CAPÍTULO 13

Logo que chegou à saída do wormhole, Ashley ergueu-se rapidamente e deu um passo para o lado, de modo a permitir que Villanueva deslizasse para fora dele. Ótimo. Ele era o último membro da equipa. Os restantes percorriam a nova câmara com as suas lanternas. Ben gritou o nome de Halloway. Ashley avançou para junto de Michaelson.

— Algum sinal?

O major abanou a cabeça.

— Não, e com todos estes malditos obstáculos, vai ser uma busca demorada.

Ashley fez uma careta. O tempo era valioso. Se Halloway estivesse ferido, qualquer atraso poderia significar a sua morte. Moveu a lanterna à sua frente e gemeu perante o que viu. Aquilo poderia demorar horas.

Enormes rochas esféricas, de uma tonalidade ocre-amarelada, pontuavam o chão, algumas tão grandes como elefantes, outras do tamanho de cabanas. Várias estavam aglomeradas em ninhos, como enormes ovos fossilizados. Outras erguiam-se isoladas como monstros solitários e contemplativos. Os pedregulhos erguiam-se sobre a equipa.

Ashley abanou a cabeça. As grandes pedras impediam uma boa visão do espaço, tornando a busca com as lanternas difícil. Um Halloway ferido podia estar caído atrás de qualquer um daqueles pedregulhos.

— Vamos dividir-nos em três equipas — disse Ashley, esforçando-se por ser ouvida sobre o murmurar do rio que corria numa depressão profunda pelo meio da caverna. Apontou para a sua frente. — Vamos ter de procurar atrás de cada um destes pedregulhos.

Ben deslizou uma unha pela superfície de uma das rochas.

— Que diabo! São pérolas das cavernas! — Recuou e coçou a cabeça. — Nunca tinha visto nenhuma tão grande. Normalmente não são maiores do que toranjas.

— Ben, não temos tempo para isso — disse Ashley. — Há problemas mais importantes. Precisamos de…

Ben ergueu a palma da mão.

— Não, isto é importante.

— Porquê? — Ashley suspirou, rezando para que ele fosse breve.

— Sabes, as pérolas das cavernas são acumulações de calcário dissolvido em redor de uma pedrinha ou grão de areia. Formam-se apenas de redemoinhos de água corrente, o que sugere que, a dada altura, esta câmara esteve inundada até ao teto.

— Excelente — disse Ashley. — Então o que estás a dizer? Achas que esta câmara se pode voltar a encher de água? Impedir o nosso regresso?

Ele abanou a cabeça.

— Não. Estas pérolas estão secas há milénios. Os canais devem ter-se alterado.

Ashley suspirou.

— Ben, agradeço o folclore espeleológico, mas neste momento precisamos de nos concentrar em encontrar o Halloway.

— Eu sei. É isso mesmo. Ainda que estivesse atrás de um destes pedregulhos, sabê-lo-íamos. — Ben acendeu a lanterna e encostou-a à superfície do pedregulho. De súbito este iluminou-se como um enorme candeeiro, cintilando num amarelo transparente. — São translúcidos. Embora pareçam opacos, a luz brilha através destas malditas coisas. Se o Halloway estiver aqui, está sem luz.

Ashley suspirou. Qualquer hipótese de encontrar rapidamente Halloway estava a desvanecer-se rapidamente.

— Portanto, ou está ferido ou está propositadamente escondido.

Ben acenou com a cabeça.

Linda, que se aproximara do pedregulho, exclamou de súbito:

— Meu Deus! Olhem para o centro da pedra!

Ben foi o próximo a vê-lo. Emitiu um longo assobio.

Ashley espreitou para o interior da pedra.

— Não é uma pedra o que está no centro da pérola.

Ben encostou a palma da mão aberta à pedra.

— Qualquer coisa pode dar origem a uma pérola das cavernas. — Acenou a Ashley para que se aproximasse dele. — Precisamos de mais luz para ter a certeza.

Ashley agachou-se ao lado dele e acendeu a lanterna, concentrando-se no coração da pedra. A pedra cintilava agora numa límpida luz branca. Apesar da distorção provocada pelas camadas cristalinas, não havia como confundir o objeto no seu centro.

— É um crânio. Um crânio humano.

Linda falou a um metro de distância com a voz a vacilar.

— Esta também tem um crânio. Não achas que possa ser a equipa perdida, pois não?

Ashley abanou a cabeça, afastando a cabeça da pedra.

— Não. Tendo em conta a dimensão das pedras, devem ter começado a formar-se há milhões de anos. Eu diria que são os nossos habitantes das cavernas. — Afastou-se da pedra. Adoraria passar horas a estudar aquela descoberta, mas era um mistério que teria de esperar. Maldição! Depois de três dias extenuantes, tinham, por fim, encontrado uma pista. Mas a segurança de Halloway dependia de um avanço rápido. Levantou a voz. — Juntem-se todos! Temos de seguir caminho.

Os restantes membros da equipa regressaram de um exame rápido das pérolas próximas. Michaelson foi o primeiro a chegar.

— Acho que devíamos prosseguir com uma análise sistemática deste lado do rio. O Halloway pode estar ferido ou ter caído numa falha.

Ashley acenou, enquanto Khalid e Villanueva avançavam de novo para junto deles.

— Talvez já tenha atravessado o rio — disse Linda, pouco segura de si, olhando de relance para o Seal que restara.

Villanueva abanou a cabeça, passando a espingarda de assalto CAR-1 de cano curto de uma mão para a outra.

— Ele não teria abandonado a equipa! — disse ferozmente.

Ashley virou-se para o grupo.

— Então procuramos deste lado. Linda e Khalid permanecerão junto ao wormhole para o caso de Halloway regressar na nossa ausência. Ben e Villanueva irão para norte, e Michaelson e eu viraremos a sul. Isso deverá permitir-nos analisar toda a área.

Ben interrompeu:

— Acho que devia ir contigo.

— Não. Quero um elemento armado com cada equipa de busca. Também teremos de deixar uma arma com o Khalid. — Virou as costas a Ben.

Dado que não foram levantadas mais objeções, as equipas partiram. Ashley gritou quando ela e Michaelson se afastaram.

— Tenham cuidado por aí. Mantenham os olhos abertos e quero as luzes acesas. Agora não é o momento de poupar pilhas.

Observou enquanto as outras luzes floresciam na escuridão. Ótimo, com todas aquelas pedras malditas, não queria que mais ninguém desaparecesse no escuro.

Michaelson ajudou-a a saltar sobre um buraco grande, mais um obstáculo. Até ali, o seu progresso fora dificultado pela necessidade de contornar pedregulhos, voltar atrás em becos sem saída e evitar falhas perigosas. Não era de admirar que Halloway se tivesse perdido.

— Isto teria sido muito mais fácil — disse Ashley enquanto se desviava de mais uma falha —, se tivessem dado walkie-talkies à equipa. Bastava comunicarmos com o Halloway.

Michaelson resmungou.

— Demasiada pedra. Não era praticável.

Ashley suspirou e permaneceu em silêncio durante vários metros, depois perguntou pela terceira vez.

— Então não viste nem ouviste nada quando aqui estivestes?

— Espera até chegarmos ao rio. O seu rugido é ensurdecedor. Uma manada de búfalos podia ter passado por aqui, e eu não a teria ouvido. — Soava exasperado. — Odeio estes atrasos. Já devíamos ter atravessado o rio e seguido caminho por esta altura. Maldito Halloway!

Ashley saltou ligeiramente perante a veemência da sua explosão.

— A culpa não é dele.

— Como assim?

— Tinhas instruções. Ficar junto ao wormhole. Decidiste aventurar-te sozinho. Por causa disso, tive de mandar alguém atrás de ti. Agora o Halloway está perdido.

Michaelson abanou a cabeça.

— Estava a fazer reconhecimento. Em busca de formas de apressar a nossa passagem, de evitar atrasos desnecessários.

— Isso são tretas, Dennis.

O major estacou ao ouvir as palavras dela, as costas hirtas e tensas.

— Dennis — disse ela. — Eu sei porque estás aqui. Sei o que aconteceu ao teu irmão.

— Quem te disse?

— Não importa. O que importa é que o teu desejo de encontrares o teu irmão está a prejudicar esta missão.

Ele ficou ainda mais tenso.

— Não o vejo assim.

— Eu sei. É por isso que estou a abordar o assunto. Alguém precisa de to dizer. Estás a pensar com o coração, não com a cabeça. Estás a correr para lá das pistas, como aquela caneca amolgada, por exemplo. Estás a voar à frente do resto da equipa. Sozinho. O que já é arriscado o suficiente para ti, mas agora puseste outro membro da equipa em perigo.

Os ombros de Michaelson ficaram tensos e a sua voz tornou-se mais baixa.

— Mas eu tenho de encontrar o meu irmão.

Ashley pousou a mão no ombro dele, num gesto de consolo; Michaelson estremeceu.

— Vamos encontrá-lo. Mas fá-lo-emos em equipa ou não o faremos de todo.

O major manteve o silêncio durante vários segundos, depois deu um desajeitado passo em frente, quebrando o silêncio, pigarreando.

— Estamos quase no rio. É mesmo à frente.

Abanando a cabeça, Ashley seguiu Michaelson, contornando o pedregulho seguinte. O caminho foi-se tornando mais difícil à medida que se aproximavam do rio ensurdecedor. Os últimos metros até ao rio estavam bloqueados por uma parede sólida de pérolas das cavernas que os obrigou a gatinhar.

Cobertos de lama, alcançaram por fim a margem do rio. Em baixo, as águas negras batiam contra as margens íngremes. Os borrifos que lançavam, ricos em sal, ardiam nos olhos.

Ashley limpou a lama da testa com um lenço húmido e inclinou-se para Michaelson, gritando-lhe diretamente ao ouvido, tentando sobrepor-se ao rio em baixo.

— Ele não tentaria atravessar este rio sozinho.

Michaelson acenou com a cabeça.

— Talvez o Ben e o Villanueva tenham melhor sorte — vociferou. — Porque não…

Um grito penetrou o rumorejar do rio, ecoando através da câmara.

Chocados, Michaelson e Ashley olharam um para o outro.

— Mas que raio? — gritou ela. — O som parecia vir do outro lado do rio!

Michaelson tentou varar a neblina que cobria o rio com a luz da lanterna.

— Pode ter sido só um eco.

— Não gosto disto. Vamos voltar a juntar toda a gente. — Virou-se para percorrer de novo o caminho que tinham trilhado quando ouviram um segundo grito. Este terminou de forma abrupta. — É melhor apressarmo-nos.

Michaelson fitava a escuridão do outro lado do rio, como se estivesse enfeitiçado.

Ashley cerrou os dentes. Puxou-lhe o braço.

— Agora, soldado. Vamos pôr-nos a andar daqui.

Ben coçou atrás da orelha esquerda. Que teria levado a equipa de Ashley a demorar tanto tempo? Ele e Villanueva já tinham terminado a sua parte da busca há quinze minutos. O Seal mantivera um passo enérgico. Ben sempre pensara estar em boa forma. Mas enquanto se debatia para acompanhar Villanueva, sentiu-se uma espécie de avozinha com artrite. O seu contributo para a busca consistiu acima de tudo em gritar ao Seal para que abrandasse. Ainda assim, apesar de todos os esforços, não encontraram sequer sinal de Halloway, tendo regressado ao wormhole sem novas informações para Linda e Khalid.

Ben olhou de relance para Villanueva. O Seal andava para trás e para a frente, uma mão na pistola que mantinha no coldre. O tipo estava tenso como um canguru no cio. Era óbvio que ter de esperar pelo regresso dos outros era uma tortura para ele.

Também Ben estava a ficar preocupado. Já deviam ter regressado. Bateu na pedra que tinha estado a examinar com a lanterna. Devia ter ido com ela. Sabia mais de grutas do que Michaelson. E se ela desaparecesse como Halloway?

Linda chamou-o para que se juntasse a ela no local onde se agachara junto a uma versão minúscula das gigantescas pérolas das cavernas.

— Ben, podes ver isto?

Ben aproximou-se dela, agachando-se sobre os calcanhares ao seu lado.

— Que foi?

— Aponta a tua luz para o interior. Os pormenores são mais claros nesta pedra mais pequena.

— Linda, será o momento certo para isto? — resmungou, embora fazendo o que ela pedia.

Encostando o nariz à pedra, a onda crescente de entusiasmo fê-la atropelar as palavras.

— Olha para o arco supraciliar. Projetam-se demasiado densamente. E os orifícios auditivos. Estão num ponto demasiado baixo do crânio. — Linda virou-se para Ben, os olhos brilhantes. — Não é humano. Ou, devo dizer, não é o homem moderno. A dimensão da caixa craniana sugere um hominídeo avançado. Mas há demasiada distorção para que consiga reconhecer a espécie. A Ashley tem de ver isto. Ela saberá.

Linda olhou de súbito à sua volta, dando voz à preocupação de Ben.

— Porque estão a demorar tanto?

Um grito súbito ecoou pela câmara. Tanto Ben como Linda se ergueram de um salto. Linda deslizou para perto dele. O coração de Ben subiu-lhe à garganta e ficou aí preso. Ashley!

Villanueva já tinha erguido a pistola e permanecia imóvel, o feixe da sua lanterna a funcionar como uma mira. Khalid aproximou-se de Linda e, como uma pequena lua puxada para uma órbita diferente, Linda afastou-se de Ben e colocou-se sob a sombra de Khalid.

Um segundo grito. Ben aproximou-se de Villanueva.

— Temos de ir à procura deles — disse Ben. — Estão em apuros.

— Não — disse Villanueva. — Ficamos aqui.

— Estás louco? Estão a ser atacados!

O rosto do Seal parecia feito de pedra.

— Não. O grito foi mais distante. Do outro lado do rio.

— Como podes ter tanta certeza? A acústica numa gruta é enganadora.

Villanueva continuou a estudar a escuridão à sua frente.

— Tenho a certeza.

— Não quero saber. Vou à procura deles.

— Se tentares afastar-te, dou-te um tiro numa perna. — O tom casual com que disse aquelas palavras sugeria que não estava a brincar.

— Quem raio pensas que és?

— Sou o oficial de patente mais elevada. O que eu digo, vale.

— Mas…

— Este é o ponto de encontro estabelecido. Se estiverem em apuros, virão para aqui. Vamos dar-lhes dez minutos.

— E depois? Vamos à procura deles?

— Não. Voltamos para cima.

— E deixamo-los cá em baixo? O diabo é que faço isso!

— O Michaelson tem o rádio. Sem ele, não temos como comunicar com o exterior. Se ele não regressar dentro de dez minutos, evacuamos.

Ben fitou a cortina escura, para lá da qual imaginava o desenrolar de atos horríveis. Ashley a correr, escondendo-se, perseguida por criaturas salivantes. Ashley atacada e a sangrar. Susteve a respiração durante quase todos os dez minutos. Para o diabo com aquele Seal maldito, se ela não regressasse… sabia cuidar de si mesmo em grutas.

Villanueva baixou o braço. A escuridão encheu rapidamente o vazio da sua lanterna, reclamando avidamente o território perdido.

— Façam as malas — disse por cima do ombro. — Vamos sair daqui.

Ben saltou de um pé para o outro, esforçando-se por ver através da escuridão.

— Vamos, senhor Brust. — O Seal apontou-lhe a arma. — Não torne isto mais difícil.

Ben teve uma ideia.

— Espere. Desliguem as vossas luzes.

— O quê? — disse Linda, com um tremor na voz. — Estás doido?

— Fá-lo. Se não houver sinal das luzes deles, então pomo-nos a andar.

Villanueva estudou-o, semicerrando os olhos, desconfiado.

— Um minuto.

Linda aproximou-se mais de Khalid, ao mesmo tempo que apagavam as lanternas.

O acampamento foi engolido pela escuridão.

Foram precisos alguns segundos para que os olhos de Ben se ajustassem à escuridão, as luzes do acampamento enviavam ainda à sua retina clarões embotados. À medida que esses últimos vestígios se desvaneciam, uma área persistiu, à sua esquerda. As suas pupilas tentaram focar esse ponto. Uma pérola das cavernas a brilhar. Depois o brilho deslocou-se para outra pérola das cavernas. Mais próxima. As luzes estavam a aproximar-se.

— Vem lá alguém — disse Ben, a voz a irradiar alívio. — Eles estão de volta.

— Sim, também estou a ver! — disse Linda.

Villanueva disse-lhes que acendessem as luzes. A escuridão de novo rechaçada pelo brilho das lanternas. Passados alguns minutos, era possível ver o movimento saltitante das lanternas que se aproximavam através da escuridão. O Seal mantinha a arma apontada para a frente. Quando as luzes se aproximaram o suficiente, gritou:

— Parem! Identifiquem-se!

A voz de Ashley soou furiosa.

— Quem raio achas que é?

Depois a voz de Michaelson.

— Somos só nós, major. Relaxe.

Villanueva baixou a arma.

Ashley avançou pelo acampamento, seguida por Michaelson, que não parava de olhar de relance para o rio atrás de si.

— De quem foi a ideia brilhante de apagar as luzes do acampamento daquela maneira? Estávamos a usá-las como um farol para regressar. Pensámos que vos tinha acontecido alguma coisa e começámos a correr para cá. Quase caí de um penhasco.

Linda apontou com o polegar para Ben.

— Estava só à vossa procura — disse, apontando com a cabeça para o Seal. — Depois de termos ouvido o grito, o nosso amigo aqui estava a planear fugir de rabo entre as pernas se vocês não aparecessem.

Ashley enfureceu-se.

— Mas que raio?

Mas Michaelson interrompeu-a, erguendo uma mão no ar.

— Estava correto. Nós tínhamos o rádio. Vocês não.

Ben engoliu em seco.

— Mas deixar-vos…

Ashley esfregou as têmporas pensativamente, depois acenou com a cabeça.

— Ele tem razão. Para a próxima, dá-lhe ouvidos, Ben. — Passou por ele, fitando o acampamento. — Muito bem, dadas as circunstâncias, precisamos de decidir se prosseguimos ou se voltamos para trás.

Michaelson deu um passo em frente.

— Sugiro que eu e o Villanueva atravessemos o rio para observarmos de perto, enquanto os restantes permanecem no acampamento.

Ashley abanou a cabeça.

— Não. Permanecemos juntos. Já vimos o que acontece quando nos separamos.

— Nesse caso, evacuamos — disse Michaelson, secamente. — Não vou arriscar a vida de mais nenhum civil. O Halloway conhecia os riscos.

Ashley franziu o sobrolho.

— E se fosse um de nós a gritar? Seria igualmente rápido a partir?

Michaelson permaneceu em silêncio.

— Bem me parecia — disse ela. — Acho que o Halloway merece o mesmo apoio que qualquer um de nós.

Linda falou.

— Além disso, ele pode estar ferido ou inconsciente. Tem permanecido em silêncio depois dos primeiros gritos. Não podemos partir sem pelo menos o procurarmos meticulosamente.

Michaelson preparava-se para objetar, mas Ashley ergueu a mão.

— Dado que são os nossos couros civis que estão em risco, acho que a decisão de prosseguir ou não deve ser nossa.

Ben e Linda acenaram com a cabeça. Khalid limitou-se a olhar.

— Eu digo que continuamos — disse Ashley. — Alguma objeção?

Os outros mantiveram-se em silêncio.

— Ótimo — disse ela. — Quero atravessar o rio dentro de trinta minutos.

Ashley percorria a beira do rio. Villanueva despira-se até ficar de roupa interior e avançava cautelosamente pelas águas negras como petróleo. Uma corda atada em redor da cintura ligava-o à equipa na margem do rio. Michaelson tinha ancorado a corda à volta de uma estalagmite próxima.

— Já podíamos ter nadado todos até ao outro lado — disse Ashley. — Todo este aparato está a fazer-nos perder tempo.

— Não — disse Michaelson, dando um nó na corda. — A corrente é demasiado forte. Se tentássemos nadar, alguém podia ser arrastado.

— Então prendemo-nos uns aos outros com cordas. — Ashley não compreendia o porquê de ele estar a ser tão obstinado. Não se aperceberia ele de que cada segundo perdido podia significar a morte de Halloway?

Ben abanou a cabeça e tentou acalmá-la com um sorriso.

— Seria demasiado fácil enredarmo-nos, querida. Era uma boa maneira de afogarmos alguém.

Um chapinhar sonoro atraiu de novo a sua atenção para o rio, ao mesmo tempo que Villanueva mergulhava sob as águas revoltas, atravessando quase meio rio antes de regressar à superfície. Os seus braços fortes cortavam as águas em amplas braçadas, ainda assim a corrente impulsionava o Seal rio abaixo. Em breve, Villanueva ficou quase fora do alcance da luz da lanterna.

Linda agarrou no braço de Ashley, beliscando-o com força com o pânico.

— Olha!

Ashley seguiu o braço esticado da bióloga para um ponto mais acima do rio. Uma barbatana dorsal com um metro de altura, de um branco albino, atravessou as águas revoltas, desaparecendo em seguida da sua vista.

Ben, de boca aberta, também a vira.

— Jesus Cristo!

Michaelson, com uma mão presa na corda que segurava o Seal, lutou por se libertar, mas a corda estava presa em redor do seu tronco. Libertou a espingarda e atirou-a a Ben, que se encontrava em melhor posição para disparar.

— Usa-a. Antes que chegue a Villanueva.

Esforçando-se por encostar a espingarda ao ombro, Ben procurou o seu alvo nas águas. Depois, logo abaixo deles, uma ponta branca quebrou a superfície, e ouviu-se o estrondo do tiro. Um pequeno géiser de água irrompeu quando a bala bateu na água, a cerca de um metro da barbatana. Ben falhara.

— Merda — disse Ben, preparando uma segunda bala. Voltou a falhar.

Villanueva, tendo ouvido os tiros sobre o ruído das águas, tinha parado e virara-se para olhar para eles, demorando-se nas águas. Linda e Ashley acenavam em direção à margem oposta.

— Vai! Põe-te a andar daí! — gritou Ashley.

A barbatana dorsal voltou a emergir em todo o seu metro de altura, cortando agora a água a meio caminho entre a equipa e o Seal. Mesmo dali, Ashley conseguia ver os olhos de Villanueva abrir-se. Num arco de tronco exposto, o Seal lançou o corpo na direção da margem oposta, a água agitando-se branca com os movimentos dos braços e das pernas. Mas a corrente resistiu ao seu progresso; parecia preso no lugar, como uma mosca em âmbar. Não vai conseguir chegar à margem, pensou Ashley, cerrando os punhos, tentando transmitir-lhe forças.

A barbatana virou calmamente na direção do Seal que se agitava.

Ben tinha levantado a arma uma vez mais, depois baixou-a.

— Raios. Não tenho um tiro limpo. Deste ângulo, se falhar posso atingir o Villanueva.

Ashley arrancou-lhe a espingarda das mãos e levou-a ao ombro. O seu primeiro tiro arrancou um pedaço à barbatana. Apontou mais para baixo, no segundo tiro, abaixo da barbatana. Puxou o gatilho, o coice lançando a arma contra o seu ombro. Desta feita, o géiser de água do impacto da bala jorrou vermelho.

A barbatana tombou para o lado e afundou-se nas águas.

Ashley cerrou os dentes, esperando que a criatura ferida surgisse de súbito à superfície e apanhasse o Seal. Observou com a coronha da espingarda encostada com força ao ombro, enquanto Villanueva alcançava a margem e se esforçava por trepar pela rocha escorregadia. Respondeu aos gritos de apoio da equipa com um aceno.

Ben colocou-se ao lado dela, tirando a arma das suas mãos trémulas.

— Pensava que odiavas armas!

Ela esfregou as mãos.

— Tens de conhecer as coisas para as odiares.

Ben limitou-se a acenar com a cabeça, parecendo sentir que ela não queria prosseguir com aquela conversa.

Olhou para o outro lado do rio. Villanueva tinha desprendido a corda da cintura e atava a sua extremidade a uma grossa estalagmite. Michaelson puxou a corda para a esticar e prendeu-a a outra do seu lado, criando uma ponte de corda esticada entre duas estalagmites. Os dois trabalhavam como se nada tivesse acontecido. Como se uma criatura saída de um pesadelo não tivesse tentado engolir um dos seus companheiros.

O major testou a segurança da ponte puxando por ela. Satisfeito, virou-se para a equipa.

— Agora podemos atravessar.

Inspirando fundo, Ashley aquietou o seu coração que batia loucamente. Era preciso seguir em frente. Ainda tinha uma equipa para liderar e um companheiro de equipa para encontrar.

Usando os mosquetões para prender os arneses de escalada à corda, a equipa avançou apoiando-se nas mãos e nos joelhos até ao outro lado da ponte. Ashley teve o cuidado de não olhar para baixo. A queda não era grande, mas a ideia de que se encontrasse algo à espreita sob o reflexo negro das águas era paralisante.

Villanueva, de novo envergando o seu fato-macaco, ajudou-a a libertar-se da ponte. A sua mão tremia um pouco quando a içou. Se isso se devia às águas geladas ou ao choque de ter escapado por pouco, não sabia dizer.

— Obrigado — disse ele rapidamente, os olhos envergonhados. — Devo-te uma.

Ashley tentou responder, mas ele virou-lhe as costas e voltou a atenção para Michaelson, o último da fila, que atravessava o desfiladeiro.

Mal o major pousou as botas na margem de pedra, Ashley chamou-os a todos.

— Esta secção da caverna é muito mais pequena, por isso vamos explorar esta área todos juntos. Vamos. Mantenham os olhos e os ouvidos abertos. O que quer que tenha provocado aqueles gritos pode ainda andar por aí.

Esta busca é fútil, pensou Khalid. Usou uma pequena lâmina para retirar a lama negra de baixo das unhas. Halloway já devia estar morto. Quando é que aqueles malditos idiotas vão perceber para podermos seguir caminho?

Viu o Seal a examinar o wormhole que haviam descoberto. Não tinham encontrado qualquer vestígio do companheiro de equipa. Tinham procurado atrás de todos os seixos e no fundo de todas as fendas negras. Nada. Só mais um daqueles malditos wormholes a sair da caverna.

— Isto não serve de nada — disse Villanueva apontando a lanterna para o wormhole. — Há anos que ninguém passa por este buraco. Vejam a camada de lama na entrada. Não há pegadas ou outras marcas.

Ashley agachou-se ao seu lado e enfiou o dedo até ao nó na lama.

— Tens razão. Se alguém tivesse passado por aqui, haveria algum sinal. — Afastou-se e fitou a equipa. — Tem de haver outra saída que não tenhamos visto.

— Talvez — disse Khalid, tentando acordar a equipa, para que pudessem regressar à missão. Tinha um objetivo e era-lhe indiferente se Halloway nunca mais fosse encontrado. — Talvez tenha ficado preso no rio e sido levado para longe.

Michaelson abanou a cabeça.

— Não. O grito teve a sua origem bem para lá da margem do rio. Concordo com a Ashley. Deve haver outra saída.

Khalid disfarçou um franzir de sobrolho.

— Antes de seguirmos — disse Ashley —, acho que devíamos enviar alguém por este wormhole. Só para ter a certeza. Voluntários?

Villanueva tirou o skate da mochila.

— Eu vou.

Ashley acenou com a cabeça.

— Tem cuidado. Vê só onde é que isto sai e depois volta. Nada de aventuras a solo.

Villanueva acenou afirmativamente e deslizou pelo buraco. Ashley olhou para o relógio.

Revirando os olhos perante mais um atraso, Khalid avançou até ao local onde Linda se sentara numa pedra. Com os braços apertava com força o tronco, vendo-o sentar-se ao seu lado.

— Achas que o vamos encontrar? — perguntou, a voz fraca.

— Não. Independentemente do que o major possa pensar, acho que foi levado pela corrente.

Linda estremeceu. Khalid sabia o que ela estava a pensar. A barbatana era branca como a barriga de uma larva. Como um tubarão fantasma determinado a reclamar as suas almas. Com homens e pedras, ele sabia lidar. Mas as criaturas que ali encontrava… primeiro a lula que tentara arrancar-lhe o braço e agora aquele monstro. A imagem da barbatana provocara-lhe arrepios. Como se a natureza lhes mostrasse quão pequenos eram.

Lembrou-se de, quando era um rapazito, ter ouvido falar da tempestade de areia que tinha enterrado o acampamento da mãe, na Síria, matando toda a gente. A mão negra de Alá, tinham-lhe chamado, mas ele sabia que não era assim. Fora apenas a natureza, um deus indiferente que não quer saber dos planos do homem. Todos eram vulneráveis à sua selvajaria. E Khalid odiava sentir-se vulnerável.

Linda abraçou-se e continuou a fitar o rio.

— Aquele tubarão albino. Era enorme. Para sustentar um tal predador, este ecossistema aquático tem de ser mais extenso do que alguém pensou inicialmente. Se não fosse por Halloway, não me importava de parar para fazer alguns testes.

Khalid franziu o sobrolho, esfregando o braço onde a amonite se cravara.

— Eu prefiro evitar esse ecossistema. E manter-me em terra firme.

— Encontrei algo! — gritou Ben a vários metros de distância.

Khalid esticou o pescoço e olhou na direção de Ben. Erguia-se junto à parede da caverna com um fósforo na mão.

Ashley respondeu-lhe.

— Que foi, Ben?

— Encontrei outra saída daqui.

Quem estaria ele a tentar enganar, pensou Ashley, fitando a fenda estreita enterrada na prega da face rochosa mergulhada nas sombras? Estendia-se do chão ao teto, mas não tinha senão trinta centímetros de largura. Era fácil não a ver.

— Ninguém conseguiria passar por aí — disse. — É demasiado estreita.

— Não, eu medi-a — disse Ben.

— Com o quê?

— A minha bota.

Ashley fitou-o, inexpressivamente.

— É uma regra de ouro da espeleologia. Se mais largo do que a tua bota se revelar, por lá poderás passar.

— Não me parece. Em especial o Halloway. Ele é um tipo grande.

— Será apertado, mas eu sei que ele teria passado.

— Além disso, quem sabe se haverá alguma coisa do outro lado?

Em resposta, Ben ergueu um fósforo aceso junto à fenda. A chama curvou-se no sentido oposto ao da abertura.

— Vento — disse ele. — Há uma brisa que sopra vinda de lá.

Ashley viu a chama agitar-se. Talvez…

Um arranhar atrás de Ashley atraiu a sua atenção. Provinha do wormhole. Um par de pernas deslizou, recuando, pela abertura. Era Villanueva. Ergueu-se limpando as mãos aos joelhos.

— Está bloqueada — disse, arfando um pouco. — Houve um desabamento de pedra que bloqueou a passagem a cerca de trinta metros. Tive uma dificuldade tremenda em recuar até aqui.

Ashley praguejou. Se estava bloqueada, só havia uma maneira de seguirem em frente.

Linda avançou e espreitou para a fenda estreita.

— Mas teria o Halloway seguido nesta direção? — Parecia fitar a fenda com receio. — Quer dizer, porque havia sequer de atravessar o rio?

Villanueva respondeu-lhe:

— Se algo o atacou. Algo com que não conseguia lidar. Tentaria afastar a criatura. Impedir que fôssemos surpreendidos como ele foi.

— Que te leva a pensar isso? — perguntou Ashley.

Os olhos de Villanueva fixaram-se nos dela.

— Porque é o que eu teria feito.

Ashley mordeu o lábio.

— Ele está a tentar dar-nos tempo para fugir. Eu digo que o usemos.

Ashley fechou os olhos, odiando a ideia de o abandonar.

Ben chamou-a do ponto na fenda por onde se enfiara para explorar a passagem.

— Vem ver isto!

Quando Ashley se aproximou de Ben, ele estendeu a mão da fenda estreita na direção dela. A palma da sua mão estava coberta de sangue. Sangue fresco.

— Ele passou por aqui — murmurou Ashley. — Ainda agora. — Voltou-se de novo para Villanueva. — Ainda assim achas que devemos regressar?

Os músculos do maxilar dele ficaram tensos.

— A líder és tu.

Ben emergiu da fenda.

— Então, quem vai primeiro? Devíamos apressar-nos.

Ashley suspirou, obviamente Ben não tinha ouvido a discussão entre ela e Villanueva.

— É mais complicado do que isso.

— O quê? Estamos mesmo atrás dele.

— O Villanueva acha que o Halloway poderá estar a tentar atrair algo para longe de nós.

A voz de Ben ergueu-se furiosa.

— Ou talvez esteja ferido! A procurar abrigo. — Ele agarrou-a pelo ombro. — Ash, juro-te que ele está mesmo à nossa frente. Não o podemos deixar.

Ashley esfregou os olhos cansados, depois acenou com a cabeça.

— Está bem. Vamos.

Linda estava parada de roupa interior, a tremer junto à parede. Tinha tirado a mochila e até o fato-macaco. Menos para a atrapalhar e se prender, dissera Ben. Reduz o perfil. Linda estremeceu. Como podia passar o corpo por aquela fenda? As paredes espremiam o ar do seu peito.

Esperaram que Ben relatasse o seu reconhecimento da falha. Tinha-se enfiado na pedra preta há mais de três minutos. Ashley e Michaelson erguiam-se como sentinelas de ambos os lados, enquanto ele ia relatando o seu progresso.

— Já passei — disse, a voz ecoando até à câmara onde estavam. — A passagem só tem dois metros de comprimento, depois alarga de forma abrupta, dando lugar a um túnel de tamanho decente. É canja. Só há um pequeno ponto mais complicado quase no fim.

Ashley fitou o grupo.

— Vou mandar o Villanueva a seguir. Ele é o mais largo de todos nós. Se ele conseguir passar, todos conseguiremos.

Ninguém argumentou.

Linda susteve a respiração, na esperança de que o Seal falhasse; assim não teria de enfrentar o esmagamento daquelas paredes. O seu coração afundou-se no peito quando ouviu os gritos animados de Ben.

— Já passou! Arranhou um bocadinho o peito, mas está bem.

Ashley esfregou as mãos uma na outra.

— Muito bem! Vamos embora!

Khalid foi em seguida. Antes de sair de junto de Linda, apertou-lhe a mão. Ela quase não o sentiu. Linda observou enquanto ele desaparecia, com uma corda pendurada na cintura. Quando tivesse passado, a corda seria usada para puxar as mochilas através da fenda.

— Já está! — disse Ben. — Mandem as mochilas em seguida!

Foram necessários dez longos minutos para prender e arrastar as mochilas com mantimentos e armas para o lado oposto.

— É a última — gritou Ashley. Virou-se para Linda. — A seguir és tu.

Linda não se moveu, fitando a fenda negra. Tentou forçar as pernas a andar, mas estas recusaram-se. Estava a tornar-se difícil ouvir os outros por cima do bater do seu coração, a sua respiração tornara-se rapidamente asmática.

— Linda?

— Eu… eu… não consigo.

— Claro que consegues. O Villanueva tem o dobro do teu tamanho.

Linda abanou a cabeça, engolindo em seco, forçando as palavras a passar pelo aperto que sentia na garganta.

Ashley aproximou-se e envolveu-a com o braço. Linda tremia descontroladamente.

— Não podemos deixar-te para trás. — Ashley apertou o braço em redor do ombro de Linda. — Façamos assim. Eu vou contigo. Vou estar logo atrás de ti. Tu consegues, Linda.

Ashley avançou, obrigando-a a segui-la.

— Eu… eu vou tentar — disse Linda, os pés pesados como chumbo. — Mas, por favor, segura-me a mão. Não a largues. — A voz dela falhou no final.

— Não largo. Faremos isto juntas.

Linda tentou sorrir, mas falhou miseravelmente. Levada pela mão, foi incitada a prosseguir. Sentia a boca como se alguém lhe tivesse despejado um balde de areia pela garganta.

— Mantém a luz do teu capacete a apontar para a frente — disse Ashley. — Apoia as costas na parede esquerda. De acordo com o Ben, é a mais macia. Depois desliza.

Linda passou o ombro esquerdo pela fenda, os dedos dos pés a apontar para a frente e para trás. Deslizando lentamente pela fenda, tentou impedir o agitar de pânico do seu coração. Concentrar-se apenas em avançar. Mais à frente, a luz espalhava-se para lá da curva da passagem estreita. A poucos passos, os outros esperavam por ela.

A fenda engoliu-a. As paredes apertavam-na, demasiado próximas para que conseguisse sequer virar a cabeça para ver Ashley atrás de si. Tudo o que podia fazer era avançar uma perna e puxar o corpo atrás dela. Contou os passos, tentando distrair a mente. Um truque que aprendera na terapia.

— Estás a ir bem — disse Ashley atrás dela, apertando-lhe a mão. — Só mais um bocadinho.

… Cinco… Seis… Sete… A respiração dela tinha assumido um ritmo regular. Respirando a cada passo. Conseguia ver o fim da passagem, um rosto que a fitava.

— Assim mesmo — disse Ben. — És uma obra de arte espantosa. Mais três passos e já passaste.

O vestígio de um sorriso brincou-lhe nos lábios. Estava a conseguir!

— Oito… Nove… De… — O pé esquerdo avançou, mas, quando tentou forçar o corpo a segui-lo, o peito ficou preso na falha. Um gemido escapou-lhe da garganta. Em pânico, tentou forçar-se a avançar, ficando ainda mais presa. Moveu-se para trás, tentando libertar-se, mas não conseguiu.

Por favor, assim não! Não permitam que morra assim. Naquele momento, começou a hiperventilar, pontinhos de luz redemoinhavam à frente dos seus olhos, os joelhos começavam a ceder.

— Linda — chamou Ashley. — Não pares agora. Já quase passaste.

— Estou presa — gritou ela, com uma ponta de pânico na voz.

— Ben — gritou para a frente. — A Linda está presa.

— Que diabo — disse ele. — Deem-me mais luz!

Num instante a fenda encheu-se de luz.

— Estou a ver — disse Ben. — Escuta-me, Linda. Estende a mão para a frente. Estica-a para mim. Pronto. Já tenho a tua mão. Agora, vou contar até três e quero que expires todo o ar dos pulmões e encolhas o peito. Eu puxo-te para aqui.

— Não — sussurrou ela, fechando os olhos. Quase não conseguia expandir o peito. — Vou ficar presa outra vez. Depois não conseguirei respirar de todo.

Silêncio. Um impasse. Depois Linda sentiu Ben libertar-lhe a mão e outra pessoa pegar nela. Reconheceu o toque. Tinha-a apoiado através de muitos obstáculos. Khalid, o seu parceiro de espeleologia.

O egípcio falou com uma voz calmante, reconfortante, quase como se tentasse hipnotizá-la.

— Linda, sabes que não te vou falhar. Conheces a força dos meus braços. Faz o que o Ben diz. Vou puxar-te para mim. Confia em mim.

O coração de Linda batia violentamente. Voltou a abrir os olhos; os pontinhos de luz tinham-se multiplicado em pequenas constelações. Ela sabia que estava perto de desmaiar. Acenou com a cabeça.

— Eu confio em ti.

— Vou contar até três — disse Ben, atrás de Khalid. — Um… dois… três!

Linda expeliu todo o ar do peito, com os pulmões a emitirem um protesto. O seu braço foi puxado para a frente, arrastando o seu corpo mais vinte e cinco centímetros até ficar de novo preso. As lágrimas corriam-lhe pelo rosto. Era assim que ia morrer.

Uma dor súbita trespassou-lhe o ombro. O braço foi puxado de novo, sendo quase deslocado pela articulação. Gritou, libertando o pouco ar que lhe restava nos pulmões. Foi suficiente. Saiu da fenda como a rolha de uma garrafa de champanhe. Livre.

— Ela está bem? — perguntou Ashley ao deslizar pela fenda traiçoeira, vendo Linda nos braços de Khalid.

Ben acenou com a cabeça.

— Acho que sim. Está sobretudo abalada. O ombro vai doer-lhe imenso. Mas ela vai ficar bem.

Ashley acenou com a cabeça.

— Só falta o Michaelson. Quero todos prontos para prosseguir quando ele chegar.

Villanueva, que estava agachado vários metros mais à frente, no túnel, gritou-lhes.

— O Halloway passou por aqui. — O Seal apontou a luz para o dedo erguido. Estava vermelho com sangue. Em seguida virou a luz para a passagem. — O rasto segue por ali.

Ashley não disse uma palavra. Halloway ainda estava em fuga.

— Quero toda a gente armada — disse em voz baixa. — Agora!

Um raspar atrás dela. Virou-se e viu Michaelson a emergir da falha, a t-shirt rasgada. Ashley fez sinal ao grupo para que se juntassem.

— Equipem-se todos. Partimos em dois minutos. Quero uma pistola ou espingarda na mão de cada um.

— Talvez devêssemos simplesmente ir embora — disse Linda, o rosto ainda molhado das lágrimas, a voz trémula.

Ashley pousou a mão no ombro de Linda.

— Já avançámos demasiado. Temos de nos manter juntos.

Linda inspirou fundo, parecendo recompor-se. Quando voltou a falar, a voz era mais firme.

— Tens razão.

Ashley apertou o ombro de Linda, depois fitou a equipa.

— Vamos pôr-nos a andar.

Mais ninguém se opôs. Passados alguns instantes, o grupo descia pelo túnel. Villanueva e Ben assumiram a liderança, avançando vários metros à frente.

— Mantenham-se onde vos consigamos ver — disse Ashley quando Ben se afastou demasiado. — Vamos manter-nos todos próximos.

A certa altura, o túnel bifurcava-se. Para que lado? Ashley fitava inquisitivamente os seus batedores. Villanueva apontou com a luz.

— O rasto de sangue segue por aqui — disse.

Ashley acenou com a pistola para que continuassem, esperando descobrir o corpo caído de Halloway a cada curva do túnel. À medida que cada passo os fazia avançar no túnel, o seu ritmo tornava-se mais rápido. O grupo de Ashley aproximava-se cada vez mais dos cautelosos homens da frente.

— Estás em cima de mim, mulher! — silvou Ben a Ashley. — Não ajudaremos o Halloway se cairmos por um penhasco.

— Desculpa, mas há tanto sangue.

— Estamos a avançar tão depressa quanto a segurança nos permite.

Villanueva interrompeu a discussão com um movimento firme do braço. Apontou para a esquina seguinte. Ashley aproximou-se dele e espreitou para lá da curva. Mais à frente, o túnel abria-se numa caverna de grandes dimensões.

— Acho que devo prosseguir sozinho — disse o Seal. — Verificar a área.

— Não. Desta vez, não. Quero a equipa junta. Mais olhos para observar as costas uns dos outros e mais dedos nos gatilhos para proteger essas costas.

Villanueva encolheu os ombros.

A equipa prosseguiu em conjunto para a caverna, as lanternas a brilhar como os raios de uma roda. A câmara era semelhante a outras que já tinham atravessado. Estalagmites erguiam-se do chão; estalactites furavam o ar vindas do teto. Só que havia algo novo. Ashley esfregou um floco de neve das pestanas.

— Raios. Está a nevar aqui.

Uma pequena espiral de flocos flutuava sob os feixes de luz das lanternas.

Linda esticou a mão e deixou que os flocos pousassem na sua palma aberta.

— Não são frios, nem molhados.

Ben avançou até ao lado de Ashley, abrindo caminho por entre os outros elementos da equipa, franzindo o sobrolho aos flocos que caíam.

— Isto é mau.

— Porquê?

— Isto não é neve. São cristais de gipsita. — Apontou a lanterna para os ramos de cristais de gipsita que enfeitavam o teto da câmara, como lustres brancos de seis metros. — São estruturas frágeis e delicadas. O calor do corpo pode enfraquecê-las e fazê-las cair em flocos.

Ashley sacudiu os flocos dos ombros, como se fosse caspa.

— Continuo sem ver o perigo.

— Para que esta queda de neve ocorra agora, teve de passar por aqui muito calor corporal. Mais do que o libertado por um Seal ferido.

Os olhos de Ashley arregalaram-se perante as implicações de tal afirmação.

— Não estamos sozinhos aqui em baixo.

A queda de cristais de gipsita tornou-se mais densa à medida que a equipa atravessava a caverna. As luzes tremeluziam em todas as direções, as sombras saltavam e mergulhavam. Ashley ajustou o lenço sobre o nariz e a boca. Era a única maneira de se impedir de inalar os flocos. Olhou de relance para os outros, mascarados como um bando de bandidos a aproximar-se de uma vítima desavisada.

Villanueva continuava a seguir à frente, mantendo-se baixo e correndo de abrigo em abrigo, acenando-lhes para que prosseguissem com um sinal de que tudo estava bem. Ninguém falou muito, temendo aquilo que os pudesse esperar na sombra seguinte.

Ben avançava ao lado dela, a arma a apontar para a frente. Baixou a luz para o chão da gruta.

— O rasto de sangue está a ficar mais fraco — sussurrou.

O relatório do fim de dia para a Base Alfa já devia ter sido realizado há uma hora. Mas o tempo era demasiado importante para que interrompessem o seu avanço; seria necessária meia hora para desembrulhar os componentes do rádio da sua bolsa à prova de água, reunir as partes e fazer o relatório. O tempo, tal como o rasto de sangue do Seal, estava a esgotar-se.

Um assobio frenético de Villanueva afastou a atenção de Ashley do rasto vermelho. Os restantes estacaram nas suas posições agachadas. Ela era a única que continuava de pé. Ben puxou-a para o seu lado. Continuou a segurar-lhe a mão.

O Seal, agachado na base de um pedregulho enorme, levou um dedo aos lábios e apontou para que avançasse… em silêncio. Ashley esgueirou-se até à posição da frente.

Villanueva encostou os lábios ao ouvido dela. Falou apressadamente.

— Chegámos ao outro lado da gruta. Há dois pontos de saída. Um grande túnel e um pequeno wormhole.

— E? Vamos. Para que lado segue o rasto de sangue?

Ele abanou a cabeça.

— Não consigo dizer com toda a certeza. A lama está demasiado pisada para conseguir identificar um rasto claro.

— Então verificamos os dois — disse ela, inclinando-se para longe.

— Espera. Não foi por isso que te chamei. — Apontou para trás do pedregulho. — Espreita para ali e escuta.

Erguendo uma sobrancelha, Ashley esticou o pescoço para lá do pedregulho. Na face rochosa à sua frente, identificou outro túnel de paredes irregulares, como o que os tinha conduzido àquela câmara. A princípio não ouviu nada; apenas a sua respiração ofegante que tentava controlar. Talvez a sua audição não fosse tão apurada quanto a do Seal. Quando se estava a virar para pedir explicações a Villanueva, também ouviu. Um estalar e um esmagar, como paus secos debaixo dos pés. E um sorver gutural. Um arrepio percorreu-a. Vinha do túnel à sua frente.

Ergueu a luz para a apontar para o coração do túnel, quando Villanueva lhe baixou de novo o braço.

— Não — silvou. — O que quer que seja não sabe que estamos aqui.

— Talvez seja Halloway — disse, em tom sincero, mas nem mesmo ela acreditava nas suas próprias palavras.

— Tretas — disse o Seal.

— Bem, o que fazemos? Ficamos aqui à espera?

Um forte espirro ecoou atrás deles. Ashley rodou sobre si mesma. Khalid encolheu os ombros, pedindo desculpas, e apontou para os flocos que deslizavam no ar, com a outra mão a conter uma segunda explosão.

Virando-se de novo para Villanueva, Ashley susteve a respiração.

— Já não o consigo ouvir — sussurrou.

O Seal acenou com a cabeça. Tinha fechado os olhos.

— Nem eu.

Merda! O que quer que estivesse naquele túnel sabia agora que eles estavam ali. Já não valia a pena continuarem a esconder-se. Ashley levantou-se, segurando a pistola com as duas mãos.

— Ben, Villanueva. Vocês os dois venham comigo. Michaelson, tu ficas escondido atrás do pedregulho com os outros.

Michaelson avançou.

— Isto é um assunto militar. Devias permanecer aqui. É mais seguro. Eu vou com o Ben e o Villanueva.

— Não — disse ela, verificando a arma. — Quero-te aqui. A proteger a nossa retaguarda. E a proteger os outros. Podemos precisar de retirar rapidamente.

Observou enquanto o major revia a decisão dela. Aparentemente incapaz de encontrar uma falha no seu raciocínio, ele acenou com a cabeça.

— Tenham cuidado.

Ashley puxou o cão da pistola.

— Vamos.

O grupo avançou para a frente do pedregulho, os canos das armas virados para a abertura do túnel.

— Eu digo para abrirmos fogo — disse baixinho o Seal. — Varremos o túnel e fazemos perguntas mais tarde.

— Não — silvou Ashley. — Ainda há uma possibilidade de o Halloway estar ali.

Villanueva ergueu a sua espingarda de assalto.

— Aproveitemos a vantagem enquanto a temos.

Ashley passou a arma para o ombro e avançou.

— Halloway! — chamou. — Se estás aí, dá-nos um sinal!

O túnel fitou-os em silêncio.

— Satisfeita? — O despeito do Seal pingava de cada palavra, enquanto assumia uma nova posição. Baixou a cabeça, aproximando-a da mira da espingarda. A câmara explodiu com o fogo da sua arma, enquanto ele disparava cegamente para o olho negro do túnel. As reverberações abalavam a caverna.

Os ouvidos dela continuaram a zumbir depois de o Seal parar de disparar. Uma nuvem de pó de pedra e fumo saía da abertura atacada.

Ben estreitou o feixe de luz da sua lanterna, tentando varar mais fundo a escuridão opaca, mas não foi capaz.

— Raios.

Depois algo pequeno saltitou para a câmara principal.

— Jesuscristofilhoda… — Villanueva lançou um chorrilho, recuando um passo.

Era Halloway. A sua cabeça. A cabeça decapitada do antigo Seal parou a cerca de um metro de distância, os olhos virados para cima, os flocos de neve pousando suavemente nas suas pestanas.

A partir da boca do túnel irrompeu um grito ululante, como o grito de um falcão, mas mais gutural e rouco. Ashley estremeceu com o som. Uma parte primordial de si respondeu, desejando acobardar-se e fugir, mas pousou um joelho no chão e ergueu ainda mais a pistola.