CAPÍTULO 8
Sete da manhã? Dir-se-ia antes meia-noite.
Ashley abanou a cabeça, olhando pelo para-brisas enquanto o veículo elétrico avançava aos solavancos. Dado o espaço apertado das grutas e o risco de carregar o ar de monóxido de carbono, os motores de combustão interna tinham sido proibidos, com exceção de algumas embarcações.
Por isso, os veículos de transporte semelhantes a carrinhos de golfe, a que o pessoal da Marinha chamara «Mulas», eram o único verdadeiro meio de transporte na Caverna Alfa.
Ashley esfregou o vidro embaciado da Mula. Só os faróis rompiam a escuridão à sua frente. Ao seu lado, com as duas mãos a agarrar firmemente o volante, seguia o doutor Symski, um jovem investigador sardento que só há pouco terminara os estudos.
Do banco de trás, sobre o zumbido do motor elétrico, os roncos de Ben irrompiam como tiros de caçadeira. Olhou de relance por cima do ombro. Como conseguiria ele adormecer assim? A viagem consistia numa excursão de uma hora por terreno acidentado. Um salto particularmente grande fê-la virar-se de novo para a frente.
O doutor Symski olhou-a de lado.
— Nem acredito que estou sentado ao lado da professora Carter — disse ele. — Já li a sua tese acerca dos penhascos de Gila. Um trabalho espantoso. E agora está aqui.
— Obrigada — disse ela. O jovem investigador tinha entusiasmo a mais para aquela hora da manhã. O café da manhã ainda não fizera efeito e o cheiro do ozono libertado pelas baterias do motor estava a deixá-la enjoada.
— Quem me dera que estivesse connosco desde o início. Temo que já não haja nada para explorar. Já percorremos, catalogámos, esquematizámos e explorámos cada centímetro quadrado. Está tudo nos documentos que lhe enviei a noite passada.
Ashley esfregou os olhos vermelhos. Estivera acordada até às quatro da manhã, para ler as resmas de dados. Duas horas de sono não prenunciavam uma manhã agradável.
— Quem me dera que mos tivessem enviado mais cedo por fax. Teria gostado de os ler de forma mais minuciosa antes de visitar o local.
— Lamento, mas tudo tem o selo confidencial. Recebemos ordem para restringir o acesso até à vossa chegada.
Ashley observou a estrada em frente, enquanto a Mula avançava lentamente pelas sombras.
— Maldito secretismo — resmungou.
— Vou mostrar-lhe as áreas principais quando chegarmos. Uma visita guiada, por assim dizer.
Para o diabo com aquilo, pensou.
— Ouça, doutor Symski, tenho a certeza de que a sua equipa foi muito precisa. Mas eu preferia explorar sozinha. Sentir o espaço. O estudo de um local envolve muito mais do que numerar e catalogar.
— Como assim?
Ashley inspirou fundo. Como explicar por palavras? Quanto mais se trabalha numa escavação, mais o local revela o seu próprio carácter — ou alma. Por exemplo, as habitações de Gila transmitiam uma «sensação» diferente das de Chaco Canyon. Parecia-lhe que aquela perspetiva acrescentava um nível único de conhecimento em relação a pessoas e costumes.
— Esqueça — disse ela. — É apenas o que eu faço.
O doutor Symski encolheu os ombros.
— Nesse caso, deixá-la-ei em paz. De qualquer modo, queria confirmar algumas medições.
Ashley acenou com a cabeça. Ótimo. Ele começava a dar-lhe cabo dos nervos.
Recostando-se no assento, permitiu que a estrada a embalasse. Precisamente quando já tinha os olhos meio fechados, o doutor Symski parou a Mula com uma travagem abrupta.
— Aqui estamos nós — disse.
Ashley olhou para o exterior. Não havia nada além de escuridão para lá do alcance dos faróis.
— Onde?
— Primeiro tenho de ligar o gerador.
Abriu a porta do seu lado e as luzes interiores do veículo acenderam-se. Ben despertou com um gemido sobressaltado.
— Já chegámos? — perguntou com a voz rouca, passando a mão pelo cabelo.
— Sim — disse ela, tentando carregar a voz com tanto desdém quanto possível. — Sabes, podias recuperar o sono no acampamento.
— E perder isto? Nem penses.
Ashley observou o jovem cientista de lanterna na mão a dirigir-se à parede oposta, onde se encontrava o gerador. Curvou-se e começou a mexer na unidade. Franzindo o sobrolho, Ashley desceu do veículo, na esperança de que os desajeitados investigadores militares não tivessem adulterado a escavação. Tinham sido tantas as vezes em que, no passado, pistas essenciais para a história das sociedades antigas foram espezinhadas por incompetentes.
Passados alguns instantes, o gerador tossiu, cuspiu, depois aquietou-se num ronco constante. Os projetores acenderam-se, ofuscantes depois da viagem na escuridão. A parede norte iluminou-se como um palco enorme.
— Uau — disse Ben enquanto descia, colocando-se ao lado dela.
Um andaime de estruturas metálicas e tábuas empenadas cobria a parede repleta de cavernas. As habitações subiam pela parede, em cinco níveis distintos; estimou que atingissem cerca de trinta e cinco metros de altura. Os níveis estavam ligados uns aos outros por uma série de apoios para as mãos ou degraus toscos. Esforçou a vista, olhando para a esquerda; as habitações escavadas na parede estendiam-se inclusivamente sobre o lago, com placas de pedra que se projetavam sobre as águas como alpendres.
— Que te parece, Ashley? — Ben estava de pé à sua esquerda.
— Podia passar anos aqui.
Ben acenou com a cabeça.
— Quem achas que construiu isto?
Ashley apontou para a parede.
— Uma coisa eu sei. Isto não foi construído pelo Homo sapiens.
— Quem?
— Por nós. Pelo homem moderno. Isto foi construído por uma espécie de homem anterior. Quer dizer, olha para o tamanho das cavernas. Nenhuma delas tem mais de um metro e vinte de altura. São demasiado pequenas para o homem moderno. Talvez o Homo erectus, mas mesmo assim duvido. — Deu por si a pensar em voz alta. — Uma tribo neandertal? Não sei. Nunca vi uma tribo neandertal construir tanto. E como é que aqui chegaram? — Encolheu os ombros. — Tenho de ver mais de perto.
— Não devíamos esperar pelo doutor Symski?
— Não creio que seja necessário. — Avançou em direção à parede, colocando na cabeça um capacete de mineiro.
Ouviu o som das botas de Ben quando este a seguiu.
O doutro Symski chamou-a.
— Tenham cuidado onde põem os pés. Há várias fendas, algumas bastante fundas.
Ashley acenou-lhe para que soubesse que o tinha ouvido, mas abanou a cabeça. Que pensaria ele? Que ela era uma estreante? Avançou mais depressa.
De súbito, algo a agarrou por trás. Instintivamente, projetou o cotovelo para trás de si.
— Ai! — disse Ben, libertando-a e recuando. — Só estava a tentar impedir-te de caíres num buraco. — Apontou para a frente dela, esfregando o plexo solar. — Que costumas fazer a essa coisa? Afiá-la?
Ashley cobriu o cotovelo com a mão, como se estivesse a tentar escondê-lo.
— Desculpa. — Mesmo depois de lhe terem chamado a atenção para ele, o buraco negro era quase impossível de distinguir da pedra preta. Contornou-o. — Não o vi.
— Podias ter torcido um tornozelo.
— Obrigada.
— Não tens de quê. Mas quando te voltar a tocar, tenta não me matar.
Ashley sentiu o rosto aquecer. Pigarreou, sentindo-se grata pela escuridão.
— Vamos ver as habitações mais em baixo — sugeriu, afastando-se dele. Não conseguia perceber se se sentia mais envergonhada pela sua gafe ou furiosa com a sua reação… ou outra coisa. Ele era tão diferente do seu ex-marido. Enquanto Scott, que nunca despia a sua pele de contabilista, era calmo e muitas vezes solene, raramente partilhando os seus pensamentos íntimos, os modos descontraídos e o bom humor de Ben eram perturbadores.
Chegaram a uma das entradas.
— Primeiro as senhoras — disse Ben.
Ashley evitou olhar para ele e agachou-se, iluminando o interior com a lâmpada do seu capacete. A câmara estendia-se por cerca de quatro metros e meio. As paredes sem quaisquer adornos tinham sido claramente escavadas na pedra e polidas. Passou a mão pela superfície interior lisa, impressionada com o engenho e a tenacidade dos primeiros homens. Com ferramentas rudimentares, teriam sido precisos anos para escavar cada uma das câmaras.
O interior, que não apresentava quaisquer pistas acerca dos seus ocupantes, estava vazio. Inclinando-se, entrou. Não custava nada dar uma vista de olhos.
O capacete raspou no teto enquanto ela avançava pela pequena abertura. Apercebeu-se de uma pequena cova no chão perto da entrada. Provavelmente uma fogueira antiga. Avançou até ao fundo da câmara. Nada. Sentou-se por um momento, pensando em quem teria construído aquelas casas.
— Encontraste alguma coisa?
Ashley ergueu os olhos para Ben, de capacete e agachado sobre um joelho junto à entrada. A sua figura bloqueava toda a abertura.
— É estranho — disse ela.
— O quê?
— Para onde foram todos?
Ben encolheu os ombros.
— Provavelmente morreram. Extinguiram-se. Como os dinossauros.
Ashley abanou a cabeça.
— Não. Isso não faz sentido, tendo em conta o estado do local.
— Como assim?
— Os primeiros exploradores só descobriram uma mão-cheia de ferramentas partidas e tigelas de pedra rudimentares. Normalmente estas povoações primitivas estão repletas de artefactos. Mas aqui… nada.
— Devem ter-se mudado, levando com eles as suas coisas.
— Precisamente! — Acenou com a cabeça, impressionada pela intuição de Ben. — Mas porquê partir? Porquê passar décadas a escavar este habitat para o abandonar em seguida? Então e a estatueta de diamante? Porquê deixá-la para trás?
Ben permaneceu em silêncio.
— Se ao menos pudesse passar mais tempo aqui. — Bateu com a mão aberta na pedra.
— Porquê? Parece que eles já passaram tudo a pente fino.
Ashley abanou a cabeça.
— Não. Com demasiada frequência deixam-se escapar pistas. Mesmo depois de anos de estudo. Preciso de mais tempo.
— Mas porquê dares-te a esse trabalho? Podemos encontrar muito mais respostas durante a nossa exploração.
— Espero que sim. — Ashley gatinhou até à entrada. Ben ofereceu-lhe a mão para a ajudar a sair. Ela aceitou, a mão dele era quente contra a palma fria da sua. Ben puxou-a para si. Surpreendida pela força dele, o pé esquerdo de Ashley deslizou na cova húmida da fogueira e caiu para trás, aterrando no buraco e arrastando Ben para cima de si.
O nariz de Ben ficou a poucos centímetros dos seus seios. Ele ergueu os olhos para ela.
— Não me vais voltar a bater, pois não?
— Desculpa. Escorreguei. — Ashley corou violentamente, o corpo dele pesado sobre o dela.
Ben pigarreou.
— Não são precisas desculpas — disse, sorrindo-lhe. — Mais alguns deslizes assim e podemos ser obrigados a casar.
Ela fitou-o com uma careta.
— Sai mas é de cima de mim. — Ashley pretendia ser firme, mas não conseguiu fazê-lo na perfeição.
De súbito, sem qualquer controlo, começou a rir. Não conseguia evitá-lo. E não conseguiu parar.
— Estou a falar a sério… — disse entre gargalhadas. — … Sai de cima!
Olhando para ela com uma expressão estranha, Ben saiu de cima dela.
— É bom ouvir-te rir.
Ashley limpou uma lágrima dos olhos, ainda agitada por ocasionais ondas de gargalhadas. Pousou a cabeça no chão, tentando recuperar o fôlego. Fitou o teto. E viu-a. Ali, no teto, por cima da entrada.
— Raios!
Semicerrou os olhos, fitando o teto de novo. Não era imaginação sua.
— Raios!
Sentou-se.
— Que foi? — perguntou Ben com uma expressão de preocupação estampada no rosto.
— Aqueles idiotas disseram que tinham vasculhado cada centímetro quadrado deste local. Não há obras de arte. Não há pinturas rupestres. — Apontou para o teto. — Então que raio é aquilo?
Ben inclinou-se e virou a cabeça.
— O que é o quê?
— Tens de te deitar. Acho que foi por isso que ninguém a viu. — Afastou-se para o lado, para que ele se pudesse deitar ao lado dela. Apontou com a luz do capacete. — Ali mesmo! Olha!
A gravura rudimentar destacava-se no círculo de luz. Apenas com a dimensão de uma mão, estava cinzelada no teto uma oval cortada por uma linha irregular, como um relâmpago.
Ben estendeu o braço e, com um assobio prolongado, deslizou o dedo por ela. As suas palavras seguintes foram um sussurro.
— Sabes, isto parece-me familiar.
— Como assim? — Ashley estava à espera de ouvir uma piada.
— Já vi algo assim. Foi o meu avô que me mostrou.
— Estás a brincar?
— Não, estou a falar a sério. — A sua voz soava genuína. Quase espantada. — A minha bisavó era gagudja, uma tribo aborígene da região de Djuwarr. Já to tinha dito?
— Não.
Ben sorriu a centímetros do nariz dela.
— Juro por Deus, minha dama.
O homem parecia ter mais lados do que o Pentágono. Isso ou estava a contar-lhe uma bela história da carochinha. Ashley estudou-o e apercebeu-se de que os seus olhos azuis estavam muito sérios. Engoliu em seco e virou-se de novo para o desenho no teto.
— Lembra-te alguma coisa em específico?
Ele encolheu os ombros, tocando num dos dela.
— Não é bem o mesmo. Mas dá uns ares do símbolo gagudja para um dos seus povos-espíritos. Um dos mais antigos, chamados mimi.
Ashley analisou a informação. Poderia haver ali alguma ligação? Talvez uma tribo aborígene perdida? Mas aquelas habitações datavam de há cinco milhões de anos. Eões antes do surgimento dos aborígenes no continente australiano.
Franziu o sobrolho perante o desenho oval. Provavelmente não passava de uma coincidência. Já testemunhara a universalidade de alguns símbolos entre outras culturas. Seria esse o caso? Raios, o símbolo era bastante básico.
— Estes espíritos mimi — perguntou. — Que tipo de espíritos eram?
— Não passam de disparates. Histórias.
— Não, continua. Os mitos têm frequentemente uma ponta de verdade. Diz-me.
Ben tocou nas paredes da gruta.
— Os mimi eram espíritos que viviam nas rochas.
Ashley sentiu um arrepio percorrer-lhe a coluna, ao notar que estavam rodeados de pedra.
— Os mimi ensinaram os primeiros bosquímanos a caçar e a pintar. Eram muitíssimo reverenciados. E…
Nesse preciso momento, o doutor Symski regressou, erguendo-se aos seus pés.
— Que estão a fazer? — A sua voz era simultaneamente crítica e embaraçada.
Consciente da sua estranha posição, Ashley saiu apressadamente.
— Pensei que já tinham analisado esta área.
— Analisámos. Porquê?
Ashley apontou para o espaço ao lado de Ben.
— Vá ver. No teto.
O cientista gatinhou para junto do australiano.
— Meu Deus! — exclamou ao olhar para o local indicado por Ben. — É espantoso. Credo, o que acha que significa?
— Não faço ideia — respondeu Ashley de mãos nas ancas —, mas tenciono descobrir.
Sentada num cobertor, Linda observava a água do lago cristalino a bater nas rochas ao longo da margem a cerca de um metro de distância. As águas, transparentes como vidro, fervilhavam com peixes pequenos e outras espécies marinhas. Um cesto de piquenique, preparado pelo cozinheiro da messe, estava aberto ao seu lado. Duas sandes meio comidas repousavam num prato de papel. Mortadela e queijo.
— Parecem pequenos monstros — disse Jason.
Sorrindo, Linda olhou de relance para o rapaz que se debruçava sobre o microscópio portátil Nikon que ela levara, observando uma amostra de água retirada do lago.
— As figuras cónicas chamam-se ciliados tintinídeos — disse. — As mais quadradas são diatomáceas.
— Que são? Algum tipo de inseto?
— Na realidade não. Assemelham-se mais a plantas. Trata-se de uma família de organismos chamados fitoplâncton. Absorvem a luz solar e convertem-na em energia, como as plantas.
— Mas se precisam de luz solar… como as plantas… — Jason voltou-se para olhar para ela, o rosto cerrado numa máscara de concentração. — Como é que conseguem sobreviver aqui em baixo, no escuro?
Linda despenteou-lhe o cabelo.
— Essa é uma pergunta muito boa. Não tenho a certeza. Mas acredito que exista uma corrente subterrânea que transporta o plâncton das águas da superfície para este lago subterrâneo. A água é muito salgada. Como se fosse água do mar diluída.
— Que têm de tão importante… estes… — Jason apontou para o microscópio — … insetos?
Enquanto considerava as implicações, Linda permitiu que o seu olhar deslizasse pelo acampamento. Apercebeu-se de um aumento de atividade entre o pessoal militar junto à ravina que dividia a base. Provavelmente um exercício de treino.
— Então? — perguntou Jason, voltando a chamar-lhe a atenção.
Linda virou-se de novo para o rapaz.
— Queres uma aula de ciências?
— Claro! — respondeu ele, entusiasmado.
— Está bem, tu é que pediste. — Ela sorriu-lhe, gostando daquele carácter inquisitivo. — Este plâncton é o componente básico da vida. Em terra firme, a erva converte a luz solar em energia. Depois a vaca come a erva. Depois nós comemos a vaca. É assim que a energia do Sol chega até nós. No mar, é o fitoplâncton que transforma a luz solar em energia. O fitoplâncton é comido por criaturas pequenas, como as alforrecas, as esponjas e os corais… — Linda apontou para os vairões que nadavam junto à costa — … que, por sua vez, são comidos por aqueles peixinhos. Depois peixes maiores comem os peixinhos. E por aí em diante. De tal maneira que, mesmo no mar, a energia da luz solar é passada de uns para os outros. Compreendes?
— Então esta coisa do plâncton é como a nossa relva.
— Exatamente. São os campos relvados onde germina este ecossistema.
Jason acenou com a cabeça.
— Fixe.
— Portanto, demos o primeiro passo e determinámos que a água está viva. Em seguida, depois de terminarmos as nossas sandes, temos de apanhar algumas das criaturas que vivem na água. Vi algumas estrelas-do-mar perto da margem, ali ao fundo, bem como algumas esponjas. Queres ajudar-me a apanhar umas quantas?
— Pode crer!
— Mais tarde, um dos Marines prometeu que nos apanharia também um daqueles peixes brilhantes. — Linda estava curiosa em relação às propriedades fosforescentes daqueles grandes peixes. Nunca tendo visto nada assim, sentia-se entusiasmada com a perspetiva de classificar uma nova espécie de peixes.
— Porque não começamos já? — Jason começou a erguer-se. — Eu vi algumas…
— Espera lá, meu jovem. — Linda apontou para o prato. — Primeiro, tens de terminar o teu almoço. És responsabilidade minha até ao regresso da tua mãe.
Jason fez um trejeito com os lábios e voltou a sentar-se no cobertor.
— Oh, está bem.
Entregando a Jason a sandes dele, Linda deu uma dentada na sua.
— Mas vamos despachar-nos. Temos peixes para apanhar!
— Dos grandes — acrescentou ele com um ligeiro sorriso.
— Os maiores. Podíamos comê-los ao jantar.
— Peixes que brilham? Blah!
— Então, rapaz, não desdenhes. Se as luzes se apagarem, pelo menos consegues ver o que estás a comer.
Aquilo fê-lo rir. Linda sorriu, quase esquecendo os quilómetros de pedra que se estendiam sobre a sua cabeça.
Ben observou Ashley curvar-se e estudar o local do altar. Aquela mulher tinha umas curvas diabolicamente bonitas. Tirou o capacete e limpou a testa húmida com um lenço vermelho. Estava a fazer-se tarde. O estômago já roncava. Felizmente, aquela era a última câmara que faltava investigar.
Suspirou ao ver Ashley sacar da fita métrica.
— Outra vez, não — praguejou num sussurro. Desde a descoberta daquela manhã que sentia que estava a mais, arrastando-se atrás de Ashley e do doutor Symski enquanto estes exploravam. Parando em cada câmara para medir, raspar, recolher amostras. Entediante. Esperara conseguir passar mais algum tempo a sós com Ashley. Mas depois da descoberta da gravura, os dois cientistas eram como cães de caça atrás de um rasto. Nada os conseguia distrair. Nem uma piada, nem uma tirada sarcástica. Ele era praticamente invisível.
— Então foi aqui que descobriram a estatueta de diamante? — Ashley ajoelhou-se ao lado do altar de pedra. Erguia-se como um cogumelo do piso de uma das câmaras. — O pedestal foi esculpido na pedra do local. O que sugere que os seus construtores criaram esta câmara com um propósito em mente. Todas as outras câmaras têm neste lugar as covas das fogueiras. — Ashley apontou para o teto. — Além disso esta é a única que não tem um símbolo oval por cima da porta.
Ben erguia-se na pequena protuberância na rocha que funcionava como degrau para a câmara. Olhou de relance para as águas bem abaixo. A câmara ficava no nível mais elevado e localizada na secção do penhasco que se erguia sobre o lago. Sem os andaimes, teria sido uma subida difícil, mesmo para ele.
Ashley virou-se para o doutor Symski agachado no fundo da caverna.
— Quando os seus investigadores encontraram a estátua — perguntou —, ela estava virada para fora ou para dentro?
— Bem. — Ele arrastou os pés. — Sabe, houve um acidente. O primeiro homem a entrar aqui fê-la cair. Não sabemos para que lado estava virada.
Ashley bateu com a mão no altar de pedra.
— Que outros pormenores essenciais é que estragaram?
O doutor Symski corou.
Ben, sentindo-se irritado com tanta picuinhice, interveio.
— Que diferença faz? Se estava virada para dentro ou para fora, ou se estava deitada de costas?
Ashley, de olhos semicerrados, virou-se para ele.
— Faz toda a diferença do mundo. Este é o único artefacto significativo da escavação. Deve ter sido de grande importância para a cultura que aqui habitava. Se estava virado para fora, provavelmente era um amuleto protetor, usado para manter à distância os espíritos maus. Se estava virado para dentro, provavelmente era um objeto de adoração, usado em rituais.
Ben coçou atrás da orelha, um fio de suor a escorrer-lhe de baixo do capacete.
— No grande esquema das coisas, que diferença faz se era um amuleto ou um ídolo? Como é que isso vai resolver o mistério maior do desaparecimento de todos?
Ashley abriu a boca para responder, depois fechou-a de forma abrupta e quase audível.
— Desisto — foi tudo o que balbuciou, enquanto passava por ele e iniciava a descida.
Ben arrependeu-se imediatamente do seu comentário.
— Espera — chamou, descendo atrás dela. O doutor Symski seguiu-os.
— Para o diabo com os dois! — gritou ela sem sequer olhar para trás.
Foi uma viagem silenciosa de volta à Base Alfa.
Ben afundou-se no seu lugar. O início do dia tinha corrido tão bem. Ashley parecia mesmo ter começado a engraçar com ele. Até a conseguira fazer rir. Ali, por um momento, ela parecera realmente interessada naquelas velhas histórias do seu avô. Realmente interessada nele.
Fitando o seu perfil, ligeiramente inclinado na direção da janela, franziu o sobrolho, cerrando um punho. Raios, depois de ter enfiado os pés pelas mãos, tinha arruinado as suas hipóteses. Por completo. Olhou para fora, enquanto a Mula atravessava a escuridão em direção às luzes distantes da base, o ambiente tão negro dentro do veículo como fora.