CAPÍTULO 10
A mochila era pesada, as alças almofadadas cortavam os ombros de Ashley. Ela encolheu os ombros para a retirar e pousou-a aos seus pés. Pesada, mas suportável. Viu Linda fazer uma careta enquanto tentava ajustar a sua nos ombros. Ashley aproximou-se dela e empurrou a mochila mais para cima sobre as costas de Linda.
— Leva-a assim, não será tão mau.
Linda sorriu, mas rugas de preocupação continuavam a marcar-lhe a testa.
— Obrigada. Só tenho de me habituar.
Ashley acenou com a cabeça. Temos todos, pensou.
Ashley conduziu Linda na direção do grupo que se reunira junto do rádio da equipa. Blakely estava a explicar o seu funcionamento a Ben, a Khalid e ao major Michaelson.
— Esta rede de recetores e transmissores opera numa frequência ultrabaixa. Enterrados e dispersos, seremos capazes de comunicar através de quilómetros de rocha.
O major Michaelson pegou no rádio, calculando o seu peso.
— É do género dos transmissores enterrados que guiam os nossos submarinos.
— Exatamente o mesmo princípio. Baixo nível de reverberações. O sistema foi testado e saiu-se bem.
— Com que frequência estabelecemos contacto? — perguntou Ashley ao aproximar-se.
— Três vezes por dia. A horas marcadas — respondeu Blakely. Apontou para o rádio. — Este é o equipamento mais importante que vão levar convosco.
O major Michaelson tocou na pistola presa à cintura.
— Este é o meu equipamento mais importante.
Ben fungou.
— Estão ambos errados. O que mostra a vossa falta de experiência espeleológica. — Apontou para o cinto com o seu anel de pilhas. — Este é o equipamento mais importante. Sem pilhas, não há luz. Sem luz, não conseguimos ver para onde estamos a disparar, e não há rádio no mundo que nos consiga guiar para fora de um buraco. — Agarrou no cinto de pilhas. — Esta é a nossa linha vital.
Agora, todos olhavam agora para Ben.
— Claro que — disse este, retirando um rolo de papel higiénico da mala — isto aqui também é muitíssimo importante.
Ashley sorriu e Linda suprimiu uma pequena gargalhada. Ben tinha os seus momentos; não o podia negar.
— Então e a água? — perguntou Khalid, erguendo-se da posição agachada que assumira junto ao rádio. — A desidratação é um grande perigo, não é?
— Mais ou menos. Mas a maioria dos sistemas de grutas têm água potável com abundância. Basta que conserves o cantil entre as fontes de água.
Ashley cerrou os dentes. Rádio, armas, pilhas, água. A falta de qualquer um desses elementos poderia pôr fim à missão. Eram demasiadas variáveis para o seu gosto.
Os restantes elementos guardados nas suas mochilas foram explicados em seguida. Alimentos desidratados em embalagens de alumínio, fluido de substituição de eletrólitos, um colchão de ar comprimido para dormirem, um kit de primeiros socorros, uma pequena bolsa com produtos de higiene e, em cima disso tudo, um rolo de corda grossa. Além da mochila, cada elemento tinha um arnês leve de escalada com um saco de giz para secar as mãos e um capacete com uma lanterna de carboneto.
A mochila de Ben continha algum equipamento de escalada adicional: mosquetões, fita expresso de escalada e ancoragens. A necessidade desse equipamento era óbvia para Ashley. A mochila do major Michaelson, contudo, assustava-a. Continha mais quatro pistolas, uma espingarda retrátil e caixas e mais caixas de munições envoltas em tecido encerado.
Como se isso não bastasse, a equipa tinha sido apresentada aos outros dois elementos da expedição — o major Skip Halloway e o major Pedro Villanueva. A insígnia de uma águia a agarrar um tridente que traziam ao ombro anunciava a sua especialização. Navy Seals, a elite. Também eles levavam armas à cintura e transportavam duas mochilas. Uma carga pesada, mas pareciam máquinas musculadas, cavalos de tiro com armas.
Ben deu-lhe uma cotovelada.
— Que raio de poder de fogo levamos connosco.
Ashley acenou com a cabeça.
— Não gosto disso.
— Já ouvi falar desses Seals. Nunca vão a lado nenhum sem um arsenal do outro mundo.
Ashley mordeu o lábio inferior.
— Porque achas…?
Blakely interrompeu-os.
— A partir daqui, a professora Carter assumirá a liderança. A palavra dela valerá tanto quanto a minha.
Ashley apercebeu-se de um sorriso trocista do Seal ruivo, Skip Halloway. Este deu uma cotovelada ao amigo, cuja expressão se manteve impassível. De cabelo e olhos negros, Pedro Villanueva era tão difícil de ler quanto uma laje de mármore.
Ela suspirou. Que maravilha, mais dois machões que teria de manter sob controlo. Apercebeu-se de que não era a única a observar os recém-chegados. O rosto de Khalid estava ensombrado por uma expressão particularmente severa enquanto estudava os Seals. Depois os seus lábios reviraram-se nos cantos de um modo desagradável. Virou-se para sussurrar algo ao ouvido de Linda. Ela sorriu, disfarçando uma gargalhada com a mão.
— Então — disse Ben — estás pronta para conduzir este grupo de aventureiros desgarrados até ao coração do mundo?
— Neste momento, só espero que não haja um motim.
Ashley avançou para a pequena abertura na parede sul da caverna. Fitou o túnel minúsculo. Designado como wormhole, parecia-se mais com um túnel de esgoto. A entrada negra tinha apenas setenta e cinco centímetros de altura. Agachou-se e apontou a lanterna para lá. Com a mochila às costas, calculou ela, seria quase impossível gatinhar através daqueles buracos.
Para responder a este enigma, foi apresentada a derradeira peça de equipamento. Blakely entregou-lhe uma prancha de plástico com rodas.
— Um skate? — Ashley fez girar uma roda com a palma da mão.
— Prefiro chamar-lhes trenó de transporte — disse Blakely. — Especificamente concebido para estes túneis inclinados. Espere, deixe-me mostrar-lhe. — Pegou noutra das sete pranchas fluorescentes. Bateu na superfície da prancha com a mão aberta. — Plástico de alto impacto, tanto a prancha como as rodas. Os rolamentos são feitos de titânio, resistente à corrosão. Perfeitos para o terreno e a humidade. Basta soltar este fecho. Assim. E a prancha estica de modo a ficar do comprimento do tronco, o que permite que se desloquem de barriga para baixo, usando aos mãos enluvadas e os pés para obterem propulsão e travarem.
— Uma espécie de prancha de surf — disse Ben —, mas em terra.
— Bem, sim, suponho que essa analogia esteja correta. Uma vez percorrido o túnel, a prancha pode ser fechada, para voltar ao tamanho original, e guardada numa mochila. Cada prancha foi feita à medida do seu utilizador. Os nomes foram gravados na parte de trás de cada uma delas. E são todas de cores diferentes para facilitar a identificação.
Ashley experimentou soltar e fechar a prancha. Fácil e, felizmente, leve. Toda aquela tecnologia só para deslizar através daqueles túneis inclinados.
— Doutor Blakely — perguntou Linda —, como apareceram estes wormholes? São tubos de lava?
— Sim e não — disse Blakely. — É verdade que esta área está cheia de tubos de lava, uns não são maiores do que um punho e outros são tão largos como um homem. Mas os tubos de lava são, por norma, rugosos e irregulares, como acontece com grande parte dos tubos aqui à volta. No entanto, os tubos com este diâmetro — e apontou para o wormhole — são exceções. São de tamanho uniforme e foram polidos até ficarem notavelmente lisos. Como e porquê? — Encolheu os ombros. — Mais um mistério para resolver.
— Até onde foram na exploração? — perguntou Ashley. Claramente já tinham estudado muitos outros túneis.
— Estes wormholes estendem-se desde a sala central, como raios de uma roda. Alguns não passam de becos sem saída. Mas a maioria, como este, vão dar a uma série de cavernas interligadas que se estendem cada vez mais profundamente por baixo da superfície. As leituras sísmicas sugerem que este sistema se possa estender por várias centenas de quilómetros.
Blakely fitou-a durante vários segundos, tirando os óculos. Apertou a cana do nariz. Os outros pararam o que estavam a fazer e viraram-se para eles, atraídos pelo silêncio.
Ben pousou um dos skates que tinha estado a examinar e avançou para o lado de Ashley.
Michaelson aproximou-se.
— Diga-lhes — disse, com os olhos fixos em Blakely. — Garantiu que lhes contava antes de partirmos.
Blakely ergueu a mão, virando a palma desta para o major.
— Estava mesmo a chegar lá.
Ashley sentiu um súbito vazio no estômago.
— Professora Carter — disse Blakely —, não me orgulho do que estou prestes a revelar. Mas determinados interesses ditaram este curso de ação. Tivemos de manter certos segredos.
— A sério? — disse Ben.
Ashley fê-lo calar-se com um olhar, depois virou um olhar ainda mais duro para Blakely.
— Continue. Que segredo?
— Perguntou-nos se tínhamos explorado mais. Bem, explorámos. — Apontou para o wormhole. — Não são a primeira equipa a explorar esta via. Uma equipa conjunta composta por cinco cientistas e um Marine entrou por este túnel há mais de quatro meses.
Ashley abanou a cabeça.
— Então por que raio nos arrastou para aqui? Se já foi explorado?
— A outra equipa ainda não regressou.
— Como? — exclamou Ben, aproximando-se mais. — Quer dizer que ainda estão ali em baixo?
— Sem rádios, não tínhamos modo de seguir o progresso da equipa. Deviam ter regressado após duas semanas de exploração. Passaram-se três semanas sem notícias deles, por isso enviámos uma expedição de socorro. Uma busca preliminar revelou um labirinto gigantesco de túneis, poços e salas. Não foi possível encontrar o rasto dos homens.
— Por que raio não alargaram a busca? — Por aquela altura, o rosto de Ben já estava vermelho.
— Sem os meios adequados para manter contacto via rádio, as expedições de socorro estariam em risco. Poderiam deparar-se com o mesmo destino da equipa original. Por isso as buscas foram canceladas. A equipa foi declarada perdida.
— Excelente — disse Ashley. — E se nós tivermos problemas? Também nos irá virar as costas?
— Isto é uma treta — acrescentou Ben. — Uma verdadeira cobardia.
Blakely cerrou os punhos, as suas pálpebras fecharam-se um pouco, tensas.
— Aquela equipa estava sob a minha supervisão. Encarei a sua perda como algo pessoal. Não podia arriscar-me a perder mais ninguém. Perdemos a primeira equipa porque estávamos entusiasmados e avançámos sem as devidas cautelas. Recusei-me a permitir que alguém continuasse as buscas até poder ser instalado um sistema de comunicações adequado. — Espetou um dedo na direção do rádio. — Agora foi!
Ben não recuou.
— Desculpem, mas continuo a achar que uma pequena equipa…
Michaelson interrompeu.
— Também participei na decisão.
Ashley virou-se para o major que estava de pé junto às mochilas.
— Bem, então por que raio não fizeste alguma coisa?
Michaelson susteve o olhar de Ashley com firmeza.
— Como líder do contingente de Marines aqui estacionados, cabia-me a mim decidir se devíamos prosseguir às cegas ou aceitar o conselho do doutor Blakely e esperar até a rede de comunicações estar terminada. Optei por avançar com cautela.
— É mesmo próprio dos militares — disse Ben amargamente, um esgar fixo nos lábios. — As pessoas não passam de peões que podem ser dispensadas conforme as necessidades. Quem é que quer saber que a outra equipa fosse composta por homens a sério com vidas a sério? Limitem-se a descartá-los.
Michaelson, os músculos do maxilar projetados como pilares, girou sobre os calcanhares. Ben tinha um sorriso furioso nos lábios. Uma expressão que lhe ficava mal, pensou Ashley.
Ashley avançou atrás do major, determinada a prosseguir com o confronto, mas Blakely estendeu o braço e tocou-lhe no cotovelo quando ela tentou passar. Sussurrou-lhe ao ouvido:
— O irmão do major fazia parte da outra equipa.
Ashley estacou e observou Michaelson a inventariar o conteúdo da mochila com movimentos bruscos.
— Harry? — disse baixinho, lembrando-se do sorriso caloroso do major ao falar do fascínio do irmão mais novo pelos motores. Talvez devesse dizer alguma coisa…
Ben foi mais rápido do que ela. Gritou para as costas de Michaelson:
— Bela camaradagem. Deixar aqueles homens a apodrecer. Se fosse a ti…
Ashley ergueu uma mão na direção de Ben.
— Já chega. Está feito. Deixa-o. — Observou Michaelson a guardar o equipamento na mochila e a afastar-se. Virou-se para Blakely. — Então e agora?
Blakely pigarreou.
— As decisões do passado são discutíveis. O que temos de decidir agora é para onde seguimos. Independentemente do que possam decidir, os dois Seals e o major Michaelson vão avançar em busca de pistas acerca do destino da equipa anterior. A restante equipa terá de tomar uma decisão. Sabendo do outro grupo, quantos de vocês querem continuar?
Ben foi o primeiro a falar.
— Se não fosse pelos homens encurraladas, acabava já com isto. Mas já esperaram o suficiente. Eu vou.
Os olhares viraram-se para Ashley.
— Isto muda tudo. Preciso de tempo para pensar nisto — disse. — Somos agora uma missão de resgate.
— Não — disse Blakely. — Considero isto uma missão conjunta. O primeiro objetivo permanece o mesmo da equipa anterior: explorar este sistema em busca de pistas quanto à origem dos habitantes destas grutas. Mas dado que a vossa equipa irá seguir os passos da primeira, espero que ambos os objetivos possam ser alcançados em simultâneo.
Blakely apontou um dedo a Ashley.
— Foi por isso que a escolhi como líder. Ainda quer comandar esta equipa?
Ashley franziu o sobrolho.
— Devia ter-nos avisado antes. Não gosto que me mintam.
— Nunca lhe menti. Foi apenas um pecado de omissão. Também eu não tive escolha. Obedeci a ordens. O destino da equipa original continua em segredo. As famílias ainda não foram informadas.
Ben fungou e resmungou baixinho.
Blakely ignorou-o.
— Professora Carter?
Os seus pensamentos voaram para Jason, que estava em segurança na base sob os cuidados do assistente de Blakely, Roland. Devia correr o risco? Tinha outras responsabilidades para além da carreira. Manteve o silêncio.
— Irei mesmo assim — disse Khalid. — Isto é demasiado importante.
— Também eu — disse Linda. — Poderemos precisar dos conhecimentos de todos para encontrar a outra equipa.
Ashley também não suportava a ideia de abandonar a outra equipa. Virou-se para Blakely.
— Está bem. Ainda tem uma equipa! Mas se não nos tratarem com toda a sinceridade daqui em…
Blakely acenou com a cabeça, a voz séria.
— Têm a minha palavra. — Ele recuou e fez-lhe sinal para que avançasse. — Lembre-se, manteremos um contacto regular para mapear o vosso progresso, caso haja algum acidente. Em tudo o mais, a partir daqui as decisões são suas. Tudo, desde a frequência com que montam o acampamento, até ao número de dias que escolherem explorar antes de regressar. A sua palavra é lei.
Os olhos dos outros fixaram-se nela. A magnitude da busca ameaçava esmagá-la.
— Bem — disse Ashley —, nunca vamos chegar a lado nenhum aqui sentados. Avancemos. Halloway, vá à frente. Os restantes sigam-no e reencontramo-nos na próxima caverna.
A equipa verificou o equipamento e agarrou nas mochilas, pondo-as aos ombros. Ashley observou os outros debaterem-se com os trenós de transporte.
Halloway não ficou à espera de novas discussões. Ajustou o capacete e mergulhou pelo túnel na sua prancha. Os restantes aguardavam em fila para o seguir.
Satisfeita por estarem finalmente em movimento, Ashley calçou as luvas e apertou as tiras de velcro. Levou a mão à mochila e passou-a para o ombro. Quando Blakely se colocou ao seu lado, fitou o cientista enquanto os restantes deslizavam pelo wormhole. Com uma voz gelada, disse:
— Tome bem conta do meu filho.
— Claro. O Roland vai assegurar-se de que o rapaz está junto ao rádio todas as manhãs para poder ver por si mesma.
Ashley acenou com a cabeça, apercebendo-se de que os outros já tinham entrado no wormhole. Ajoelhando-se, posicionou o skate por baixo do corpo. Alguns movimentos laterais permitiam colocar a prancha numa posição mais confortável. Não era propriamente a forma mais digna de partir. Acendeu a luz do capacete e agarrou as paredes de ambos os lados para se lançar para o túnel. Rapidamente, entrou nele.
A maldita passagem continuava a parecer-se com um esgoto.