado, a notificação ao contribuinte conclui o procedimento de lançamento, estando, para o lançamento, como a publicação está para a lei; sem ela, não se tem lançamento concluído, mas um procedimento inacabado e ineficaz.815 A notificação, portanto, é essencial para que se tenha por efetivamente lançado o tributo e, assim, exercido pelo Fisco o direito de constituir o crédito tributário, afastando o decurso do prazo decadencial.816 Embora o Dec. 70.235/72 cuide da notificação em artigo específico (art. 11), exigindo os mesmos requisitos do Auto de Infração, normalmente ela se dá mediante a simples ciência do contribuinte aposta no próprio Auto de Infração, não constituindo documento autônomo.

Caso o auditor-fiscal verifique a ocorrência de outras infrações para cuja autuação não seja competente, por ser da competência territorial de outra Delegacia ou de natureza criminal, representará ao Delegado da Receita Federal do Brasil para que este dê ciência às autoridades competentes.

164. Notificações e intimações

As notificações e intimações para apresentação de documentos, ciência de decisões, pagamento, oferecimento de impugnação ou recurso e para o que mais se fizer necessário no processo administrativo fiscal, são regidas pelo art. 23 do Dec. 70.235/72.

Podem ser feitas, alternativamente:

• de modo pessoal, pelo próprio autor do procedimento ou por agente do órgão preparador, provada com assinatura do sujeito passivo, seu mandatário ou preposto;

• por via postal, com prova de recebimento no domicílio pessoal do sujeito passivo;

• por meio eletrônico, considerando-se efetivadas em 15 dias contados da data registrada no comprovante de entrega ou na data em que o sujeito passivo efetuar consulta no endereço eletrônico a ele atribuído pela administração tributária, se anterior, ou, ainda, na “data registrada no meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo”.

Note-se que a intimação ou notificação não ocorrerá necessariamente na pessoa do representante legal da pessoa jurídica, podendo dar-se na pessoa de preposto ou, se postal ou eletrônica, pelo recebimento no domicílio do contribuinte.

A notificação ou intimação poderá ser feita, ainda, por edital, mas apenas excepcionalmente, quando resultar improfícuo um dos meios ordinários, conforme o § 1º do mesmo art. 23.

165. Fase litigiosa: impugnação, instrução e recursos

O contribuinte tem o prazo de trinta dias, contados da notificação do Auto de Infração, para apresentar impugnação por escrito, instruída com a prova documental das suas alegações, nos termos do art. 15 do Dec. 70.235/72.817 As impugnações são dirigidas à Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamentos.

Não apresentada impugnação tempestivamente, preclui o direito do contribuinte de se opor administrativamente contra a exigência tributária. Com isso, considera-se o crédito tributário definitivamente constituído. Passa a correr, então, o prazo prescricional quinquenal, nos termos do art. 174 do CTN. Nesse prazo, o Fisco deve proceder à cobrança do crédito, seja amigavelmente através de Aviso de Cobrança, seja judicialmente mediante inscrição em dívida ativa e subsequente ajuizamento de execução judicial pelo rito da Lei 6.830/80.

Quando for oferecida impugnação parcial, a parte não impugnada poderá ser de pronto exigida. O art. 21, § 1º, do Dec. 70.235/72818 determina que, antes da remessa dos autos para julgamento, sejam formados autos apartados para imediata cobrança da parte não impugnada. Nos termos do art. 17 do Dec. 70.235/72, considera-se não impugnada a matéria que não tenha sido expressamente contestada pelo impugnante. Assim, quanto às rubricas não impugnadas, não há suspensão da exigibilidade do crédito, nada impedindo a sua cobrança, tampouco o curso do prazo prescricional relativamente a tal valor.

Apresentada impugnação tempestiva, parcial ou total, considera-se instaurada a fase litigiosa do processo administrativo fiscal,819 suspendendo-se a exigibilidade do crédito tributário, conforme estabelecido pelo art. 151, III, do CTN.820 Impugnação apresentada fora do prazo, contudo, não tem efeito suspensivo.

A impugnação deve indicar a autoridade julgadora, qualificar o contribuinte impugnante, apresentar as razões de fato e de direito que fundamentam a insurgência, especificar a sua extensão e apontar as diligências e prova pericial pretendidas, com a devida justificação, formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.821 O art. 16 do Dec. 70.235/72 é que arrola os requisitos da impugnação. Com a impugnação, necessariamente, devem ser anexadas a documentação comprobatória da regularidade da representação do contribuinte (estatutos, atas de eleição da diretoria e, se for o caso, procuração ao advogado) e a prova documental (elementos contábeis, guias de pagamento etc.).

A instrução probatória no processo administrativo é muito semelhante à do processo civil.

A prova documental deve ser apresentada já com a impugnação,822 sob pena de preclusão, salvas as hipóteses de força maior, fato ou direito superveniente, ou, ainda, contraposição a fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos. Porém, tendo em conta que o processo administrativo se rege pelo princípio da verdade material, cabe ao Fisco reconhecer eventual nulidade ou excesso, inclusive para evitar que tal se dê mediante ação judicial com encargos sucumbenciais. Ademais, pode ser determinada, inclusive de ofício, a realização de provas para a elucidação dos fatos. Tenha-se em conta, ainda, que os documentos que dizem respeito ao cumprimento de obrigações são do conhecimento de ambas as partes. Tudo isso justifica que a autoridade leve em consideração documentação acostada posteriormente à impugnação. Não é por outra razão que o art. 3º, III, da Lei 9.784/99, que cuida do processo administrativo em geral, autoriza expressamente a consideração da documentação acostada até o momento do julgamento.

O pedido de prova pericial é apreciado pela autoridade julgadora que pode indeferi-la se impertinente, prescindível ou impraticável, sem que tal implique violação à ampla defesa. A menos que a prova seja pertinente e decisiva para a solução da questão, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois este diz respeito à prova útil. Pode a autoridade, também, determinar de ofício a realização de diligências ou de perícias, cabendo-lhe, neste caso, oportunizar ao contribuinte a formulação de quesitos e a indicação de assistente técnico.

Encerrada a instrução, a impugnação823 é julgada por uma das Turmas da Delegacia da Receita de Julgamentos. Note-se que, no processo administrativo fiscal relativo aos créditos da União, o julgamento é sempre colegiado, desde a primeira instância.

Os recursos das decisões de primeira instância são dirigidos a uma das Seções do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e os recursos especiais, destinados à uniformização da jurisprudência, à sua Câmara Superior de Recursos Fiscais. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, conhecido por CARF, foi criado pela Lei 11.941/09 em substituição aos anteriores Conselhos de Contribuintes. O Regimento Interno do CARF consta da Portaria MF 256/09.

Tanto o prazo para impugnação como para a interposição de recurso é de 30 dias, nos termos dos artigos 15 e 33 do Dec. 70.235/72. O prazo para o recurso especial, contudo, é de 15 dias, estabelecido pelo art. 37, § 2º, do mesmo diploma.

O condicionamento do recurso ao arrolamento de bens equivalente a 30% da exigência fiscal definida na decisão, estabelecido pelo art. 33, § 2º, do Dec. 70.235/72, com a redação da Lei 10.522/02, foi declarado inconstitucional pelo STF. Assim, não pode ser exigida qualquer garantia para o recebimento de recurso. Eis a Súmula Vinculante 21 do STF: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”. A Súmula 373 do STJ já dispunha: “É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso administrativo”.

Decorrido o prazo de intimação das decisões da Delegacia de Julgamentos ou decididos os recursos pelo CARF por decisão não mais sujeita a recurso (art. 42 do Dec. 70.235/72), resta concluído o processo administrativo e definitivamente constituído o crédito tributário.

Há fundamento para entendermos que a conclusão do processo administrativo fiscal deve se dar no prazo máximo de cinco anos contados da data em que tenha sido iniciada a fiscalização, ou seja, da data da lavratura do Termo de Início de Ação Fiscal de que tenha resultado o lançamento, sob pena de perempção, forte no parágrafo único do art. 173 do CTN.824 A jurisprudência, contudo, é no sentido de que não corre prazo durante o processo administrativo fiscal, servindo, o parágrafo único do art. 173, apenas para antecipar o início do prazo decadencial quando a fiscalização se inicie antes do termo previsto no inciso I do caput.

166. Nulidades no processo administrativo-fiscal

O reconhecimento da nulidade do processo administrativo fiscal não deve ocorrer em função de simples irregularidades formais que não sejam capazes, por si só, de comprometer a sua lisura, sua finalidade e sua legitimidade. O art. 59 do Decreto 70.235/72 só autoriza o reconhecimento de nulidade quando verificada:

incompetência do servidor que praticou o ato, lavrou termo ou proferiu o despacho ou decisão;825 ou

• violação ao direito de defesa do contribuinte em face de qualquer outra causa, como vício na motivação dos atos (ausência ou equívoco na fundamentação legal do auto de infração), indeferimento de prova pertinente e necessária ao esclarecimento dos fatos, falta de apreciação de argumento de defesa do contribuinte.826 827

Não há requisitos de forma que impliquem nulidade de modo automático e objetivo. A nulidade não decorre propriamente do descumprimento de requisito formal, mas dos seus efeitos comprometedores do direito de defesa assegurado constitucionalmente ao contribuinte já por força do art. 5º, LV, da CF. Isso porque as formalidades se justificam como garantidoras da defesa do contribuinte; não são um fim, em si mesmas, mas instrumentos para assegurar o exercício da ampla defesa.

Alegada eventual irregularidade, cabe, à autoridade administrativa ou judicial, verificar se implicou efetivo prejuízo à defesa do contribuinte.828 Regem-se as nulidades do processo administrativo, portanto, pelo princípio da instrumentalidade das formas.

Ademais, não se declara qualquer nulidade quando se pode decidir o processo administrativo ou judicial, quanto à questão material, a favor do sujeito passivo.829

A declaração de nulidade, portanto, é excepcional, só tendo lugar quando o processo não tenha tido aptidão para atingir os seus fins sem ofensa aos direitos do contribuinte.

Os efeitos da declaração de nulidade ficam restritos ao próprio ato viciado e aos posteriores que dele dependam ou que dele tenham decorrido,830 nos termos, aliás, do que se faz no âmbito do processo civil (arts. 248 e 249 do CPC).

Cabe destacar que a anulação do lançamento por vício formal reabre o prazo decadencial (art. 173, II, do CTN).

167. Processo administrativo-fiscal estadual

Os Estados disciplinam, por leis próprias, o processo administrativo-fiscal aplicável aos tributos de sua competência.

No Estado do Rio Grande do Sul, o processo administrativo fiscal relativo aos tributos estaduais é disciplinado pela Lei 6.537/73. O Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF), criado em 1959, é o órgão recursal.

168. Processo administrativo-fiscal municipal

Os municípios estabelecem seu próprio processo administrativo-fiscal mediante leis municipais.

No Município de Porto Alegre, o processo administrativo-fiscal é regido pela LC 7/73.

Os recursos são julgados pelo Tribunal Administrativo de Recursos Tributários do Município de Porto Alegre – TART –, criado pela LC 534/05 do Município de Porto Alegre, regulamentada pelo Decreto 15.110/06. Esse tribunal municipal também tem composição paritária, contando com representantes da Fazenda e dos contribuintes, indicados estes por entidades da sociedade.

A LC 7/73 cuida da matéria em seu Título VI: “Da notificação, consulta, reclamação e recurso”. As reclamações devem ser apresentadas em 30 dias contados da notificação do lançamento (art. 62, II), e os recursos voluntários ao TART também no prazo de trinta dias contados da notificação da decisão denegatória da reclamação. As decisões do TART são designadas de “resoluções”. O § 2º prevê expressamente o efeito suspensivo das reclamações e recursos.

Notas

807 Para comentários sobre cada um dos artigos do Dec. 70.235/72 (PAF), vide nosso livro, escrito com René Bergmann Ávila e Ingrid Sliwka. Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

808 Lei 9.784/99: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. [...] Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”.

809 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 482.

810 PAULSEN, Leandro; ÁVILA, René Bergmann; SLIWKA, Ingrid Schroder. Direito Processual Tributário: Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, nota ao art. 7º, I, do PAF, p. 27.

811 Idem, nota ao art. 7º, I, do PAF, p. 26.

812 Art. 138 do CTN e art. 7º, § 1º, do Dec. 70.235/72 (PAF).

813 Art. 32-A da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 11.941/09.

814 Art. 148 do CTN.

815 “AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. VÍCIO NO PRÓPRIO LANÇAMENTO... 1. A ampla defesa e o contraditório, corolários do devido processo legal, postulados com sede constitucional, são de observância obrigatória tanto no que pertine aos ‘acusados em geral’ quanto aos ‘litigantes’, seja em processo judicial, seja em procedimento administrativo. 2. Insere-se nas garantias da ampla defesa e do contraditório a notificação do contribuinte do ato de lançamento que a ele respeita. A sua ausência implica a nulidade do lançamento e da Execução Fiscal nele fundada. 3. A notificação do lançamento do crédito tributário constitui condição de eficácia do ato administrativo tributário, mercê de figurar como pressuposto de procedibilidade de sua exigibilidade...” (STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 1073494, 2010).

816 Súmula 153 do extinto TFR: “Constituído, no qüinqüênio, através de auto de infração ou notificação de lançamento, o crédito tributário, não há falar em decadência, fluindo, a partir daí, em princípio, o prazo prescricional, que, todavia, fica em suspenso, até que sejam decididos os recursos administrativos.” Do STJ, vide REsp 445.137 e REsp 83.984; do STF, RE 95.365.

817 Art. 15. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência.

818 Art. 21. Não sendo cumprida nem impugnada a exigência, a autoridade preparadora declarará a revelia, permanecendo o processo no órgão preparador, pelo prazo de trinta dias, para cobrança amigável. § 1º No caso de impugnação parcial, não cumprida a exigência relativa à parte não litigiosa do crédito, o órgão preparador, antes da remessa dos autos a julgamento, providenciará a formação de autos apartados para a imediata cobrança da parte não contestada, consignando essa circunstância no processo original. § 2º A autoridade preparadora, após a declaração de revelia e findo o prazo previsto no caput deste artigo, procederá, em relação às mercadorias e outros bens perdidos em razão de exigência não impugnada, na forma do artigo 63. (Redação dada ao caput, §§ 1º e 2º pela Lei 8.748, de 09.12.1993.) § 3º Esgotado o prazo de cobrança amigável sem que tenha sido pago o crédito tributário, o órgão preparador declarará o sujeito passivo devedor remisso e encaminhará o processo à autoridade competente para promover a cobrança executiva. (O art. 5º do DL 1.715/79 extinguiu a declaração de devedor remisso.) § 4º O disposto no parágrafo anterior aplicar-se-á aos casos em que o sujeito passivo não cumprir as condições estabelecidas para a concessão de moratória. § 5º A autoridade preparadora, após a declaração de revelia e findo o prazo previsto no caput deste artigo, procederá, em relação às mercadorias ou outros bens perdidos em razão de exigência não impugnada, na forma do artigo 63.

819 Art. 14. A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento.

820 Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: [...] III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo.

821 Art. 16 [...] IV – as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito. (Redação dada ao inciso pela Lei 8.748, de 09.12.1993, DOU 10.12.1993)

822 Art. 16 [...] § 4º A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que: a) fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior; b) refira-se a fato ou a direito superveniente; c) destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos. (Parágrafo e alíneas acrescentados pela Lei 9.532, de 10.12.1997.) § 5º A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de uma das condições previstas nas alíneas do parágrafo anterior. § 6º Caso já tenha sido proferida a decisão, os documentos apresentados permanecerão nos autos para, se for interposto recurso, serem apreciados pela autoridade julgadora de segunda instância. (§§ 5º e 6º acrescentado pela Lei 9.532, de 10.12.1997).

823 Ou “manifestação de inconformidade”, em matéria de compensações (art. 74, § 11, da Lei 9.430/96).

824 GRECO, Marco Aurélio. Princípios Tributários no Direito Brasileiro e Comparado – Estudos jurídicos em homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 502 e segs.

825 É nula, por força do disposto no inciso I do art. 59, do Decreto 70.235/72, a decisão proferida por Delegado da Receita Federal de Julgamento que agrava o crédito tributário, por faltar-lhe competência para lançar imposto ou contribuições, atribuição da esfera das Delegacias e Inspetorias da Receita Federal”. (1º CC, 7ª C, Ac. 107-03.821).

826 “[...] a falta de apreciação de argumentos expendidos na peça impugnatória acarreta nulidade da decisão proferida em primeira instância. Preliminar acolhida. Decisão anulada.” (1º CC – Ac. 104-17.515 – 4ª C. Rel. Nelson Mallmann – DOU 28.11.2000 – p. 9).

827 Dec. 70.235/72: Art. 59. São nulos: I – os atos e termos lavrados por pessoa incompetente; II – os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa.

828 Dec. 70.235/72: Art. 60. As irregularidades, incorreções e omissões diferentes das referidas no artigo anterior não importarão em nulidade e serão sanadas quando resultarem em prejuízo para o sujeito passivo, salvo se este lhes houver dado causa, ou quando não influírem na solução do litígio.

829 Dec. 70.235/72: Art. 59 [...] § 3º Quando puder decidir no mérito a favor do sujeito passivo a quem aproveitaria a declaração de nulidade, a autoridade julgadora não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta. (Parágrafo acrescentado pela Lei 8.748, de 09.12.1993).

830 Dec. 70.235/72: Art. 59 [...] § 1º A nulidade de qualquer ato só prejudica os posteriores que dele diretamente dependam ou sejam consequência. § 2º Na declaração de nulidade, a autoridade dirá os atos alcançados, e determinará as providências necessárias ao prosseguimento ou solução do processo.