Capítulo XXXII – Processo Judicial Tributário
169. Ações ajuizadas pelo fisco
O art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 assegura a todos amplo acesso ao Judiciário. Não apenas a lesão a direito, mas a própria ameaça de lesão já revela interesse processual e é digna de tutela.
O Fisco, no Brasil, não depende do Judiciário para constituir seus créditos. Cabe-lhe realizar, por iniciativa própria, a apuração dos tributos devidos e eventualmente impagos, mediante lançamento, notificando os contribuintes a efetuar o respectivo pagamento ou a se defenderem. Também compete ao Fisco a imposição de multas pelo descumprimento da legislação tributária. Para tanto, não depende de qualquer ação judicial de conhecimento que imponha aos obrigados a condenação de pagarem. Ademais, a legislação permite que constitua inclusive o título executivo para buscar a satisfação compulsória dos seus créditos. Todavia, ao Fisco – assim entendido o sujeito ativo da obrigação tributária (credor) – não é dado proceder à execução administrativa. Ou seja, não tem a prerrogativa de efetuar, por ato próprio, a constrição do patrimônio do devedor, não podendo realizar diretamente o bloqueio ou a indisponibilidade de bens, tampouco atos expropriatórios.
Há rito especial estabelecido por lei para a execução judicial dos créditos tributários, denominada de execução fiscal.
Pode o Fisco, ainda, buscar em Juízo o acautelamento da execução através de medida cautelar fiscal. E o protesto judicial, por sua vez, pode lhe ser útil para a interrupção do prazo prescricional (art. 174, parágrafo único, II, do CTN).
Cabe destacar que, embora haja leis e dispositivos processuais de caráter especial a serem aplicados no processo judicial tributário, como é o caso da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) e da Lei 8.397/92 (Lei da Medida Cautelar Fiscal), aplica-se, em geral e subsidiariamente, o Código de Processo Civil e demais leis processuais.
170. Medida cautelar fiscal
A Lei 8.397/92 cuida da chamada Medida Cautelar Fiscal.
Com fundamento nesta lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como suas autarquias, como sujeitos ativos de obrigações tributárias, podem buscar acautelar os seus créditos quando o sujeito passivo pratique atos que dificultem ou impeçam a sua satisfação. São casos como o do devedor que se ausenta visando a elidir o adimplemento da obrigação, que põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros, que possui débitos superiores a 30% do seu patrimônio conhecido ou que tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta pela Fazenda, dentre outros (art. 2º).
Esta ação cautelar, via de regra, pressupõe créditos tributários já constituídos (arts. 1º e 3º), ou seja, declarados pelo contribuinte ou lançados pelo Fisco. Há apenas duas hipóteses, decorrentes das alterações impostas pela Lei 9.532/97,831 em que, excepcionalmente, o legislador admite o seu uso antes mesmo da constituição do crédito (parágrafo único do art. 1º): a do contribuinte que põe seus bens em nome de terceiros e a daquele que aliena bens ou direitos sem proceder à comunicação devida ao órgão da Fazenda Pública (caso dos bens objeto de arrolamento administrativo).
Deve o Fisco demonstrar a necessidade da medida, pois a “Medida Cautelar Fiscal não é meio útil para atender aos caprichos do Fisco, exacerbando as suas atribuições de cobrar o tributo devido, ao ultrapassar os limites do devido processo legal”.832
O crédito e as situações referidas devem ser provados documentalmente pelo Requerente (art. 3º). A indisponibilidade recairá sobre os bens do ativo permanente da pessoa jurídica (art. 4º, § 1º), salvo em situações excepcionais,833 sendo levada a registro perante o registro de imóveis e outras repartições competentes (art. 4º, § 3º).
A indisponibilidade poderá ser estendida ao acionista controlador e àquelas pessoas que tenham poderes de gestão, “desde que demonstrado que as obrigações tributárias resultaram de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (responsabilidade pessoal), nos termos do artigo 135, do CTN”.834
Pode o Requerido pleitear a substituição da indisponibilidade determinada pelo Juízo pelo oferecimento de garantia, ouvida a Fazenda Pública (art. 10).
A medida cautelar fiscal concedida conserva sua eficácia mesmo que seja suspensa a exigibilidade do crédito tributário. Mas, quando preparatória, perde sua eficácia se a execução não for ajuizada até, no máximo, sessenta dias após o lançamento tornar-se irrecorrível na esfera administrativa. Daí por que o art. 46 do Decreto 7.574/11 determina que seja ajuizada a execução no prazo de sessenta dias “contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa”.
Também pode, a ação cautelar fiscal, ser ajuizada no curso do processo de execução. Em qualquer caso (preparatória ou incidental), o juízo competente para a ação cautelar fiscal é o mesmo da execução fiscal (art. 5º). Cabe destacar, nos termos do art. 578 do CPC, que, na execução fiscal, o Fisco pode escolher qualquer dos domicílios do réu ou, ainda, ajuizar a ação “no foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem à dívida, embora nele não mais resida o réu, ou, ainda, no foro da situação dos bens, quando a dívida deles se originar”. O Fisco não está adstrito à autonomia dos estabelecimentos, possuindo, isto sim, “discricionariedade para ajuizar a execução em qualquer dos domicílios tributários do devedor”.835
171. Execução fiscal
A ação de execução fiscal é a via processual adequada para o sujeito ativo da relação tributária, munido da Certidão de Dívida Ativa (CDA) como título executivo extrajudicial, buscar a satisfação compulsória do seu crédito perante o sujeito passivo, seja contribuinte ou responsável tributário. A execução fiscal também se presta para a cobrança da dívida ativa não tributária.
A CDA deve revestir-se de certeza, liquidez e exigibilidade. Quando suspensa a exigibilidade por alguma das causas previstas no art. 151 do CTN, já não mais poderá ser ajuizada execução fiscal ou, se ajuizada, deverá ser suspensa, carente que estará, o título, de um dos requisitos que dele se exige.
A execução fiscal é regrada pela Lei 6.830/80, denominada Lei de Execução Fiscal (LEF), aplicando-se, ainda, subsidiariamente, o CPC, especialmente os dispositivos que regulam a execução de título extrajudicial.
As execuções fiscais movidas pela União ou por autarquias federais são, via de regra, ajuizadas na Justiça Federal, mas a Justiça Estadual tem competência delegada para processar aquelas cujo executado tenha domicílio em cidade que não seja sede de Vara Federal. A União não goza de imunidade à taxa judiciária, tampouco pode isentar-se de tal tributo (art. 151, I, da CF) e, portanto, terá de suportar as custas na Justiça Estadual, a menos que lei estadual a isente. Pode a União optar por ajuizar a execução na sede da Vara Federal, mas, neste caso, se o executado opuser exceção de incompetência, o feito terá de ser remetido ao Juízo Estadual da sede do seu domicílio.
Deve ser ajuizada a execução – e obtido o despacho ordenando a citação (art. 174, parágrafo único, I, do CTN) – no prazo de cinco anos contados da constituição definitiva do crédito, nos termos do art. 174 do CTN, ou seja, da conclusão do processo administrativo. Quando formalizado o crédito por declaração do contribuinte, o prazo conta da declaração.836 O STJ entende que a demora da máquina judiciária em praticar os atos processuais não pode prejudicar o credor que tenha ajuizado a execução tempestivamente, razão pela qual aplica sua Súmula 106 também à execução fiscal:837 “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.
Cita-se o executado para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida ou garantir a execução mediante depósito em dinheiro, fiança bancária ou nomeação de bens à penhora. Nos termos da Súmula 414 do STJ, “A citação por edital na execução fiscal é cabível quando frustradas as demais modalidades”.
O executado tem o dever de colaborar com a execução, sendo que a não indicação de bens sujeitos ou da respectiva localização é considerada atentatória à dignidade da justiça, ensejando a aplicação de multa, conforme os arts. 656, § 1º, e 601 do CPC, também aplicáveis à execução fiscal.
Caso o executado não pague nem indique bens à penhora ou sejam estes insuficientes para a satisfação do crédito, procede-se à decretação da indisponibilidade dos seus bens, forte no que determina o art. 185-A do CTN, utilizando-se o sistema BACEN-JUD para tanto. Identificam-se, assim, eventuais bens do executado que não tenham sido oferecidos à penhora, com destaque para os depósitos em dinheiro, preferenciais na ordem de penhora.
Aos embargos é atribuído efeito suspensivo quando esteja garantido o juízo e haja forte fundamento nas razões do embargante (vide adiante o item específico sobre os embargos à execução). Não sendo atribuído efeito suspensivo aos embargos ou sendo estes rejeitados liminarmente ou julgados improcedentes, a execução prossegue, realizando-se leilão dos bens.
Na execução fiscal, mesmo a venda de bens imóveis faz-se por leilão, não se utilizando a denominação “praça”.
O crédito tributário é preferencial, salvo relativamente aos créditos trabalhistas e aos de acidente do trabalho e, na falência, também aos cobertos por garantia real. A execução fiscal não se sujeita a concurso de credores, prosseguindo independentemente da existência de um juízo universal.
Na hipótese de não serem encontrados o devedor ou bens sobre os quais possa recair a penhora, a execução é suspensa pelo juiz, por um ano, nos termos do art. 40 da Lei 6.830/80 (LEF), para que o credor possa realizar diligências administrativas e obter informações que permitam o prosseguimento do feito. De tal suspensão deverá ser intimada a Fazenda Pública. Decorrido o prazo sem que nada seja requerido que permita o prosseguimento, o juiz procede ao chamado arquivamento administrativo dos autos, ou seja, ao arquivamento na própria Vara, sem baixa na distribuição. Cuida-se de uma espécie de sobrestamento qualificado. A execução pode retomar seu curso a qualquer tempo a pedido da Fazenda exequente. Mas, se o feito ficar parado por mais de cinco anos, o juiz deverá intimar a Fazenda para que diga se ocorreu alguma causa de suspensão ou interrupção do prazo, como o parcelamento do débito. Em caso negativo, decretará a prescrição intercorrente, extinguindo a execução. A respeito da matéria, o STJ editou a Súmula 314: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”.
172. Exceção de pré-executividade
O executado pode defender-se, na execução fiscal, através de exceção de pré-executividade ou de embargos do devedor.
A exceção de pré-executividade constitui simples petição apresentada nos autos da execução fiscal apontando a ausência de alguma das condições da ação (como a ilegitimidade passiva), de pressuposto processual ou mesmo de causas suspensivas da exigibilidade ou extintivas do crédito que não demandem dilação probatória. Neste sentido, é a Súmula 393 do STJ: “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.
Tal via é adequada, portanto, para o apontamento de vício ou impedimento demonstrável de pronto. A decadência e a prescrição, por exemplo, podem ser alegadas por simples petição, desde que presentes elementos que permitam verificar seus termos iniciais e finais. Mesmo o pagamento que tenha sido efetuado e que possa ser comprovado mediante guia devidamente autenticada pode ser informado mediante exceção de pré-executividade.
Entretanto, diante dos limites desta via, jamais deve o Executado deixar escoar o prazo para opor Embargos. É aconselhável que requeira a suspensão da execução e do prazo para embargos até que decidida a exceção ou que renove seus argumentos nos Embargos.
A exceção, de outro lado, não tem prazo para ser oposta. Mesmo preclusos os embargos, poderá o Executado, através da exceção de pré-executividade, suscitar matérias passíveis de serem conhecidas de ofício pelo Juiz.
173. Embargos à execução
Os embargos à execução podem ser opostos pelo devedor citado na execução (embargos do devedor) ou por terceiro prejudicado pela execução (embargos de terceiro).
Os embargos do devedor dependem de prévia garantia, pois o § 1º do art. 16 da Lei 6.830/80, que continua em vigor, dispõe: “Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”.838 O prazo é de 30 dias, contados da intimação da penhora (art. 16, III, da LEF), e não da juntada do mandado de citação, de modo que o termo inicial do prazo é diferente daquele que normalmente se costuma considerar no regime do CPC.839 Na execução inicialmente ajuizada contra uma pessoa jurídica e, posteriormente, redirecionada, o sócio citado em nome próprio defender-se-á também através de Embargos do Devedor (Súmula 184 do extinto TRF).
Do ajuizamento dos embargos não decorre, automaticamente, a suspensão da execução. A partir do advento da Lei 11.382/06, que acrescentou o art. 739-A ao CPC, aplicável subsidiariamente à execução fiscal, a atribuição de efeito suspensivo aos embargos depende não apenas da garantia da execução, mas também da verificação da relevância dos seus fundamentos e de que o prosseguimento da execução possa causar risco de dano de difícil ou incerta reparação.
Nos embargos, pode ser deduzida toda matéria de defesa, viabilizando-se discussões sobre o lançamento, sobre o processo administrativo, sobre a inscrição em dívida ativa e a respectiva certidão, sobre o procedimento da execução e sobre o próprio mérito do tributo exequendo.
Aquela pessoa que não for citada como executado e, mesmo assim, restar afetada pela Execução, pode defender-se através de embargos de terceiro, consoante o disposto no art. 1.046 do CPC: “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos”. O STJ tem decidido no sentido de que o prazo para oposição dos embargos de terceiros deve ser contado da turbação.840
Aplica-se, em matéria de embargos, o princípio da fungibilidade, de modo que os embargos de terceiros apresentados equivocadamente pelo executado devem ser recebidos como embargos do devedor se tiver sido garantida a execução e forem tempestivos.841
174. Ações ajuizadas pelo contribuinte e demais obrigados
A tributação perfaz-se mediante atos de fiscalização, lançamento e cobrança de tributos e penalidades pelo descumprimento da legislação tributária. Conforme a definição constante do próprio art. 3º do CTN, o tributo é cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Dessa atividade do fisco, podem sobrevir prejuízos ao contribuinte em face da cobrança de valores indevidos ou mesmo a imposição de penalidades descabidas. Forte no direito fundamental de acesso ao Judiciário – estampado no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 –, o contribuinte pode ajuizar ações para sua proteção contra cobranças indevidas ou mesmo para a repetição de valores já pagos indevidamente.
Importa ter em conta que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle jurisdicional.842
O contribuinte pode ir a Juízo preventivamente, para evitar a exigência de tributo tido por indevido, ou posteriormente, buscando a anulação de eventual lançamento. Mas a discussão judicial do crédito tributário, por si só, não é causa impeditiva nem suspensiva da sua exigibilidade,843 o que depende da concessão de liminar ou antecipação de tutela (art. 151, IV e V) ou de depósito do montante integral (art. 151, II, do CTN).
Não se exige do contribuinte, em qualquer caso, o exaurimento da esfera administrativa como condição para o ingresso em Juízo.844 As ações do contribuinte também não podem jamais ser condicionadas a depósito prévio do valor do débito. O art. 38 da Lei 6.830/80 estabeleceu tal condição para a ação anulatória e foi declarado inconstitucional.845 O art. 19 da Lei 8.870/94 o fez relativamente às ações que tivessem por objeto a discussão de contribuições previdenciárias e padece do mesmo vício. O STF consolidou seu entendimento sobre a matéria na Súmula Vinculante 28: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário”.
O ajuizamento de ação judicial, porém, “importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”, conforme dispõe expressamente o parágrafo único do art. 38 da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/80). Isso porque o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e apenas a decisão deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. Entretanto, o efeito de renúncia pressupõe identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial. Caso a ação anulatória fira, e.g., a questão da constitucionalidade da norma tributária impositiva e o recurso administrativo se restrinja a discussões quanto à apuração do valor devido, em razão de questões de fato, não haverá a identidade que tornaria sem sentido a concomitância das duas esferas.
Para a discussão judicial das relações jurídico-tributárias, podem ser utilizados os mais diversos instrumentos processuais, como a ação declaratória e a anulatória, tendo larga aplicação, ainda, o mandado de segurança.
Todos os sujeitos passivos obrigados ao pagamento têm legitimidade para discutir a obrigação tributária, ajuizando, por exemplo, ação declaratória ou mandado de segurança. Quanto à ação de repetição de indébito ou de compensação, a análise da legitimidade depende da verificação do regime jurídico do tributo, se é ou não daqueles para os quais a lei determina a transferência do ônus econômico. Em caso positivo, incide o art. 166, que, interpretado em combinação com o art. 165, estabelece a legitimidade de quem tenha suportado o ônus econômico, seja o próprio contribuinte, o substituto, o responsável ou mesmo o chamado contribuinte de fato. Analisamos a matéria com detalhamento no item em que tratamos do pagamento indevido e do direito à repetição do indébito.
Quanto à legitimidade passiva para essas ações, é lógico que figure como demandado o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, ou seja, o credor do tributo. Assim, a ação declaratória de inexistência de obrigação tributária deve ser ajuizada contra o sujeito ativo a quem cabe fiscalizar e exigir o pagamento do tributo. O mandado de segurança, por sua vez, deve ser impetrado contra ato da autoridade que, em nome da pessoa jurídica de direito público credora, exige o pagamento do tributo e que tem a prerrogativa de autuar o impetrante. Mesmo a ação de repetição de indébito deveria ser direcionada contra o sujeito ativo, buscando, este, posteriormente, o ressarcimento contra o destinatário do produto ao qual tivesse repassado os valores. O destinatário do produto da arrecadação não deveria integrar a lide, não sendo admitido senão como assistente simples, porque não integra a relação jurídico-tributária. Mas não há uma posição clara e consistente dos tribunais acerca deste ponto. Relativamente a alguns tributos, entendem que deve haver litisconsórcio passivo necessário entre o sujeito ativo da relação tributária e o destinatário do produto, principalmente nas ações em que há pedido de repetição ou de compensação de indébito.846 Em outros, entendem que a ação deve ser ajuizada direta e exclusivamente contra o destinatário, como no caso do IR, de competência da União, que tem a União como sujeito ativo, mas que é retido pelos Estados ou pelos Municípios de seus servidores, por serem tais estes políticos os destinatários do produto de tal arrecadação em razão do que dispõem os artigos 157, I, e 158, I, da CF. Veja-se a Súmula 447 do STJ: “Os Estados e o Distrito Federal são partes legítimas na ação de restituição de imposto de renda retido na fonte proposta por seus servidores”.
As ações com pretensões relacionadas à tributação regem-se pela legislação processual civil. As ações declaratórias de inexistência de obrigação tributária e anulatórias de créditos tributários, por exemplo, constituem simples ações ordinárias que seguem a disciplina comum do CPC. O mandado de segurança contra atos de autoridade fiscal, por sua vez, segue a Lei do Mandado de Segurança. Pressupostos processuais, condições da ação, requisitos da inicial, decisões interlocutórias e sentenças, recursos, coisa julgada, em geral seguem as normas comuns estabelecidas no CPC. Assim é que, das decisões interlocutórias, cabe agravo; das sentenças, apelação; e assim por diante. As lides tributárias também estão sujeitas às leis dos juizados especiais nos limites da sua competência.
O art. 19 da Lei 10.522/2002, com as alterações impostas pelas Leis 11.033/2004 e 12.788/2013, autoriza a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a não contestar nem interpor recurso e a desistir de recurso interposto em ações que versem sobre matérias com jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que sejam objeto de ato declaratório do Procurador-Geral, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda. A mesma autorização é dada relativamente às ações sobre matérias julgadas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo STJ no regime de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), com exceção daquelas que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, e sobre matérias julgadas pelo STF no regime da repercussão geral (art. 543-B do CPC). Admite inclusive que o Procurador da Fazenda Nacional reconheça a procedência do pedido quando citado para contestar, mesmo em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, dispondo que, nesses casos, não haverá condenação em honorários. Também autoriza o Procurador a manifestar seu desinteresse em recorrer quando intimado da decisão judicial. Relevante, ainda, é a duplo grau de jurisdição obrigatório (reexame necessário) nesses casos. No site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (www.pgfn.fazenda.gov.br), o item relativo à legislação apresenta as listas de dispensa de contestação e de recurso, bem como planilha dos atos declaratórios respectivos.
175. Mandado de segurança
O mandado de segurança tem ampla aplicação em matéria tributária. É utilizado sempre que o contribuinte se sente ameaçado por uma imposição tributária indevida e não se faça necessária dilação probatória. Também é muito utilizado, e.g., para a solução de problemas relacionados a certidões negativas de débitos quando o contribuinte se sinta lesado pela omissão do Fisco, que deixe escoar o prazo de 10 dias para a expedição de certidão sem disponibilizá-la, ou quando o Fisco se nega a expedir Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com Efeitos de Negativa.
Sua grande vantagem é o rito célere (pequeno prazo para o oferecimento de informações, vista ao Ministério Público e imediata conclusão para sentença) e a não condenação em ônus sucumbenciais.
Há diversas hipóteses bem frequentes de utilização do mandado de segurança em matéria tributária:
• o preventivo, que, antes mesmo da formalização do crédito tributário, ataca a obrigação tributária prevenindo o contribuinte contra exigência do Fisco que tenha por base a inconstitucionalidade da lei que o agente fiscal está obrigado a cumprir, a ilegalidade de decreto e de outros atos normativos infralegais que igualmente o vinculam,847 praxe reiterada do Fisco que ofenda os direitos do contribuinte ou, ainda, resposta a consulta em sentido que o contribuinte entende ilegal,848 não estando, tal modalidade preventiva, sujeita ao prazo decadencial do mandado de segurança;
• o que é impetrado contra lançamento já realizado, sujeitando-se ao prazo decadencial de 120 dias contados da ciência do ato impugnado;
• o que visa à compensação, admitido pela Súmula 213 do STJ e com a tutela liminar vedada pela Súmula 212 do STJ, que, de um lado, busca o reconhecimento de indébito tributário e do direito ao seu ressarcimento, sujeitando-se quanto a isso ao prazo decadencial do art. 168 do CTN, e, de outro lado, busca tutela preventiva quanto à possibilidade de satisfação de tal direito mediante compensação com tributos devidos.
• o que se insurge contra a negativa de expedição de certidão de regularidade fiscal;
• o que aponta omissão da autoridade fiscal quanto à sua obrigação de analisar pedido, impugnação ou recurso do contribuinte.
O rito especial do mandado de segurança, contudo, não se presta para discussões que exijam dilação probatória, nos termos da Lei 12.016/09.
Viabiliza-se o mandado de segurança coletivo em matéria tributária, mas quanto a exigências tributárias que digam respeito, especificamente, à categoria profissional ou econômica em defesa da qual é ajuizado.
A autoridade coatora, nos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, será, normalmente, o Delegado da Receita Federal do Brasil ou, no que diz respeito ao comércio exterior e às atividades de administração de mercadorias estrangeiras apreendidas, o Inspetor da Alfândega ou o Inspetor da Receita Federal do Brasil. Tratando-se de débito já inscrito em dívida ativa pela PFN, a autoridade será o Procurador Regional respectivo. De qualquer modo, considerando a estrutura complexa dos órgãos administrativos,849 “o STJ pacificou o entendimento de que, se a autoridade apontada como coatora, nas suas informações, não se limita a arguir a sua ilegitimidade passiva, defendendo o ato impugnado, aplica-se a Teoria da Encampação e a autoridade indicada passa a ter legitimidade para a causa, não havendo que se falar em violação do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil”.850
A sentença, no mandado de segurança preventivo, além da eficácia mandamental, tem marcante eficácia declaratória, também abrangida pela coisa julgada.
O STF reafirmou, na sistemática da repercussão geral no RE nº 669.367, de relatoria do Ministro Luiz Fux, seu entendimento no sentido de que o impetrante pode desistir livremente do mandado de segurança, a qualquer tempo. Conforme o Tribunal: “É lícito ao impetrante desistir da ação de mandado de segurança, independentemente de aquiescência da autoridade apontada como coatora ou da entidade estatal interessada ou, ainda, quando for o caso, dos litisconsortes passivos necessários, mesmo que já prestadas as informações ou produzido o parecer do Ministério Público”.851 E mais: “é possível desistir-se do mandado de segurança após a sentença de mérito, ainda que seja favorável ao impetrante, sem anuência do impetrado”.852 Se houver depósito vinculado ao mandado de segurança, contudo, a extinção do processo sem julgamento de mérito implicará sua conversão em pagamento definitivo, conforme orientação do STJ.853
176. Ação declaratória
A ação declaratória é utilizada em matéria tributária quando o contribuinte pretende ver reconhecido e declarado em juízo que a prática de determinados atos não gera obrigação tributária ou que a obrigação é inferior àquela que seria devida segundo a interpretação do fisco. O mandado de segurança também se presta para isso, mas só na ação declaratória é que se pode ter dilação probatória.
O contribuinte poderá utilizar-se da ação declaratória sempre que esteja ao menos na iminência da prática dos fatos geradores do tributo atacado. Não é viável utilizar a ação declaratória com simples finalidade de consulta, sem que haja uma situação concreta que aponte para a existência de efeito concreto da decisão para as partes. Normalmente, o contribuinte discute tributos a que está sujeito por força da sua atividade.
A utilidade da tutela declaratória evidencia-se pelo fato de que as empresas normalmente realizam reiterada e continuadamente os mesmos negócios. Havendo declaração de que não há obrigação tributária a eles associadas, a empresa contribuinte não será autuada relativamente aos fatos já ocorridos, tampouco quando aos futuros. É que a declaração define a norma concreta aplicável ao caso, de modo que as partes passam a ter de portar-se conforme o decidido.
Indica-se a ação declaratória pura para os casos em que ainda não houve lançamento contra o contribuinte relativamente ao tributo discutido. É que, nesses casos, a proteção do contribuinte estará completa com a simples declaração da inexistência da obrigação. Diferentemente, quando houver lançamento contra o contribuinte, o contribuinte terá de acrescer pedido de anulação do ato administrativo de lançamento, de modo a desconstituir o crédito. O interesse na cumulação de pedidos está no fato de que a declaração de inexistência de obrigação terá eficácia inclusive quando a fatos geradores futuros, enquanto a anulação diz respeito a um determinado lançamento que já tenha ocorrido e que se pretenda desconstituir.
Contudo, ajuizada ação declaratória, a ocorrência posterior de lançamento do crédito tributário não a prejudica. Não terá a ação declaratória, é verdade, a eficácia desconstitutiva automática, por si só, de pleno direito. Contudo, se procedente, a eficácia declaratória da sentença obrigará o Fisco a anular o lançamento.
Poderá o contribuinte, mesmo na ação declaratória, pleitear antecipação de tutela, de modo a que, na eventualidade de o fisco lançar o crédito tributário relativamente aos fatos geradores já tenham ocorrido ou que venham a ocorrer, a exigibilidade do crédito tributário já esteja suspensa (art. 151, V, do CTN). Com isso o contribuinte terá direito à obtenção de certidão de regularidade fiscal (art. 206 do CTN) e estará a salvo da cobrança em dívida ativa e da execução fiscal, pois estas pressupõem a exigibilidade do crédito.
A ação declaratória também é utilizada para buscar a declaração de que o contribuinte efetuou pagamentos indevidos e de que tem direito à compensação do indébito segundo determinado critério.
O pedido declaratório do direito de compensar pode ser cumulado com pedido condenatório de repetição do indébito tributário. Mas a jurisprudência tem aceitado que o contribuinte opte pela compensação ou pela repetição ao final da ação, ainda que a sentença seja meramente declaratória.854
Nas ações declaratórias, o autor deve atribuir como valor da causa o proveito econômico que possa vislumbrar com a tutela pretendida. Ao menos aproximadamente, deve aferir quando deixará de pagar relativamente aos fatos passados e quando deixará de pagar pelo período de um ano, utilizando-se do critério do art. 260 do CPC.
Haverá condenação nos ônus de sucumbência contra o vencido, fixando-se os honorários sobre o valor da causa. O cumprimento de sentença ou a execução contra a Fazenda Pública limitar-se-á a tais ônus.
A eficácia declaratória de eventual sentença de procedência, a princípio, não enseja execução que não a dos ônus sucumbenciais. Mas, caso o autor venha a noticiar que a fazenda vencida não está se portando conforme a declaração, poderá o juiz reiterar a necessidade de cumprimento, sob pena de medidas punitivas. Isso porque, ainda que a eficácia principal seja declaratória, sempre haverá alguma carga mandamental.
177. Ação anulatória
Quando o contribuinte é notificado para pagar determinado tributo contra ele lançado, tem a possibilidade de defender-se administrativamente, com efeito suspensivo da exigibilidade do respectivo crédito (art. 151, III, do CTN).
Pode ocorrer, contudo, que não obtenha sucesso no processo administrativo. Ou, ainda, que prefira ir de pronto a juízo, hipótese em que estará abrindo mão da esfera administrativa. O contribuinte não deve olvidar que o ajuizamento de ação anulatória implica renúncia à esfera administrativa, de maneira que, se houver alguma impugnação ou recurso administrativo pendentes de julgamento, serão considerados prejudicados pela autoridade julgadora. É o que dispõe o art. 38, parágrafo único, da LEF: “A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo, importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”.
A ação anulatória é utilizada quando o sujeito passivo tenha como escopo anular lançamento já realizado pelo Fisco, desconstituindo o Auto de Infração ou ato administrativo equivalente.
Embora o art. 38 da LEF estabeleça que a ação anulatória é precedida de depósito preparatório do valor do débito, o STF há muito reconheceu a inconstitucionalidade de tal dispositivo.855 O ajuizamento da ação anulatória não está sujeito a qualquer condição. O depósito pode ser realizado pelo contribuinte caso deseje suspender a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN), mas não é condição de procedibilidade da ação.
A prestação jurisdicional pretendida tem eficácia predominantemente desconstitutiva. Os fundamentos podem ser os mais variados, desde a inconstitucionalidade formal e material da lei instituidora do tributo, passando pela sua não aplicação ou melhor aplicação ao caso concreto, até vícios no procedimento de lançamento, no próprio ato de lançamento, ou, ainda, no processo administrativo fiscal.
O valor da causa, na ação anulatória pura, será o valor consolidado da dívida que o contribuinte pretende anular. A condenação em honorários incidirá sobre tal valor.
Pode-se cumular pedidos declaratório e anulatório, de modo a obter, de uma única vez, tanto o reconhecimento de que inexiste a obrigação de pagar tributo em tais ou quais situações que podem vir a se repetir, como a anulação do lançamento indevidamente efetuado.
A ação anulatória ainda pode fazer as vezes dos embargos quando já exista ou sobrevenha execução fiscal devidamente garantida por penhora.856 Assim, garantido o juízo, pode ser requerida a suspensão da execução até que seja julgada a ação anulatória, o que será deferido se houver fundamentos relevantes. A reunião da ação de execução fiscal com a ação anulatória, convertida ou não em embargos, faz-se no juízo da execução. Isso considerando a competência funcional deste e a garantia de acesso efetivo do credor à prestação jurisdicional, que, de outro modo, ficaria comprometida pela dificuldade da prática dos atos constritivos longe do domicílio do devedor.
178. Ação cautelar de caução
Não se admite o oferecimento de caução como alternativa ao depósito com vista à suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN) nos próprios autos da ação em que discutida a obrigação tributária. Mas, com vista a obter certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, nos termos do art. 206 do CTN, o sujeito passivo da obrigação tributária pode oferecer caução em ação cautelar, para que faça as vezes da penhora enquanto não seja ajuizada a execução fiscal.
Vem sendo admitido o oferecimento de bens em garantia através de ação cautelar como uma espécie de antecipação da penhora relativa a execução fiscal pendente de ajuizamento pelo fisco. A ação principal é a própria execução fiscal a ser ajuizada pelo Fisco.
Desse modo, deve ser ajuizada perante o juízo competente para a execução fiscal, forte no art. 109 do CPC que diz que o juiz da causa principal é também competente para as ações de garantia. Mas o TRF da 4ª Região tem precedentes no sentido de que a competência não é da Vara de Execuções Fiscais, mas, sim, da vara a que caiba o conhecimento das demais ações tributárias.857
Ademais, não há perda da eficácia da medida no caso de não haver ajuizamento da ação principal em trinta dias. Cabe ao credor tal ajuizamento e a demora corre contra os seus interesses.
Como o oferecimento de caução em verdadeira antecipação de penhora não tem efeito suspensivo da exigibilidade do crédito, o Fisco pode e deve promover a execução fiscal, quando, então, a caução será convertida em penhora.
O oferecimento da caução implica reconhecimento do débito pelo contribuinte, interrompendo a prescrição (art. 174, parágrafo único, inciso IV, do CTN). O prazo para o ajuizamento da execução, interrompido pelo ajuizamento da ação de caução, recomeça por inteiro o seu curso, sendo que, não ajuizada a execução em cinco anos, restará prescrito o crédito tributário. Nesta hipótese, restará a ação cautelar sem qualquer utilidade, pois garantidora de crédito tributário já extinto e que não mais poderá ser cobrado, de modo que deverá ser levantado o gravame.
A ação cautelar de caução não impede o contribuinte de questionar judicialmente o crédito tributário através de ação anulatória ou mediante o oferecimento oportuno de embargos à execução.
179. Ação consignatória
A ação consignatória tem pouca utilidade em matéria tributária, pois não se presta para a discussão da dívida tributária, restringindo-se às hipóteses arroladas no art. 164 do CTN como ensejadoras da consignação em pagamento.
Não se presta para que o contribuinte ofereça apenas o que entende devido. Tal não afastaria a mora quanto à totalidade do tributo. Lembre-se que só o depósito integral do montante devido, assim entendido aquele exigido pelo Fisco, tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II, do CTN), de modo que a consignação de valor inferior não produz tal efeito.
A consignação só pode versar sobre o crédito tributário que o consignante se propõe a pagar (art. 164, § 1º, do CTN). É cabível, apenas, nas hipóteses arroladas pelos incisos I a III do art. 164.
Viabiliza-se, assim, nos casos de:
• recusa de recebimento ou sua subordinação ao pagamento de outro tributo ou penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória (art. 164, I);
• subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal (art. 164, II); ou
• da exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador (art. 164, III).
Exemplo de utilização desse instrumento processual é a consignação do valor devido a título de ISS, quando tanto o Município da sede do estabelecimento prestador como aquele em que efetivamente prestado o serviço se considerem competentes para exigir o seu pagamento.
180. Ação de repetição de indébito tributário e de compensação
Efetuado pagamento indevido, o sujeito passivo tem direito à sua repetição, forte no art. 165 do CTN. Trata-se de fundamento legal suficiente. O mesmo não se pode dizer da compensação, que depende de previsão em lei ordinária específica.
A repetição viabiliza-se na própria esfera administrativa, quando o indébito decorra de simples erro de apuração e pagamento. Nesses casos, ainda, poderá proceder diretamente à compensação no regime de lançamento por homologação quando abrangido o tributo federal pelos arts. 66 da Lei 8.383/91 e 74 da Lei 9.430/96.
Normalmente, contudo, a apuração do indébito depende do reconhecimento de que a lei instituidora do tributo é inconstitucional ou que os atos administrativos que a regulamentam são ilegais. Nesses casos, não pode o contribuinte apurar por conta própria, unilateralmente, o seu crédito. Terá de ir a juízo pleitear o reconhecimento do indébito e a condenação da fazenda a restituí-lo. Mesmo a compensação dependerá de tal reconhecimento.
Ação de repetição de indébito tributário é o nome que se atribui à ação em que o contribuinte busca a condenação da fazenda pública a repetir o tributo pago indevidamente. O contribuinte busca o reconhecimento de que realizou pagamentos indevidos e a condenação do sujeito ativo da relação tributária à repetição de tal montante em dinheiro.
Deve restar demonstrado de pronto ao menos que o autor é parte legítima para repetir, conforme abordamos no item 104 deste livro. A rigor, a prova documental dos pagamentos indevidos também deveria acompanhar a inicial. Mas se tem entendido, por razões de economia processual, que só é indispensável a efetiva prova dos pagamentos indevidos por ocasião da execução do julgado, na hipótese de procedência da ação.
O valor da causa deve corresponder ao montante que se pretende repetir. A verba honorária, por sua vez, é fixada sobre o valor da condenação.
O prazo para pleitear, administrativa ou judicialmente, a repetição de indébito ou sua compensação é de cinco anos contados do pagamento indevido, o que se infere do art. 168 do CTN interpretado em conformidade com a LC 118/05. Mas, quando o contribuinte optar pela restituição administrativa e esta lhe for indeferida, contará, ainda, com o prazo prescricional de dois anos para o ajuizamento de ação que, anulando a decisão administrativa, condene o Fisco à restituição, conforme previsto no art. 169 do CTN.
A repetição de indébito não comporta antecipação de tutela. Sua execução ocorrerá, sempre, à vista da sentença transitada em julgado, expedindo-se, conforme o valor, requisição de pagamento de pequeno valor ou precatório, forte no art. 100 da Constituição. A compensação também não comporta concessão por liminar (Súmula 212 do STJ), dependendo, o seu exercício, do trânsito em julgado da ação, nos termos do art. 170-A do CTN, acrescido pela LC 104/01.
Podem-se cumular pedidos de repetição de indébito e de declaração do direito à compensação, de modo que o contribuinte possa optar por um ou outro modo de ressarcimento por ocasião da execução.
Poderá o contribuinte, ainda, buscar apenas o reconhecimento do direito a compensação em ação declaratória ou mesmo através de mandado de segurança, conforme a Súmula 213 do STJ.
A sentença condenatória da fazenda à repetição do indébito dá ensejo a execução contra a fazenda pública, nos termos do art. 730 do CPC. Não se exige prévia liquidação, fazendo-se diretamente a execução por cálculo do exequente. Isso porque normalmente é possível simplesmente apresentar a documentação e a planilha de cálculos que aponta o montante do indébito.
Caso a fazenda, citada, não oponha embargos, ou seus embargos venham a ser julgados improcedentes, com trânsito em julgado, procede-se a expedição de requisição de pequeno valor (RPV) ou de precatório.
O TRF da 4ª Região, julgando a Arguição de Inconstitucionalidade 003665-24.2010.4040.0000/SC, relator o Desembargador Federal OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, decidiu pela inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC 62/09, que determinavam aos juízes que intimassem a fazenda para que dissesse se tinha algum crédito contra o contribuinte, para fins de compensação, antes da expedição da requisição de pagamento. Entendeu o tribunal que tal determinação ofende, a um só tempo, a independência dos poderes, a garantia da coisa julgada, a segurança jurídica, o devido processo legal, a razoabilidade e a proporcionalidade. Desse modo, não há obstáculo à pronta expedição da RPV ou do precatório.
181. Conexão entre ações tributárias
A conexão entre duas ações ocorre quando têm, em comum, o objeto ou a causa de pedir (art. 103 do CPC). Se também o pedido fosse idêntico, ter-se-ia litispendência e não apenas conexão. Deve-se atentar, ainda, para a chamada conexão instrumental, quando a reunião de feitos for necessária para uma prestação jurisdicional adequada, facilitando a instrução e evitando decisões conflitantes, ainda que não haja propriamente identidade de objeto ou de causa de pedir.858
A conexão autoriza a modificação da competência territorial de uma das ações para que, reunidas em um único Juízo, sejam processadas e julgadas sem contradição. E, a rigor, não é apenas a competência territorial que pode se alterar, mas também a funcional. Assim é que, entre juízos situados na mesma comarca ou subseção judiciária, a conexão poderá fazer migrar o processo de uma vara para outra, para que tenham processamento conjunto.
Sempre se entendeu que há conexão entre a ação anulatória e os embargos à execução relativos ao mesmo crédito tributário. Isso porque a execução é feita com suporte em certidão de dívida ativa que indica, como origem do crédito, o lançamento. Tanto na ação anulatória como nos embargos à execução que ataquem o lançamento, podemos ter identidade de objeto e de causa de pedir. Aliás, entre uma ação e outra, normalmente há relação de continência, pois os embargos abrangem e extrapolam a pretensão anulatória.
Mais recentemente, o STJ firmou jurisprudência ainda mais ampla. Passou a reconhecer a necessidade de reunião da ação anulatória com a execução fiscal, mesmo não embargada. Isso quando o crédito que se pretende desconstituir na ação anulatória é justamente aquele objeto da execução fiscal. É que a concessão de antecipação de tutela na anulatória tem efeito suspensivo da execução e a sua procedência prejudica a execução, extinguindo-a em face da inexistência do crédito exequendo. Assim, reunem-se a ação anulatória com a execução fiscal em nome da segurança jurídica, da economia processual e em razão do objeto mediato das ações ser o mesmo (a dívida em cobrança e sua exigibilidade).859
O Juízo competente, quando há conexão entre execução fiscal ou seus embargos com outras ações é o Juízo da Execução, ou seja, o do domicílio do réu, não se alterando pela mudança posterior do domicílio. Ademais, correndo a ação de conhecimento em Vara Federal comum ou especializada (Tributária), a reunião com os embargos opostos à execução fiscal ajuizada se dará na Vara Federal de Execuções Fiscais. Se uma das ações de conhecimento já tiver sentença, a solução será a suspensão do outro feito, nos termos do art. 265, IV, a, aguardando-se o julgamento definitivo da questão prejudicial. O exercício de competência federal delegada para processar a execução fiscal (art. 15, I, da Lei 5.010/66) não é óbice à reunião das ações, pois a delegação se estende também aos embargos, à ação declaratória e à ação anulatória conexas.860
Notas
831 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, REsp 466.723, 2006.
832 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, REsp 690.740, 2005.
833 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO NORONHA, REsp 365.546, 2006.
834 STJ, REsp 722.998.
835 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, REsp. 1.128.139, 2009.
836 STJ, EDREsp 720.612.
837 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 1102431, 2009.
838 As inovações do CPC que permitem o oferecimento de embargos à execução independentemente de prévia garantia não se aplicam à execução fiscal tendo em conta que o art. 16, § 1º, da LEF é norma especial.
839 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, AgRgAg 553490, 2004.
840 STJ, Terceira Turma, Rel. Ministro CARLOS MENEZES DIREITO, REsp 651.126, 2006.
841 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, REsp 827295, 2006.
842 É o que se costuma designar, impropriamente, por “sindicabilidade judicial”. Digo impropriamente porque a expressão “sindicabilidade” não existe na língua portuguesa. Trata-se de uma adaptação do verbo italiano “sindacare”, que significa revisar, criticar. A chamada sindicabilidade judicial, assim, é utilizada para fazer referência ao que é passível de controle ou revisão judicial.
843 CPC: “Art. 585 [...] § 1º A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução. (redação da Lei 8.953/94)”; “EXECUÇÃO FISCAL. PENDÊNCIA DE AÇÃO JUDICIAL. NÃO SUSPENSÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DAS HIPÓTESES DESCRITAS NO ART. 151 DO CTN... 1. A simples pendência de ação judicial, em que se discute a legalidade da exclusão do contribuinte do REFIS, não impede, por si só, o andamento da execução fiscal, ainda mais quando não houver qualquer provimento judicial no sentido da suspensão da exigibilidade do crédito tributário ou qualquer depósito do montante integral.” (STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, REsp 1261465, 2011).
844 O exaurimento da esfera administrativa ocorre quando, exercido o direito de defesa no processo administrativo fiscal, através da impugnação e dos recursos cabíveis, não haja mais a possibilidade de revisão administrativa do ato atacado. Em muitos países, como na Espanha, o exercício da defesa administrativa e seu exaurimento são condições para que o contribuinte possa recorrer à Justiça contra a exigência do fisco.
845 Súmula 247 do extinto TFR: “Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei 6.830, de 1980.” Vide também: STF, RE 104.264 e RE 103.400-9.
846 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, REsp 413.592, 2002.
847 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, REsp. 91.538, 1998.
848 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 615.335, 2004.
849 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro LUIZ FUX, REsp 625.363, 2004.
850 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, AgRgAg 538.820, 2004.
851 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro. CELSO DE MELLO, RE 521359 ED-AgR, out/2013.
852 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro. DIAS TOFFOLI, RE 550258 AgR, jun/2013.
853 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, EREsp 548.224/CE, nov/07.
854 “SENTENÇA DECLARATÓRIA DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO POR VIA DE PRECATÓRIO OU REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. FACULDADE DO CREDOR. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. 1. ‘A sentença declaratória que, para fins de compensação tributária, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo, contém juízo de certeza e de definição exaustiva a respeito de todos os elementos da relação jurídica questionada e, como tal, é título executivo para a ação visando à satisfação, em dinheiro, do valor devido’ (REsp 614.577/SC, Ministro Teori Albino Zavascki). 2. A opção entre a compensação e o recebimento do crédito por precatório ou requisição de pequeno valor cabe ao contribuinte credor pelo indébito tributário, haja vista que constituem, todas as modalidades, formas de execução do julgado colocadas à disposição da parte quando procedente a ação que teve a eficácia de declarar o indébito. ... Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, REsp 1.114.404, 2010).
855 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro DJACI FALCÃO, RE 105552, 1985; STF, Primeira Turma, Rel. Ministro RAFAEL MAYER, RE 103.400, 1984.
856 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, REsp 787.408, 2006; STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki, REsp 754.586, 2006.
857 TRF4, Primeira Seção, Rel. Desa. Fed. MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, CC 0008690-20. 2010.404.0000, 2010.
858 ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 6ª ed. São Paulo: RT, 2000, p. 818.
859 STJ, Primeira Turma, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, REsp 787.408, 2006; STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CC 103229, 2010.
860 STJ, Primeira Seção, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, EDAgRgCC 96.308, 2010.