CAPÍTULO 3

Buenos Aires, Argentina

Ashley odiava saltos altos. Cravavam-se-lhe no tendão de Aquiles como um pitbull teimoso e andar com eles era como tentar equilibrar-se na corda bamba. Ansiava pelas botas gastas que deixara no quarto de hotel.

Avançou para o jovem hispânico, que verificou a sua identificação. Com um aceno de cabeça, abriu-lhe a porta. A sala tinha cerca de cinquenta lugares, dos quais apenas um quarto estava ocupado. Um arrumador conduziu-a ao lugar que lhe estava reservado, na fila da frente, depois desapareceu. Ashley estremeceu no fato saia-casaco leve que envergara, apertando a mala sobre o colo. Desejou que aumentassem a temperatura.

Agora que estava sentada, a sua mente começou a percorrer os eventos das últimas semanas; as suas velhas ansiedades arrastaram-se até à superfície. Uma em especial.

Jason.

Odiara ter de deixar o filho sozinho no quarto de hotel. Parecera tão calado naquela tarde, longe da sua natural personalidade exuberante. Os seus dedos apertaram a mala com mais força.

E aquela missão. Recebera pelo correio uma carta com bilhetes de avião e as instruções a seguir. «Tudo o resto foi tratado», afirmava a carta. Sem quaisquer outros pormenores.

Um homem sentou-se no lugar ao seu lado.

— Bem, olá.

Ashley olhou de relance. Era outra vez o australiano. Maldição. Será que não conseguia ter um momento de paz? As ravinas desertas da sua terra natal, no Novo México, nunca lhe tinham parecido tão apelativas.

— Deixa-me tentar outra vez… — Ele estendeu-lhe a mão. — Benjamin Brust.

Não o querendo insultar, apertou-lhe a mão. Agora vai-te embora, pensou.

Ele sorriu-lhe, dentes brancos contra um pano de fundo corado, as maçãs do rosto duras, rugas do sol a marcar os cantos dos olhos. Lábios cheios.

— Então, o que pensas de tudo isto? — perguntou.

Ashley encolheu os ombros, tentando desencorajar a conversa, e virou a cara. Depois do ex-marido, o seu coração vira-se rodeado por uma certa desconfiança em relação às atenções dos homens.

— Tantos segredos — balbuciou Ben.

Ela acenou com a cabeça.

— Talvez em breve tenhamos algumas respostas.

Ben permaneceu em silêncio. No entanto, Ashley continuava a sentir a presença dele junto ao seu ombro. A água-de-colónia almiscarada e forte. A respiração profunda e constante. O restolhar do casaco de tweed quando ele se moveu na cadeira.

Ashley mudou de posição. O auditório estava quase cheio. Agora estava a ficar calor. Desejou que eles arranjassem o termóstato.

— Confias nele? — perguntou Ben num sussurro.

— Não — respondeu ela, os olhos fixos em frente. Sabia de quem ele estava a falar. — Absolutamente nada.

Da porta, Blakely observava o auditório que se enchia. A sua equipa ocupara já os lugares das cinco primeiras filas. Fez sinal ao seu assistente, Roland, do outro lado da sala.

Roland acenou e ergueu o microfone até aos lábios.

— Senhoras e senhores, por favor ocupem os vossos lugares. Estamos prontos para começar.

Depois de mais alguns instantes de agitação e de chegadas de última hora, as portas do auditório fecharam-se e as luzes desceram ligeiramente. Blakely avançou da porta para subir para o palco e ficou de pé atrás do pódio iluminado. Limpou a testa com um lenço. Conhecia de cor o discurso, as palavras cuidadosamente escolhidas.

Blakely tocou no microfone para o testar. O toque serviu igualmente de sinal à multidão que murmurava para que ficasse em silêncio.

— Em primeiro lugar, obrigado a todos por se juntarem a nós. — Fez uma pausa. — Sei que foi difícil deixarem as vossas vidas para trás de forma tão abrupta. Mas dentro de momentos estou certo de que ficarão convencidos de que a perturbação sentida valeu bem a pena.

Pegou no controlo remoto do projetor de slides e carregou num botão. A imagem de uma montanha, de cujo cume coberto de neve se erguia um fiapo de fumo escuro, surgiu no ecrã.

— Monte Érebo na ilha de Ross, junto à costa da Antártida. Um dos três cones vulcânicos deste continente. Na base deste vulcão está a estação de investigação dos EUA, McMurdo. A minha casa durante os últimos cinco anos.

Clicou no botão para centrar a imagem num grupo de edifícios de metal baixos que se agarravam à superfície de um glaciar cinzento. Um conjunto de antenas de satélite projetava-se dos telhados como uma bizarra teia de aranha.

— Durante os últimos dez anos, tenho realizado estudos geotérmicos em alguns dos riftes quentes ainda ativos nas profundezas do cone e debaixo do vizinho mar de Ross. A NASA tem ajudado neste estudo. O seu terceiro shuttle, há seis anos, realizou alguns scans rádio da crosta terrestre, em busca de campos de petróleo e outras bolsas semelhantes. Pedi um scan do monte Érebo e descobri algumas coisas espantosas.

Premindo o botão, fez surgir no ecrã um diagrama transversal da crosta por baixo do cone vulcânico. Um murmúrio ergueu-se da multidão.

— Como podem ver, foi descoberto um intrincado sistema de grutas por baixo do Érebo, um sistema complexo que se estende por centenas de quilómetros.

Clicou para avançar para o slide seguinte.

— Leituras mais próximas obtidas por sondas sónicas revelaram uma caverna enorme separada do rifte mais fundo por uns meros seiscentos metros de pedra. — Utilizou um ponteiro para indicar a rede de riftes que conduzia à bolsa gigantesca. — Chamámos a esta gruta Caverna Alfa. Com quase oito quilómetros de diâmetro, calculou-se, de acordo com as sondas, que o piso da caverna estivesse situado três quilómetros abaixo da superfície do continente. Quase três vezes mais fundo do que algum homem pisou.

A imagem seguinte apresentava um grupo de homens sorridentes, de rostos cobertos de terra e pó, a posar em frente de um grande buraco de bordos irregulares.

— Após três anos de trabalho, conseguimos abrir caminho com explosivos e brocas até esta câmara. Foi necessário mais um ano para levar os cabos e montar um acampamento no piso da câmara. — Um grupo de tendas e barracões Quonset, iluminados por um holofote, surgiu em seguida no ecrã. No centro erguia-se um edifício de madeira de três pisos. Um segundo edifício, um mero esqueleto composto por uma armação de madeira e pelos andaimes, estava em construção. — A Base Alfa — comentou. — Trabalhámos em segredo. Acesso restrito apenas aos que têm a autorização adequada.

O slide seguinte deixou o seu público de boca aberta. Blakely sorriu ligeiramente.

— Minhas senhoras e meus senhores, apresento-vos um mistério.

Ashley, que tinha estado a esfregar os olhos e a bocejar, perguntando-se que teria aquela conversa de atividade vulcânica e escavação a ver com ela, saltou do lugar. Blakely olhou de relance para ela. Tinha de ser um embuste. O que estava a ver ali abriria um buraco gigantesco na teoria antropológica convencional.

A fotografia projetada no ecrã revelava uma secção da parede da caverna iluminada pelos holofotes. Escavada na parede estava uma rede de habitações, que se erguiam várias centenas de metros pela parede acima. Ao contrário das organizadas habitações dos Anasazi que estudara no Novo México, habitações com terraços definidos e conformações geométricas, as habitações que via na cavidade eram mais rudimentares, toscas, uma série aleatória de cavernas irregulares.

Blakely prosseguiu, quando a reação do público esmoreceu até um murmúrio baixo.

— Infelizmente, não estava ninguém em casa. — Um riso nervoso percorreu a sala. — Mas encontrámos muitos artefactos. — Avançou pela série de slides seguintes. Um deles apresentava a figura da fertilidade de diamante.

Ashley sentia-se atordoada quando se voltou a recostar no seu lugar. Ergueu a mão.

— Desculpe, doutor Blakely.

Ele fez-lhe sinal com um aceno, depois parou para beber água.

— O local já foi datado? — perguntou ela.

Ele engoliu, ao mesmo tempo que acenava com a cabeça.

— Fizemos uma datação por carbono inicial. Tanto quanto pudemos avaliar, cerca de 5,2 milhões de anos.

— O quê? — Ashley saltou do lugar pela segunda vez. — Isso é impossível.

— Foi repetida por vários laboratórios — respondeu ele com um sorriso condescendente.

Todos os olhos no auditório estavam agora fixos nela. Um técnico de luz até a destacou com um pequeno holofote. Ela protegeu os olhos com a mão.

— Mas os primeiros hominídeos, os mais antigos antepassados do homem moderno, só surgiram no planeta há quatro milhões de anos. E esses primeiros hominídeos não tinham nem as ferramentas, nem a estrutura social para construir algo assim.

Blakely encolheu os ombros.

— É por isso que aqui estamos. — Clicou para o slide seguinte. Uma fotografia de um túnel na base da parede, como um olho negro aberto de surpresa. — Estas galerias partem desta câmara colossal em muitas direções diferentes, ligando outras cavernas e túneis. Acreditamos que numa destas passagens estão as respostas às perguntas feitas pela professora Carter. Quem construiu as habitações? Quem fez as esculturas? Onde estão agora?

O público permanecia atónito, silencioso. Ashley voltou a sentar-se, ainda em choque.

— Reuni uma pequena equipa para iniciar a exploração. O grupo será liderado pela professora Ashley Carter, especialista em antropologia e arqueologia. Os restantes membros da equipa destacam-se nos respetivos campos.

Blakely apontou para uma mulher loura, sentada a várias cadeiras de distância de Ashley.

— A acompanhar a equipa estará a professora Linda Furstenburg, professora de biologia da Universidade de Vancouver, para estudar a biosfera única que descobrimos ali em baixo. Um geólogo, Khalid Najmon — disse, com um aceno de cabeça na direção de um árabe, sentado de pernas cruzadas do lado esquerdo de Linda. — Ele, como muitos sabem, irá ajudar-nos a mapear as riquezas por baixo do gelo antártico. As suas descobertas poderão mudar a maneira como olhamos para este continente.

Blakely terminou destacando outros dois homens sentados na primeira fila.

— Da longínqua Austrália, Benjamin Brust, o famoso espeleólogo irá mapear os pormenores intrincados deste sistema de grutas único. E o cavalheiro bem vestido de uniforme é o major Michaelson dos Marines dos EUA que, com outros dois militares bem treinados, irá acompanhar a equipa para os ajudar com a logística e fornecer proteção.

Acenou com um braço de modo a abarcar o grupo à sua frente.

— Senhoras e senhores, eis a vossa equipa. — Um murmúrio de aprovação crepitou entre a multidão.

Ashley tentou afundar-se ainda mais no seu lugar.

Depois de terem sido explicados mais alguns pormenores e respondida uma mão-cheia de perguntas, a reunião terminou. Satisfeito, Blakely desceu do palco.

Na sala adjacente, suspirou e desapertou a gravata. A primeira parte chegara ao fim. Roland, que já era seu assistente há quinze anos, entrou na sala com a caixa dos slides. Blakely acenou-lhe com a cabeça.

— Correu muito bem — disse Roland, ao mesmo tempo que colocava os slides nas caixas. — Os representantes do governo e os restantes investidores financeiros pareceram muito satisfeitos.

— Sim — disse Blakely com um sorriso cansado. — Também me pareceu. — Tirou o casaco e deixou-o cair numa cadeira próxima. Sentou-se noutra.

Roland pousou a caixa dos slides noutra caixa de cartão.

— Ninguém desconfiou sequer que já houve outra equipa exploradora.

Blakely encolheu os ombros.

— Não precisam dessa informação para já.

— Mas e se…

— Desta vez estamos muito mais bem preparados. Não te preocupes. Não vamos perder esta equipa.