CAPÍTULO 28

Michaelson agachou-se junto do seu arsenal, inventariando as armas: uma espingarda desdobrável, uma AK-47 de canos cerrados, duas pistolas e quatro caixas de balas calibre .34. Porque não pedira ele um lança-granadas para aquela missão? Abanou a cabeça

Franzindo a testa, apercebeu-se de que não tinham a mínima hipótese de sair dali vivos se fosse necessário combater. Sentou-se sobre os calcanhares, estremecendo perante o protesto do tornozelo magoado.

Atrás de si um casal copulava à vista dos restantes caçadores, com os seus gemidos a interromperem o silêncio da câmara. Tendo passado ali a última noite com Harry, quase se habituara à sua liberalidade.

Durante a noite, a mesma paixão aberta tinha sido abundantemente exibida. Ainda assim, mantinha-se de costas para eles e estudava um dos guerreiros que trabalhava num canto.

A criatura parecia idosa, com o cabelo encanecido nas fontes, magra, mas de olhos penetrantes. Agarrava na mão uma ponta de seta de diamante ainda grosseira e espalhava uma pasta cinzenta sobre a sua superfície. Mesmo sob a luz ténue dos fungos, conseguiu ver um brilho avermelhado aparecer na ponta da lança. Estalando a língua de satisfação, espalhou uma camada mais espessa da pasta no limite da arma grosseira. Os seus limites brilhavam agora com um vermelho-fogo ainda mais profundo.

Fascinado, Michaelson observou enquanto o artífice utilizava outra ferramenta para trabalhar a ponta da lança de diamante, afiando o gume do agora suave diamante. A pasta parecia ter enfraquecido a superfície do cristal, dando-lhe uma consistência maleável, embora, tendo em consideração os músculos tensos dos antebraços da criatura, permanecesse duro, resistente, quase como chumbo amolecido. Michaelson observou enquanto o homem trabalhava o diamante e o transformava numa lâmina afiada.

Então era assim que os sacanas o faziam, pensou. Esculpiam pedaços de diamante com a ajuda de um bolor que amolecia o cristal. Como último passo, a criatura idosa mergulhou a sua obra numa bacia de água. Removendo a lança que pingava, bateu-lhe com um utensílio de osso. Emitiu um som semelhante ao de uma taça. Uma vez mais sólida.

Espantado, Michaelson ergueu-se e esticou as pernas. O casal apaixonado tinha terminado a sua brincadeira sexual e ficara deitado, dormitando nos braços um do outro. Conseguiu esticar as pernas, mas o teto baixo impedia-o de endireitar as costas.

Uma súbita explosão de vozes perto da entrada do labirinto de cavernas pertencentes aos caçadores chamou-lhe a atenção. O discurso truncado estava imbuído de um toque de pânico. Pensando que a confusão poderia ter a sua origem numa tentativa de fuga apressada do grupo de Ashley, Michaelson agarrou na pistola carregada. Abriu caminho através da pequena multidão até ao centro da confusão. Passando pelo último mirone, estacou quando se apercebeu da fonte de tal agitação.

Quatro caçadores transportavam um corpo numa maca rudimentar. Repousaram a forma flácida aos seus pés, o uniforme rasgado do Seal ainda mais ensanguentado do que da última vez que tinha sido visto. Tendo em conta a palidez cianótica e os olhos fixos e vidrados, soube que não valia a pena verificar a pulsação.

— Villanueva — disse. — Maldição. — Michaelson colocou a arma no coldre e ajoelhou-se. Pegou na mão flácida do amigo. — Foda-se — cuspiu. Fitou os dois buracos de bala na testa do Seal. Dois. Aquilo, claramente, não fora um suicídio. Alguém o assassinara. Mas quem?

Ashley conteve um grito de frustração. Já fora mau o suficiente que tivessem desperdiçado um dia naquela reunião do conselho. Agora Mo’amba, o seu único aliado, traíra-os. Apertando os punhos, os seus ombros tremiam. Jason podia estar em perigo naquele momento. Fechou os olhos. Ele tinha de estar bem…

Ben falou ao seu lado, espetando um dedo no peito de Harry.

— Não podes ter ouvido Mo’amba como deve ser. Ele disse que ajudaria.

— Chiu! — disse Harry, acenando com uma mão para Ben. — Estou a tentar ouvir.

Mo’amba recomeçara a falar depois da sua acusação. Provavelmente apertando ainda mais o nó em redor dos seus pescoços, pensou Ashley. Estudou a câmara do conselho, fitando as saídas e contando os guardas.

Harry recomeçou a traduzir de forma hesitante, mas com uma confiança crescente à medida que se concentrava. Mo’amba falava calmamente:

— Estes recém-chegados ao nosso mundo provocaram a morte do tin’ai’fori. Foi isto que li nas palavras sussurradas dos nossos antepassados.

O grupo de lacaios de Bo’rada bateu os seus bastões com força, o som ecoando dolorosamente através da câmara. Ashley reparou, contudo, que Sin’jari, o braço-direito do líder não batia o seu bordão em aprovação, exibindo apenas um frágil sorriso de triunfo.

Mo’amba ergueu uma mão pedindo silêncio antes de continuar.

— Mas estes recém-chegados não são demónios. São de carne e sangue, tendões e osso. Como nós. Não é a sua maldade que nos prejudica. Apenas a sua ignorância.

Sin’jari, cujo sorriso dera lugar a um esgar desconfiado, falou.

— Não importa. Os homens da nossa tribo estão a morrer e a lei é clara. Os responsáveis têm de morrer. E até tu concordaste que eles são responsáveis. Eu digo para votarmos.

Harry parou a tradução, lambendo os lábios secos. Olhou de relance para Ashley.

— Eu disse que aquele tipo é um sacana.

Ashley acenou com a cabeça sem afastar os olhos de Mo’amba. O heri’huti exibia a sombra de um sorriso. Ergueu a mão.

— O nosso estimado Sin’jari afirma que as nossas leis são claras em relação a este assunto. E, uma vez mais, tenho de me curvar perante o conhecimento do nosso colega. Ele tem razão. Os responsáveis pela morte de outros têm de morrer. É a lei. — Mo’amba fez uma pausa. Quando Sin’jari tentou de novo falar, Mo’amba franziu-lhe o sobrolho, silenciando a sua intervenção.

Em seguida Mo‘amba inclinou-se pesadamente sobre o seu bordão, como se aquela reunião o deixasse exaurido. Falou lentamente, dando a Harry bastante tempo para traduzir:

— A palavra-chave na nossa lei é responsável. Eu não disse que estes recém-chegados eram responsáveis. Disse que eram culpados. Foi a sua ignorância em relação a nós e aos nossos costumes que os levou a errar e a, inadvertidamente, nos fazer mal. Não podemos responsabilizar alguém por ações de que não estava consciente.

Foi a vez de Bo’rada falar.

— Isso são apenas palavras. O resultado é o mesmo.

— Palavras? — respondeu Mo’amba, fixando os seus olhos no líder da tribo. — Foram estas palavras que mantiveram a tua mão direita presa ao pulso. Pareço lembrar-me de um rapazinho que conduziu uma manada de trefer’oshi para longe dos seus redis. E depois destruiu quase um décimo da colheita desse ano. A lei determina que uma mão que prejudique o bem-estar da tribo deve ser cortada.

— Eu era só um rapaz na altura — balbuciou Bo’rada. — Eu não sabia o que estava a fazer. Não podiam responsabilizar-me por…

Sin’jari estendeu o braço e agarrou o joelho do líder, impedindo-o de continuar a falar, tentando limitar os danos.

Mo’amba virou-se para os outros anciãos da aldeia, apoiando-se com força no bordão, as suas costas curvadas.

— Sou um homem velho. De longe mais velho do que qualquer um de vocês. Testemunhei todos os vossos erros ao crescer. E, no entanto, todos vocês têm ainda as mãos, os pés — apontou com um dedo para Sin’jari — e os narizes. Errar é um processo de aprendizagem. Estes recém-chegados também estão a aprender. Temos de os ensinar, não de os destruir.

Um murmúrio espalhou-se pela câmara. Sin’jari moveu-se no seu assento, um dos seus sequazes inclinou-se e sussurrou-lhe algo ao ouvido. Sin’jari acenou com a cabeça, depois pigarreou.

Harry dirigiu a Ashley um olhar que parecia dizer «cá vamos nós outra vez». Harry traduziu as palavras de Sin’jari como se lhe deixassem um gosto amargo na boca:

— Mo’amba é sábio como sempre e deu-nos muito em que pensar. Mas como sabe que o mal feito ao nosso tin’ai’fori protetor foi acidental? Como provocaram os recém-chegados estes danos? Como?

Excelente, pensou Ashley, como devia o velho responder àquilo?

Mo’amba falou.

— Há vários dias que rezo por esclarecimento para esse assunto e ocorreu-me uma resposta. Através dos seus erros, criaram um desequilíbrio entre ohna, o espírito feminino, e umbo, o espírito masculino. Um desequilíbrio que está a destruir o tecido do nosso mundo. O nosso mundo está a desfiar-se.

Um murmúrio abafado espalhou-se pela câmara. Até Sin’jari permaneceu em silêncio.

Jus’siri ergueu-se para falar.

— Como pode isto ser impedido?

— Tenho de vos mostrar — disse Mo’amba. — Então tudo ficará claro. Saberão o porquê de ter protegido estes estrangeiros. Se matarmos estes recém-chegados, destruiremos a única maneira de revertermos estes danos.

Sin’jari fungou.

— Isto é ridículo. Ele só está a tentar adiar a votação. Eu digo que votemos já. Que os destruamos antes que nos destruam a nós.

Bo’rada pousou uma mão firme no ombro de Sin’jari, silenciando-o.

— Já antes fui acusado de ser demasiado intempestivo. Mas desta vez farei a vontade ao conselho. Digo que ouçamos Mo’amba. A questão é demasiado séria.

Sin’jari pareceu encolher-se sob as palavras do líder.

— Mostra-nos, Mo’amba — continuou Bo’rada. — Mostra-nos como ocorreu isto e como pará-lo.

Mo’amba acenou e abriu caminho até à saída da câmara do conselho, com os outros membros a avançarem em fila atrás dele. Ashley e o seu grupo foram conduzidos pelos guardas atrás dos anciãos da tribo.

— Eu sabia que o velhote não nos ia trair — disse Ben a Ashley.

— Ainda não saímos daqui — respondeu ela. Mas pela primeira vez sentia esperança. Com a cooperação da tribo e o seu conhecimento do labirinto de grutas, podiam regressar à Base Alfa num par de dias. Estugou o passo para acompanhar os anciãos da aldeia, contendo o desejo de os empurrar para que se apressassem.

Depois de percorrerem vários túneis e subirem um serpenteante lanço de escadas gravadas na rocha, o conselho entrou em fila indiana numa câmara no interior da qual o grupo mal cabia. Ashley teve de se apertar entre Tru’gula, cujo pelo fedia como um cão molhado, e a parede de pedra para conseguir ver o que se passava.

Sussurrou a Harry:

— Onde estamos?

Harry encolheu os ombros, empurrando Tru’gula. O líder dos caçadores resmungou algo, furioso. Estremecendo, Harry inclinou-se na direção de Ashley.

— Não me peças que traduza aquilo.

— Nunca estiveste nesta câmara antes? — perguntou Ashley.

— Não, esta secção da aldeia pertence à seita religiosa. Uns tipos cheios de segredos. Normalmente, mantenho-me junto do grupo dos caçadores.

Ashley remexeu-se, tentando ver melhor o local onde se encontrava Mo’amba. Todos os olhos estavam fixos nele.

Algo brilhava fortemente aos pés do velho, mas ela não conseguia ver o quê. Acenou a Ben.

— Dá-me uma ajuda.

Ben ajudou-a a colocar um pé sobre o seu joelho fletido, segurando-a com firmeza. Ela ergueu-se, equilibrando-se sobre um pé, utilizando uma mão no ombro de Ben e outra na parede para se manter no seu precário poleiro. A sua cabeça estava agora bem acima da multidão, permitindo-lhe ver Mo’amba.

Este começou a falar enquanto Harry traduzia.

— Trouxe-vos até aqui porque conhecem o significado desta câmara. Este é o lar do umbo, o espírito masculino. — Em seguida afastou-se e apontou com o seu bordão.

Ali, num pedestal de pedra, Ashley viu um objeto familiar a brilhar intensamente sob a luz fraca. Parecia recolher a luz existente na câmara e irradiá-la em explosões de dardos cintilantes. Uma figura de cristal com cerca de quarenta centímetros de altura. Diamante. Tal como aquela que Blakely lhe mostrara há vários meses. Mas quando observou com mais atenção a figura, Ashley apercebeu-se do seu erro. Não, não eram iguais. Enquanto aquela que Blakely lhe mostrara tinha seios pendentes e uma barriga de grávida, esta tinha uma proeminente protuberância abaixo da cintura nua. Masculina. Aquela figura era o gémeo masculino da outra.

— Aqui se ergue umbo — declarou Mo’amba. — Como deve ser a proteger o nosso mundo. Mas não o pode proteger sozinho. Ele é apenas metade do todo. A sua outra metade, ohna, o espírito feminino, desapareceu.

— Sim — disse Sin’jari. — Os recém-chegados roubaram-na.

— Não foi roubada. A nossa aldeia original estava vazia. Eles não podiam saber que ela era a ligação ao nosso passado distante, que fora deixada para ajudar a guiar os nossos antepassados até nós na nossa nova aldeia. Agora desapareceu. O equilíbrio de umbo e ohna foi destruído por aqueles que desconhecem o nosso mundo. Foi este desequilíbrio que perturbou a urdidura e a tecedura que mantêm unido o tecido do nosso mundo. Isso tem de ser corrigido.

— Poderá ser — afirmou Sin’jari. — Destruindo os invasores! — Olhou à sua volta, mas deparou-se apenas com murmúrios preocupados.

— Não — disse Mo’amba. — O equilíbrio só pode ser alcançado devolvendo ohna ao seu devido lugar.

A lógica do velho parecia irrepreensível, mesmo para Ashley, que não acreditava numa só palavra. Os anciãos à sua volta, até o líder, acenavam com as cabeças a sua concordância. Exceto um.

Sin’jari avançou até ao centro da câmara, com os seus membros magros a estremecerem de agitação.

— Mo’amba provou a sua sabedoria. — Virou-se para enfrentar a multidão. — É óbvio que temos de matar os indivíduos que restaram depois do ataque dos crak’an e reclamar a ohna para nós. Repô-la no seu devido lugar!

Um murmúrio de concordância ligeiramente mais firme seguiu as suas palavras, mas ninguém bateu com os bordões. Aquilo pareceu perturbá-lo. Bateu com o bordão no chão de rocha, quase suplicando a alguém que começasse a bater com o seu próprio bordão.

Mo’amba, contudo, não permitiu que o murmúrio da multidão crescesse. Harry continuou a traduzir as suas palavras:

— A raiva do nosso estimado Sin’jari parece tê-lo cegado a uma importante lei da tribo. — Mo’amba virou-se para o líder de peito largo. — Bo’rada, diz-nos o que aconteceu depois de teres libertado os trefer’oshi dos seus redis, gerando o caos nas nossas colheitas.

— O meu pai e eu reconstruímos o redil e replantámos os campos pisados. Foram precisos três dias sem dormir para o conseguir.

— Exatamente. Foi-te dada a oportunidade de corrigires o erro. Os recém-chegados merecem essa mesma oportunidade. Eles que corrijam o seu próprio erro.

Uma vez mais a multidão murmurou o seu assentimento. Até Tru’gula bateu com o bordão, concordando.

Sin’jari, contudo, não estava disposto a desistir da sua batalha.

— Os recém-chegados não são da nossa tribo. As nossas leis não se aplicam a eles. O que os impede de fugir com a ohna e deixar o nosso mundo morrer?

— Eles são diferentes — concordou Mo’amba. — Basta olhar para eles para o ver. Mas as diferenças são menores. — Mo’amba apontou com o seu bordão para Ashley, Harry e Ben. — Venham até aqui. Juntem-se a mim.

Então e agora?, pensou Ashley. Se as coisas corressem mal — e com a persistência de pitbull de Sin’jari era uma boa possibilidade — teriam todo o conselho e a respetiva comitiva entre eles e a única saída.

Ben ajudou Ashley a descer do seu joelho, esfregando a coxa depois de ela ter saído.

— Pelo menos não estavas de saltos altos — queixou-se ele.

— Ben, vamos ficar de costas contra a parede se formos até ali.

— Confia nele — disse Ben. — Ele vai tirar-nos desta confusão. — Ben avançou através da estreita abertura que a multidão lhe concedeu, parando apenas para esticar o braço e puxar Ashley atrás de si. Harry avançou atrás deles.

Uma vez reunidos perante a parede de olhos que os fitavam, Mo’amba colocou-se entre ela e Ben, depois prosseguiu com Harry a traduzir:

— Estes recém-chegados podem parecer estranhos e até ligeiramente ofensivos para alguns, mas um outro aldeão poderá achar Tru’gula com as suas cicatrizes estranho e até perturbador, e não deixa de ser um de nós. O que importa é o espírito. — Bateu no peito com o seu bordão. — Aqui não somos assim tão diferentes.

Fez uma pausa para apontar com o bordão para Harry.

— Aqui, temos um recém-chegado que provou a bravura do seu povo, que provou ser merecedor de il’jann, como qualquer outro elemento da tribo. — Em seguida virou o bordão na direção de Ben. — Aqui está um recém-chegado com os poderes de um heri’huti, uma dádiva dos deuses. Porque haviam os nossos espíritos de lhe conceder um tal dom a menos que o considerassem merecedor?

Por fim, apontou com o bordão para Ashley.

— Os deuses deram-nos mais uma pista quanto ao seu valor. O heri’huti recém-chegado plantou a sua semente nela durante o último ciclo do sono. — Pousou a mão na barriga de Ashley. — Enraizou-se, e os deuses abençoaram-na com uma criança. Uma criança concebida aqui na nossa aldeia. Uma nova criança para a tribo.

Ashley pestanejou algumas vezes, fitando a mão sobre a sua barriga. Só podia estar a brincar! Ergueu os olhos para Ben. Este fitava-a de boca aberta.

— Se os deuses os abençoaram com uma criança, os espíritos julgaram-nos merecedores. Quem somos nós para julgar que são menos do que isso?

Sin’jari bateu na rocha com o seu bordão.

— Eu fá-lo-ei — cuspiu. — Não temos senão a tua palavra de que este… este… este invasor é um heri’huti.

Mo’amba, de olhos semicerrados de raiva, abriu a boca para falar, mas foi interrompido pelo som de uma lança a bater no chão. Todos os olhos se viraram para Bo’rada, que bateu uma última vez com a sua lança.

Bo’rada falou.

— Basta, Sin’jari. Acusar Mo’amba, que serviu a nossa tribo durante gerações, de falsidade é uma grosseira que não pode ser tolerada. Bano-te de continuares a debater este assunto. — Bo’rada acenou com a ponta de rubi do seu bordão sobre os lábios.

A multidão arquejou. Ashley fitou Harry com um olhar inquisitivo. Este inclinou-se para mais perto dela.

— Trata-se de um ato raro. Esta sociedade é muito aberta à liberdade de expressão. Ser banido assim é um castigo importante.

— Desde que isso mantenha Sin’jari calado — murmurou ela, remexendo-se no seu lugar. Para que lado se inclinaria agora o conselho?, perguntou-se. Morte ou salvação? Tê-los-ia Mo’amba convencido? Olhou de relance para a barriga, engolindo em seco. Ele podia ser muito convincente.

Bo’rada ainda não acabara de falar.

— Acredito em Mo’amba. Os recém-chegados merecem a oportunidade de corrigir o seu erro. — Em seguida apontou com o bordão para Ben. Harry traduzia. — Sabes onde guardam a ohna?

Ben acenou com a cabeça.

— Devolvê-la-ás?

— Tentarei o melhor que puder — disse Ben. — Isso é tudo o que posso prometer.

— Então voto que adiemos a execução dependendo do seu sucesso no cumprimento da missão. Mas, dado que tenho reservas semelhantes às expressadas por Sin’jari, exigirei uma garantia… A fêmea fica até a missão estar terminada. Se não for concluída no espaço de um dia, ela morrerá. — Bateu com o seu bordão.

As suas palavras levaram os restantes anciãos a baterem com os bordões mostrando o seu acordo. Com exceção de dois: Sin’jari, que fora proibido de emitir uma opinião e Mo’amba. O velho heri’huti limitou-se a fitar Ben primeiro e depois Ashley. Ela conseguia ver a tristeza nos seus olhos quando ele por fim ergueu o bordão e bateu com ele três vezes no chão — concordância.