CAPÍTULO 19
Outro grito penetrante. Estava quase na caverna.
Ashley procurou outra saída do ninho. Até mesmo uma pequena fenda onde se pudessem esconder. Uma análise rápida com a lanterna não revelou senão rocha.
— Temos de descer outra vez! — disse Ben, apontando de novo a lanterna para o penhasco.
Michaelson já tinha na mão a caçadeira de canos cerrados.
— Não, ficamos e matamo-la.
Ashley abanou a cabeça.
— Pode haver mais. O som dos tiros pode atrair todo um bando dessas malditas criaturas. Só disparamos se estivermos encurralados.
Ben olhou de novo para o penhasco.
— Eu diria que estamos encurralados.
— Só precisamos de um sítio para nos escondermos — disse Ashley. — Com sorte, se a mamã vir a caverna vazia, perderá o interesse e irá embora.
— Mas onde? — perguntou Michaelson. Verificou a espingarda, para ter a certeza de que o carregador estava bem inserido.
Ben agarrou no rolo de corda que levava ao ombro.
— Podemos ficar pendurados no penhasco. Esperar que se vá embora. Se nos vir, descemos em rappel pela face do penhasco.
Os braços de Ashley pareciam ainda esparguete mole, mas que escolha tinham eles?
— Boa ideia. Vamos.
Ashley deslizou do cume, seguindo Ben até ao limite do penhasco. No cume, Michaelson protegia a retaguarda, observando o túnel, atento à chegada da «mamã».
— Prende a corda naquela estalagmite — indicou Ben. — Assim.
Ashley seguiu o exemplo de Ben, puxando pelo nó ainda com mais força do que ele. Deu-lhe um terceiro puxão.
— Já está apertado o suficiente, Ash.
— Só queria ter a certeza. — Observava Ben a preparar a corda do major numa terceira protuberância rochosa. Ben lançou a corda enrolada sobre a beira do penhasco, deixando-a cair.
Um grito de raiva ribombou através da caverna. Ela olhou de relance para o ninho.
Michaelson corria pela encosta na direção dela, agarrando a caçadeira com uma mão.
— Aqui vem ela!
— Ash! Põe-te a andar. Vou garantir que o Michaelson está bem preso.
Ashley acenou com a cabeça, passando a corda pelo mosquetão.
— Não corras riscos.
— Quem, eu? — Ben piscou-lhe o olho, fazendo-a avançar em direção à beira do penhasco. Ouviu-se um novo grito. — Depressa!
Ashley passou a corda sobre a beira do penhasco e desceu alguns metros, depois parou usando o travão. O limite do penhasco impedia-a de ver Ben enquanto descia. Maldição, não conseguia ver o que se passava no topo, mas conseguia ouvir.
— Não esperes, Ben! Põe-te a andar para o penhasco! — A voz de Michaelson era quase histérica. — Está logo atrás de mim!
— Põe-te mas é a andar para aqui, amigo.
Uma chuva de pedra de xisto solta caiu para lá da beira do penhasco quando o major deslizou e estacou.
— Ela está a ver-nos! Lá vem ela!
O som de garras a raspar na pedra lançou uma catarata de arrepios pelas costas de Ashley. Um grito de raiva explodiu vindo de cima, soando como se proviesse da beira do penhasco.
Michaelson saltou de súbito sobre o penhasco, com a corda a zumbir através do mosquetão. As suas botas bateram contra a rocha alguns metros à esquerda dela. O rosto dele estava vermelho como uma beterraba sob o brilho da luz do capacete de Ashley.
— O Ben? — perguntou, fitando o limite do penhasco.
Entre golfadas de ar, Michaelson abanou a cabeça.
— Ele… ele… apagou a luz… escondeu-se atrás de um pedregulho. Acho que a criatura não o viu. Estava concentrada em mim.
Ashley desejou que estivesse em segurança, fitando a corda vazia que pendia à sua esquerda. Conseguia ouvir algo a fungar por cima das suas cabeças. Caíram mais pedras de xisto, acertando em Michaelson.
Uma cabeça reptiliana surgiu sobre o limite do penhasco, observando com um olho negro e depois com o outro. Estava logo acima do major. A sua busca cessou, um olho a apontar na direção de Michaelson. Abrindo as mandíbulas, gritou-lhe.
Michaelson desceu mais um metro, agora bem para lá do alcance do comprido pescoço da criatura. O predador silvou à presa que lhe escapava, em seguida inclinou a cabeça uma última vez antes de serpentear para lá do rebordo do penhasco. Ashley libertou o ar que prendera no peito, enquanto Michaelson lhe mostrava um polegar erguido. Estavam em segurança. Então e Ben? Fitou o rebordo do penhasco. Um arquejo à sua direita atraiu de novo a sua atenção para Michaelson. Tinha perdido o equilíbrio, batendo contra a parede, quando a sua corda foi puxada para cima. Observou, de olhos muito abertos, enquanto a sua figura agitada era arrastada mais um metro. Bateu violentamente contra a parede com o ombro.
— Meu Deus! Está a puxar a minha corda! — Foi içado mais um metro, ficando a apenas dois do topo.
Uma vez mais a criatura espreitou sobre o limite do penhasco, o olho inclinado na direção de Michaelson, a corda apertada entre os dentes! Recuou, arrastando Michaelson pelo ar, deixando-o pendurado nas suas mandíbulas.
Ashley tentou soltar a pistola com uma mão, ao mesmo tempo que agarrava a corda com a outra. Os seus dedos lutavam com o fecho que prendia a arma. Maldição! Lutou com o coldre, depois imobilizou-se ao ouvir Ben.
— Olá, grandalhona. Isso é maneira de tratar um convidado? — Fez seguir as suas palavras de um assobio sonoro.
Ashley observou enquanto a criatura se contorcia na direção da voz, fazendo agitar loucamente Michaelson. A criatura abriu a boca para silvar ao novo intruso, largando a corda.
Michaelson mergulhou para lá de Ashley, agitando os braços e as pernas. A folga da corda chegou ao fim e esta ficou tensa com um esticão. O major chocou contra a parede. O som de um osso a estalar acompanhou a colisão.
Ashley baixou os olhos para ele. Gemia, os olhos semicerrados com a dor, enquanto lutava para se colocar em posição de rappel, usando apenas uma perna. Satisfeita por constatar que o major sobrevivera à queda, virou-se de novo para o rebordo do penhasco.
O monstro tinha desaparecido para lá do horizonte do seu campo visual. Conseguia ouvi-lo a fungar e a cheirar lá em cima, as garras raspando hesitantemente a pedra, procurando. Vá lá, Ben, vem para baixo. Pôs-se à escuta, tentando captar algum sinal do que se estava a passar lá em cima. Silêncio. Olhou de relance para a esquerda. A corda de Ben não estava lá! Quando é que tinha desaparecido?
Um sonoro fungar de satisfação voltou a atrair a sua atenção. A caçadora tinha encontrado a sua presa. Seguiu-se um raspar e correr frenético.
— Olha, «mamã»! — A voz de Ben era feroz. — Fiz-te um cachecol novo.
Um uivo de raiva.
De súbito Ben saltou do penhasco, lançando-se para o espaço vazio, a corda atrás de si. Ao chegar ao fim da folga, deu uma volta no ar de modo a ficar virado para a parede e mergulhou na sua direção. Usando as pernas, absorveu a maior parte do impacto. Apenas um «Uf» explosivo indicava que a colisão tivera algum efeito sobre ele.
— Ben…? — disse Ashley, aliviada e confusa. — Então e a…?
Ben apontou para cima.
Ashley virou os olhos de novo para a beira do penhasco. A cabeça do marsupial pendia dele, a língua como borracha pendurada na boca aberta. A corda de Ben estava presa em redor do seu pescoço, abrindo um sulco na sua carne.
Ben fitou a criatura, fazendo beicinho.
— Ora, mas que falta de gratidão. Acho que não gostou do meu presente.
Enquanto o Seal gemia e abria os olhos, Linda verificava a sua pulsação.
— Está a despertar — disse. Temia que, no seu estado enfraquecido, os esporos dos fungos tivessem sido demasiado fortes para ele.
— Isso é bom — disse Khalid. Tendo em conta o semblante enjoado, ainda estava sob o efeito dos esporos. Fechou os olhos e pressionou as fontes com os dedos.
— Toma. Experimenta isto. — Linda passou-lhe uma toalha húmida. — Recosta-te e põe isto sobre os olhos.
Khalid sorriu tenuemente, mas aceitou a oferta.
Enquanto se recostava, Linda virou-se para Villanueva. Limpou a testa do Seal. Com a ajuda de Khalid tinha sido capaz de o transportar para uma câmara relativamente livre de fungos. Um riacho de água fresca deslizava pela caverna, o seu cheiro ligeiramente ácido devido aos minerais dissolvidos. A única entrada para aquela câmara era um buraco estreito, demasiado pequeno para predadores de grandes dimensões. Ainda assim, pousara uma pistola numa pedra ao alcance da mão.
Villanueva esforçava-se por falar por entre os lábios pegajosos.
— Á-á-água…
Linda ajudou-o a sentar-se e levou uma caneca aos seus lábios. Com as mãos trémulas, Villanueva agarrou na caneca e bebeu sozinho.
— Que aconteceu? — perguntou, olhando para Khalid, que agora ressonava baixinho sob o pano molhado.
Linda explicou a história dos esporos de fungos tóxicos enquanto ele terminava a sua água.
Villanueva devolveu-lhe a caneca.
— Será que há alguma coisa aqui em baixo que não nos queira comer?
Linda sorriu-lhe.
— É um ambiente hostil. Acho que, para se sobreviver aqui em baixo, é preciso aprender a usar em pleno todos os recursos. Isso significa uma concorrência intensa e diversos modos de ataque.
— Ótimo. Que se seguirá? Borboletas carnívoras?
Linda encolheu os ombros.
Villanueva abanou a cabeça.
— Raios, fazia-me falta um cigarro.
— Não creio que isso seja bom para ti.
Villanueva ergueu as sobrancelhas.
— Quase me arrancaram um braço, fui abanado como um boneco por um monstro e agora o raio do bolor tentou envenenar-me. Acho que consigo sobreviver a um cigarro.
Linda acenou com a cabeça.
— Posso ver nas coisas do Khalid. Ele tem alguns maços a mais. De certeza que não se importa de te dar um. — Puxou a mochila para si, surpreendida com o seu peso, depois abriu as bolsas. Vasculhou por entre a roupa extra e o equipamento de escalada. — Deve estar por aqui algures.
— Não faz mal. Eu posso…
— Cá está, acho que encontrei um. Enrolado em celofane. — Com o braço enterrado até ao cotovelo, sentiu o plástico a restolhar sob as pontas dos dedos. — Apanhei-o! — Libertou o braço, agarrando a sua descoberta. Envergonhada, apercebeu-se de que não era um maço de tabaco. Curiosa ergueu o objeto para a luz para o ver melhor.
Os olhos de Villanueva abriram-se repentinamente quando viu o que ela tinha na mão.
— Cuidado com isso.
— Que é?
— Explosivos plásticos. Deixa-me ver.
— Explosivos? — Entregou-lhe o bloco de barro enrolado em celofane.
Ele virou o embrulho.
— Esta insígnia aqui estampada. Fabrico alemão.
— Porque havia…? — Olhou de relance para o homem adormecido. — Sendo geólogo talvez tenha pensado que poderia precisar de explodir algumas secções para obter amostras.
O Seal abanou a cabeça.
— Eu fui informado de tudo. Ter-me-iam dito se alguém tivesse trazido explosivos. É obviamente contrabando. Passa-me a mochila dele.
Sustendo a respiração, mil pensamentos assaltavam-lhe a mente enquanto lhe entregava a mochila de Khalid. Recordava-se agora de quão reservado ele fora sempre que alguém lhe tocara na mochila. De quão estranhas eram as suas expressões quando alguém fazia perguntas acerca do seu passado. Mas também recordou a força com que a puxava pelas encostas mais íngremes e as simpáticas palavras de encorajamento.
Villanueva fechou a mochila.
— Estão aqui doze pacotes. O suficiente para fazer desabar todo este vulcão em cima de nós. — Levou a mão à pistola dela, mas os seus ferimentos impediram-no de a alcançar. — Dá-me a tua arma.
Instintivamente, Linda começou a obedecer, mas imobilizou-se com a mão no punho da pistola. Subitamente, insegura quanto ao que fazer.
Com um sonoro ronco, Khalid tossiu e acordou. Afastou o pano do rosto e sentou-se.
— Que estão…? — Os olhos saltaram de Villanueva com a mochila, para Linda com a arma. As sobrancelhas uniram-se, descendo sobre os seus olhos. A sua pronúncia tornou-se mais forte. — Que raio estão a fazer com a minha mochila?
As palavras dele eram dirigidas ao Seal, mas o calor da sua raiva também a queimou. Envergonhada, as palavras saíram de rompante.
— Estávamos à procura de um cigarro e…
Villanueva interrompeu-a.
— Qual é o teu objetivo, Khalid? Quem te enviou?
— Não sei do que falas. Devolve-me a mochila.
O Seal abanou a cabeça.
— Vai para o inferno.
Linda recuou um passo dos dois adversários. A arma pendia flacidamente dos seus dedos. Os seus olhos continuavam fixos em Khalid. Era o mesmo homem que tinha partilhado o seu cantil com ela. O mesmo homem que a libertara quando ficara presa na fenda estreita.
O seu movimento atraiu o olhar de Khalid. Falou com ela, apontando com o polegar para Villanueva.
— Está febril? É o veneno dos fungos? Por que razão está a agir assim? — Acenou para que ela se afastasse do Seal. — Tem cuidado. Pode ser perigoso.
Entorpecida, viu os seus próprios pés começarem a avançar na direção de Khalid.
— Ele está bem. Só não compreende por que razão tens explosivos.
— Afasta-te dele! — Villanueva lutou por se levantar, mas estava demasiado fraco e instável. Voltou a cair. — Não confies nele. Dá-me a arma.
Khalid virou-se para ela.
— Não. Ele vai matar-me.
Linda olhou de relance para o Seal.
Os lábios de Villanueva desenhavam uma linha cruel.
— E que tinhas tu planeado para nós com todos estes explosivos?
Khalid baixou a cabeça.
— Linda, deixa-me explicar. Ele está a distorcer tudo. Não sou um terrorista árabe. Está a deixar que o seu preconceito o iluda.
— Khalid…? — Linda deu um só passo na direção dele, não deixando senão um metro entre ambos.
— Cuidado!
As palavras de Villanueva foram demasiado lentas. Muito mais lentas do que a velocidade do salto de Khalid. Este estava sobre ela antes mesmo que Linda conseguisse respirar. Tomou-a num forte abraço. Uma das mãos deslizou pelo braço dela e retirou-lhe a arma da mão.
— Lamento — sussurrou-lhe ao ouvido. — Não era suposto ser assim. — Com a arma na mão, soltou-a.
Linda recuou alguns passos, cambaleante, as lágrimas acumulando-se nos seus olhos.
Apontou a arma a Villanueva.
— Então e agora, Khalid? — disse o Seal com um esgar. — Como é que achas que vais sair daqui?
— Aligeirando a carga. — Puxou duas vezes o gatilho. A cabeça de Villanueva foi projetada para trás, dois pequenos furos surgiram na sua testa. O corpo deslizou para o chão.
Linda gritou. Tapando o rosto, caiu de joelhos, soluçando, à espera de sentir a qualquer momento as balas a trespassá-la também.
Uma mão tocou-lhe no ombro. Sem palavras.
Linda encolheu-se para fugir ao toque e continuou a chorar. A mão não voltou a tentar tocar-lhe. Por fim, os soluços que a agitavam dissiparam-se num simples correr das lágrimas. Ergueu os olhos.
Khalid estava sentado sobre os calcanhares, de cabeça inclinada. Mantinha a arma nas mãos com o conforto e a facilidade de quem segura uma caneta. Ele deve ter-se apercebido do olhar dela.
Linda fungou.
— Porquê?
As palavras dele eram secas, destituídas de emoção.
— Foi-me atribuída uma missão. — Khalid virou-se para olhar para ela. — O Blakely foi ingénuo. A notícia da sua descoberta de uma enorme estátua de diamante chegou a muitos ouvidos. Um cartel de diamantes sul-africano abordou o meu empregador. Se a fonte destes diamantes enormes fosse descoberta arruinaria o mercado de diamantes. Os preços cairiam em flecha. Fui incumbido de descobrir a fonte dos diamantes e sabotar o local. Fazer explodir todo o sistema.
Ela baixou a cabeça.
— Tantas mortes só por dinheiro.
Khalid estendeu a mão e voltou a cabeça dela para si, as pontas dos dedos quentes do contacto com a arma.
— Não — disse ele. — Aceitei esta missão dos sul-africanos por mais uma razão. Uma que me é mais querida. Da mesma forma que com o mercado dos diamantes, se este continente se apresentar como um importante concorrente no mercado da extração petrolífera, poderá devastar a economia do Médio Oriente. O petróleo é o sangue do meu país. Antes de haver petróleo o meu país era pobre. Sem educação, sem cuidados de saúde, sem forma de escapar à areia. Não permitirei que isso volte a acontecer. Não depois de alcançado tanto progresso. — Um relampejo de dor brilhou nos seus olhos. — Preocupo-me com o meu país tanto quanto tu te preocupas com o teu. Matarias para salvar o teu país?
Sentindo-se insegura, Linda não respondeu, limitando-se a virar o rosto.
Soltando o queixo dela, Khalid levantou-se.
— Preciso de voltar para a superfície. Terminar a minha missão. — Aproximou-se do corpo de Villanueva. — Ele tinha de ser morto. Aquilo que descobriu representava uma ameaça à minha missão. Mas… de ti… preciso. Mais um par de olhos, mais um par de mãos. É um longo caminho até ao topo.
Linda permitiu-se um momento de esperança.
— Tenho a minha missão e não irei falhar — disse ele. — Podes ficar aqui… ou podes vir comigo. Mas tens de compreender. Se vieres comigo e traíres o meu segredo, serei obrigado a matar outra vez. — Khalid estendeu a mão para ela. — Posso confiar em ti?
Linda fitou a palma da mão calejada. Se fosse com Khalid, este poderia virar-se contra ela tão depressa quanto se virara contra Villanueva. Mas ficar ali sozinha, desarmada, significava morte certa.
Envolvendo o corpo com os braços, Linda ignorou a mão dele e tomou uma decisão.
— Vou contigo.
Graças a Deus, pensou Michaelson quando Ben parou à sua frente. Equilibrou-se com uma mão no ombro do australiano. A tala improvisada em torno do tornozelo mordia-lhe a canela. A engenhoca mal-amanhada tinha sido apressadamente aplicada na perna depois de terem voltado a subir para a zona do ninho. Andar era possível, mas o seu passo era lento e incerto. Michaelson estremeceu quando viu o que ainda tinham de andar até alcançarem a saída do ninho.
— Ouviram alguma coisa? — perguntou Ben, com a cabeça inclinada para o lado.
Ashley abanou a cabeça. Michaelson pôs-se à escuta.
Vários metros atrás deles, os pequenos predadores marsupiais silvaram ao grupo, com as suas pequenas cristas a subir e descer. Os seus protestos tinham-se tornado mais estridentes à medida que se apercebiam de que o grupo ia deixar o ninho. Ainda assim, o túnel permanecia a alguma distância, um golpe negro na parede.
— Não — disse Michaelson. — Nada. Parece vazio.
Ben acenou com a cabeça, usando um dedo para limpar um ouvido.
— Podia jurar… — Continuou em frente.
Michaelson seguiu-o, os passos atabalhoados devido ao tornozelo ferido.
Ashley colocou-se ao seu lado.
— Como te estás a aguentar?
— Bem, mas continuo a achar que deviam continuar sem mim. Estou a atrasar-vos.
Ashley franziu o sobrolho.
— De qualquer maneira, é melhor avançar devagar. Não temos como saber o que nos espera mais à frente.
Resignado, avançou cambaleante atrás de Ben, mantendo um olho na entrada do túnel. Um objetivo. Começou a contar os passos, os números ímpares dolorosos quando apoiava o seu peso na perna dorida.
Ao trigésimo terceiro passo, chegou por fim à abertura. Encostou-se à parede do túnel, o suor a ensopar a sua testa. Uma pontada de dor começara a latejar do seu lado direito. Maldição, devia ter estalado uma costela, pensou, passando a mão desse lado.
Ben aproximou-se dele. Tinha feito o reconhecimento da passagem enquanto esperava que Michaelson chegasse até ali. Olhou de relance para o local que Michaelson massajava e ergueu uma sobrancelha, mas felizmente não fez perguntas. Já fora suficientemente embaraçoso precisar que o australiano lhe salvasse o couro quando aquela criatura zangada o apanhara. Não fora pela proeza temerária de Ben, estaria morto.
Baixou a mão ao lado do corpo.
— Que descobriste?
— É um verdadeiro labirinto aqui em baixo. Há passagens que se cruzam por todo o lado. Algumas estão iluminadas por fungos. Outras estão vazias. Precisamos de ter cuidado.
— Pelo menos temos muitas vias de fuga.
— Sim, mas qual das passagens nos permitirá sair daqui?
— Só há uma maneira de descobrir. — Suprimindo um estremecimento, apontou para o túnel. — Depois de ti.
Ben apontou a luz para a frente e entrou no túnel. Depois de vários metros de cuidadosos progressos, Michaelson apercebeu-se de que a descrição que Ben fizera das passagens que os esperavam era um eufemismo. No primeiro cruzamento depararam-se com cinco passagens rochosas que partiam em todas as direções.
— Agora vamos por onde? — perguntou Ben, dirigindo a sua pergunta a Ashley.
Michaelson saltitou para a frente, irritado por Ben o ter excluído do processo de tomada de decisão. Mesmo que estivesse ferido, não deixava de ser o militar de maior patente ali presente. A segurança deles ainda era a sua principal responsabilidade.
Ashley apontou para cada um dos túneis com um feixe de luz. Pousou a luz numa das passagens.
— Esta passagem parece subir. E tem algum daquele bolor brilhante na parede.
Michaelson espreitou para o túnel escolhido. Emitiu um ruído reservado.
Ashley olhou para ele.
— O bolor vai permitir-nos conservar pilhas. Ainda não sabemos quanto temos de andar antes de encontrarmos uma saída deste buraco infernal, por isso é melhor pensarmos em poupar. Tentemos manter-nos pelas passagens iluminadas dentro do possível. Além disso, quanto mais luz tivermos à nossa volta, mais segura me sinto.
Michaelson acenou com a cabeça. Por muito que lhe custasse, a avaliação da situação era boa. Não podia tê-lo planeado melhor.
— Então vamos — disse.
Ben voltou a assumir a dianteira. Baixou a intensidade da lanterna para emitir apenas uma luz fraca e difusa, apenas o suficiente para iluminar alguns nichos e recantos mais escuros. Quanto ao resto, o bolor cada vez mais espesso tinha brilho suficiente para que pudessem ver. Ben acenou para que apagassem as luzes, incluindo as dos capacetes.
Michaelson seguiu Ben. Ashley cobria a retaguarda, de pistola na mão. Michaelson cerrava os maxilares, tanto devido à luz quanto à frustração com a sua forma física. Devia ser ele a proteger a retaguarda ou a avançar à frente, mantendo-se atento aos perigos. Não devia seguir ensanduichado como um menino da mamã superprotegido.
No entanto, não podia discutir com a ordem por que avançavam. Ben já se distanciara vários metros enquanto ele se esforçava por acompanhar. Olhando de relance para trás, equilibrando-se no pé bom, observou Ashley a verificar a passagem atrás de si. Ela virou-se para a frente e viu-o a olhá-la fixamente. Sorriu-lhe debilmente, quase como se estivesse a tentar reconfortá-lo.
Franzindo o sobrolho, aumentou o ritmo dos seus saltos. As passagens laterais e os cruzamentos voaram por eles. Nem sequer tentou memorizar o caminho, mantendo os olhos fixos nas costas de Ben, esforçando-se por acompanhar o seu ritmo. Por muito que o seu sangue quente o fizesse avançar para lá da dor, para lá da incapacidade que sentia, o seu passo febril acabou por abrandar de novo até um arrastar patético. Ben desapareceu numa curva no túnel. Arquejando agora, centelhas de luz dançavam à frente dos seus olhos, a dor a subir do tornozelo como faíscas.
Parou apoiando-se na parede, o seu flanco a arder, agora, como uma chama escaldante.
Ashley avançou até junto dele, a sua voz era uma mescla de preocupação e raiva.
— Não te esforces demasiado. Não estamos numa corrida. O progresso cauteloso permitir-nos-á sair daqui.
— Estou a abrandar-vos. — Falava por entre os dentes cerrados com a dor.
O rosto de Ben surgiu de súbito à sua frente. Maldição, aquele australiano avançava em silêncio quando queria. Ben apresentava uma expressão preocupada.
Michaelson fitou Ben, irado.
— Estou bem. — O seu olhar desafiava-o a discordar.
— Isso é bom — disse Ben, a voz um sussurro urgente —, porque acho que estamos a ser seguidos.
Ashley avançou para junto de Ben.
— Como assim?
— Estou constantemente a ouvir algo a raspar e restolhar nas passagens vizinhas. A manter o mesmo ritmo que nós.
— Talvez seja apenas o eco dos nossos próprios passos — disse Ashley, mas os seus olhos dardejaram para trás dela. — Não ouvi nada. — Olhou de relance para Michaelson. — E tu?
Michaelson abanou a cabeça, mas não estava em posição de dizer o que quer que fosse. Tudo o que conseguia ouvir enquanto avançava eram os seus arquejos ofegantes e o coração a bater nos ouvidos. Raios, nem sequer ouvira Ben a aproximar-se até este estar mesmo em cima dele.
Ben silvou as suas palavras.
— Têm de saber o que ouvir. Conheço os sons que são naturais numa gruta. E estes não são normais.
— Que fazemos? — perguntou Ashley.
— Precisamos de o despistar, mas o que quer que seja conhece estas passagens melhor do que nós. A nossa única esperança é a velocidade. Temos de ser mais rápidos.
Michaelson estava consciente de que Ben não olhara de relance para ele. Ashley também não o fez, mas um silêncio desconfortável abateu-se como um peso sobre eles. Sabia o que estavam a pensar. Precisavam de avançar depressa, mas recusavam-se a deixá-lo para trás.
Revirando os olhos, ia falar quando também ele ouviu. Todos ouviram. Seis olhos viraram-se ao mesmo tempo para trás. Algo raspou a pedra atrás deles, fora do seu campo visual, seguido pelo som de uma só pedrinha a ser desalojada, tombando, saltitando. Estava algo ali atrás.
— Deixem-me — disse Michaelson. Sacou da pistola e apontou-a. Não para o caminho que tinham percorrido, mas para Ashley e Ben. — Agora.
— Para com essa merda — disse Ben. — Não estamos num filme do Rambo. Sabemos que não vais disparar contra nós.
— Não vou permitir que os meus ferimentos nos matem a todos. — Ergueu o cano da pistola para a sua própria fonte, pressionando o bocal frio contra a pele quente. — Vão ou disparo.
— Michaelson… — A voz de Ashley estava tensa de medo. — Somos uma equipa.
— Vão. Cobrirei a retaguarda durante tanto tempo quanto possível.
— Não! — disse Ashley. — Vens connosco.
— Vão. — Puxou o cão com o polegar. — Agora, ou dentro de três segundos não terão ninguém para cobrir a retaguarda.
Viu Ashley engolir em seco e olhar de relance para Ben em busca de ajuda. Se algum deles o tentasse agarrar, dispararia. Sabia que teria de os obrigar a deixá-lo para trás. Uma segunda pedrinha deslizou algures atrás deles.
Ben virou-se para Ashley, a tensão obstinada dos seus ombros perdida.
— Ele tem razão. Temos de pensar nos outros. Se não encontrarmos ajuda, também eles morrerão.
Os punhos de Ashley cerraram-se até os nós dos dedos ficarem brancos.
— Odeio isto.
Ben pousou uma mão no ombro dela. Virou os olhos para Michaelson.
— Sei que estás determinado em fazer disto uma missão suicida. Estilo kamikaze e isso tudo. Mas cerca de cinco metros mais à frente há uma pequena alcova com uma minúscula poça de água. É suficientemente grande para esconder três Marines. Sugiro que te aboletes. Será um lugar seguro para te esconderes e oferecer-te-á boa cobertura caso precises de disparar.
Michaelson acenou com a cabeça, desconfiado.
— Vão. Vou vê-la depois.
Ben puxou Ashley consigo.
— Anda. Talvez consigamos levar os nossos perseguidores para longe dele.
Ashley deixou-se levar, mas não antes de os seus olhos se fixarem nos do major uma última vez, as lágrimas nos cantos das pálpebras.
— Dennis, tem cuidado. Não faças nada parvo.
Michaelson acenou-lhe com o cano da arma. Viu-a virar-se e partir com o braço de Ben à sua volta. Desapareceram para lá da curva seguinte sem olharem para trás. Escutou enquanto o som dos seus passos se desvanecia ao longo do túnel até nada restar senão o silêncio. Escutou cuidadosamente, forçando a audição, assegurando-se de que tinham partido sem dúvida, além de tentar escutar o som revelador dos seus perseguidores.
Nada ouviu para além do latejar da pulsação nas fontes. Continuou à espera. No entanto, passada quase uma hora, não viu nem ouviu nada. Talvez Ben tivesse entrado em pânico por nada, mas não se conseguia convencer. Ben conhecia demasiado bem as grutas para ser enganado por um eco ou por ruídos naturais.
Lambeu os lábios secos, cobertos de pó e suor seco. Agitou o cantil que trazia no cinto. Quase vazio. Era melhor seguir o conselho de Ben e procurar a tal alcova. Encher o cantil e aboletar-se aí.
Estremecendo, cambaleou tão silenciosamente quanto possível ao longo do túnel, em busca da passagem lateral. O raspar da sua bota no chão rochoso soava explosivamente alto no túnel vazio. Felizmente, poucos passos depois da curva na passagem, viu uma pequena abertura negra do lado direito da parede do túnel. Acendeu a sua lanterna e iluminou a abertura com a luz. Era escuro lá dentro, sem fungos brilhantes, apenas vazio. O teto era baixo. Demasiado baixo para ficar de pé, mas se se mantivesse agachado poderia entrar e mover-se de um lado para o outro. No canto, um pequeno fio de água escorria pela parede e acumulava-se numa poça.
Testou-a com um dedo. Tinha um forte sabor mineral, mas devia ser potável. Depois de ter bebido os últimos goles do seu cantil, posicionou-o contra o fio de água e encheu-o de água fresca.
Satisfeito, instalou-se junto à abertura, escondido nas sombras; o brilho da passagem coberta de bolor permitia-lhe ver em ambas as direções sem ser visto. Era uma posição segura. Esperou com a arma a apontar em frente.
Cobardes, pensou, era isso que eram: cobardes, todos eles. Por muito lógica que fosse a decisão de abandonar Michaelson, sentia-se como um cão a fugir com o rabo entre as pernas.
Seguiu as costas de Ben através do labirinto serpenteante. Tinham passado quase cinco horas e durante as breves pausas para beber água quente do seu cantil continuou a ouvir sons atrás de si, por vezes a uma longa distância, outras logo ao virar de uma curva cega.
Ben parou à frente dela, a testa ensopada de suor, e abriu a tampa do cantil. Levou-o aos lábios e bebeu um gole curto. Limpando a boca com o punho da camisa, disse:
— Não faz o mínimo sentido. — Abanou o cantil e franziu o sobrolho.
O dela também estava quase vazio.
— Como assim?
— Por esta altura, já devíamos tê-los despistado ou sido apanhados. Este impasse é muito estranho.
— Talvez estejamos apenas com sorte.
O som de pedras soltas num túnel à direita fê-los saltar a ambos.
Ben torceu o nariz, como se sentisse o cheiro de algo desagradável.
— Não confio na sorte, tal como não confio nestas grutas.
Ashley tapou o seu próprio cantil depois de ter bebido o suficiente para limpar o pó de pedra da boca.
— Vamos.
Ben avançou a um ritmo mais rápido, os músculos dos seus ombros tensos, a arma apertada na mão.
Aquela espera constante também começava a afetá-la. Que raio os perseguia? E por que razão não atacava? Sentiu o ácido escaldante revolver-lhe o estômago. Quase desejava que os seus perseguidores atacassem. Pelo menos, assim poderia lutar… fazer algo mais do que fugir de medo.
Durante a hora seguinte, percorreram inúmeros túneis, uns que subiam, outros que desciam, alguns com pisos lisos, outros repletos de pedregulhos, uns iluminados por fungos, outros negros como breu.
Ben segurava a bússola de prata na mão livre.
— Estamos a avançar na direção errada. Para longe da base.
— Que escolha nos resta? — A fome e as passagens serpenteantes estavam a deixar Ashley tonta. Ia mordiscando as rações secas enquanto avançavam, mas precisava de uma refeição. Deu por si a sonhar com um cheeseburger com uma dose extra de batatas fritas. E, claro, uma Coca-Cola. Aquele líquido quente no seu cantil quase nem lhe humedecia a boca.
Tropeçou numa pedra, os reflexos embotados fizeram-na cair de joelhos. Tentou erguer-se, mas as pernas objetaram, os músculos cansados e esgotados. Voltou a cair com um suspiro.
Ben voltou para junto dela e agachou-se.
— Não podemos parar agora.
— Eu sei — disse ela, pesadamente. — Só preciso de um minuto, mais nada.
Ben sentou-se ao lado dela, repousando uma mão no seu joelho, apertando-lhe a perna num gesto de conforto.
— Havemos de sair daqui.
— Havemos? — sussurrou ela. E se não conseguissem sair dali? Pensou no filho, protegido pela segurança da Base Alfa, e deixou cair a cabeça. Pelo menos Jason estava seguro. Se algo lhe acontecesse…
Cerrou os dentes. Para o diabo com aquele tipo de pensamentos! Ela ia ver o filho em breve. Imaginou o sorriso tolo dele quando algo o surpreendia, a maneira como o seu cabelo se acachapava teimosamente à frente, mas se espetava atrás de uma orelha. Afastou a mão de Ben do joelho e levantou-se. Nem que tivesse de lutar contra todos os malditos predadores daquele buraco infernal, voltaria a ver o filho.
— Vamos — disse, oferecendo uma mão para ajudar Ben a levantar-se. — Temos de encontrar o caminho para casa.
— A mim parece-me muito bem. — Ben dirigiu-lhe um dos seus sorrisos rasgados, mostrando todos os dentes, depois partiu pela passagem.
Ashley avançou atrás dele, determinada, pronta a correr quilómetros se necessário. Mas passados apenas cem metros, Ben parou. Ergueu uma mão no ar, inclinando a cabeça.
Ela permaneceu em silêncio, esforçando-se por ouvir. Mas não ouviu nada de incomum.
— Ben…? Que foi?
— Uma brisa. — Ben apontou para um túnel lateral.
Ashley avançou para o seu lado. Agora que ele falava nisso, conseguia sentir uma ligeira brisa vinda da passagem, erguendo alguns fios do seu cabelo preto.
— Que significa isso?
— Eu acho… que é o fim do labirinto.
— Então vamos. — Ashley avançou, assumindo a liderança.
Enquanto avançavam, a passagem estreitou-se em curvas apertadas, a brisa tornando-se cada vez mais forte. Os fungos que cobriam as paredes tinham diminuído à medida que seguiam as suas curvas, até serem obrigados a acender as lanternas de mão e dos capacetes.
Depois de quase um quilómetro e meio a andar, Ben vociferou:
— Raios.
— Que foi?
— Ainda nos falta atravessar uma passagem lateral nesta galeria. Seria fácil ficarmos presos aqui. Não temos por onde fugir.
Ashley franziu o sobrolho e continuou. Ótimo. Mais uma coisa com que nos preocuparmos. Mas estavam determinados, e só havia um caminho: sempre em frente.
Enquanto contornava a curva apertada seguinte, o teto tornou-se mais baixo. Agachando-se, prosseguiu. A brisa transformara-se num vento, soprando madeixas do seu cabelo contra o rosto, agitando-o atrás de si como se apontasse para que voltassem atrás. Os ouvidos silvavam com a passagem do vento.
Ben tocou-lhe nas costas.
— Ouviste aquilo?
Ela contorceu-se para olhar para trás.
— O quê?
— Estão atrás de nós… e aproximam-se depressa.
Ashley virou-se para a frente, os lábios apertados em linhas tensas. Aumentou o ritmo, mantendo-se agachada e correndo contra o vento. O vento soprava a partir de um wormhole no final do túnel. O primeiro que viam desde que tinham entrado no labirinto.
Correu para a frente, rezando para que aquele túnel os levasse para cima, em direção a casa. Ajoelhou-se junto à abertura e apontou a lanterna. O que viu forçou um gemido por entre os seus lábios. Não só descia, como o fazia com uma inclinação assustadoramente íngreme, levando-os para as profundezas do continente.
Ben inclinou-se ao seu lado. Já tinha sacado do skate e soltava o fecho para o esticar.
— É melhor que te apresses, Ash. Estão cerca de cem metros atrás de nós.
Apontou sombriamente para o wormhole.
— Desce. E bastante, diria eu.
— Não podemos voltar para trás. — Ajudou-a a soltar a prancha. — Tenho a crescente desconfiança de que fomos conduzidos a este local.
— Como? — Soltou o fecho para esticar a prancha.
O raspar da pedra ecoou atrás deles.
— Não há tempo — disse Ben. Apontou para o buraco. — Primeiro as senhoras. — Apontou a arma para o caminho que tinham percorrido.
Ashley olhou de relance para o túnel atrás deles, depois para Ben. Inspirou fundo e enfiou-se pelo wormhole na sua prancha. A inclinação da descida depressa fez acelerar o seu mergulho. Travou com as mãos enluvadas e a biqueira das botas, mas não conseguiu mais do que abrandar ligeiramente a velocidade.
Ouviu Ben no wormhole atrás de si, as rodas a correrem velozes na sua direção.
— Diabos! — gritou-lhe. — Parece um trenó. Vejamos se aqueles sacanas nos apanham agora!
Por aquela altura, a velocidade da sua descida era tal que tentar travar lhe queimava as mãos, mesmo através das luvas de escalada. E à medida que voavam ao longo do túnel, os omnipresentes fungos começaram a surgir a espaços nas paredes.
— Estamos num enorme saca-rolhas! — gritou Ben. — Consegues sentir a força centrífuga?
Conseguia. A prancha subia cada vez mais alto nas paredes, à medida que a velocidade aumentava e as curvas do túnel se tornavam mais apertadas. Tentar travar agora era impossível. Durante a sua veloz descida, o fungo tornara-se mais e mais espesso, o seu brilho quase ofuscante. O bolor também tornava as paredes escorregadias, de tal modo que nem fincar as botas no chão oferecia uma travagem significativa.
Ashley esperava que o túnel nivelasse antes de terminar. Que lhes desse uma oportunidade para abrandar. Àquela velocidade, odiaria ser cuspida do túnel na direção de uma estalagmite. Observou o túnel à sua frente, rezando por um abrandar da inclinação.
Sem sorte. A saída do túnel surgiu depois da curva seguinte. Sem tempo para travar. Sem tempo para abrandar. Não teve senão tempo para cobrir a cabeça com os braços e encolher-se.
Saiu disparada do túnel, projetada para a caverna seguinte. Momentaneamente cega devido à luz forte, guinou e saltou através do piso ligeiramente irregular. Quando os olhos se ajustaram viu-se a avançar na direção de uma parede sólida de vegetação amarela. A colisão fê-la tombar da prancha, mas a vegetação amparou a sua queda, embora tivesse rebolado durante vários metros.
Quando parou, ergueu-se de joelhos. Já estava quase de pé, quando Ben chocou contra ela com um grito sonoro. Ashley caiu num emaranhado de braços e pernas.
— Bem, isto foi diferente — disse Ben, falando com o joelho esquerdo dela.
Ashley libertou-se e levantou-se com um gemido. Com todo o corpo dorido, olhou à sua volta, enquanto Ben se levantava. O campo de vegetação amarela, como trigo, erguia-se à altura do peito e estendia-se por vários quilómetros ao longo do chão da caverna. Quilómetros! Inclinou o pescoço, olhando à sua volta. Aquela câmara era monstruosa, tornando até a Caverna Alfa diminuta por comparação. Quase como o Grand Canyon — mas com tampa. As paredes estendiam-se por centenas de metros de altura. O teto, longínquo, brilhava com fungos espessos, que nalgumas zonas brilhavam com a força do sol. Olhou de relance para os suaves campos amarelos que ondulavam pela ampla planície, quebrados apenas por pomares minúsculos de árvores finas, como ilhas num mar.
— Acho que deixámos o Kansas — disse Ashley de boca aberta.
Um restolhar na vegetação desviou-lhe a atenção do panorama à sua volta. A vários metros de distância, algo avançava pelo campo na direção deles, contornando os aglomerados de árvores. Demasiado baixo para ser visto, não fora pelo rasto dos caules dobrados, como um tubarão dentro de água.
Olhou de relance para Ben, ao mesmo tempo que recuava. Apontou para a esquerda. Outras duas ondas avançavam na sua direção. Estudou o campo com maior atenção, apercebendo-se agora de outros três rastos que avançavam para eles. Seis ao todo.
Recuou, puxando a manga de Ben. Este não resistiu.
Quase tropeçando, saiu do campo para a rocha nua e tropeçou até ficar junto à abertura do wormhole. As pranchas tinham-se perdido algures no campo. Levando a mão à pistola, tocou no coldre vazio. Raios, devia ter perdido a arma durante a queda.
Virou-se para Ben. Felizmente, ele tinha a pistola a postos, apertada na mão direita.
— Perdi a minha pistola — disse por entre os lábios cerrados.
— Não faz mal. Eu perdi os carregadores extra. E já só me restam três tiros neste.
Ashley fitou os seis rastos que avançavam lentamente na sua direção. Aquilo não era bom. O mais próximo estava a uns meros nove metros. Tinha parado e mantinha a posição. Aguardando. Em breve os outros alcançaram-no.
— Para o wormhole? — perguntou.
— A mim parece-me bem. Vai.
As palavras deles pareceram despertar as criaturas no campo. Correram à velocidade da luz. O movimento súbito fez Ashley estacar agachada junto ao wormhole, como um veado ofuscado pelos faróis. As seis criaturas emergiram repentinamente da parede de vegetação, depois estacaram em conjunto, apoiadas nas quatro patas, de quartos traseiros erguidos, prontas a saltar, agitando as caudas.
Pareciam um cruzamento entre um lobo e um leão. Pelo cor de âmbar, uma juba espessa em redor dos pescoços, olhos enormes, pupilas rasgadas, longos maxilares repletos de dentes ferozes. Um rosnar constante ergueu-se da matilha.
— Para — sussurrou Ben. — Nada de movimentos súbitos.
Ashley não estava a pensar em mexer-se, permanecendo imóvel e agachada, os olhos colados aos seis pares de olhos que não pestanejavam enquanto a fitavam. E estava disposta a permanecer assim durante tanto tempo quando possível, até algo ter saído disparado do wormhole e a ter agarrado pelo tornozelo. Um grito agudo explodiu-lhe da garganta.