Capítulo I – Tributação, Direito Tributário e Tributo
1. Origem da tributação e da sua limitação
O Estado, como instituição indispensável à existência de uma sociedade organizada, depende de recursos para sua manutenção e para a realização dos seus objetivos. Isso independe da ideologia que inspire as instituições políticas, tampouco do seu estágio de desenvolvimento.
A tributação é inerente ao Estado, seja totalitário ou democrático. Independentemente de o Estado servir de instrumento da sociedade ou servir-se dela, a busca de recursos privados para a manutenção do Estado é uma constante na história.
ALIOMAR BALEEIRO, na sua clássica obra Uma Introdução à Ciência das Finanças, destacava que, “para auferir o dinheiro necessário à despesa pública, os governos, pelo tempo afora, socorrem-se de uns poucos meios universais”, quais sejam, “a) realizam extorsões sobre outros povos ou deles recebem doações voluntárias; b) recolhem as rendas produzidas pelos bens e empresas do Estado; c) exigem coativamente tributos ou penalidades; d) tomam ou forçam empréstimos; e) fabricam dinheiro metálico ou de papel. Todos os processos de financiamento do Estado se enquadram nestes cinco meios conhecidos há séculos”. Ensinava, ainda, que “essas fontes de recursos oferecem méritos desiguais e assumem importância maior ou menor, conforme a época e as contingências”.1
Os problemas relacionados à tributação, desde cedo, despertaram a necessidade de compatibilização da arrecadação com o respeito à liberdade e ao patrimônio dos contribuintes. Por envolver imposição, poder, autoridade, a tributação deu ensejo a muitos excessos e arbitrariedades ao longo da história. Muitas vezes foi sentida como simples confisco. Não raramente, a cobrança de tributos envolveu violência, constrangimentos, restrição a direitos.
Essa condição de demasiada sujeição em que se viam os contribuintes, associada à indignação com as diferenças sociais e com o destino que era dado aos recursos, despertou movimentos pela preservação da propriedade e da liberdade, de um lado, e pela participação nas decisões públicas, de outro. Vale fazermos uma breve retrospectiva histórica, relembrando alguns marcos relacionados à tributação, seguindo o critério cronológico.
Destaca-se a “extraordinária precocidade de Portugal e Espanha ao criar os mecanismos jurídicos de limitação do poder fiscal do rei [...] o Fuero Juzgo, os forais e as cortes são fontes, instrumentos e instituições iniciais de reconhecimento da liberdade, de afirmação da necessidade do consentimento das forças sociais e de limitação do poder tributário, que já aparecem consolidados no século XII”.2
No início do século seguinte, em 1215, na Inglaterra, os barões e os religiosos impuseram a Magna Carta para conter o arbítrio do rei, estabelecendo a separação de poderes. Quanto à imposição de tributos, consentiram que fossem cobrados de três tributos tradicionalmente admitidos (visando ao resgate do Rei e por força da investidura do primeiro filho como cavaleiro e do matrimônio da primeira filha), mas estabeleceram que a cobrança de qualquer outro fosse previamente autorizada por um concílio, incluindo o scutage, montante cobrado pela não prestação do serviço militar.3 4 5
As principais enunciações de direitos também restringiram de modo expresso o poder de tributar, condicionando-o à permissão dos contribuintes, mediante representantes. Tal constou do Statutum de Tallagio non Concedendo, expedido em 1296 por Eduardo I, posteriormente incorporado à Petition of Rights, de 1628.
A Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, estabeleceu o poder do Congresso – e não do Executivo – para estabelecer tributos. Senão, vejamos: “The Constitution of the United States of America ARTICLE I [...] SECTION 8. The Congress shall have the power to lay and collect taxes, duties, imposts and excises, to pay the debts and provide for the common defense, and general welfare of the United States; but all duties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States [...]”.6
Na Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, resta estampado que os tributos devem ser distribuídos entre os cidadãos e dimensionados conforme as suas possibilidades, tendo eles o direito de avaliar a necessidade das contribuições e com elas consentir através de seus representantes.7
Passou-se, assim, a compatibilizar a tributação – como poder do Estado de buscar recursos no patrimônio privado – com os direitos individuais. As constituições mais recentes enunciam a competência tributária com algum detalhamento e estabelecem limitações ao poder de tributar. Quando uma constituição diz quais os tributos que podem ser instituídos, sob que forma e com respeito a quais garantias, sabe-se, a contrario sensu, que o que dali desborda é inválido.
Antes de concluirmos nossas breves referências históricas quanto às reações à tributação, vale destacar ainda que os excessos da tributação e divergências quanto à aplicação dos recursos também estiveram na raiz de revoluções e movimentos ocorridos em território brasileiro. A imposição de carga tributária demasiada, incompatível com a capacidade de pagamento dos contribuintes, e a ausência de investimentos proporcionais nos locais onde arrecadados os tributos foram causas concorrentes de movimentos pela independência e também de cunho separatista.
A própria independência brasileira tem esse ingrediente. No período imperial, o chamado “quinto dos infernos” mostrou-se insuportável. Os relatos acerca da inconfidência mineira revelam isso. JORGE CALDEIRA destaca que “Desde a descoberta do ouro, o governo português alterou inúmeras vezes o sistema de cobrança de impostos nas minas. Em 1750, foi estabelecido que os mineiros pagariam a quantia fixa de cem arrobas (cerca de 1500 quilos) anuais, encarregando-se eles mesmos de coletar o valor. Com o declínio da produção, no entanto, o valor total não vinha sendo atingido desde 1763. Nos primeiros anos em que a contribuição voluntária não atingiu o limite, o governo recorreu a derramas. Porém, como a quantia arrecadada ficava próxima do limite, o expediente não chegava propriamente a provocar revoltas. A chegada do governador Cunha Meneses coincidiu com uma grande queda na produção do ouro e na arrecadação do quinto. Mal-e-mal, conseguia-se arrecadar a metade do valor previsto. Para aumentar a arrecadação (o governador ficava com parte do excedente), Meneses recorreu a todos os expedientes possíveis. Passou a perseguir, chantagear a prender cidadãos. Renovou a cobrança de impostos antigos e já caídos em desuso, como a dos donativos para a reconstrução de Lisboa. Com isso, ganhou o ódio dos habitantes do lugar... O arbítrio por parte do governo logo teve consequências. A combinação de economia estrangulada com aumento de impostos era explosiva e incentivava ideias ousadas, sobretudo quando se meditava sobre o que haviam conseguido os norte-americanos... A crescente falta de alternativas econômicas acabou levando a elite mineira a considerar a ideia de um movimento revolucionário. Em 1788, os boatos sobre a derrama produziram o elemento que faltava para a decisão”.8 A derrama foi a cobrança abrupta e violenta dos quintos atrasados. A inconfidência mineira foi contida, resultando na morte e no esquartejamento de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Mas o movimento de independência ganhou um mártir.
Após a independência, a situação se repetiu, agora não mais entre colônia e império, mas entre províncias e governo central. ANTÔNIO AUGUSTO FAGUNDES, analisando a Revolução Farroupilha, aponta a tributação exagerada, associada à ausência de contrapartida, como causas econômicas do movimento: “A Província de São Pedro do Rio Grande, desde antes da Independência do Brasil (7 de setembro de 1822) era vista como a ‘estalagem do Império’. A Corte levava a maior parte dos impostos arrecadados aqui e não investia em nada. Deixava o mínimo, que apenas servia para pagar a manutenção das estruturas públicas. E era imposto atrás de imposto: sobre o gado em pé, sobre a légua de campo, sobre o charque, sobre o couro, sobre a erva-mate – tudo!”.9 A revolução conduzida por Bento Gonçalves eclodiu em 20 de setembro de 1835, resultou na proclamação da República Rio-Grandense em 1836, mas acabou através do Tratado do Poncho Verde em 1845, quando o Rio Grande foi reintegrado ao Império mediante condições.
Atualmente, não temos mais movimentos ativos ameaçando nossa unidade política. Mas a tributação continua a ser elemento de conflito entre os entes federados no que se tem nomeado de Guerra Fiscal. Os Estados-Membros utilizam-se da concessão de benefícios fiscais para obterem vantagens competitivas frente aos demais. Ainda que com a finalidade louvável de aumentar o desenvolvimento local através da atração de novos investimentos e da consequente geração de empregos, certo é que, muitas vezes, isso dá ensejo à simples migração de unidades produtivas de um Estado a outro, maculando essas políticas com um caráter fraticida.10
Se a tributação é inafastável, que se dê de modo equilibrado, observando limites, princípios e critérios que preservem a segurança e que promovam a justiça e a solidariedade.
2. A tributação como instrumento da sociedade
O modo de ver a tributação alterou-se muito nas últimas décadas. Já não se sustentam os sentimentos de pura e simples rejeição à tributação. A figura de Hobin Hood, que em algumas versões atacava os coletores de impostos para devolver o dinheiro ao povo, hoje já não faz sentido.
A tributação, em Estados democráticos e sociais, é instrumento da sociedade para a consecução dos seus próprios objetivos. Pagar tributo não é mais uma submissão ao Estado, tampouco um mal necessário. Conforme ensinou Oliver Wendell Holmes Jr., “Taxes are what we pay for civilized society”.
Marco Aurélio Greco ressalta a importância de se evoluir de uma visão do ordenamento tributário meramente protetiva do contribuinte para outra que nele enxergue a viabilização das políticas sociais. Transitamos do puro Estado de Direito, em que se opunham nitidamente estado e indivíduo, para um novo Estado, ainda de Direito, mas também Social, como estampa o art. 1º da nossa Constituição da República. Isso dá lugar a uma realidade que congrega a liberdade com a participação e a solidariedade. Demonstra que a Constituição brasileira de 1967 foi uma Constituição do estado brasileiro, enquanto a de 1988 é da sociedade brasileira. Naquela, em primeiro lugar, estava a organização do poder; nesta, os direitos fundamentais têm precedência. Naquela, tínhamos uma Constituição do Estado brasileiro, em que primeiro se dispunha sobre a estrutura do poder, seus titulares, suas prerrogativas e sobre os bens públicos para, só então, cuidar da tributação como simples suporte do estado, aparecendo os direitos fundamentais apenas ao seu final, como um resguardo devido à sociedade civil. Na Constituição de 1988, a pessoa humana assume papel central, enunciando-se, já em seu início, direitos fundamentais e sociais, e funcionalizando-se a tributação mediante um novo modo de outorga de competência tributária em que ganha relevância a justificação da tributação em função da sua finalidade.
Aliás, resta clara a concepção da tributação como instrumento da sociedade quando são elencados os direitos fundamentais e sociais e estruturado o estado para que mantenha instituições capazes de proclamar, promover e assegurar tais direitos. Não há mesmo como conceber a liberdade de expressão, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, o exercício do direito de propriedade, a garantia de igualdade, a livre iniciativa, a liberdade de manifestação do pensamento, a livre locomoção e, sobretudo, a ampla gama de direitos sociais, senão no bojo de um Estado Democrático de Direito, Social e Tributário.11 Percebe-se que “a incidência tributária é uma circunstância conformadora do meio ambiente jurídico no qual são normalmente exercitados os direitos de liberdade e de propriedade dos indivíduos”.12 Diga-se, ainda: não há direito sem estado, nem estado sem tributo.13
É ingenuidade, fundada na incompreensão do papel da tributação numa democracia, a assunção de posições ferrenhas a favor ou contra o fisco. Efetivamente: “Deve-se afastar... a concepção negativa da tributação como norma de rejeição social ou de opressão de direitos (em verdade, a tributação é uma condição inafastável para a garantia e efetivação tanto dos direitos individuais como dos sociais)”.14 A tributação é inafastável. O que temos de buscar é que se dê de modo justo, com respeito às garantias individuais e em patamar adequado ao sacrifício que a sociedade está disposta a fazer em cada momento histórico, de modo que sirva de instrumento para que se alcancem os objetivos relacionados à solidariedade sem atentar contra a segurança e a liberdade. Não é por outra razão que JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES adverte que a “interpretação e aplicação das normas fiscais não deve ser a priori nem pró Fisco nem contra Fisco”.15
3. Os deveres fundamentais de pagar tributos e de colaborar com a tributação
Contribuir para as despesas públicas constitui obrigação de tal modo necessária no âmbito de um Estado de Direito Democrático, em que as receitas tributárias são a fonte primordial de custeio das atividades públicas, que se revela na Constituição enquanto dever fundamental de todos os integrantes da sociedade. Somos, efetivamente, responsáveis diretos por viabilizar a existência e o funcionamento das instituições públicas em consonância com os desígnios constitucionais.16
O dever de contribuir não é simples consequência do que estabelece a lei ao instituir tributos, senão seu fundamento, conforme já advertia BERLIRI em sua obra Principi di Diritto Tributário.17
A própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já enunciara esse dever nos termos do seu art. 13º: “Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser repartida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades”.18 A cidadania é, efetivamente, uma via de mão dupla. Entende-se o dever fundamental de pagar tributos como a outra face ou contrapartida do caráter democrático e social do Estado que assegura aos cidadãos os direitos fundamentais.
VANONI afirmava que “La actividad financiera, lejos de ser una actividad que limita los derechos y la personalidad del particular, constituye su presupuesto necesario, puesto que sin tal actividad no existiría Estado y sin Estado no existiría derecho”.19 Ademais, recorda uma decisão do Tribunal de Turín em que foi dito: “las tasas libremente votadas y conformes a la necesidad del Estado representan el orden, la libertad, la justicia, la seguridad, la beneficencia, el ejército, la armada, la independencia, el honor de la patria”.20 Na mesma linha é a lição de KLAUS TIPKE e DOUGLAS YAMASHITA: “O dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não é meramente um sacrifício, mas sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos”.21 Também JOSÉ CASALTA NABAIS é enfático: “Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria acção (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte”.22
Assim é que podemos falar em dever fundamental de pagar tributos! ALESSANDRO MENDES CARDOSO destaca que “o cumprimento desse dever está diretamente vinculado à possibilidade concreta de efetivação dos direitos fundamentais assegurados aos cidadãos brasileiros. Ao invés de uma dualidade direito x dever, tem-se na verdade uma interface, em que o dever de contribuir de cada um, corresponde a um direito dos demais. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade social e não mais de simples dever em face do aparato estatal. Ao se sonegar tributos devidos, o contribuinte não está apenas descumprindo uma exigência legal exigível pelas autoridades fazendárias, mas também, e principalmente, quebrando o seu vínculo de responsabilidade com a sociedade”.23
Mas o exercício da tributação exige ainda mais. Para viabilizar-se, necessita de ampla colaboração dos cidadãos. Suas obrigações, por isso, não se limitam a contribuir para o erário quando da prática de um fato gerador revelador de capacidade contributiva. A colaboração tem um âmbito maior, envolvendo também uma grande pluralidade de outras obrigações ou deveres que tornam possível o conhecimento quanto à ocorrência dos fatos geradores para fins de fiscalização e lançamento dos tributos e que inclusive facilitam, asseguram e garantem sua arrecadação. Ademais, alcança inclusive quem não é chamado a suportar o pagamento de tributos porque não revela capacidade contributiva e não pratica os fatos geradores ou porque é beneficiário de isenção ou de imunidade, seja para que o fisco possa verificar o preenchimento dos requisitos para a desoneração ou porque está próximo de contribuintes de quem tenha informações ou relativamente aos quais possa realizar retenções, dentre outras colaborações úteis que possa prestar em razão das suas atividades.24
A colaboração com a tributação e, até mesmo, a participação ativa dos cidadãos para melhorar seu “grado de eficacia y operatividad” e sua “funcionalidad” justifica-se porque a tributação envolve não somente os interesses do erário como credor e do contribuinte como gravado, senão também o “‘interés jurídico de la colectividad’ que, con base en la Constitución, se traduce en el interés de que todos contribuyan al sostenimiento de las cargas públicas conforme a su capacidad económica”.25
Estas obrigações, fundadas no dever de colaboração, aparecem, normalmente, como prestações de fazer, suportar ou tolerar normalmente classificadas como obrigações formais ou instrumentais e, no direito positivo brasileiro, impropriamente como obrigações acessórias.26 Por vezes, aparecem em normas expressas, noutras de modo implícito ou a contrario sensu, mas dependem sempre de intermediação legislativa. Tais obrigações, ademais, são impostas inclusive a quem não é contribuinte.
Em um Estado que é instrumento da própria sociedade e que visa à garantia e à promoção de direitos fundamentais a todos, há um dever geral tanto de contribuir como de facilitar a arrecadação e de atuar no sentido de minimizar o descumprimento das prestações tributárias próprias e alheias.27
Alguns deveres atribuídos aos próprios contribuintes poderiam, é verdade, encontrar suporte no caráter complexo da obrigação tributária e no dever de cooperação do obrigado ao pagamento, dos quais, como em qualquer outro ramo do direito, já se poderia extrair deveres acessórios e secundários, forte na consideração da obrigação como processo e no princípio da boa-fé. Mas isso não justificaria os deveres impostos a terceiros não contribuintes.
Poder-se-ia, também, invocar o adágio de que “quem pode o mais pode o menos”. Se o legislador pode impor o pagamento de tributos, também pode impor outras obrigações ou deveres que não são tão onerosos, mas que também são de suma importância para o exercício da tributação. Desse modo, contudo, os deveres de colaboração continuariam tendo como esteio o dever fundamental de pagar tributos, o que não nos parece se afeiçoar à sua real natureza.
Falamos de deveres que se pode impor em caráter originário pelo simples fato de que alguém integra determinada sociedade e tem, lado a lado – e não de modo derivado –, os deveres fundamentais de pagar tributos e de colaborar com o que mais seja necessário e esteja ao seu alcance para o sucesso da tributação. O dever de colaboração é originário e independente da existência de uma obrigação de pagamento específica, tem caráter autônomo, não se cuidando de mero desdobramento ou complemento do dever fundamental de pagar tributos. Decorre diretamente do princípio do Estado de Direito Democrático e Social.
ALIOMAR BALEEIRO já referia a “colaboração de terceiros”, explicando: “A manifestação da existência, quantidade e valor das coisas e atos sujeitos à tributação é cometida por lei, em muitos casos, a terceiros, que, sob penas ou sob a cominação de responsabilidade solidária, devem prestar informações, fiscalizar e, não raro, arrecadar o tributo”.28
A figura do dever fundamental de pagar tributos é insuficiente para explicar a imposição de obrigações a não contribuintes, donde advém a importância de se ter claro o dever de colaboração com a tributação, que é de todos, contribuintes ou não. O primeiro foca na capacidade contributiva das pessoas; o segundo, na sua capacidade de colaboração. Sob a perspectiva do dever fundamental de pagar tributos, relevantes são as manifestações de riqueza; sob a perspectiva do dever fundamental de colaboração com a tributação, a possibilidade de aportar informações ou de agir de outro modo para o seu bom funcionamento.
Os deveres de colaboração têm um fundamento constitucional próprio, tal como o dever fundamental de pagar tributos, baseados ambos no Estado de Direito Democrático e Social. Não apenas o dever de pagar tributos, mas também toda a ampla variedade de outras obrigações e deveres estabelecidos em favor da Administração Tributária para viabilizar e otimizar o exercício da tributação, encontram base e legitimação constitucional. O chamamento de todos, mesmo não contribuintes, ao cumprimento de obrigações com vista a viabilizar, a facilitar e a simplificar a tributação, dotando-lhe da praticabilidade necessária, encontra suporte no dever fundamental de colaboração com a Administração Tributária.
4. A carga tributária e o direito à informação
A carga tributária em um país é a relação percentual entre o volume de tributos arrecadados e o total da riqueza produzida (Produto Interno Bruto – PIB).
O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) realiza periodicamente estudo sobre a carga tributária brasileira,29 tendo verificado que, em 2011, o PIB foi um pouco maior que 4 trilhões, e que a arrecadação tributária chegou a quase 1,5 trilhão de reais, o que implicou uma carga tributária de 36,02% do PIB.30 Segundo o mesmo instituto, em 2012, a arrecadação foi ainda maior, chegando a 1,59 trilhão de reais, equivalentes a 36,27% do PIB.
Entre os países com maior carga tributária estão a Itália, a Suécia, a França, a Noruega e a Dinamarca, onde fica acima dos 40%, chegando até 45%. Na Coreia do Sul, é de 25,90%. No Uruguai, é de 27,18%; na Argentina, de 33,50%.
Os dados do PIB/2011 e do IDH/2012 apontam que a nossa carga tributária é muito próxima à do Reino Unido (35%) e à da Alemanha (37%), mas que o nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,730, enquanto o Reino Unido apresenta IDH de 0,875 e a Alemanha, de 0,920.31 Há países como os Estados Unidos, a Austrália e o Japão, com IDH superior a 0,9, que têm carga tributária pouco superior a 25%.
Como forma de protesto contra a alta carga tributária brasileira e visando, também, à conscientização da população acerca dos tributos que suporta, a sociedade civil tem organizado o Dia da Liberdade de Impostos ao final de maio de cada ano, para simbolizar o momento em que, proporcionalmente, as pessoas deixam de trabalhar para o governo (através do pagamento de impostos) e passam a trabalhar para si próprias (apropriando-se da riqueza que geram). Em Porto Alegre, o ato é organizado pelo Instituto Liberdade e pelo Instituto de Estudos Empresariais, entre outras instituições. Nesse dia, vende-se gasolina por aproximadamente a metade do preço, expurgando-o dos tributos que sobre ela incidem. Em 2013, ocorreu em 22 de maio, tendo sido comercializada a gasolina por R$ 1,50.
A Constituição Federal, em seu art. 150, § 5º, ao dispor sobre as garantias fundamentais do contribuinte, estabelece que “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Cumprindo tal mister, a Lei 12.741/2012 determina que os documentos fiscais de venda de mercadorias e serviços ao consumidor deverão indicar “a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influi na formação dos respectivos preços de venda”. Devem ser computados, quando pertinentes, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) e as contribuições sobre a receita (PIS e COFINS), bem como a contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (CIDE-combustíveis). Quando o produto envolva insumos ou contenha componentes importados, que sejam relevantes para a formação do seu preço (superior a 20%), também serão informados os valores do Imposto sobre a Importação (II) e das contribuições incidentes sobre a importação (PIS/COFINS-Importação). Quando se tratar de produto ou serviço de cujo preço o pagamento de pessoal constitua custo direto, serão divulgadas as contribuições previdenciárias dos empregados e do empregador.
Aliás, passou a ser direito básico do consumidor a informação adequada e clara não apenas sobre quantidade, características, composição, qualidade, preço e riscos que apresentem os diferentes produtos e serviços, mas também sobre os “tributos incidentes”, nos termos do art. 6º, inciso III, da Lei 8.078/90.
A Lei 12.798/2013 estimou a receita e fixou a despesa da União para o exercício financeiro de 2013. Previu receita do orçamento fiscal de 956 bilhões e do orçamento da seguridade social de 600 bilhões. Na estimativa da despesa, previu a transferência de 50 bilhões do orçamento fiscal para o da seguridade social. Note-se que estamos falando apenas do orçamento da União, e não do orçamento dos Estados e dos Municípios.
É interessante observar a composição do orçamento. Em 2010, por exemplo, dentre as receitas do orçamento fiscal e da seguridade social, as diversas espécies de tributos, incluindo as contribuições, corresponderam a aproximadamente 85%, o restante ficando por conta de receitas patrimoniais, de serviços, e de outras receitas correntes etc. As contribuições respondem pela maior parte da arrecadação, com destaque para as contribuições de seguridade social sobre a remuneração de segurados e sobre o faturamento. Os impostos têm muita importância também, principalmente o Imposto de Renda, que, dentre os impostos, é o que apresenta maior arrecadação (69%), bem acima dos demais, seguido de longe pelo IPI (13,5%), pelo IOF (9,6%) e pelo II (7,6%). As taxas são bem menos expressivas, ficando abaixo de 1% do total da arrecadação, se considerados todos os tributos, inclusive contribuições. Na arrecadação das taxas, as de exercício do poder de política, em 2010, corresponderam a 85%, cabendo às taxas de serviços apenas 15%.32
5. Fiscalidade33 e extrafiscalidade
Na Constituição Federal brasileira, os tributos figuram como meios para a obtenção de recursos por parte dos entes políticos. Ademais, como na quase totalidade dos Estados modernos, a tributação predomina como fonte de receita, de modo que se pode falar num Estado Fiscal ou num Estado Tributário, assim compreendido “o estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos”.34
Os tributos são, efetivamente, a principal receita financeira do Estado, classificando-se como receita derivada (porque advinda do patrimônio privado) e compulsória (uma vez que, decorrendo de lei, independem da vontade das pessoas de contribuírem para o custeio da atividade estatal). Em geral, portanto, possuem caráter fiscal, devendo pautar-se, essencialmente, pelos princípios da segurança, da igualdade e da capacidade contributiva. Mas, como os tributos sempre oneram as situações ou operações sobre as quais incidem, acabam por influenciar as escolhas dos agentes econômicos, gerando efeitos extrafiscais.
Em face da presença simultânea de efeitos fiscais e extrafiscais, pode resultar difícil classificar um tributo por esse critério.35 Costuma-se fazê-lo em atenção ao seu caráter predominante.36 Diz-se que se trata de um tributo com finalidade extrafiscal quando os efeitos extrafiscais são não apenas uma decorrência secundária da tributação, mas deliberadamente pretendidos pelo legislador37 que se utiliza do tributo como instrumento para dissuadir ou estimular determinadas condutas.38 Conforme PAULO DE BARROS CARVALHO, “vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de ‘extrafiscalidade’”.39
Há dispositivos constitucionais que autorizam de modo inequívoco a utilização extrafiscal de tributos:
• nas exceções às anterioridades de exercício e/ou nonagesimal mínima e nas atenuações à legalidade relativamente a impostos capazes de atuar como reguladores da produção de bens (IPI), do comércio internacional (II e IE) e da demanda monetária (IOF), atribuindo-se ao Executivo prerrogativas para a ágil alteração da legislação respectiva;
• na previsão de que os impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e territorial rural (ITR) sejam utilizados de modo a induzir o cumprimento da função social da propriedade (arts. 170, III, e 182, § 4º, II);
• na previsão de benefícios fiscais de incentivo regional (art. 151, I);
• na determinação de estímulo ao cooperativismo (arts. 146, III, c, e 174, § 2º);
• na determinação de tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte (art. 146, III, d).
Ademais, poderia o legislador, por exemplo, para promover a saúde, direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF), isentar os hospitais da COFINS (contribuição para a seguridade social que incide sobre a receita) ou isentar a produção de remédios do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
O STF manifestou-se no sentido da validade de incentivos fiscais concedidos a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, de modo a estimular tal conduta por parte dos contribuintes,40 bem como de desconto do IPVA a condutores que não tenham cometido infrações de trânsito, incentivando os contribuintes a serem bons motoristas.41
O controle da validade da tributação extrafiscal envolve, em primeiro lugar, a análise da concorrência das competências administrativa (para buscar o fim social ou econômico visado) e tributária (para instituir a espécie tributária e para gravar a riqueza alcançada pela norma tributária impositiva) do ente político; em segundo lugar, a análise da adequação da tributação para influir no sentido pretendido, ou seja, da sua eficácia potencial para dissuadir as atividades indesejadas ou de estimular as atividades ideais.42
6. Direito Tributário
A submissão do Estado ao Direito permitiu que se colocasse a tributação no âmbito das relações jurídicas obrigacionais, tendo como partes o Estado credor e o contribuinte devedor, cada qual com suas prerrogativas. E isso não apenas sob uma perspectiva estática, mas também dinâmica, abrangendo tanto as questões materiais como as garantias formais, procedimentais e processuais.
Mas a outorga de competências, a enunciação de limitações e a compreensão de que a tributação se dá conforme o Direito não implicou, por si só, a possibilidade de se falar propriamente em um Direito Tributário.
A arrecadação tributária, durante muito tempo, foi objeto da ciência das finanças e, no âmbito jurídico, do amplo ramo do Direito Administrativo. Posteriormente, as questões relacionadas à receita e à despesa do Estado passaram a ser objeto de ramo autônomo: o Direito Financeiro. Apenas no último século é que se passou a ter um tratamento sistemático e específico para as questões atinentes à tributação, identificando-se princípios e institutos próprios, o que originou o Direito Tributário, com objeto ainda mais restrito, focado na imposição e arrecadação de tributos.
MARCO AURÉLIO GRECO destaca que: “O Direito Tributário é, talvez, o único ramo do Direito com data de nascimento definida. Embora, antes disso, existam estudos sobre tributação, especialmente no âmbito da Ciência das Finanças, pode-se dizer que foi com a edição da Lei Tributária Alemã de 1919 que o Direito Tributário começou a ganhar uma conformação jurídica mais sistematizada. Embora o tributo, em si, seja figura conhecida pela experiência ocidental há muitos séculos, só no século XX seu estudo ganhou uma disciplina abrangente, coordenada e com a formulação de princípios e conceitos básicos que o separam da Ciência das Finanças, do Direito Financeiro e do Administrativo”.43
O alemão ALBERT HENSEL, considerando o advento da Reichsabgabenordnung (Lei Tributária do Reich) de 1919 e a instauração da Administração Financeira e do Tribunal Financeiro do Reich, publicou, em 1924, a obra que hoje é considerada por muitos como o primeiro grande clássico do Direito Tributário, por ter dado um tratamento sistemático à matéria capaz de destacar sua autonomia como ramo do Direito, intitulada justamente Steuerrecht (Direito Impositivo). Também merece destaque a obra de BLUMENSTEIN sobre o Direito Tributário Suíço, publicada em 1926, sob o título Schweizerischen Steuerrecht, seguida da publicação, pelo mesmo autor, já em 1944, da obra System des Steuerrechts. Outro grande clássico do Direito Tributário é a obra escrita ainda na década de 30 pelo italiano ACHILLE DONATO GIANNINI, Istituzioni di Diritto Tributario. Não se deve olvidar, por certo, El Hecho Imponible, de Dino Jarach, obra em que, em 1943, cuidou da teoria geral do Direito Tributário material. Cabe destacar, contudo, que BERLIRI atribui a GRIZIOTTI a afirmação da autonomia do Direito Tributário.44 De qualquer modo, BERLIRI ensina que tal decorreu de uma construção plurissecular, com impulso na própria necessidade prática de se tratar com a matéria. Assim é que refere textos como o Tractatus de tributis et vectigalibus populi romani, de 1619, dentre outros ainda mais antigos.
No Brasil, foi com a Emenda Constitucional 18/65 que, pela primeira vez, se teve estruturado um sistema tributário, logo em seguida surgindo o Código Tributário Nacional, de 1966, cujo projeto foi apresentado ainda no exercício da competência atribuída à União pela Constituição de 1946 para legislar sobre Direito Financeiro.
São obras clássicas do Direito Tributário brasileiro, dentre outras: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar (1951) e Direito Tributário Brasileiro (1970),45 de ALIOMAR BALEEIRO; Introdução ao Direito Tributário (1958) e Fato Gerador da Obrigação Tributária (1964), de AMÍLCAR FALCÃO; Teoria Geral do Direito Tributário (1963), de ALFREDO AUGUSTO BECKER; Hipótese de Incidência Tributária (1973), de GERALDO ATALIBA; e Teoria da Norma Tributária (1974), de PAULO DE BARROS CARVALHO.
7. Relação com outras disciplinas jurídicas
O Direito Tributário guarda íntima relação com quase todos os ramos do direito. E, como todos os outros, é parte do Sistema Jurídico. Aliás, há muito já se desmitificou a ideia de que se poderia ter qualquer ramo marcado por uma autonomia que se pudesse confundir com isolamento ou independência.46 O direito é um só, ainda que contemple tratamento específico das diversas áreas por ele regidas.
O domínio do Direito Constitucional é fundamental para a compreensão do Direito Tributário, absolutamente condicionado constitucionalmente no que diz respeito às possibilidades de tributação e ao modo de tributar, bem como aos princípios que regem a tributação. Temas como o sigilo bancário, o direito de petição, o direito a certidões e as cláusulas pétreas repercutem frequentemente na esfera tributária. A própria consideração da obrigação de pagar tributo como dever fundamental e a projeção do Estado Social e da solidariedade para o campo tributário evidenciam as relações entre o Direito Constitucional e o Direito Tributário. A legislação tributária tem de ser reconduzida ao Texto Constitucional para a análise da sua constitucionalidade, para construção das interpretações e de aplicações válidas. São, pois, de elevada importância os textos de Direito Constitucional Tributário.47
O Direito Civil projeta-se com evidência para o âmbito tributário já quando da análise das normas de competência, em que se tem de considerar na sua própria dimensão os conceitos, formas e institutos de direito privado, conforme orientação expressa do próprio art. 110 do CTN. Ademais, o tributo é obrigação pecuniária, servindo-lhe de referência toda a disciplina das obrigações.
Revela-se, ainda, um Direito Administrativo Tributário, porquanto a tributação é exercida pelo estado, sendo o tributo cobrado mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Toda a temática dos atos administrativas, do exercício do poder de polícia e, ainda, do processo administrativo se projeta para o Direito Tributário com tratamento específico.
O Direito Financeiro, por sua vez, guarda relação estreita com o Direito Tributário. E isso principalmente em razão da funcionalização da tributação, a exigir a análise da finalidade quando da instituição das contribuições e empréstimos compulsórios, bem como da efetiva destinação do seu produto, como critério de validação constitucional de tais tributos.
O Direito Comercial mantém relação íntima com o Direito Tributário, envolvendo os tipos de sociedade, a responsabilidade dos sócios, dos representantes e dos adquirentes de fundo de comércio, a apuração do lucro, a função social da empresa, o intuito negocial, os diversos contratos, a falência e a recuperação judicial.
O Direito do Trabalho igualmente aparece com frequência nas lides tributárias, pois, da caracterização ou não de relação de emprego, depende a incidência de contribuições previdenciárias sobre a folha ou a incidência de contribuições sobre o pagamento a autônomos, bem como, da caracterização ou não de determinadas verbas como salariais ou indenizatórias, depende a incidência de imposto de renda. Diga-se, ainda, que o inciso VIII do art. 114 da CF, acrescentado pela EC 45/04, determina que a Justiça do Trabalho execute, de ofício, ou seja, por iniciativa própria, as contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir, de modo que, nos autos da reclamatória trabalhista, são apuradas e exigidas as contribuições previdenciárias devidas pela empresa como contribuinte e como substituta tributária do empregado.
O Direito Internacional ganha relevo em face dos tratados e convenções internacionais em matéria tributária, estabelecendo mercados comuns (como a União Europeia e o Mercosul) ou evitando a bitributação em matéria de imposto de renda (como a Convenção Brasil Suécia para evitar a dupla tributação), e da extraterritorialidade estabelecida para alguns tributos federais.48 Isso sem falar no acordo sobre subsídios e medidas compensatórias no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).49
O Direito Processual Civil também se apresenta intimamente relacionado com o Direito Tributário como instrumento tanto para a satisfação dos créditos do fisco como para a proteção, defesa e ressarcimento dos contribuintes. Há o que se pode chamar de um Direito Processual Tributário, em que inúmeras ações assumem contornos específicos, como é o caso da execução fiscal e da ação cautelar fiscal, de um lado, e do mandado de segurança, da ação anulatória, da ação declaratória, da ação de repetição de indébitos tributários, da ação de consignação em pagamento e da medida cautelar de caução, de outro.
O Direito Penal mantém relações estreitas com o Direito Tributário como decorrência da criminalização de diversas condutas vinculadas ao descumprimento de obrigações tributárias, de que é exemplo o descaminho, com a internalização de mercadorias mediante ilusão dos tributos devidos, e a apropriação indébita de valores retidos pelo substituto tributário e não recolhidos ao Fisco. Ademais, seus princípios e institutos contribuem para a compreensão e aplicação dos dispositivos da legislação tributária que impõem penalidades, como multas e perdimento de bens.
8. Relação com a Economia
O problema central da Economia é geração de riqueza num contexto de bens escassos e aplicações alternativas.
A tributação implica custo para a atividade econômica, de modo que é elemento importantíssimo para qualquer iniciativa empresarial ou profissional. Carga tributária demasiada pode tornar proibitivos certos negócios, comprometendo a livre iniciativa. Os benefícios tributários, por sua vez, quando subjetivos, podem causar violação à isonomia e à livre concorrência e, quando objetivos, desonerar determinados setores em detrimento de outros.
Ademais, em um sistema econômico, a viabilização das operações está sujeita aos chamados custos de transação. A complexidade da legislação tributária influi nesses custos, seja por força dos esforços necessários ao correto cumprimento das obrigações acessórias e principais (custos de conformidade), seja em razão dos riscos relacionados ao planejamento fiscal. Quanto mais certas as regras relativas à tributação, quanto mais farta a informação, quanto maior a segurança relativamente à observância das garantias do contribuinte e mais rápido e efetivo seu acesso à Justiça, menores os custos de transação, ou seja, menor o investimanto de recursos necessário ao cumprimento das obrigações tributárias.
Não podemos deixar de referir, ainda, a importância da Economia na análise do Direito como um todo e, em particular, do Direito Tributário. Permite compreender os efeitos das normas jurídicas e das decisões judiciais sobre o funcionamento do mercado, emprestando ferramentas para a compreensão do que leva a uma melhor alocação de recursos e geração de riquezas. Essas análises, que tiveram como patrono o britânico Ronald Coase (1910-2013), deram origem à escola denominada Law and Economics, da qual Richard Posner é um dos principais teóricos. Dentre os tributaristas que vem estudando a matéria, podemos referir Paulo Caliendo50 e Cristiano Carvalho.51
9. Relação com a Contabilidade
A Contabilidade permite que se tenha transparência quanto às operações e à situação patrimonial das pessoas jurídicas, fornecendo elementos para a análise do seu desempenho e para a gestão e planejamento das suas atividades, tenham fins lucrativos ou não. Interessa, assim, num primeiro momento, aos administradores, aos sócios e ao mercado. Mas também constitui ferramenta indispensável para a tributação, permitindo a identificação da ocorrência de fatos geradores e o dimensionamento dos tributos devidos. Inúmeros conceitos contábeis são recorrentes na legislação tributária, como regimes de competência e de caixa, lucro líquido, patrimônio líquido etc.
MAÍZA COSTA DE ALMEIDA bem esclarece essa relação:
“De acordo com o Americam Institute of Certified Public Accountants (AICPA), a finalidade da Contabilidade, desde os primórdios, ‘é prover os usuários dos demonstrativos financeiros com informações que os ajudarão a tomar decisões’. Dentre os diversos usuários dos demonstrativos financeiros está o estado, ou ente político tributante, que se utiliza dessas informações produzidas para identificar a realização das condutas prescritas pelo direito positivo tributário e analisadas descritivamente pela ciência do Direito Tributário, fazendo nascer a obrigação tributária. [...] ... a relação entre Direito Tributário e Contabilidade se dá exatamente na medida em que o Estado é um dos usuários (não o único) da informação produzida em relação à situação econômico-financeira de uma determinada entidade. E, na medida em que a Contabilidade não está exclusivamente voltada a identificar o fato gerador prescrito na norma tributária, a legislação fiscal trata de adaptá-la, dando aos fatos econômicos registrados contabilmente os contornos exigidos para que seja identificada a hipótese de incidência tributária”.52
É importante considerar que há ajustes para fins de tributação, como no caso do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), que não incidem propriamente sobre o lucro líquido (lucro contábil) da empresa, mas sobre o lucro real e sobre o resultado ajustado, obtidos mediante adições, exclusões e compensações determinadas pela legislação tributária.
Além disso, como o objeto da tributação é a riqueza reveladora de capacidade contributiva, sob essa perspectiva é que precisam ser consideradas as bases econômicas. Daí por que nem tudo o que contabilmente é considerado receita, por exemplo, pode sê-lo para fins de tributação. JOSÉ ANTÔNIO MINATEL destaca que “[...] há equívoco nessa tentativa generalizada de tomar o registro contábil como o elemento definidor da natureza dos eventos registrados. O conteúdo dos fatos revela a natureza pela qual espera-se sejam retratados, não o contrário”.53
10. Conceito de tributo
A Constituição Federal, ao estabelecer as competências tributárias, as limitações ao poder de tributar e a repartição de receitas tributárias, permite que se extraia do seu próprio texto qual o conceito de tributo por ela considerado.54 Cuida-se de prestação em dinheiro exigida compulsoriamente, pelos entes políticos ou por outras pessoas jurídicas de direito público, de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele sua capacidade contributiva ou que se consubstancie em atividade estatal que lhe diga respeito diretamente, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado, para o financiamento de fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado ou por terceiros no interesse público ou, ainda, para o custeio de atividades estatais diretamente relacionadas ao contribuinte.
Tais características se evidenciam quando da leitura, no Texto Constitucional, do Capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”.
A outorga de competência se dá para que os entes políticos obtenham receita através da instituição de impostos (arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156), de taxas (arts. 145, II, e 150, V), de contribuições de melhoria (art. 145, III), de empréstimos compulsórios (art. 148) e de contribuições especiais (arts. 149 e 195). Em todas as normas ali existentes, verifica-se que estamos cuidando de obrigações em dinheiro, tanto que há diversas referências à base de cálculo e à alíquota, bem como à distribuição de receitas e reserva de percentuais do seu produto para aplicação em tais ou quais áreas.
Tributa-se porque há a necessidade de recursos para manter as atividades a cargo do Poder Público ou, ao menos, atividades que são do interesse público, ainda que desenvolvidas por outros entes.
Obrigação que não seja pecuniária, como a de prestar serviço militar obrigatório, de trabalhar no Tribunal do Júri ou nas eleições, não constitui tributo. Mesmo aquelas obrigações relacionadas com a tributação e, inclusive, alcançadas pela denominação de obrigações tributárias, conforme a dimensão conferida ao termo pelo art. 113 do Código Tributário Nacional, mas que sejam de fazer, não fazer ou de tolerar, como as obrigações acessórias de prestar Declaração de Ajuste do Imposto de Renda, de não proceder ao transporte de mercadoria desacompanhada de nota e de admitir a presença de auditor fiscal e a análise dos livros fiscais, não se confundem com a obrigação de pagar tributo. De outro lado, porém, o fato de se estar diante de obrigação pecuniária estabelecida em lei, não revela, por si só, sua natureza tributária, pois esta pressupõe que não haja qualquer concorrência da vontade do contribuinte, ou seja, que se qualifique como receita pública compulsória.
O caráter compulsório do tributo, aliás, resta evidente na medida em que a Constituição coloca a lei, que a todos obriga, como fonte da obrigação tributária. De fato, o art. 150, I, da Constituição Federal exige que a instituição e a majoração os tributos sejam estabelecidas por lei, o que revela a sua natureza compulsória de obrigação ex lege, marcada pela generalidade e cogência, independente da concorrência da vontade do sujeito passivo quanto à constituição da relação jurídica. A adequada consideração do traço da compulsoriedade faz com que não se caracterizem como tributárias as receitas patrimoniais relativas ao uso ou à exploração de bens públicos em caráter privado (taxa de ocupação de terreno de marinha e compensação financeira pela exploração de recursos minerais), porquanto, nestes casos, não há compulsoriedade na constituição do vínculo, mas adesão a um regime remuneratório.
Vê-se, ainda, que a outorga de competência tendo como referência simples manifestações de riqueza do contribuinte (critério da base econômica na distribuição das competências), serviços específicos e divisíveis prestados pelos entes políticos, exercício efetivo do poder de polícia, realização de obra que implique riqueza para os proprietários de imóveis ou, ainda, em face da necessidade de buscar meios para custear determinadas atividades vinculadas a finalidades específicas previstas no texto constitucional. As diversas espécies tributárias não guardam nenhuma relação com o cometimento de ilícitos pelos contribuintes. Daí se extrai, pois, a noção de que tributo não constitui sanção de ato ilícito.
Por isso, não há que se confundir o tributo, em si, com a receita, também derivada e compulsória, que são as multas por prática de ato ilícito, fundadas no poder de punir, e não no poder fiscal. Isso sem prejuízo de que as multas pelo descumprimento da legislação tributária, embora não constituindo tributos, sejam consideradas, por dispositivo expresso do CTN, obrigação tributária principal, ao lado do tributo, isso para que sejam submetidos, tanto o tributo, como as multas tributárias, ao mesmo regime de constituição, discussão administrativa, inscrição em dívida ativa e execução.
O tributo não é sanção de ato ilícito e, portanto, não poderá o legislador colocar o ilícito, abstratamente, como gerador da obrigação tributária ou dimensionar o montante devido tendo como critério a ilicitude (e.g., definir alíquota maior para o IR relativamente à renda advinda do jogo do bicho).55 Mas costuma-se dizer que a ilicitude subjacente é irrelevante. Assim é que, adquirida renda por algum contribuinte, submete-se ao imposto de renda e, promovida a circulação de mercadorias, sujeita-se ao imposto sobre a circulação de mercadorias, sem que haja qualquer obrigação dos órgãos de fiscalização de investigar se a origem da renda é lícita ou se a empresa detinha os direitos e registros para a comercialização dos produtos que constituem objeto do seu negócio. Analisamos a tributação do ilícito adiante, no capítulo relativo à obrigação tributária, quando tratamos da ocorrência do fato gerador.
Vê-se que o a Constituição recepcionou o conceito de tributo constante do CTN: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Cabe, porém, ressaltar que o art. 3º do CTN, ao se referir à instituição por lei, refere-se a um requisito de validade e não de existência do tributo. Requisito de existência do tributo é a compulsoriedade. A exigência de lei pelo art. 150, I, da CF, como já ocorria nas constituições anteriores, constitui limitação constitucional à instituição de tributos. Instituído tributo sem lei, será inconstitucional a norma infralegal instituidora e, portanto, inválida, restando sem sustentação a sua cobrança. Uma exigência pecuniária, compulsória, que não seja sanção de ilícito, cobrada pela Administração com base em uma Portaria, será, sim, tributo (os requisitos de existência estão satisfeitos), ainda que inválido (o requisito de validade – observância da legalidade estrita – está violado).
A referência feita pelo art. 3º do CTN à cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada e a previsão do art. 119 do CTN no sentido de que apenas pessoas jurídicas de direito público podem figurar como sujeito ativo de obrigação tributária justificam-se em face da natureza da atividade tributária, que envolve fiscalização, imposição de multas e restrição a direitos. Assim, somente mediante atividade administrativa pode ser exigido o pagamento do tributo. Pessoa jurídica de direito privado só pode figurar como destinatária do produto da arrecadação e, ainda assim, apenas quando, sem fins lucrativos, exerça atividade do interesse público.
A plena vinculação a que se refere o art. 3º tem, ainda, outra implicação. Ocorrido o fato gerador da obrigação tributária, a autoridade administrativa tem o dever de apurá-lo, de constituir o crédito tributário, através do lançamento, e de exigir o cumprimento da obrigação pelo contribuinte. Não há que se dizer, por certo, que inexistam juízos de oportunidade e de conveniência,56 o que se impõe em face de limitações quanto à capacidade de trabalho, a exigir que se estabeleçam prioridades, e à análise custo-benefício, tudo a ser disciplinado normativamente, como é o caso das leis que dispensam a inscrição e o ajuizamento de débitos de pequeno valor. Além disso, a plena vinculação significa que a autoridade está adstrita ao fiel cumprimento da legislação tributária, incluindo todos os atos regulamentares, como instruções normativas e portarias. É por isso, e.g., que o art. 141 do CTN diz que o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou se extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos no Código, fora dos quais não podem ser dispensadas a sua efetivação e as respectivas garantias, sob pena de responsabilidade funcional.
Mas o conceito trazido pelo CTN não faz referência à condição de receita pública que é inerente ao tributo, receita esta que pode ser destinada ao próprio ente tributante ou a terceiros, pessoas de direito público ou mesmo de direito privado, desde que sem fins lucrativos, que exerçam atividade do interesse público, como é o caso dos sindicatos (art. 8º, IV, da CF) e dos entes sociais autônomos (art. 240 da CF). É por esta característica que se afasta a natureza tributária da contribuição ao FGTS que, implicando depósito em conta vinculada em nome do empregado, caracteriza-se como vantagem trabalhista.57
O conceito de tributo constante do Modelo de Código Tributário para a América Latina, embora conciso, faz referência à finalidade do tributo: “Art. 13. Tributos são prestações em dinheiro, que o Estado, no exercício de seu poder de império, exige com o objetivo de obter recursos para o cumprimento de seus fins”.
Verificados tais traços, estaremos, necessariamente, diante de um tributo, o que atrai a incidência do regime jurídico-tributário e, com isso, implica submissão às limitações constitucionais ao poder de tributar e às normas gerais de direito tributário.
11. Preços públicos e receitas patrimoniais
Enquanto os tributos têm como fonte exclusiva a lei e se caracterizam pela compulsoriedade, os preços públicos constituem receita originária decorrente da contraprestação por um bem, utilidade ou serviço numa relação de cunho negocial em que está presente a voluntariedade (não há obrigatoriedade do consumo). A obrigação de prestar, em se tratando de preço público, decorre da vontade do contratante de lançar mão do bem ou serviço oferecido. A fixação do preço público, por isso, independe de lei; não sendo tributo, não está sujeito às limitações do poder de tributar.
Já em 1969, o STF proclamava a distinção entre preços públicos e taxas utilizando-se do traço da compulsoriedade como critério, conforme se vê do enunciado da Súmula 545 do STF: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.
O grande desafio, porém, está em definir quais os serviços que se caracterizam como compulsórios.
Serviços relativamente aos quais se pode requerer o desligamento, como os de fornecimento de água e de energia elétrica, tem sido considerados pelo STF e pelo STJ como sujeitos a preço público,58 59 ainda que não haja a faculdade de perfurar livremente poços, de modo que, a rigor, o consumo de água tratada acaba se tornando, na prática, impositivo. Não configurando tributos, sujeitam-se ao regime jurídico comum, razão pela qual foi editada a Súmula 412 do STJ, tornando inequívoco que “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”.
Quanto ao pedágio, há precedentes do STF tanto no sentido de que configuraria preço público60 como no sentido de que se cuida de taxa de serviço, este mais recente.61
É importante ter em conta que a Constituição, ao cuidar dos princípios gerais da atividade econômica, prevê a prestação de serviço público por concessionárias ou permissionárias, estabelecendo regime específico para tal hipótese. O art. 175 da CF, de fato, parece estabelecer cláusula de exceção nesses casos, fazendo com que as salvaguardas do contribuinte (limitações constitucionais ao poder de tributar) sejam substituídas pela exigência de licitação (“sempre através de licitação”) e pela política tarifária definida em lei (“A lei disporá sobre: ... III – política tarifária;”). Assim, os mesmos serviços, prestados diretamente pelo Estado, submetem-se ao regime de taxa, enquanto, prestados mediante concessão ou permissão, submetem-se ao regime de preço público.
As receitas patrimoniais também não são consideradas tributárias. Não há previsão constitucional para a instituição de taxa pelo uso de bem público. Aliás, quanto a estes, em se tratando de bens de uso comum, todos têm direito à sua utilização sem exclusão dos demais usuários e independentemente de pagamento. Em se tratando de outro bem público cujo uso seja permitido/concedido a particular, em caráter exclusivo, o montante que venha a ser exigido configurará receita patrimonial, não se revestindo da compulsoriedade caracterizadora dos tributos. É o caso da compensação financeira pela exploração de recursos minerais,62 que pressupõe a decisão do particular de explorar bem público e pagar à União a participação que lhe cabe, e da chamada taxa de ocupação de terrenos de marinha, uma espécie de aluguel pago pelo particular por ocupar a faixa de marinha em caráter privado.
Configurando-se determinada contraprestação como preço público, segue as regras que regulamentam o respectivo setor, conforme o regime legal, mas não às limitações e institutos próprios dos tributos. Qualificando-se como taxa, cobrada compulsoriamente por força da prestação de serviço público de utilização compulsória do qual o indivíduo não possa abrir mão, sua exigência está sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 150 da CF: legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade, vedação do confisco) e às normas gerais de Direito Tributário (CTN), ou seja, ao regime jurídico tributário.
Notas
1 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14ª ed. rev. e atualizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 115.
2 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 403/404.
3 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 24/25.
4 O texto da Magna Carta está disponível em: <http://www.magnacartaplus.org>.
5 Conforme VANONI, havia um adágio inglês em matéria impositiva: “La Corona pide, los Comune conceden, los Lores permiten.” (VANONI, E. Natura ed Interpretazione delle leggi tributarie. 1932. Edição espanhola de 1961 publicada pelos Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, p. 155).
6 GULLOP, Floyd G. The Constitution of the United States: An Introduction. USA: 1984.
7 “Déclaration des droits de l’homme et du citoyen. Article treize. Pour l’entretien de la force publique, et pour les dépenses d’administration, une contribution commune est indisspensable; elle doit être également répartie entre tous les citoyens, en raison de leurs facultés. Article quatorze. Tous les citoyens ont le droit de constater par eux même, ou par leurs représentants, la nécessité de la contribution publique, de la consentir librement, d’en suivre l’emploi, et d’en déterminer la quotité, l’assiette, le recouvrement et la durée.”
8 CALDEIRA, Jorge, et al. Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 111/112.
9 FAGUNDES, Antônio Augusto. Revolução Farroupilha: cronologia do Decênio Heróico. Porto Alegre: Martins Livreiro Ed., 2008, p. 17/18.
10 Sobre a Guerra Fiscal, vide: MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012.
11 “[...] the modern economy in which we earn our salaries, own our homes, bank accounts, retirement savings, and personal possessions, and in which we can use our resources to consum or invest, would be impossible without the framework provided by government supported by taxes.” (MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. The Myth of Ownership, New York: Oxford, 2002, p. 8).
12 GODOI, Marciano Seabra de. A Volta do in dúbio pro Contribuinte: Avanço ou Retrocesso? In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. Dialética, 2013, p. 187.
13 “La facultad del Estado de obtener los medios necesarios para su propia existencia y, por ende, para la tutela y el mantenimiento del ordenamiento jurídico, se perfila así como un elemento esencial de la misma afirmación del derecho. La actividad financiera, lejos de ser una actividad que limita los derechos y la personalidad del particular, constituye su presupuesto necesario, puesto que sin tal actividad no existiría Estado y sin Estado no existiría derecho.” (VANONI, E. Natura ed Interpretazione delle leggi tributarie. 1932. A transcrição é da edição espanhola de 1961 publicada pelos Instituto de Estúdios Fiscales, Madrid, p. 183).
“No puede ser odioso lo que es necesario para la existencia misma del Estado y que tiene por finalidad única la utilidad de los ciudadanos. Como falló una vieja sentencia del Tribunal de Turín… ‘las tasas libremente votadas y conformes a la necesidad del Estado representan el orden, la libertad, la justicia, la seguridad, la beneficencia, el ejército, la armada, la independencia, el honor de la patria’. Hablar de odiosidad del tributo significa, pues, desconocer el indisoluble vínculo entre existencia del Estado e imposición.” (VANONI, E. Op. cit., p. 182/183).
14 CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 195.
15 “A expressão retórica corrente ‘juiz fiscalista’ é um ‘ferro de madeira’, uma contradição em termos e um agravo à função jurisdicional. A interpretação e aplicação das normas fiscais não deve ser a priori nem pró Fisco nem contra Fisco, mas em prol da lei.” (BORGES, José Souto Maior. Um ensaio interdisciplinar em Direito Tributário: superação da dogmática. RDDT nº 211/106, abr/2013)
16 “O dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não é meramente um sacrifício, mas sim, uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. O Direito Tributário de um Estado de Direito não é Direito técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores. O Direito Tributário afeta não só a relação cidadão/Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É direito da coletividade.” (Tipke, Klaus; Yamashita, Douglas. Justiça fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 13).
“Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria acção (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte.” (NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Liv. Almedina, 1998, p. 679).
17 “La formulación constitucional del deber de contribuir cumple una triple función jurídico-política: a) de legitimación del tributo, cuyo fundamento o justificación descansa no ya en la simple fuerza o poder de supremacía del Estado (frente a la impotencia del súdito), sino en el deber de solidaridad de los ciudadanos de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos por su interes, en tanto miembros de la comunidad política, en la existência y mantenimiento del Estado. Como há escrito A. BERLIRI el deber del contribuyente de pagar los tributos no es la consecuencia, es una premisa, un príus; es el derecho, o mejor, el poder del Estado a exigirlos lo que es consecuencia, el reflejo, del deber de los ciudadanos de pagarlos. Y no a la inversa. El Estado no recauda los impuestos quia nominor leo, sino porque el ciudadano tiene el deber de conribuir a su mantenimiento. Fundamento causal del tributo, por tanto, y conexión del deber de contribuir con el gasto público y su ordenación, que se proclama en el art. 31.2 CE; b) de límite y de garantía jurídica, en cuanto la norma constitucional fija los límites del deber de contribuir, sin que el Estado pueda constreñir al particular a pagar más allá de tales límites o en razón o medida de criterios o cánones distintos de los fijados constitucionalmente (la capacidad económica). Y al propio tiempo, de garantía de los ciudadanos, pues aunque las normas constitucionales que imponen deberes cívicos más que garantizar la libertad y la propiedad individual las constriñen al afirmar un deber de los ciudadanos y el correlativo derecho – rectius poder – del Estado), sin embargo es también una norma de garantía en cuanto indirectamente limita el derecho de supremacia del Estado, que ha de configurar en cada caso, como elemento base de la imposición supuestos de hecho que sean reveladores de capacidad económica; c) de orientación programática de la actuación de los poderes públicos, primordialmente del legilativo, al cual se le encomienda la creación de un sistema tributário justo como cauce para la actuación del deber de contribuir proclamado constitucionalmente, y funcionalmente conexo, como hemos dicho, con el gasto público.” (BEREIJO, Álvaro Rodríguez. “El deber de contribuir como deber constitucional. Su significado jurídico”, Civitas Revista Española de Drecho Financiero nº 125/2005)
18 NABAIS, José Cabalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedida, 2004, p. 45, nota 76.
19 VANONI, E. Natura ed Interpretazione delle leggi tributarie. 1932. A citação é da edição espanhola de 1961 publicada pelo Instituto de Estudios Fiscales, Madrid, p. 183.
20 VANONI, E. Op. cit., p. 182/183.
21 Tipke, Klaus; Yamashita, Douglas. Justiça fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 13.
22 NABAIS, José Casalta. Op. cit., p. 679.
23 CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 147.
24 Afirmamos alhures: “Assim como o gozo de imunidade não dispensa do cumprimento de obrigações acessórias nem da sujeição à fiscalização tributária (art. 194, parágrafo único, do CTN), também não exime o ente imune de figurar como substituto tributário, com todas as obrigações daí decorrentes, inclusive respondendo com recursos próprios na hipótese de descumprimento do dever de retenção do tributo. Note-se que a retenção de tributos na fonte, na qualidade de responsável tributário, se efetuada adequadamente, nenhum ônus acarreta às entidades imunes, pois a operação se dá com dinheiro do contribuinte. A previsão constante deste § 1º, pois, justifica-se plenamente, constituindo válida regulação das imunidades enquanto limitações constitucionais ao poder de tributar.” (PAULSEN. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 16ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014) Veja-se, ainda, precedente do STF: “A responsabilidade ou a substituição tributária não alteram as premissas centrais da tributação, cuja regra-matriz continua a incidir sobre a operação realizada pelo contribuinte. Portanto, a imunidade tributária não afeta, tão-somente por si, a relação de responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega provimento.” (STF, 2ª T., RE 202987, JOAQUIM BARBOSA, jun/09)
25 CASADO OLLERO, Gabriel. Op. cit., p. 151 y 157.
26 Art. 113, § 2º, do CTN.
27 Os Estados vêm assumindo, em todo o mundo, predominantemente a condição de Estados de Direito Democráticos e Sociais. Caracterizam-se como Estado de Direito porque todos, inclusive o próprio Estado, estão submetidos ao direito. Democráticos porque os legisladores e o governo são eleitos pelo povo e atuam em seu nome e em seu benefício. Sociais porque se exige do Estado que assegure direitos fundamentais inclusive de caráter social (os direitos a prestações). Em um Estado de Direito Democrático e Social são congregadas a liberdade, a participação e a solidariedade. O Estado proclama e garante não só direitos fundamentais de primeira geração (direitos de liberdade: civis e políticos) como promove e assegura direitos fundamentais de segunda geração (direitos a prestações: sociais e econômicos) e, inclusive, de terceira geração (direitos difusos como ao meio ambiente equilibrado e ao patrimônio cultural) e de quarta geração (informação, pluralismo).
28 BALEEIRO, Aliomar. Op. cit., p. 200/201.
29 Estudo sobre a Carga Tributária/PIB X IDH.
30 Disponível em <https://ibpt.org.br>.
31 O Índice de Desenvolvimento Humano mede o grau de desenvolvimento econômico e de qualidade de vida da população, variando de 0 (mais baixo) a 1 (mais alto). A ONU vem calculando e divulgando anualmente o índice de cada país mediante análise de dados relacionados à riqueza, alfabetização, educação e expectativa de vida.
32 Vide análise da matéria no site da Controladoria-Geral da União: <www.cgu.gov.br>, em publicações, prestação de contas.
33 Atualmente, Fisco e Erário são expressões sinônimas na literatura tributária. Originalmente, contudo, tinham significado diverso, conforme ensina VANONI, referindo-se à história romana: “En la época republicana, caja del Estado era el aerarium, administrado por el Senado. El fiscus surgió como caja privada del emperador, pero paulatinamente, al ir concentrándose el poder en la persona del soberano, el fisco vino a significar la reunión de todos los bienes del Estado en manos del emperador. Así se anuló la distinción entre caja del Estado y caja privada del emperador…” (Op. cit., p. 183)
34 NABAIS, José Cabalta. Op. cit., p. 191/192.
35 “Le imposte presentano due aspetti, quello fiscale e quello extrafiscale, dei quali i confini non sempre risultano agevolmente individuabili.” (MARTUL-ORTEGA, Perfecto Yebra. I Fini Extrafiscali Dell’Imposta. In: AMATUCCI, Andréa. Trattato di Diritto Tributário. 1º vol. Milano, CEDAN, 2001, p. 686).
36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 228-229.
37 A Ley General Tributaria española, de 2003, é muito clara em seu artigo 2: “Los tributos, además de ser medios para obtener los recursos necesarios para el sostenimiento de los gastos públicos, podrán servir como instrumentos de la política económica general y atender a la realización de los principios y fines contenidos en la Constitución.”
38 “A extrafiscalidade em sentido próprio engloba as normas jurídico-fiscais de tributação (impostos e agravamentos de impostos) e de não tributação (benefícios fiscais) cuja função principal não é a obtenção de receitas ou uma política de receitas, mas a prossecução de objetivos económicos-sociais.” (NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Liv. Almedina, 1998, p. 695).
“[…] se ha generalizado la utilización del tributo – y, de forma especial, del impuesto – como un medio de conseguir otras finalidades: creación de empleo, fomento del desarrollo económico de una determinada zona, preservación del medio ambiente, ahorro de energía, repoblación forestal”, de ahí “que quepa hoy distinguir entre impuestos fiscales – los tradicionales, aquellos cuya finalidad esencial es financiar el gasto público – e impuestos extrafiscales – aquellos cuya finalidad esencial está encaminada a la consecución de esos otros objetivos.” (QUERALT, Juan Martín; SERRANO, Carmelo Lozano; LÓPES, José M. Tejerizo; OLLERO, Gabriel Casado. Curso de Derecho financiero y Tributario. 18ª ed. Madrid: Tecnos, 2007, p. 90).
39 MARTINS, Ives Gandra da Silva; CARVALHO, Paulo de Barros. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 36/37.
40 STF, Tribunal Pleno, Ministra ELLEN GRACIE, ADI 1.276, Rel. 2002.
41 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, ADIMC 2.301, 2000.
42 O leading case em matéria de controle da tributação extrafiscal no Direito espanhol é a Sentença do Tribunal Constitucional espanhol 37/87.
43 GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura sui generis). São Paulo: Dialética, 2000, p. 147.
44 “Col principio del 1900 si afferma ivece la tendeza, che si è andata poi sempre più aceentuando, a considerare io diritto tributario coe una disciplina autônoma rispetto al diritto amministrativo e conseguentemente si há uma nuova fioritura di opere dedicate esclusivamente al diritto trbutario, sino a che, per mérito principalmente del Grizioti, si afferma esplicitamente l’autonomia scientifica di questo ramo del diritto e nelaa scuola di Pavia si suscita un vivace fermento di studi dedicati appunto allá trattazione sistemática del diritto tributário.” (BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributário. Vol. I. Seconda edizione. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1967, p. 29/30)
45 Essa obra de BALEEIRO continua sendo publicada. Está na 12ª edição, com notas de atualização de MISABEL DERZI.
46 “[...] il diritto finanziario e quello tributário non costituirebbero mai un qualcosa di distaccato dagli altri rami del diritto, quase un ordinamento giuriico a sé, poiché, data l’unitarietà del diritto, qualunque sua branca, per quanto autonoma, è necessariamente collegata con tutte le altre con le quali forma un tutto único inscindibile. Esattamente scrivera il D’Amelio che ‘l’autonomia di un ramo del diritto non può mai spezzare e neppure incrinare il concetto unitário del diritto stesso. Il vichiano de uno universo jure è verità fondamentale e può considerarsi una delle conquiste definitive dello spirito umano. Gli è che l’autonomia sta all’unità come i raggi alla sfera. Sicché l’autonomia non è disintegrazione, ma parte del tutto. Ne consegue che l’autonomia di una branca del diritto non può escludere né ignorare le altre branche anch’esse autonome, delle quali ha bisogno per vivere’.” (BERLIRI, Antonio. Principi di Diritto Tributário. Vol. I. Seconda edizione. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1967, p. 9).
47 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar; CARRAZA. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008; PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 12ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010; ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008; VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição Tributária Interpretada. São Paulo: Atlas, 2007.
48 Acerca da extraterritorialidade do Imposto sobre a Renda, vide o art. 43, §§ 1º e 2º, do CTN.
49 Vide: <www.wto.org>.
50 CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito. Uma visão Crítica. Rio de Janeiro, Elsevier, 2009.
51 CARVALHO, Cristiano. El Análisis Económico del Derecho Tributário. Lima: Editorial Grijley, 2011.
52 ALVES, Maíza Costa de Almeida. O IRPJ e a dedutibilidade dos gastos na oferta pública de ações: nova perspectiva diante da alteração da legislação societária. RDDT nº 212/78, mai/2013.
53 MINATEL, José Antônio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação. MP, 2005, p. 244.
54 GERALDO ATALIBA criticava o fato de o CTN ter conceituado tributo em seu art. 3º, porque tal dá a impressão de que poderia tê-lo feito de forma diversa, alterando sua essência, quando, em verdade, o legislador infraconstitucional não tem esse poder.
55 Mas o dimensionamento do tributo em função do cometimento de ilícito pode apresentar-se de modo disfarçado, como nos casos de concessão de desconto de IPVA para os motoristas que não tenham cometido infração no último ano. Tal acaba implicando que, embora revelem a mesma capacidade contributiva e, portanto, tenham que ser tratados igualmente no que diz respeito ao dever de pagar tributos, dois contribuintes venham a ser notificados para pagamento de valores distintos a título de IPVA, o que nos parece violar a noção de tributo. Vide, do STF, a ADI 2.301 MC.
56 Valem as ponderações feitas por Paulo de Barros Carvalho no sentido de que tal não é absoluto: “O magistério dominante inclina-se por entender que, nos confins da estância tributária, hão de existir somente atos vinculados, fundamento sobre o qual exaltam o chamado princípio da vinculabilidade da tributação. Entretanto, as coisas não se passam bem assim. O exercício da atuosidade administrativa, nesse setor, se opera também por meio de atos discricionários, que são, aliás, mais freqüentes e numerosos. O que acontece é que os expedientes de maior importância, aqueles que dizem mais de perto aos fins últimos da pretensão tributária, são pautados por uma estrita vinculabilidade, caráter que, certamente, influenciou a doutrina no sentido de chegar à radical generalização. Podemos isolar um catálogo extenso de atos administrativos, no terreno da fiscalização dos tributos, que respondem, diretamente, à categoria dos discricionários, em que o agente atua sob critérios de conveniência e oportunidade, para realizar os objetivos da política administrativa planejada e executada pelo Estado. Compreendido com essa ressalva, nada haverá de extravagante em proclamarmos o vigor do princípio da vinculabilidade da tributação.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 183).
57 No RE 522.897, Rel. Ministro GILMAR MENDES, o STF está discutindo qual o prazo para cobrança das contribuições ao FGTS, se o próprio das ações trabalhistas, estabelecido pelo art. 7º, XXIX, da CF ou se o trintenário, que anteriormente era previsto em lei específica. Dispõe a Súmula 210 do STJ: A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos.
58 STF, Primeira Turma, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, 2002; STF, Tribunal Pleno, RE 576.189, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, AReg. 201.630/DF, 2009.
59 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, REsp 856.378 AgRg, 2009.
60 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, ADI 800 MC, 1992.
61 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, RE 181.475, 1999.
62 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, ADI 2.586, 2002; STF, Primeira Turma, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, RE 228.800, 2001.