CAPÍTULO 17
— Como assim, a Linda desapareceu? — perguntou Ashley, erguendo o nariz do rádio. Também não estava a ser capaz de contactar com ninguém. — Porque não ficam as pessoas quietas? Eu disse a toda a gente para ficar dentro do túnel.
Michaelson apontou o rádio e apontou para trás de si.
— Desculpa, virei as costas por um segundo, e ela e o Khalid desapareceram. O túnel termina uns cem metros mais à frente.
Ben falou atrás dela.
— É por causa da claustrofobia. É demasiado apertado aqui.
— Bem, é ainda mais apertado na barriga de um daqueles predadores.
— O Khalid já fez o reconhecimento da próxima câmara — disse Michaelson. — Eu não a vi, mas ele disse-me que era segura. Há apenas um segundo wormhole que entra na câmara. Demasiado pequeno para uma dessas criaturas.
— Pois — disse Ashley —, mas então e outros predadores? Coisas que possam deslocar-se através desses wormholes.
Michaelson encolheu os ombros.
— Está bem. Vamos continuar. Quero que a equipa fique junta. — Ashley ajudou Michaelson com um Villanueva adormecido; este gemeu enquanto era transportado. Ela levou a mão à testa dele. Estava húmida, mas não febril. Precisaria de ajuda em breve. Raios partissem aquela porcaria de rádio.
Michaelson recuou pelo túnel, puxando o Seal consigo. Ashley empurrava por trás, os joelhos doridos quando o brilho da saída se tornou visível. Ben fechava o cortejo, arrastando as mochilas. Com um último esforço, o Seal foi extraído do túnel. Ashley caiu atrás dele — num país das maravilhas natural.
— Meu Deus! — disse Ben ao gatinhar para fora do túnel. — Morri e fui para o céu.
Ashley estava espantada. À sua frente abria-se uma câmara do tamanho de um pequeno salão de baile. Quase acolhedora. Cristais iridescentes, alguns tão pequenos quanto unhas, outros do tamanho de melancias maduras, cobriam as paredes e o chão, refletindo a luz das lanternas com centelhas cintilantes. Havia arco-íris refletidos por todo o lado. Avançando hesitantemente pelo piso irregular, Ashley atravessou o centro da câmara, a boca ainda aberta.
— Sabes o que é isto? — perguntou Ben dando-lhe a mão.
Ashley limitou-se a abanar a cabeça. Linda e Khalid estavam agachados a alguns metros deles, os narizes juntos, examinando um dos cristais maiores.
— Estamos num geode gigantesco — disse Ben.
— Que é isso? — perguntou, só meio interessada, incapaz de afastar os olhos daquele esplendor natural.
— Já os viste. Pedras ocas vendidas nas lojas naturalistas, abertas à mão para revelar o revestimento interior de cristais de quartzo límpido ou ametista roxa. São formados em vulcões e normalmente cuspidos durante uma erupção.
— Sim, já os vi, mas raramente são maiores do que bolas de praia.
— Eu sei. — Ben acenou com a mão de modo a abarcar toda a câmara. — Nunca nada assim foi descoberto. Mas raios, estamos vários quilómetros abaixo de um vulcão ativo.
Ashley olhou para o rosto dele, rosado sob a luz refletida, o queixo forte erguido enquanto fitava o teto. O seu entusiasmo era contagioso. Ela apertou-lhe a mão.
Michaelson interrompeu-os, colocando-se entre eles.
— Se isto for quartzo, talvez a carga esteja, de alguma maneira, a afetar o rádio. Mas duvido.
Não tinha pensando naquilo. A esperança inundou-a. Talvez…
Khalid virou-se para eles.
— Não é quartzo.
— O quê? — perguntou Ashley, surpreendida por ouvi-lo juntar-se à conversa. Mantinha-se sempre tão calado. — Então o que é?
— É diamante.
Ben deu uma gargalhada.
— Claro que é.
— Quem é o geólogo aqui? Olha para o ângulo de fratura do cristal. É diamante.
Todos olharam de novo para a massa de pedra que os rodeava. Uma vez mais em choque. Khalid sorriu da sua surpresa.
Linda ergueu um pedaço de diamante do tamanho de uma bola de softball.
— Meu Deus!
Ashley pensou na estátua de diamante. Quantas câmaras como aquela haveria ali em baixo? Toda aquela riqueza…
O gume afiado da sua excitação ficou embotado pela preocupação. Abanou a cabeça e soltou a mão de Ben.
— Antes de começarem todos a contar tostões, precisamos de sair daqui. Michaelson, tenta o rádio mais uma vez. Todos os outros, podem montar o acampamento para a noite.
Ao dar a ordem, sentiu-se por fim atingida pela exaustão. Todos os seus músculos ardiam. Cada centímetro quadrado da sua pele parecia ferido. Era como se estivessem a correr há vários dias. Olhou de relance para o relógio. Já passava da meia-noite.
— Continuamos sem resposta — disse Michaelson, desligando o rádio.
Ben interveio do local onde tinha colocado o seu colchão de ar. Abrira a sua bússola geoposicional.
— Isto também não está a funcionar. Talvez o Michaelson tenha razão. Talvez haja algum tipo de interferência. A minha bússola usa um sinal de rádio na base como ponto de referência estacionário para se centrar. — Fechou a bússola num gesto repentino. — Esta porcaria não para de procurar, mas não consegue encontrar o sinal.
Ashley acenou com a cabeça, demasiado cansada para pensar com clareza e demasiado preocupada com Jason.
— Talvez seja alguma falha de energia na base. Voltamos a tentar de manhã — disse, esfregando os olhos. A sua mente não parava de pôr a imagem de Jason à sua frente. Se pensasse demasiado nele, começaria a chorar. De qualquer maneira, o que podiam eles fazer? Tinham de esperar pelo dia seguinte.
Ben aproximou-se; tinha acabado de encher o colchão de ar dela.
— A tua cama espera-te. — Fez um gesto amplo.
Ashley aceitou o colchão com um sorriso cansado.
— Obrigada, Ben.
— Encontrei ali uma área relativamente plana. Com o tamanho certo para duas pessoas. — Um sorriso aflorava-lhe o canto dos lábios, o convite claro.
Em resposta, ela avançou para o local indicado e pousou o colchão. O sorriso dele crescia a cada passo dela.
— Quem fica com o primeiro turno?
— Primeiro turno? — perguntou Ben.
Ashley acenou com a cabeça.
— Estamos em território desconhecido aqui em baixo. Caracóis carnívoros, tubarões do tamanho de baleias e agora predadores marsupiais. Não sabemos o que mais poderá estar à espreita. Não vá o diabo tecê-las, alguém tem de ficar de guarda… Vamos alternando os turnos.
Michaelson foi o primeiro a responder.
— Eu fico com o primeiro turno, mas com duas entradas na caverna, recomendo duas pessoas por turno.
— Boa ideia. Algum voluntário para se juntar a Michaelson no primeiro turno? — Fitava diretamente os olhos de Ben.
Ben resistiu durante alguns segundos, depois suspirou e levantou a mão.
— Céus, sinto um segundo fôlego que se aproxima.
Com os turnos definidos, todos se retiraram para as respetivas camas. Ashley afundou-se no colchão como no abraço de um amante. Em breve todos desligaram as suas luzes deixando apenas uma pequena lanterna. Esperando ser engolida pela escuridão, as pálpebras dela fecharam-se. Mas que…? Sentou-se. A câmara não tinha escurecido; continuava a brilhar.
Ben levantou-se.
— Mas que raio, isto vai poupar nas pilhas.
Linda sentou-se.
— Vem das paredes — disse a bióloga olhando à sua volta. — Reflete-se nos diamantes. — Levantou-se e dirigiu-se a uma parte da parede onde uma secção de diamante tinha caído. Raspando com a ponta de uma lâmina, estudou a pedra, depois virou-se para eles com a lâmina erguida. Esta brilhava com um amarelo suave. — É um fungo.
Excelente, pensou Ashley. Com a sorte deles, provavelmente estava a emitir algum tipo de radiação tóxica.
— Que descoberta! — Linda instalou-se no seu colchão e limpou a lâmina num saco de amostras. Tinha nos lábios um sorriso enorme, falando rapidamente enquanto trabalhava. — Esta é a quinta espécie fosforescentes que encontro até aqui. Até o peixe na Base Alfa brilhava devido a uma acumulação de um tipo de fungo nas suas escamas. Mas isto… — Ela acenou com o braço. — Por isto quase vale a pena ser perseguida por monstros.
Michaelson recostou-se de novo e pousou a espingarda nos joelhos.
— É algo por que valha a pena morrer?
O sorriso de Linda desvaneceu-se e ela selou o saco.
As palavras do major ensombraram o estado de espírito da equipa e a exaustão suplantou o espanto. Todos se voltaram a instalar nas suas camas.
Ashley esticou-se e enrolou o cobertor de lã nos pés descalços, em seguida enroscou-se num casulo. Espreitou para o colchão vazio de Ben. Conseguia ouvir os dois homens a murmurar baixinho enquanto se mantinham de guarda. Fechou os olhos, tocando no lábio inferior ferido com a ponta da língua, recordando o beijo, e caiu num sono sem sonhos.
Uma mão no ombro de Ashley fê-la acordar demasiado cedo. Rolou para longe da luz da lanterna.
— Acorda, Bela Adormecida. É o teu turno. — Os lábios de Ben tocavam ao de leve na sua orelha. — Fiz café.
Ela gemeu e endireitou-se, esfregando os olhos secos. Parecia-lhe que os músculos pesavam toneladas.
— Obrigada, Ben… café parece maravilhoso.
Ele ajudou-a a pôr-se de pé.
— Sabe a lama, mas vai ajudar a levantar essas lindas pálpebras.
Ela dirigiu-lhe um sorriso fraco. Apercebeu-se de que Michaelson já se aninhava no seu cobertor.
— É melhor dormires enquanto podes. Faltam poucas horas até de manhã.
Ben acenou com a cabeça, tirando as botas enquanto se sentava no colchão.
— Vou apagar mal a minha cabeça aterre na almofada.
Invejou-o. O seu cobertor amarrotado nunca lhe parecera tão convidativo. Bocejando, avançou até ao posto de vigia improvisado, junto ao fogão de campismo. Foi com surpresa que viu Linda sentada ao lado de Khalid.
— Que estás a fazer a pé? — perguntou enquanto se aproximava. — É suposto este turno ser meu e do Khalid.
— Eu sei — disse Linda, deslizando para lhe dar espaço sobre o pedregulho. — Mas não conseguia dormir. Estava demasiado entusiasmada. Queria fazer alguns testes. Além disso, dormir uma pequena sesta é, normalmente, tudo aquilo de que preciso.
Ashley reparou no kit de testes da bióloga espalhado numa pedra relativamente lisa. Linda ergueu um pequeno frasco à frente da luz da lanterna e agitou-o. O brilho fosforescente dentro do frasquinho aumentou.
— Impressionante — disse, tomando nota no seu caderno.
Ashley olhou de relance para Khalid. Segurando a pistola na mão esquerda, ele ergueu cuidadosamente a cafeteira do fogão de campismo. Despejou um pouco da bebida espessa numa caneca de estanho.
Sem pensar, Linda estendeu a sua caneca para que lha voltasse a encher, sem sequer olhar na sua direção. Quase como um casal há muito unido, ao pequeno-almoço.
Uma vez cheia, Linda bebeu um gole da sua caneca e fez uma careta.
— Isto é horrível. — Mas bebeu mais um gole, depois suspirou. Voltou a sentar-se e olhou de relance para Ashley. — Sabes, como já estou acordada, porque não voltas para a cama?
Aquela opção nem lhe ocorrera, mas fazia sentido e era muitíssimo atraente.
— Suponho que se achas mesmo que…
Linda acenou com a cabeça.
— Precisas de dormir. Devias ver os teus olhos. Estão raiados de sangue.
E também os sentia assim. Ashley olhou de relance para o local onde Ben roncava. Linda não precisou de fazer a oferta duas vezes.
— Vemo-nos pela manhã.
— Mas antes de ires — disse Linda atrás dela —, há uma pergunta que me tem estado a chatear.
Ashley voltou para trás, relutante, o chamamento do colchão forte.
— O quê?
— Aquelas criaturas marsupiais. São obviamente predadores. Como é que algo assim obtém comida suficiente?
Ashley encolheu os ombros.
— Não sei.
— Quer dizer, eles estão, decerto, no topo da cadeia alimentar. Mas quem está por baixo? Pensa nos leões em África. Para sustentar até um pequeno bando de leões, é necessário um enorme reservatório de herbívoros: antílopes, búfalos, zebras. De um ponto de vista biológico, estas bestas necessitariam de um fornecimento de presas enorme.
Ashley esfregou os olhos cansados.
— Sim, suponho que sim.
— Então, onde estão? — Linda bebeu mais um gole de café. — Onde está a sua cadeia alimentar?
Khalid fungou.
— Bem, tudo o que sei é que não quero que sejamos nós.
Ashley acenou com a cabeça. A pergunta era intrigante. Que caçariam eles? Pelo trabalho de equipa demonstrado na outra câmara, tinham uma inteligência rudimentar. Quase astúcia.
— Não tenho a certeza. É um mistério que terá de ser respondido por uma equipa futura.
Linda acenou com a cabeça. Ergueu um segundo frasquinho de fosforescência amarela.
— Tantos mistérios aqui em baixo… — Confirmou uma nota no seu caderno, depois cerrou os lábios.
Ashley despediu-se e retirou-se para o seu colchão. Enroscou-se nos cobertores, ainda quentes do seu sono recente. Suspirando fechou os olhos, mas a pergunta da bióloga não parava de a importunar. O que comeriam?
Ben debateu-se no sono, sabendo que estava a sonhar, mas incapaz de o impedir. Estava de novo naquela maldita caverna. Caminhava por entre as árvores carregadas de frutos, cabaças vermelhas e carnudas que pendiam obscenamente.
— Olá — chamou para o pomar.
Não houve resposta.
Tinha visto uma imagem do avô da última vez que ali estivera. Numa caverna. Onde tinha sido, exatamente? Avançou numa direção que lhe pareceu familiar. Passou por uma zona de folhagem baixa, com pequeníssimas flores azuis. Não tinha já passado por um arbusto semelhante? Era como regressar à sua cidade natal depois de décadas de ausência. Os seus pés pareciam recordar os passos antigos.
À medida que se aproximava da parede mais distante, soube que ia no caminho certo. Até conseguia ver o buraco negro na parede brilhante. Brilhante? Era o mesmo fungo que crescia no geode. Estranho.
Continuou em direção à parede, esperando que as árvores bloqueassem o seu avanço, como na visita anterior. Mas desta vez nenhuma árvore o impediu. Dando alguns passos, viu-se a erguer-se à frente da parede, envolto num suave odor almiscarado. O fungo estava a libertar pequenas vagens do tamanho de cabeças de alfinete. Deslizou a mão pela parede. Com o movimento da mão, o odor tornou-se avassalador. A sua mente começou a andar à roda. Explosões de cores brilhavam perante os seus olhos. Cambaleou até ficar de joelhos, lutando por manter a consciência, mas a sua visão redemoinhava com torrentes de cores e texturas fantásticas. Deslizou para o chão, sentindo a nuca explodir ao bater no chão.
Uma voz ergueu-se ao seu lado.
— Benny, meu rapaz, já chega de tretas.
Conhecia a voz da sua infância. Era o avô.
— Ei, acorda, amigo.
A visão clareou, ao mesmo tempo que o avô agitava uma folha retorcida debaixo do seu nariz. Cheirava a menta com um toque a cereja. Com cada onda, os redemoinhos de cores eram levados para longe, como se a passagem da folha os apagasse.
— Assim é que é, Benny, meu rapaz. Já era tempo de chegares cá abaixo.
Claro, estava a sonhar — mas parecia tão real. Conseguia ver a teia de vasos sanguíneos na ponta do nariz do avô. Os tufos de pelos brancos no rebordo das orelhas, o riso omnipresente nos seus olhos.
— Avô?
— Quem achavas que era?
— Bem, tendo em conta que te enterrei sete palmos debaixo da terra, em solo australiano, não estava a contar ver-te nos tempos mais próximos. — Tentou erguer-se, o odor almiscarado ainda forte, ameaçando subjugá-lo de novo. — Porque estás aqui?
— Fui enviado para te avisar.
— Já sabemos acerca daquelas criaturas pretas. ‘Tás um bocadinho atrasado.
— Aqueles idiotas? Não deixes que essas pestes te apanhem.
— Pestes? Aquelas pestes quase comiam a nossa equipa toda.
O avô sentou-se ao lado dele, cruzando as pernas.
— Benny, meu rapaz, tens de continuar a descer. Não subas.
— Mas…?
— Descer, Benny, meu rapaz. Descer.
O odor almiscarado voltou a intrometer-se, desfocando a imagem do avô com largas pinceladas de roxo e laranja.
— Não compreendo… — Sentiu-se de novo a cair.
Só as palavras do avô o seguiam enquanto ele desaparecia:
— … descer… descer…
— Acorda, Ben. — Ashley bateu-lhe no ombro, surpreendida pela profundidade do seu sono. Os outros estavam prontos e acordados. Ele continuava deitado no seu saco-cama. Até Villanueva estava sentado, parecendo muito melhor, o braço suspenso num apoio improvisado.
Ashley abanou o ombro de Ben.
— Vamos, o pequeno-almoço está quase pronto. — Olhou de relance para o local onde Michaelson se curvava sobre o fogão de campismo. Como conseguiria ele transformar ovos desidratados em algo bastante próximo de uma omelete Denver era um mistério que deixaria qualquer um espantado. O estômago dela roncou em resposta ao cheiro tentador das cebolas fritas e do fiambre de lata.
Ben gemeu, rolando até ficar de costas, os olhos ligeiramente abertos.
— Diabos, que fedor é esse?
— É o pequeno-almoço e, se não te despachares, vais comer cereais frios.
Ben ergueu-se num cotovelo, o cabelo espetado em todas as direções. Coçou-se debaixo do cobertor.
— Raios, a minha cabeça dói-me como se estivesse prestes a explodir. Não é justo que fique com uma ressaca, sem ter gozado uma agradável noite no pub.
Preocupada, Ashley pousou uma mão na testa dele. Felizmente, Ben não tinha febre.
— É apenas uma dor de cabeça. Vou buscar-te uma aspirina.
— Que tal uma mão-cheia? — perguntou Ben com um sorriso cansado.
Ashley dirigiu-se à mala onde se encontrava o kit de primeiros socorros, retirando três aspirinas de um pequeno frasquinho de plástico.
Villanueva estava sentado ao lado do kit.
— Ele não parece muito bem.
Ashley não pôde deixar de sorrir perante tal observação, vinda de um homem cuja t-shirt estava ensopada no seu próprio sangue seco e cujo braço fora praticamente arrancado.
— Estou certa de que o Ben vai ficar bem. Tu, por outro lado, precisas de descansar. Não devias estar sequer sentado.
Ele fitou-a com o rosto impassível, como se ela estivesse a falar uma língua estrangeira.
Michaelson aproximou-se por trás dela e entregou ao Seal uma tigela fumegante.
— Caldo de galinha — disse quando Villanueva ergueu as sobrancelhas. — Perdeste muito sangue. Precisas de substituir os fluidos. Bebe.
Ashley avançou para Ben com um ligeiro sorriso nos lábios. O major Michaelson estava a revelar-se uma verdadeira Florence Nightingale.
— Obrigado — disse Ben, quando ela lhe ofereceu a aspirina —, mas já me estou a sentir melhor. Uma vez em pé e em movimento, estarei mais animado que o canguru de bolsa cheia.
— Toma a aspirina, mesmo assim. — Ashley enfiou-lhe os comprimidos na mão e passou-lhe um copo de água. — Temos um dia comprido pela frente.
Ben fez beicinho mas tomou os comprimidos.
— Não estavas a dizer qualquer coisa acerca do pequeno-almoço, ainda agora? Sempre quis que me servissem o pequeno-almoço na cama.
— Se te sentes com fome, tens força suficiente para ir buscar a tua própria refeição. Além disso, precisamos de estar todos juntos ao pequeno-almoço para debatermos as nossas opções, e eu quero a tua opinião.
— Oh, está bem. Mas essa é uma boa maneira de dar a todos um forte caso de indigestão.
Ashley ajudou-o a levantar.
— Para de brincar.
Com um franzir de sobrolho fingido, acompanhou-a até ao fogão de campismo onde Michaelson estava já a servir pratos cheios de omelete com batatas fritas.
— Mas que bela refeição — reconheceu Ben, aceitando um prato de estanho das mãos do major.
— Dado que já não comemos nada desde o pequeno-almoço de ontem, achei que precisávamos todos de uma grande refeição. — Michaelson encheu o prato de Ben sacudindo a concha.
Ashley recebeu uma dose ligeiramente mais pequena e sentou-se num pedregulho plano. Khalid e Linda já estavam sentados junto ao fogão de campismo, consumindo avidamente a sua refeição em garfadas cheias. Villanueva ia bebendo o seu caldo, lançando olhares famintos à refeição dos outros.
Quando Michaelson se sentou junto deles, Ashley começou a falar.
— Precisamos de decidir um curso de ação. Só temos mantimentos para mais oito dias.
A única resposta foram acenos de cabeça e o som de mastigar; os restantes esperaram que prosseguisse.
— As nossas opções são voltar para trás e tentar passar pelos monstros ali atrás. Ficar aqui e esperar que, por fim, a falta de contacto por rádio leve a que enviem uma equipa de resgate. Ou podemos prosseguir e tentar encontrar um caminho alternativo, sabendo que poderá haver outras coisas más à espreita.
Linda pousou o garfo.
— Eu acho que devíamos ficar aqui. Alguém há de vir à nossa procura.
— Talvez — disse Michaelson —, mas lembrem-se da equipa anterior. Nós fomos enviados três meses depois da primeira. Poderá ser uma longa espera.
— Isso é verdade — disse Ben — e aquelas criaturas também vão estar à espera deles. Não é justo pedir a alguém que avance para a boca do leão sem um aviso. Eu digo para prosseguirmos.
Ashley acenou com a cabeça. Sentia o mesmo, mas era preciso ter em consideração outras preocupações. Apontou para Villanueva.
— Temos um colega de equipa ferido e, se prosseguir com a viagem, poderá arriscar ainda mais ferimentos.
Villanueva baixou a tigela dos lábios.
— Eu ficarei bem. Sei até onde posso ir.
Ashley olhou para ele.
— Estou certa de que sabes. Mas o que acontece se nos depararmos com mais problemas? Os teus ferimentos são um sério entrave à mobilidade da equipa.
— Se isso acontecer, deixem-me para trás. Não arrisquem a equipa por causa de mim.
— Nobres palavras, mas seríamos nós a abandonar-te. Eu, pelo menos, não farei tal coisa.
— Nem eu, pá. Se nos virmos num aperto, vamos todos ou não vai ninguém.
Villanueva abanou a cabeça e levou o caldo aos lábios.
— Civis… — balbuciou por cima da tigela fumegante.
Khalid falou em seguida.
— Então o que fazemos? Avançamos ou não? Parece-me que estamos condenados se o fizermos e condenados se não o fizermos.
— Tenho uma sugestão — disse Ashley. — Dividimo-nos. Linda e Khalid ficam aqui com o Villanueva, em segurança. Os restantes avançam. Tentaremos encontrar uma forma de sair daqui e regressaremos com uma equipa de resgate.
Todos ficaram em silêncio, enquanto consideravam o plano, depois Michaelson acenou com a cabeça,
— Parece-me que temos um plano. Uma equipa eficiente tem uma boa probabilidade de regressar lá acima. Mas, Ashley, não há razão nenhuma para vires também. O Ben e eu…
Ben interrompeu-o.
— O major tem razão. Dois poderão avançar mais depressa do que três.
— Tretas. Consigo avançar tão depressa quanto vocês e tenho pontaria mais certeira. Além disso, quanto mais olhos no caminho, melhor. Eu vou.
Os dois homens tentaram demovê-la com olhares determinados, mas ela não mudou de ideias. Por fim, Ben virou-se para Michaelson.
— É uma causa perdida, amigo. Vamos ter uma companhia feminina. Teremos de ficar atentos à linguagem e ver para onde cuspimos.
— Está bem — disse Michaelson. — Nesse caso, vamos dividir os mantimentos e pôr-nos a caminho. Teremos de viajar com pouco peso. Apenas o básico: armas, rádio, cantis, cordas.
Ashley pegou na pistola que guardara no coldre.
— E muitas munições.
Khalid manteve-se afastado, enquanto os outros se preparavam para a viagem. Com um semblante sério, fitava Ben e Michaelson que embalavam mantimentos. Villanueva esforçava-se por ser útil, desmontando o rádio e embrulhando os componentes-chave em sacos à prova de água. Estudou o Seal, calculando a força que restava a Villanueva.
Linda avançou para o seu lado.
— Olha para isto!
Khalid virou-se para ela.
— Há uma espécie de bolor fosforescente a crescer dentro deste diamante. — Tomou o pedaço vítreo nas mãos em concha e inclinou-se na direção dele, bloqueando a luz envolvente, o seu cabelo deslizando pelo rosto dele. — Vê!
O cristal, do tamanho de uma bola de golfe, lançava uma suave luz amarela entre as palmas das mãos dela.
— Porque não o juntas aos teus espécimes?
Espécimes? Demorou um momento a compreendê-la. Depois apercebeu-se de que se referia à coleção de diamantes do tamanho de punhos cerrados que guardara na sua mochila. Dissera-lhe que eram amostras geológicas, investigação científica.
— Assim farei — disse, aceitando o presente. Abriu atabalhoadamente a sua mochila e colocou o diamante cuidadosamente entre os restantes. Deslizou um dedo pelos outros diamantes. Doze deles.
Independentemente do desejo do seu patrão, não ia deixar aquela gruta de mãos vazias.
Linda observou os outros a partirem através do wormhole com sentimentos contraditórios. Saltava entre o nervosismo pela separação da equipa e o alívio por ficar escondida em segurança numa caverna a salvo de predadores.
Apercebeu-se de que Khalid regressara já ao estudo dos diamantes; parecia obcecado pela riqueza à sua volta, constantemente impelido a recolher fragmentos caídos. Villanueva dormitava por perto no seu colchão.
Só ela estava a olhar enquanto a luz de Ben se desvanecia na curva do wormhole. Perguntou-se que novas descobertas fariam, que maravilhas perderia ao ficar para trás. Uma pequena centelha de ciúme tentou transformar-se numa chama, mas os horrores que também os poderiam esperar diminuíam o seu arrependimento.
Olhando de relance para a pequena caverna, iridescente sob a luz das lanternas, sorriu ao pensar que ela, Linda Furstenburg, famosa claustrofóbica, se sentia feliz por ficar presa numa pequena câmara, vários quilómetros abaixo da superfície da Terra. Os outros que descobrissem novas maravilhas. Pelo menos ali não seria o jantar de ninguém.
Avançou até ao laboratório miniatura que tinha montado. Além disso, tinha muito para investigar ali mesmo. Sentou-se e confirmou duas vezes os seus números, depois analisou um novo crescimento de hifa sob o microscópio. Foi buscar uma lamela do fungo mais antigo e estudou-o também.
— Meu Deus, não é que se trata de cloroplastos? — murmurou.
Villanueva, que estava a dormitar por perto, abriu um olho.
— Está a falar comigo?
Linda corou.
— Não, desculpa. É que este bolor é fascinante.
Villanueva sentou-se, sendo óbvio que ainda estava grogue, mas sentindo-se igualmente aborrecido.
— O que descobriu?
— Inicialmente pensei que se tratasse de uma espécie dimórfica, duas formas do mesmo fungo. Mas agora não creio. Acho que são duas espécies únicas que sobrevivem simbioticamente. Cada uma sustentando a outra.
— Perdi-me, doutora.
— Um tipo de bolor, aquele com as hifas brilhantes, recebe a sua energia de sulfeto de hidrogénio nos gases vulcânicos residuais, mas o seu ritmo de crescimento é demasiado rápido para ser atribuído à dose de gás presente. Além disso, gasta muita energia a produzir o brilho.
— Então como é que consegue?
— É precisamente isso, existe uma segunda espécie de fungo entretecida na primeira. Este segundo fungo é um tipo de cloroplastos! — Apontou para a lamela do microscópio como prova.
O Seal encolheu os ombros.
— E então?
— Então, o segundo fungo usa a energia que o primeiro liberta sob a forma de brilho, como uma planta usa a luz do Sol. Alimenta-se da sua energia e, para além de crescer, produz sulfeto de hidrogénio para alimentar o seu parceiro brilhante.
— Então cada um dos bolores alimenta o outro.
— Exatamente! Mas, como é óbvio, deve haver mais. É necessária mais energia para sustentar esta relação. Seja do calor termal ou de algo existente na rocha, da decomposição ou de algo mais. Não sei. Há tanto para aprender. Podia passar anos só a estudar esta relação.
Villanueva parecia estar a perder o interesse pela sua revelação.
— Hum, ainda assim, eu preferia simplesmente sair daqui.
— Também eu, mas o fungo explica muita coisa.
— Como por exemplo? — Villanueva bocejou.
— Como o facto de os predadores que encontrámos ainda terem olhos. O porquê de se camuflarem tão bem nas rochas. Era estranho que criaturas isoladas há milénios na escuridão perpétua ainda tivessem olhos e necessitassem de se fundir com o meio envolvente. A maioria das espécies isoladas em grutas são cegas e albinas devido à escuridão.
— Hum, então o que está a dizer é que estas criaturas têm vivido sobretudo em áreas iluminadas.
— Ou pelo menos nas suas proximidades.
— É bom saber isso. Então onde quer que exista o fungo, também podem existir predadores.
— Exatamente!
Ashley apercebeu-se de duas coisas mal saíram do mais recente wormhole. Estava a ficar diabolicamente mais quente e o fungo crescia mais espesso e brilhante à medida que iam descendo.
Estavam a andar há já meio dia. Parando apenas periodicamente para experimentar o rádio. Nunca ninguém atendia a chamada.
— É melhor pouparmos pilhas enquanto podemos — disse Ben. — O brilho deve ser suficiente para vermos.
Tinha razão. Mesmo depois de todas as luzes apagadas, Ashley conseguia ver bem. Limpou a testa. A gruta à sua frente estava salpicada por piscinas borbulhantes de água fumegante, a sala tão quente quanto uma sauna. Fedia a ovos podres.
Ben ofereceu a Ashley um gole do seu cantil.
— Devemos estar a aproximar-nos de uma chaminé quente do vulcão.
Ashley acenou com a cabeça.
— Precisamos de um caminho ascendente. Depressa!
Michaelson chamou-os a vários metros.
— O teu desejo foi-te concedido, Ashley. Há aqui uma falha. Podemos escalá-la e parece subir pelo menos uns cem metros. Pode ser a oportunidade que procurávamos.
Ashley apressou-se até junto dele. Estava capaz de trepar por um penhasco liso, se isso a afastasse daquele calor sulfuroso. Voltou a acender a lanterna e observou a subida. A fenda era irregular, com muitos locais onde apoiar mãos e pés. O cimo estendia-se para lá da luz da sua lanterna. Excelente.
Ben aproximou-se dela pelo lado.
— Há um outro wormhole na parede sul. Volta a descer.
— E depois? Vamos por este lado.
Ben espreitou para cima.
— Não sei — balbuciou.
— Como assim? — Ashley dirigiu-lhe um olhar perturbado. — Isto é perfeito.
— Não conseguimos ver onde termina. Quem diz que termina numa câmara? Pode simplesmente afunilar.
— Ben, sente a brisa. Quase que te puxa pela fenda acima. Não disseste que isso significava a existência de passagens contínuas?
— Suponho que si. — A sua voz era um sussurro.
Ashley olhou de relance para ele, perguntando-se porque hesitaria. Decerto não seria por causa da subida. Parecia-lhe fácil.
— Ben?
Ben abanou a cabeça como se estivesse a libertá-la de teias de aranha.
— Claro, tens razão. Prendam todos os vossos ganchos rápidos e arneses antiqueda. Vamos subir.
Ashley fitou o australiano. Conhecia-o há pouco tempo, mas já conseguia ler os seus estados de espírito. Algo o estava a incomodar.
— Ben, tu és o especialista, se achas…?
Ele apertou a corda no lugar e aproximou-se da face da rocha.
— Não tenho nenhum problema com isto. Senti apenas um impulso para… — Abanou a cabeça outra vez. — Raios, não interessa. Vamos.
Ashley apercebeu-se de que a mão esquerda de Ben tremia quando agarrou o primeiro apoio.
Linda despertou subitamente, a cabeça a latejar. Khalid estava deitado num colchão próximo, ressonando ruidosamente. Fora um dos seus roncos que a sobressaltara. Olhou de relance para o relógio. Haviam passado quatro horas desde que os dois se tinham deitado para uma sesta depois do almoço. Olhou de relance para Villanueva. Também este dormia profundamente.
Estranho, nunca fora de dormir sestas, muito menos de permitir que as horas passassem assim. Sentou-se e espreguiçou-se. Claro que as presentes circunstâncias eram incomuns. Depois de ter passado o dia anterior a fugir dos monstros, o seu corpo merecia um descanso.
Levantou-se, e a câmara girou à sua volta; pequenos pontos de luz explodiram na sua retina. Quase caiu de joelhos, prestes a perder os sentidos. Depois de alguns segundos oscilantes, a câmara parou de andar à roda. Devia ter-se levantado demasiado depressa, pensou, abanando a cabeça. O coração batia com força nos seus ouvidos, cada batimento fazia latejar as suas fontes. Levou a mão ao cantil e bebeu um grande gole.
Respirando pesadamente, viu algo que quase a fez deixar cair o cantil. As paredes! Os fungos lisos que cobriam a parede estavam agora engalanados com bolas protuberantes. Enquanto observava, várias centenas dessas vagens rebentaram libertando um pó esvoaçante. Esporos! À luz da lanterna, nuvens ondulantes de esporos deslizaram pela câmara. Viu Khalid inalar uma golfada de ar poluído.
Aquilo não podia ser saudável. Ajoelhou-se ao lado de Khalid e abanou-lhe os ombros. Ele não acordou. Abanou-o com mais força. Nada. Ergueu-lhe as pálpebras; as pupilas estavam dilatadas sob a luz forte, sem resposta. Maldição, os esporos estavam a atuar como um droga! Anestesiando-os! Apercebeu-se de que, se continuassem a inalar a droga, os esperava uma overdose.
O fungo estava a tentar matá-los!
Agitada, a sua respiração tornou-se entrecortada. Botões de cor explodiam na sua visão. Os esporos! Tinha de permanecer calma. Tinha de respirar mais devagar. Inspirar uma dose menor da droga. Susteve a respiração. Ainda assim, a câmara voltou a girar. Pensa, raios!
Ocorreu-lhe uma ideia. Agarrou num lenço e despejou água sobre ele, ensopando-o. Tapou a boca e o nariz com o tecido a pingar. O pano húmido deveria filtrar os esporos. Pelo menos esperava que assim fosse.
Apressando-se, aplicou um pano igual ao rosto de Khalid, tentando impedi-lo de inspirar mais pó de esporos. Não morras.
Arrastou-se até junto de Villanueva. Por um instante, pensou que este tinha parado de respirar. Mas, analisando com maior cuidado, viu que o peito ainda subia e descia. No entanto, a sua pele adquirira uma tonalidade azulada. Cianótico. Preparou um terceiro lenço e envolveu com ele o rosto do Seal.
Cerrando os punhos, estudou-o. A respiração do Seal era rouca e superficial. Dado o seu estado mais debilitado depois do ataque do dia anterior, era mais suscetível à droga.
Olhou de relance à sua volta. Que fazer? O fungo brilhante tinha diminuído ao de leve o seu brilho ao lançar os esporos. Provavelmente por precisar de conservar energia para a produção do pó de esporos. Mas o que o havia desencadeado? O calor dos seus corpos? Uma alteração no nível de dióxido de carbono provocada pela sua respiração?
Não tinha tempo para procurar respostas. Naquele momento, tinha de os tirar daqui. Mas para onde? Não havia como saber que monstros os esperavam na outra câmara. E quem saberia o que os esperava se seguissem os passos da outra equipa.
Só uma coisa era certa. Se ficassem ali, morreriam.
Avançou até ao wormhole por onde Ashley e os outros tinham descido há várias horas. Uma ligeira brisa soprava através dele, agitando algumas madeixas louras do seu cabelo.
O ar era mais fresco, livre de esporos.
Tomou uma decisão. Teria de arrastar os outros dois homens através daquele wormhole. Se algo os ameaçasse do outro lado, poderiam sempre ficar na passagem. Mas, mais importante, a direção da brisa deveria impedir que os esporos entrassem no wormhole.
A ideia de se esconder durante dias no túnel estreito fê-la sentir uma pontada de ansiedade, mas Linda ignorou-a. Virou-se para os dois homens. Seria difícil arrastá-los ao longo do terreno irregular que constituía o solo. O caos de diamantes tornava os skates inúteis, mas uma vez no wormhole poderia usar as pranchas para os levar com facilidade dali para fora.
Avançou até às duas formas sedadas. Agarrando os braços do Seal carregou-o até ao wormhole, gemendo com o esforço. Depois de quinze árduos minutos, conseguiu levar os dois homens para o wormhole, deitados sobre os seus skates. A sua cabeça latejava e o suor fazia-lhe arder os olhos. Por aquela altura, já vacilava, ébria sobre as suas pernas, sem saber ao certo se isso se devia ao esforço ou aos esporos.
Salpicou o rosto com mais água, preparando-se. Sustendo a respiração, mergulhou no wormhole, tentando ignorar as paredes que se erguiam, apertadas, à sua volta, concentrando-se em manobrar os homens que seguiam à sua frente. Empurrou o corpo flácido de Khalid para a frente, batendo com a sua cabeça no trenó de Villanueva, fazendo o Seal avançar vários metros antes de abrandar e parar.
Avançar aos encontrões significava um progresso lento. Mas quanto mais se afastavam da câmara, mais desanuviada ficava a sua cabeça. Parou por um instante para descansar, apoiando o rosto no braço. Tinha conseguido! O ar era mais limpo, ali.
Um gemido ergueu-se de Khalid. Estava a acordar. Linda permitiu-se um sorriso cansado. Apenas uma vaga sensação de desconforto provocada pela rocha envolvente se intrometia na sua satisfação. Mas era como a provocada por um mosquito irritante, não o normal rugido de pânico. Não, o aperto cerrado do túnel perdera a sua força. Ela tinha-os salvado.
Ashley seguiu o exemplo de Ben, colocando as mãos e os pés onde ele tinha posto os seus. Os dedos dela ardiam e as coxas gritavam. Os fungos que cresciam nas paredes tornavam-nas escorregadias, mas pelo menos, quanto mais subiam, menos fungos havia. Ao progredir, acabaram por ter de ligar as lanternas dos seus capacetes. Com o desaparecimento do bolor, a escuridão perpétua avançara para os engolir.
Michaelson seguia atrás, empurrando-a nalgumas zonas mais difíceis.
Ashley observou Ben a fixar a fita expresso de escalada numa fenda mais acima e prender-lhe a corda. Ia trauteando roucamente num sussurro enquanto trabalhava. Passadas duas horas a escalar, já estava farta da música.
— Ben — chamou Michaelson mais abaixo. — Ainda falta muito?
— Cerca de uma hora.
Ashley gemeu, encostando o rosto à pedra.
— Mas parece haver um grande parapeito, cerca de nove metros mais acima —continuou Ben. — Devemos poder fazer uma pausa para almoço antes de avançarmos para a última secção da subida.
Agarrando-se a essa pequena esperança, Ashley agradeceu aos deuses da escalada.
— Então vamos lá para cima, Ben. Estou farta de estar para aqui pendurada.
Observou enquanto Ben levava a mão a um apoio e se içava.
— Tu é que quiseste vir por aqui — disse ele, bem-humorado. — Eu queria seguir pelo caminho mais fácil. Por isso, para de te lamentar.
Pelo menos, a sua hesitação inicial parecera ter-se desvanecido à medida que subiam. A primeira hora de escalada fora fácil, mas não passara de aquecimento para a escalada quase vertical com que se debatiam ao longo da última hora.
Ashley esticou-se para colocar a mão onde Ben tivera anteriormente um pé. Não lhe conseguia chegar. Procurou um ponto alternativo para se agarrar na face lisa. Tudo o que a fitava era uma parede nua. Maldição.
— Ben, não consigo passar deste ponto — gritou, tentando dissimular o pânico crescente.
Ben olhou de relance para ela.
— Não faz mal, Ash. Larga a parede. Eu iço-te com a corda até ao nível do próximo gancho rápido. Depois podes voltar a agarrar a parede. Aqui tenho um bom apoio.
Ashley engoliu em seco. O bom senso mantinha-a agarrada à parede.
Ben piscou-lhe o olho, parecendo ler a sua mente.
— Não te vou deixar cair.
Envergonhada pelas suas dúvidas, forçou as mãos a largarem a parede. Os mosquetões de travagem mantiveram-na no mesmo local, pendurada na corda. De súbito foi içada, enquanto os braços de Ben puxavam a corda através da fita expresso, os músculos tensos como cordas.
Com dois puxões, encontrou-se junto dele, balançando ainda a um metro da parede. Ben estendeu a mão para ela. Ashley estendeu o braço. Os dedos dele deslizaram pela palma da sua mão, antes de a agarrar. Os olhos de Ben nunca deixaram os seus, puxando-a para si. Segurou-a com firmeza pela cintura, a palma da mão quente através da t-shirt húmida de Ashley, enquanto ela colocava os pés em posição e agarrava a parede.
— Obrigada, Ben.
— Sempre às ordens, querida — sussurrou-lhe ele ao ouvido, tocando em seguida ao de leve com os lábios no rosto dela.
Ashley corou e afastou o olhar.
— É… hum… melhor continuarmos. O Michaelson está à espera.
Ben virou-se para a parede e prosseguiu. Ashley observou-o a subir com a facilidade de uma cabra montês, as pernas bem abertas. Teve de se obrigar a afastar os olhos antes de poder continuar, o rosto ainda corado.
Passados dez minutos, estavam os três num parapeito a beber água morna e a comer carne e queijo secos.
Ben estava sentado ao lado de Ashley, a sua perna a tocar na dela. Comeram em silêncio, todos eles exaustos. Michaelson parecia perdido nos seus próprios pensamentos.
Por fim, Ashley sacudiu as migalhas do colo e ergueu-se, sentindo os músculos das pernas vacilar. Pousando os punhos cerrados nas ancas, olhou de relance para a vertente esburacada. Felizmente, era curta e de nível fácil. Se tivesse de trepar mais uma parede vertical, precisaria de pelo menos um dia de descanso.
Ben ergueu-se ao seu lado.
— Pronta?
Ashley acenou com a cabeça.
— Muito bem — disse Ben —, então vamos apertar os cintos e pôr-nos a andar. — Agarrou no rolo de corda e prendeu-a a si. Manteve-se perto dela, enquanto a atava, depois inclinou-se para ela. — Um dia vamos ter de experimentar isto, quando não estivermos no meio de uma escalada — disse com um sorriso malicioso.
Revirando os olhos, Ashley abanou a cabeça.
— Vamos pôr-nos a andar.
Assobiando de novo aquela maldita música, Ben lançou-se à encosta. Ashley seguiu-o. Durante uma boa parte da subida, pôde simplesmente andar, necessitando apenas de gatinhar sobre secções mais pequenas da subida. Perto do topo, contudo, a subida voltou a tornar-se difícil. Era necessário procurar com muito cuidado os melhores apoios para as mãos e os pés, cada metro conquistado com planeamento e músculo. Suspirando, Ashley olhou de relance para cima, perguntando-se se haveria como escapar daquela maldita fenda. Observou Ben que, de súbito, se içou e rolou para fora do seu campo visual. Tinha chegado ao cimo do penhasco! Com energia renovada, seguiu-o, esforçando-se por ir de apoio em apoio.
De súbito, o rosto de Ben surgiu na beira do penhasco, a poucos metros dela. Tinha um sorriso enorme.
— Então. Qual a razão de tanta demora?
— Sai mas é do meu caminho — disse Ashley com um sorriso a condizer.
Ben estendeu o braço e agarrou-lhe o arnês com a mão.
— Eu consigo subir sozinha. Só…
Ben puxou-a para si, beijando-a nos lábios, depois rolou para trás, puxando-a sobre o limite do penhasco e para cima de si.
Ashley riu convulsivamente, deitada em cima do peito dele. O alívio por, finalmente, ter suplantado o penhasco inundou-a. O nariz de Ben estava a poucos centímetros do dela. Mas ele não ria — limitava-se a fitá-la. A sua seriedade contagiou-a.
Havia fome no seu olhar, um desejo que ela nunca vira ser tão abertamente oferecido. E uma pergunta nos olhos dele. Enquanto o fitava, o riso dela morreu-lhe na garganta. Refreando-se apenas por um segundo, respondeu à pergunta inclinando-se e devolvendo-lhe o beijo, primeiro suavemente, depois com uma paixão há demasiado tempo reprimida.
Em resposta, Ben envolveu-a com os seus braços, absorvendo-a, envolvendo-a ainda mais contra si, os seus corpos apertados um contra o outro tão febrilmente quanto os lábios.
Foram interrompidos por palavras.
— Se os dois pombinhos já acabaram, fazia-me jeito uma mãozinha.
Corando furiosamente, Ashley rolou de cima de Ben e sentou-se.
Michaelson, com a mochila maior, lutava para passar por cima da beira. Ben aproximou-se e puxando pela mochila conseguiu içar o major.
Michaelson ergueu-se apressadamente.
— Bem, já cá estamos em cima. Mas onde raio estamos?
Tossindo para limpar a garganta, Ashley lançou a Ben um olhar culpado. Deviam ter estado a analisar o espaço. Libertou a lanterna de mão e acendeu-a. Os dois homens seguiram o seu exemplo.
— Vamos descobrir — disse.
Ben tirou da mochila a bússola geoposicional.
— Continua sem funcionar. — Fechou-a e vasculhou o interior da mochila. — Esqueçam todas essas modernices dos computadores. Por vezes temos de recorrer a métodos mais antiquados. — Retirou da mochila um caixa prateada e riscada, do tamanho da palma da sua mão, e deu-lhe um beijo. — Ah! Aqui está a minha querida. Uma simples bússola magnética com um barómetro integrado para medir a pressão. Excelente para um cálculo aproximado da profundidade. — Estudou as medições da ferramenta minúscula. — Estimo que acabámos de subir duzentos metros. O que nos deixa muito mais perto de casa. — Apontou para a frente com a bússola. Devíamos seguir por aqui.
Ashley tomou a liderança, com Michaelson a coxear atrás de si.
À sua frente abria-se uma caverna espaçosa, um pequeno declive impedia-os de ver a câmara principal. Avançando, Ashley foi a primeira a chegar à elevação. Estacou quando a luz deslizou pelo piso da câmara à sua frente.
Ben estacou ao seu lado.
— Merda! — disse ao olhar para baixo.
— Maldição — sussurrou Michaelson.
Ashley alargou o feixe da sua lanterna. À sua frente, espalhados pelo solo da caverna, estavam milhares de ovos brancos do tamanho de melancias maduras. A maioria agrupados em grupos distintos. Ninhos. Várias zonas de cascas partidas, vazias, pontuavam o campo. A meio da caverna, três criaturas marsupiais imaturas, mais ou menos do tamanho de pequenos póneis, aninhavam-se umas contra as outras, os pescoços entrelaçados. Quando o feixe de luz de Ashley parou sobre elas, começaram a vagir estridentemente.
Linda tinha razão, pensou Ashley. Ovíparos, como os ornitorrincos.
— Isto não é bom — disse Ashley. — Não é nada bom.
Havia apenas mais uma passagem para fora da câmara. Um túnel suficientemente largo para deixar passar um comboio. Os gritos dos bebés prosseguiram, dissonantes como o som de uma unha num quadro de ardósia. O trio calou-se, encolhendo-se no seu ninho, depois um brado irrompeu do túnel à sua frente.
Algo grande e zangado avançava velozmente naquela direção.