CAPÍTULO 18

Inclinando-se sobre a proa verde do barco insuflável, Jason observou o rasto triangular que os seus dedos marcavam na água. Desejou que a mãe estivesse com ele. Não que estivesse assustado. Na realidade, o terror inicial da sua fuga no dia anterior dera lugar a uma mera preocupação. Sentia apenas a sua falta.

Atrás dele, Blakely ressonava, afundado no seu assento. Há quase um dia que ali estavam ancorados, a cerca de noventa metros da costa. Sem nada para fazer, nada para ver. Uma nuvem de fumo obscurecia a linha da costa. No dia anterior, breves explosões de fogo tinham iluminado os limites da água. Hoje, contudo, não restava mais do que fumo oleoso e escuridão. Era difícil perceber, sequer, em que direção se erguia a base. Nada mais do que paredes de vazio, como se estivessem a vaguear no espaço.

Jason rolou de costas. Um dos fechos do seu colete salva-vidas amarelo espetou-se-lhe no flanco. Contorceu-se para uma posição mais confortável, estudando o mundo por cima de si. A lanterna solitária lançava uma mancha de luz na direção do teto. Espreitando através da neblina negra, as estalactites apontavam para o barco. Como se estivessem a apontar para ele. Embora se afastassem, as lanças rochosas pareciam curvar-se e continuar a acusá-lo, antes de desaparecerem por fim no fumo.

Jason sentou-se repentinamente, agitando o barco. Esperem um minuto. Estavam ancorados. O barco não devia deslizar pelas estalactites. Estavam em movimento! À deriva!

— Doutor Blakely! — Jason arrastou-se através do fundo oscilante do barco, em direção ao cientista. — Há algo errado.

Blakely resmungou e ergueu-se no seu assento.

— Que foi agora, Jason? Viste outro peixe? — Endireitou os óculos, uma das lentes desaparecida algures durante o dia anterior. Estava constantemente a semicerrar o olho desprotegido, quase como se estivesse a piscar o olho.

— Olhe para cima, doutor Blakely! Estamos em movimento.

Suspirando, Blakely inclinou o pescoço para trás, os lábios fixos num trejeito desaprovador. Depois a sua expressão mudou, os dois olhos arregalados.

— Raios, estamos em movimento.

Blakely esticou a mão e começou a puxar o cabo da âncora, lançando a corda a pingar para os pés de Jason.

Jason tocou na corda coberta de limos e malcheirosa com um franzir de sobrolho. Blah!

— Maldição! — Blakely ergueu a ponta esfarrapada da corda. Sem âncora. — Parece que alguma coisa a roeu. — Largou a ponta da corda e sentou-se junto ao leme. — A corrente é forte aqui. Estamos a avançar rapidamente.

— Que vamos fazer?

Blakely avançou para o motor.

— Primeiro temos de descobrir para onde vamos. Jason, vai até lá à frente e liga o holofote.

Jason deslizou até à proa do barco, agarrou no holofote, ligou-o com o polegar e apontou o feixe frente. Uma larga lâmina de luz cortou a escuridão. Mas o fumo travou-a. Uma mortalha infindável de neblina oleosa bloqueava a luz a poucos metros da proa.

— Jason, porque não soltas estes remos? Podemos precisar de remar.

— Porquê? Não podemos usar simplesmente o motor?

Blakely abanou a cabeça.

— Já não há muito combustível no motor. E com um fumo tão espesso, seria um suicídio ir demasiado depressa. Podemos abalroar algo ou chocar contra a costa. Além disso, se estivermos perto da costa, e quem raio consegue dizê-lo no meio desta sopa de ervilhas, não quero chamar a atenção. Por isso, vamos remar.

Acenando com a cabeça, Jason fixou a luz e deslizou para o local onde se encontravam guardados os dois remos de plástico. Estava a erguer um do seu apoio quando Blakely praguejou subitamente. Jason ergueu os olhos.

Uma parede de rocha irregular corria na direção deles, estendendo-se em todas as direções. Punhais negros projetavam-se das paredes e das águas. A corrente estava a arrastar o barco diretamente para o aglomerado mais cerrado de pedras afiadas. De súbito, flutuar em grandes balões de borracha pareceu uma forma idiota de viajar.

Blakely gritou ao mesmo tempo que apoiava todo o seu peso no leme.

— Rapaz, vai para o lado direito e rema como um louco!

Jason compreendia o perigo e voou para o lado direito, inclinando-se sobre a borda do barco para mergulhar o remo. Remou como a mãe lhe ensinara quando faziam canoagem no rio Colorado. Afundou profundamente a pá do remo, com movimentos longos e rápidos.

— Não vamos conseguir — gritou Blakely, cada palavra mais alta do que a anterior.

A nota de pânico na sua voz era contagiante. O cuidadoso remar de Jason tornou-se frenético. Concentrou-se na água. Ainda assim, continuava à escuta, o sangue a martelar-lhe nos ouvidos, esperando ouvir a qualquer momento o som do barco a rasgar.

Os ombros ardiam-lhe com o esforço, mas continuava a mergulhar o remo.

— Estamos a virar! — A voz de Blakely tinha um laivo de esperança.

Jason olhou de relance por cima do ombro. O barco desenhava agora um arco em direção à parede, em vez de seguir a direito. Continuou a mover o remo.

— Ligue o motor! — gritou Jason.

— Não temos tempo. Não me atrevo a largar o leme.

Jason já tinha feito excursões de canoa suficientes para saber que não iam conseguir. Ainda assim lutava com o remo. Depois, através do fumo à sua frente, surgiu uma abertura na parede no preciso momento em que o barco se inclinava para o lado. Uma ampla boca negra. Se conseguissem apontar para ela, talvez pudessem evitar a parede irregular.

Blakely também a viu.

— É a nossa única oportunidade.

Jason mergulhou o remo com força. Felizmente, a corrente também os levava para aquele buraco. À medida que usava o remo, a proa do barco afundava-se mais na corrente.

— Cuidado com a cabeça! — gritou Blakely.

Jason baixou-se no preciso instante em que uma saliência rochosa passou sobre o barco. Estavam prestes a bater na parede! Agachou-se, antecipando a colisão. A força da corrente agarrou de súbito o barco e puxou a proa, levando-o a fazer a curva e a entrar no túnel negro.

— Conseguimos — disse Jason.

Deslizaram suavemente para o túnel. Jason gatinhou para a frente, até à luz da proa. Fê-la girar, examinando as paredes. Já não havia protuberâncias rochosas à espera para os apunhalar. Em vez disso as paredes eram vítreas e lisas.

— Parece seguro — disse Blakely. — Estamos no rio que drena o lago. Felizmente para nós, os anos de água a correr poliram essas paredes. — As suas palavras ecoaram, transmitindo uma sensação de vazio.

O rio transportava o barco para o fundo do túnel. A luz penetrou no túnel até uma curva mais à frente.

— Para onde vai? — perguntou Jason.

— Não sei, e não me parece que seja uma boa altura para explorar. Vejamos se conseguimos virar o barco, e nessa altura ponho o motor a trabalhar.

Jason passou um remo a Blakely e cada um deles ficou num dos lados. Jason remava em frente, enquanto Blakely remava para trás. O barco começou a girar sobre o seu eixo, precisamente quando a corrente os levava para lá da curva o túnel. O rio mais além descia subitamente numa inclinação íngreme. A crescente velocidade da corrente puxou de novo a proa do barco.

— Segura-te, Jason! — disse Blakely, ao mesmo tempo que o barco era arrastado para águas mais velozes.

Jason engoliu em seco, enrolando uma mão na corda do remo. O barco mergulhou na corrente, acelerando rapidamente. A luz da proa balançava nas águas revoltas. O que viu mais à frente levou Jason a prender também a outra mão na corda.

O túnel fazia uma curva apertada. O rio traçava um arco pelo lado da parede ao avançar para a curva, inclinando-se num ângulo impossível.

— Merda! — vociferou Blakely, limpando rapidamente os borrifos de água dos óculos com o punho da camisa, agarrando-se em seguida ao remo, freneticamente.

O barco lançou-se em frente, subindo pela parede ao fazer a curva. Como andar num escorrega de água através de um túnel de esgoto, pensou Jason. Observou, enquanto o lado do barco de Blakely se erguia acima da sua cabeça. O cientista esforçou-se por permanecer no assento, com as pernas a escorregarem no piso de borracha lisa. Jason estremeceu, rezando para que o barco não se virasse.

Depois o barco voltou a cair quando passaram a curva, atirando Jason para o chão.

— Mais uma curva! — gritou Blakely.

Jason preparou-se. Desta feita foi o seu lado do barco que se ergueu. Viu a área careca no topo da cabeça de Blakely. Depois o barco voltou a nivelar-se.

— Como é que paramos…?

Blakely semicerrou os olhos, fitando o túnel mais à frente enquanto o barco acelerava por entre as paredes.

— Não sei. Só espero que acabe por se nivelar para que possamos abrandar. Aguenta-te! Aí vem mais uma curva!

Depois de mais cinco curvas, Jason começou a sentir o estômago revolto. As rações secas que tinha comido ao pequeno-almoço eram como um caroço no estômago.

— Vou ficar maldisposto — balbuciou.

— Chiu! — disse Blakely. — Escuta. — O barco tinha abrandado um pouco, o rio nivelara-se, mas a corrente ainda era forte.

Refreando um gemido, inclinou a cabeça. Que fora agora? Depois também o ouviu. Parecia o som de alguém a gargarejar. Foi crescendo e crescendo até se tornar ribombante.

Blakely disse as palavras seguintes como se lhe ferissem a boca.

— Queda de água. — Agarrou no remo. — Temos de virar o barco e ligar o motor!

Jason olhou para a galeria rochosa que se apertava à sua volta. Não tinham espaço para virar, mesmo que ignorassem a torrente de água. Depois lembrou-se de algo que a mãe lhe tinha ensinado.

— Gire na próxima curva! — gritou por cima do som ribombante.

— O quê? — Blakely olhou para ele como se ele estivesse louco.

— Quando estivermos a fazer a curva, a força da água pode ajudar-nos a girar.

— É demasiado perigoso.

Jason apontou para a frente.

— Sim, mas então e aquilo!?

— Bem visto. Como viramos?

Jason gesticulou freneticamente, enquanto tentava explicar:

— Incline o remo na direção oposta na próxima curva. Obrigue a proa a subir a parede. A corrente fará girar a popa. Fazendo-nos virar. Eu e a minha mãe tentámos fazê-lo certa vez.

— Funcionou?

— Bem, não. Virámos o barco.

— Ótimo.

— É suposto funcionar. Só o fizemos mal.

— Bem, só temos uma oportunidade para o fazer bem. Aí vem a próxima curva! — Blakely teve de gritar para ser ouvido por cima do rugido das águas.

Jason deslizou para junto de Blakely, pronto a acrescentar o seu peso ao leme.

— Empurre quando eu disser! — gritou.

Blakely acenou com a cabeça.

Jason esperou até a ponta do barco entrar na curva.

— Agora!

Blakely empurrou o leme, apoiando-se nele. Jason fez igualmente força. A proa subiu pela parede, inclinando o barco na vertical.

— Não largue! — gritou Jason, sentindo que Blakely começava a soltar o leme. — Não enquanto não nos tivermos virado!

O barco estremeceu por um instante, depois a proa do barco deu a volta, o holofote apontando para onde tinham vindo.

— Meu Deus! — disse Blakely de olhos muito abertos. — Conseguimos.

Jason virou-se para ver para onde a corrente os continuava a arrastar. Quase cem metros mais à frente, o rio entrava numa ampla caverna. Semicerrou os olhos, fitando o espaço que se aproximava. Que estranho. Esfregou os olhos, olhando de relance para as paredes do túnel à sua volta. Não desapareceu.

— Olhe, parece que as paredes emitem uma espécie de luz.

Blakely inclinou o pescoço para ver.

— Uma espécie de bolor brilhante. — Puxou a corda para ligar o motor. Este rugiu, mas morreu.

— Oh-oh! — exclamou Jason. — Olhe!

Blakely já o tinha visto e puxava freneticamente pela corda.

Mais abaixo na corrente, o brilho revelava um remoinho de águas brancas, como tubarões agitados num frenesi de sangue. O rugido exercia agora pressão contra os seus tímpanos, chocalhando dentro do crânio. O rio desaparecia para lá das águas agitadas. Sobre um penhasco!

Jason virou-se para Blakely, ao mesmo tempo que o barco avançava para a queda a pique.

— Depressa!

Com um sacão violento, o motor gaguejou — depois arrancou! Blakely rodou completamente o acelerador. O motor lutou contra a corrente. A princípio, não aconteceu nada. A corrente continuava a puxar o barco em direção à queda de água. Mas por fim, a pouco metros das águas brancas, o motor começou a gemer. O barco estava agora imóvel no rio. O motor a lutar contra a corrente.

— Vá lá, vá lá, vá lá… — Jason tentava incitar o barco a avançar.

Como se o tivesse ouvido o barco começou a mover-se, primeiro devagar, depois mais e mais depressa.

Jason gritou de alegria. Blakely exibia um sorriso rasgado.

Até o motor morrer.