CAPÍTULO 9
— Mãe, devias ter visto o peixe que nós apanhámos. — Jason abriu os braços tanto quanto lhe foi possível, quase batendo em Linda, que estava sentada ao seu lado à mesa de jantar. — Era maior do que isto.
— Isso é um peixe e tanto — disse Ashley.
— Era fosforescente! Isso quer dizer que brilhava.
Ashley reparou que ele escolhera sentar-se ao lado de Linda ao jantar. Os dois deviam ter tido um dia espantoso juntos.
— Era azul. Com uns dentes enormes.
— Parece muito esquisito, amigo — disse Ben ao entrar na sala de jantar, o cabelo ainda húmido do banho. — Um verdadeiro gambozino.
— Olá, Ben! — disse Jason, saudando-o com um sorriso gigantesco. — Devias ter estado lá.
— Desculpa, campeão — disse Ben. — Tive de ajudar a tua mãe. — Sentou-se, deixando algumas cadeiras de intervalo entre ele e Ashley.
Ela percebia porque escolhera sentar-se tão longe. Brincou com as ervilhas que tinha no prato, sabendo que tinha sido uma verdadeira cabra à tarde.
Talvez devesse pedir desculpas pela sua explosão anterior. Abriu a boca para falar quando a porta da sala de jantar se abriu e Khalid entrou.
— Boa noite a todos — disse, avançando para se sentar do outro lado de Linda. — Desculpem o atraso, mas cruzei-me com o doutor Blakely e ele pediu-me que vos dissesse que ia tratar de algumas questões de última hora e não se juntaria a nós para jantar.
Ashley apercebeu-se de que faltava outra pessoa.
— Alguém sabe do Michaelson?
— Sim — disse Linda, erguendo uma mão. — Bem, não diretamente. Um Marine que nos ajudou a pescar hoje disse-me que o major Michaelson estava alojado na secção militar da base. Do outro lado da ravina.
— Por que razão? — perguntou Ashley. — Temos bastante espaço aqui. O edifício está praticamente vazio.
— Suponho que esteja a preparar os outros dois homens para a viagem — disse Linda. — Os nossos guardas.
Que bom, pensou Ashley, mais dois homens armados a acompanhá-los na excursão, mas aquela não era a melhor altura para protestar. Era a véspera da sua aventura. Além disso, enquanto líder, devia dizer qualquer coisa. Algo dramático. Algo inspirador. Mas a sua mente era um vazio. Pousou o garfo. Tinha de dizer alguma coisa.
Observou os outros a terminarem o jantar e lutou para encontrar as palavras certas enquanto os colegas de equipa jantavam e conversavam descontraidamente. Depois de Ben ter limpo o molho do prato com uma fatia de pão e ter dado uma palmadinha na barriga com um suspiro, Ashley continuava sem fazer ideia do que dizer. Para o diabo com as palavras «certas».
Ashley pigarreou.
— Eu… gostaria de… fazer um brinde. — Ergueu o copo de água e levantou-se. Os outros fitaram-na expectantes. — Nos últimos dias, tivemos de lidar com muitas coisas inesperadas. E acho que todos nos sentimos algo espezinhados, mas amanhã embarcamos numa viagem durante a qual o sucesso da nossa missão dependerá da nossa capacidade de trabalharmos como uma equipa. E, por muito que o Blakely me irrite pessoalmente, acho que reuniu uma equipa dos diabos. Por isso — disse, erguendo um pouco mais o copo — um brinde a nós. À equipa.
— À equipa! — ecoou o grupo, erguendo as respetivas bebidas.
— Sim, a vocês, rapazes! — disse Jason, bebendo da sua cola.
Linda despenteou-lhe o cabelo.
— Então e as raparigas?
Jason corou.
— Sabes o que eu quis dizer.
— Eu sei. — Linda inclinou-se e deu-lhe um beijo no rosto. — Obrigada.
Jason tinha, entretanto, ficado com um desconfortável tom púrpura.
Enquanto Ashley sorria perante a confusão do filho, sentiu uma mão no ombro. Ben estava atrás dela. Inclinou-se e sussurrou-lhe ao ouvido.
— Queria falar contigo. Podes dar um pequeno passeio depois de jantar?
— Hum… — Ashley hesitou, tendo sido apanhada desprevenida. Aquela era a última coisa que esperara. — Tenho de deitar o Jason.
— Bem, e se for depois disso? Preciso apenas de alguns minutos.
— É importante? Não pode esperar por amanhã de manhã?
— Bem, eu preferia tirar este peso de cima de mim esta noite.
— Claro — disse ela, relutantemente —, acho que posso ir ter contigo daqui a um bocadinho. Que tal meia hora?
— Ótimo. Encontramo-nos à porta. Vou buscar um casaco.
Ashley acenou e viu-o afastar-se.
— Jason, vamos subir para o quarto.
O filho, cuja cor se aproximava mais do normal agora que a atenção de Linda se virara para Khalid, afastou a cadeira com um ruído agudo.
— Posso ver televisão?
— Claro, mas só meia hora, depois, cama. — Envolveu-o com o braço, apertando-o contra si, e acenou aos outros dois. — Vemo-nos pela manhã.
Linda acenou-lhe com uma mão e Khalid com a cabeça.
Depois de ter instalado Jason em frente de uma repetição de Gilligan’s Island, Ashley vestiu uma camisola amarela.
— Volto num instante.
Jason acenou-lhe enquanto ela saía, os olhos nunca deixando o ecrã da televisão.
Ashley empurrou a porta e saiu para o exterior, tendo visto Ben a falar com um guarda. O australiano acenou ao Marine e avançou para ela.
— Obrigado por teres vindo.
Ashley envolveu o peito com os braços.
— Então?
— E se fôssemos até àquela ravina? — Ben apontou na direção da extremidade oposta do campo. — Ouvi dizer que aquele sítio é do melhor para namorar.
Ashley pôs as mãos nas ancas.
— Se pensas… não foi para isso que vim até aqui.
Ben sorriu-lhe.
— Só estava a brincar.
— Então querias falar de quê?
— Vá lá. Vamos andar. Quero mesmo ver aquele abismo. Quase não o consegui ver quando o atravessámos ontem. — Ofereceu-lhe o braço. — Vá lá.
Ashley ignorou o braço e arrancou à sua frente.
— Não posso ficar fora muito tempo. O Jason ficou acordado à minha espera.
Ben alcançou-a e estugou o passo para se colocar ao seu lado.
— Em relação a esta tarde…
Ashley ergueu uma mão.
— Eu sei, eu sei. A minha reação foi exagerada.
— Não, de todo, eu estava a ser um idiota.
Ashley virou-se para ele.
— É isso que pensas?
— Sem dúvida. Estava a meter o meu grande nariz onde não era chamado.
Ela estudou os olhos sérios e a linha determinada do seu maxilar iluminada pela luz da lanterna.
— Estás a ver — disse ela com um aperto na garganta a dificultar as suas palavras. — É isso que me incomoda mesmo.
— O quê? — Ele tocou ao de leve na mão dela, mas ela afastou-se.
— Era suposto eu ser a grande líder. Guiar e motivar a equipa. Mas uma simples pergunta faz-me explodir. Mas que líder que eu sou. — A voz dela falhou ligeiramente.
— Então, não te censures. — Ben estendeu ainda mais o braço e agarrou a mão dela. O toque incendiou-a como um choque elétrico. Ashley fez uma débil tentativa para se libertar, mas ele segurava-a com demasiada força. — Ouve, Ash, tinhas pouco tempo. Raios, só tinhas um dia para explorar as ruínas, e eu tinha de te distrair com perguntas parvas.
— As tuas perguntas não eram parvas. A minha resposta é que foi. — Tentou libertar a mão, mas, quando a puxou, ele aproximou-se mais. — Eu… — Como brilhavam os olhos dele à luz da lanterna. — Eu… acho que seria melhor continuarmos o nosso passeio. — Por fim, libertou a mão.
— Sim. — Ele afastou os olhos dela. — Tens razão.
Continuaram a atravessar o acampamento em silêncio.
O silêncio depressa se tornou doloroso.
— Sabes — disse Ashley —, agora que tive tempo para pensar nisso… o que mais me irritou esta tarde foi o facto de teres razão.
— Sobre o quê?
— A estátua. A verdade é que não fazia diferença o lado para que a estátua estava virada. Por vezes, fico de tal forma presa aos pormenores que perco de vista o quadro geral. E, quando me chamaste a atenção para isso, explodi. Desculpa.
— Ei, estavas sob muita pressão. Além disso, gosto de pessoas que dizem o que pensam. — Ela sorriu. — Pessoas como tu — acrescentou ele num sussurro.
— Obrigada, Ben. — Contornaram um barracão Quonset e viram a falha negra que se abria no chão mais à frente. À sua esquerda, uma ponte iluminada atravessava a ravina.
Mal avançaram para a zona iluminada, um guarda gritou-lhes a partir da ponte.
— Parem, imediatamente. — A arma virada na sua direção reforçava o aviso. — Esta é uma área de acesso restrito.
— Ora, ora — sussurrou Ben num aparte para ela, quando um segundo guarda se aproximou. — Já percebi por que razão todos pensam que este é um lugar romântico.
O guarda de rosto duro verificou a identificação de ambos.
— Podem passar. — Virou-se para o outro guarda na ponte e fez-lhe sinal com o polegar espetado. — Desculpem pelo susto, mas estamos a reforçar a segurança.
— Porquê? — perguntou ela.
— Lamento, minha senhora. Mas essa informação é classificada. — Virou-lhes costas e regressou à ponte.
Ashley virou-se para Ben.
— Que pensas disto?
Ele encolheu os ombros.
— Vá-se lá perceber os militares. Bando de palhaços.
— Eu sei. Não me importava nada de os empurrar todos para aquele maldito abismo.
— Ena, quem diria? Temos algo em comum. — Ben girou sobre os calcanhares de um modo muito militar para regressar ao dormitório. Ofereceu-lhe o braço.
Desta vez, Ashley aceitou a oferta.
Blakely espreguiçou-se, inclinando-se para longe da consola. Olhou de relance para o relógio na parede. Passavam poucos minutos da meia-noite. Aquilo é que era trabalhar até à última. A equipa partiria dentro de nove horas.
— Todas as luzes estão verdes — disse uma voz atrás de si. — Finalmente.
Virou-se para o diretor de comunicações, o tenente Brian Flattery.
— Eu sabia que aquelas placas de circuito iam resolver o problema — disse. — Com a rede de comunicações intacta, seremos capazes de comunicar com a minha equipa em qualquer parte do planeta.
— Isso é bom — disse Flattery. — Ainda assim…
— Não te preocupes. Desta vez será diferente.
Flattery olhou de relance para o chão.
— Nunca encontrámos o corpo do Wombley. Só aquela poça de sangue.
— Eu sei, eu sei.
— E continuamos sem notícias da outra equipa. Já lá vão três meses. E o que dizer dos outros desaparecimentos?
Blakely ergueu uma mão. Tinha ouvido murmúrios semelhantes por todo o acampamento.
— Desta vez estamos preparados. Manteremos uma comunicação regular.
— Não acha que eles deviam conhecer o risco que vão correr?
Blakely encolheu os ombros.
— O major Michaelson e os seus dois homens sabem. Isso é o mais importante. Suponho que vá ter de partilhar alguns pormenores com o resto da equipa, mas eles não precisam de saber tudo. Desta vez, vamos avançar com conhecimento prévio dos riscos. Estamos adequadamente armados.
— Não o sabemos com toda a certeza.
Blakely semicerrou os olhos, fitando a fila de luzes verdes na consola de comunicações. Bateu numa luz que piscava. Esta estabilizou no verde.
— Não temos nada com que nos preocupar.