CAPÍTULO 30

Ben estava acordado na sua cela. Sabia que precisava de descansar. Mas depois de um dia a planear, maquinar, dividir as armas, escolher os caçadores mimi’swee que os acompanhariam, a sua mente continuava presa aos pormenores da missão. E se não tivesse sucesso? E se…? Rolou para o lado esquerdo, enfiando-se na sua pilha de almofadas e torcendo o cobertor fino, apertando-o em redor dos pés. O rosto de Ashley surgia constantemente perante o olho da sua mente.

Mais cedo, tinha sido conduzida a uma outra cela para passar a noite. Guardada. Uma refém. Nem sequer lhes fora permitido uma última noite juntos.

Virou-se de costas e suspirou ruidosamente. Aquela preocupação não o estava a levar a lado nenhum. Talvez se esticasse um pouco as pernas. Além disso, devia ver como se estava Harry a sair com o trenó de transporte. Talvez tivesse boas notícias. Deslizando das almofadas, avançou até à saída.

Passados alguns minutos, tinha percorrido o caminho até às câmaras reservadas aos caçadores. Harry estava dobrado sobre o trenó desmontado, as peças espalhadas pelo chão rochoso. Michaelson inclinou-se por cima do seu ombro. Um estalo sonoro fez-se ouvir pela câmara.

— Merda! — Harry recuou com um salto do trenó.

— Que se passa? — perguntou Ben, aproximando-se dele por trás.

Harry segurava duas peças de um tubo de alumínio.

— Não é bom. Fiz demasiada força e parti o eixo.

O coração de Ben apertou-se-lhe no peito.

— Consegues arranjá-lo?

— Não creio. Estava a amolecer o alumínio com calor e a tentar endireitar a dobra quando partiu. Devia ter esperado até ficar mais macio, mas tive medo de enfraquecer o metal. — Harry atirou as peças para o chão. — Desculpa, Ben. Fiz asneira.

Michaelson pousou a mão no ombro de Harry.

— Deste o teu melhor.

— Para o diabo com isso. Fiz asneira. — Harry agitou o ombro para afastar a mão do irmão.

— Não te martirizes — disse Ben. — Gatinhamos como o raio. Vai abrandar-nos um pouco mas conseguiremos. — Pelo menos rezava que assim fosse. E se aquele atraso representasse a diferença entre o sucesso e o falhanço na sua missão?

— Ouve — disse Michaelson a Harry. — Sou capaz de ter uma ideia.

— O quê? — perguntou Ben.

Michaelson, de olhos cansados e irritado, olhou por cima o ombro e apontou para a saída.

— Ben, vai para a cama. Deixa que eu e o meu irmão resolvamos isto. De qualquer maneira é um tiro no escuro. Por isso, vai descansar um pouco.

Ben limitou-se a fitá-lo, de olhos vidrados. Sabia que o major tinha razão.

— Vemo-nos de manhã — disse Michaelson, virando a sua atenção de novo para Harry e para o trenó e ignorando-o.

Durante a viagem de Ben de volta para a cama, a sua mente mergulhou num turbilhão face às ramificações das más notícias de Harry. Ainda que demorassem oito horas a subir os quase cinquenta quilómetros, decerto o que restava do dia permitir-lhes-ia tempo suficiente para cumprirem o seu objetivo. Teria de ser assim, pensou determinado.

De súbito, apercebeu-se que as curvas e contracurvas dos túneis não lhe pareciam familiares. Virou-se e olhou para o caminho que percorrera. Deveria ter virado para o outro lado na última curva… ou talvez seguido pela esquerda no grande pedregulho.

Um raspar atrás de si chamou-lhe a atenção. Na luz fraca, viu a aparição magra como um esqueleto que avançava pelo túnel na sua direção. Estacou, sobressaltado pela aparência sobrenatural da figura, banhada pelo brilho esverdeado do fungo, como um fantasma do submundo. Mas, à medida que esta se aproximava, reconheceu o semblante nodoso e ossudo. Sin’jari a criatura que insistira tão teimosamente na sua morte e de Ashley.

Enquanto o ancião da tribo percorria o espaço que os separava, Ben apercebeu-se dos dois guardas de aspeto violento que seguiam Sin’jari. Tipos feios como a noite. A maioria dos mimi’swee eram pequenos e duros, mas aqueles dois pareciam dois bulldogs cheios de cicatrizes, curvados e ameaçadores. Sin’jari colocou-se à frente de Ben, erguendo o cajado para impedir o seu avanço, depois vociferou algo furioso aos guardas que o flanqueavam.

As duas criaturas entroncadas avançaram na sua direção.

Embora estivesse fisicamente esgotada, o sono continuava a iludir Ashley. A cabeça latejava e uma nódoa negra na sua anca pulsava. Deu por si a recordar os braços de Ben à sua volta, o cheiro do seu cabelo, os dedos a deslizar pelas suas costas e pelo seu pescoço. Tinha ido longe demais na noite anterior, num momento de terrível fraqueza, e enganara-o quanto aos seus verdadeiros sentimentos. Apertou o cobertor em redor dos ombros, temendo uma realidade ainda mais assustadora. Tê-lo-ia realmente enganado?

Olhou de relance para o mostrador brilhante do seu relógio. Faltavam duas horas para que o relógio iniciasse a sua contagem decrescente até à aplicação da sua sentença de morte. Demasiadas preocupações guerreavam dentro de si, encerradas no seu peito: Que teria acontecido a Jason? E a Linda, já agora? E Ben? Morreria a tentar salvá-la? Poderia salvá-la? E pior de tudo, caso ele falhasse, iria ela morrer sem saber o que acontecera ao seu filho?

Apertou o cobertor contra o rosto, as lágrimas escapando, por fim ao seu controlo. Estavam a ficar sem tempo.

Ben deu um passo atrás, para se afastar das criaturas pesadas, que agora o fitavam de modo ameaçador. Um deles apresentava uma forte ereção, aparentemente excitado pela perspetiva de sangue. Não estavam armados, mas de algum modo Ben soube que isso lhe serviria de fraco conforto. Recuou mais um passo, debatendo o que fazer. Podia tentar fugir, mas saltariam sobre ele como dingos sobre um pequeno canguru. O melhor era enfrentá-los ali mesmo.

— Muito bem, sacanas — resmungou, mais para se concentrar do que para intimidar os seus adversários. — Vejamos com que facilidade se partem esses vossos pescoços compridos.

Ben fincou um calcanhar num sulco no chão para conseguir alguma alavancagem para um murro. Estava a preparar-se quando algo lhe agarrou de súbito o ombro, por trás. Tenso, girou para aplicar instintivamente um murro no atacante invisível. Interrompeu o seu murro mesmo a tempo.

Era Mo’amba.

O velho largou o ombro de Ben, fitando por um instante o punho erguido. Depois, afastou o olhar para fitar os dois guardas, que tinham estacado. Vociferou algo que fez os cãezinhos de Sin’jari curvarem as cabeças e recuarem.

O seu mestre, contudo, manteve-se firme, o bordão erguido ainda a cortar a passagem, impedindo-os de avançar. Sin’jari silvou algo a Mo’amba. O velho limitou-se a encolher os ombros, o que levou Sin’jari a chocalhar o seu bordão e estremecer de raiva.

Mo’amba tocou no ombro de Ben e fez-lhe sinal para que o seguisse. Agindo como um guia, Mo’amba conduziu-o de volta, para longe de Sin’jari. Mas os uivos do ancião ecoavam atrás deles, enquanto Ben seguia Mo’amba.

Depois de muitas voltas e reviravoltas, Ben viu-se de novo numa câmara familiar. Olhou de relance com um suspiro para as cabaças vermelhas que pendiam dos pilares. Por que será que acabo sempre aqui?

Enquanto seguia Mo’amba para um ponto mais fundo da câmara, avançando por entre as cabaças, apercebeu-se de algo estranho em relação aos pilares de pedra. Da primeira vez que ali estivera, com Ashley, estava de tal modo concentrado nos frutos vermelhos que presumira que os pilares eram colunas de rocha natural, mas vendo melhor apercebeu-se de que estava errado. Deslizou o dedo pela superfície áspera, sulcada, de um dos pilares. Que diabo, era um tronco de árvore petrificado. Olhou de relance à sua volta, a boca escancarada. Toda aquela câmara continha um pomar de árvores petrificadas.

Um som de impaciência chamou a sua atenção de novo para Mo’amba. Este acenava, pedindo a Ben que se sentasse no limite do círculo de glifos pintados. Ben encontrou um ponto mais confortável no chão rochoso, e o velho sentou-se lentamente à sua frente. Uma vez instalado, Ben soube o que Mo’amba queria. Fechou os olhos e deixou o corpo relaxar, começando pelos pés e avançando a partir daí. No entanto, a sua mente era agitada por tantos pensamentos e preocupações. Não se conseguia concentrar. Tentou relaxar mais uma vez, mas a miríade de preocupações mantinha-o alerta.

Precisamente quando estava prestes a desistir, uma sensação calmante de tranquilidade desceu sobre si. Soube que era uma espécie de dádiva de Mo’amba e permitiu-lhe uma sensação de paz que lhe silenciou os pensamentos preocupados.

A escuridão por trás das suas pálpebras floresceu em plena cor. Uma vez mais, apenas por um instante, a imagem do avô falecido sobrepôs-se ao rosto de Mo’amba. As feições familiares acalmaram ainda mais o seu coração, como se escutasse uma antiga canção favorita em pano de fundo.

A imagem de Mo’amba ganhou consistência.

— Tens de ser mais cuidadoso, Ben … — admoestou. — Vagueares sozinho pela aldeia. Ainda há aqui fações que prefeririam ver-te falhar ou morrer. Sin’jari não é de desistir facilmente.

— Como soube que eu estava em apuros?

— Esse é o trabalho de um heri’huti. Ver o que mais ninguém vê.

— Obrigado. Devo-lhe uma. Estava prestes a levar uma tareia.

— Não. Estavas prestes a ser morto. Aqueles dois fazem parte da tribo de Sin’jari. São silaris, os venenosos. Uma dentada deles mata.

Um estremecimento atravessou Ben, perturbando a sua ligação mental, como uma pedrinha lançada num lago imóvel.

— E a Ashley? Quando eu partir, amanhã, ficará em segurança?

— Sim. Está a ser protegida pelos homens de Tru’gula. Ele protegê-la-á. Ninguém, nem mesmo Sin’jari, incomodará o seu círculo.

— Tem a certeza?

— Eu mesmo a guardarei. Confia em nós. Protegeremos a tua companheira até ao teu regresso.

— Ela não é a minha… oh, esqueça, nem sequer sei o que é. Por favor… mantenha-a em segurança até ao meu regresso. E eu vou regressar.

— Irás falhar, Ben.

Ben, chocado, sentiu-se certo de que o tinha ouvido mal.

— Como?

— Consigo ver através dos estreitos caminhos do tempo. Se fores como estás agora, vais falhar.

— Que significa isso?

— Tu és heri’huti, mas não acreditas nisso aqui. — Mo’amba apontou para o peito nu. — Tens de aceitar a tua herança ou tu e muitos outros irão perecer.

— Mas não vejo como…?

A imagem de Mo’amba redemoinhou voltando a transformar-se na do avô falecido.

— O olho da tua mente escolheu esta memória para me representar quando te visitei pela primeira vez. No entanto, rejeitaste a herança do teu avô. Envergonhava-te. Para que tenhas sucesso, tens de aprender a abraçar o teu sangue, a estimar a sua memória tanto quando estimas a sua imagem. Só então terás uma hipótese.

— Então como poderei ter sucesso?

O velho levou os dois punhos contra o peito dele.

— Escuta o teu sangue.

— Mas o que queres dizer com…? — As imagens dissolveram-se, redemoinhando e disseminando-se na escuridão. Apenas as palavras ecoavam de volta a Ben: «Escuta o teu sangue.»

Pestanejou e fitou a figura muda de Mo’amba, tantas perguntas ainda na ponta da língua. Mas Mo’amba ergueu-se com a ajuda do seu bordão.

— Espera! — Ben avançou até Mo’amba. — Preciso de saber o que querias dizer.

— T-tu — balbuciou, guturalmente, a Ben — tu dormir. — Virou as costas a Ben, acreditando claramente que já tinha dito o suficiente.

Dormir, perguntou-se Ben? Como se isso fosse provável.

Ashley acordou sobressaltada, surpreendida por ter adormecido de verdade. Um membro feminino da tribo entrou na sua câmara, curvada, carregada com travessas tilintantes de frutos coloridos e um qualquer tipo de carne fumegante. Arrastou-se até uma pedra plana que lhe chegava ao joelho e dispôs a refeição.

O coração de Ashley afundou-se quando se apercebeu de onde estava. Queria regressar à sua terra de sonhos. Tinha sonhado que estava de volta à sua roulotte minúscula no deserto do Novo México. Jason e Ben estavam a jogar à apanhada no pátio poeirento, os pés esmagando a sua débil tentativa de cultivar um jardim de suculentas. Já devia saber que estava num sonho, porque tudo o que conseguia cultivar no seu jardim eram aquelas bizarras cabaças vermelhas. A parte mais estranha, contudo, era a facilidade com que aceitava Ben como figura paterna. Olhou de relance para a barriga. Ben pai?

Um suave ronco chamou-lhe a atenção para o monte de almofadas ao seu lado. Sentou-se mais direita e reconheceu o emaranhado de cabelos louros que espreitava de debaixo de um cobertor próximo. Ben! Que estava ele a fazer ali?

Quando estendeu a mão para lhe tocar, os seus roncos redundaram num fungar sonoro. Despertou com um salto, sobressaltando-a. Esfregou os olhos.

— Que horas são?

Ashley ignorou a pergunta.

— Como conseguiste passar pelos guardas?

Ben ergueu-se sobre um cotovelo, os olhos raiados de sangue e uma sombra ruiva no rosto.

— Mesmo aqui, o importante é quem se conhece. Mo’amba obrigou os guardas a deixarem-me passar. Só precisava de saber que estavam bem.

— Porque não me acordaste?

— E arruinar o teu sono de beleza? Nem pensar! — Ben torceu o nariz. — Que cheiro é esse?

A carne que crepitava na bandeja enchia a câmara com cheiros que lhe provocavam a língua. O estômago dela rosnou de antecipação.

— O pequeno-almoço — disse, faminta.

Ben sentou-se contra as almofadas, apercebendo-se, por fim, da criada nua.

— Não são propriamente um grupo modesto, pois não? — Ben deslizou dos cobertores e, de costas viradas para a criada, num gesto envergonhado, vestiu as calças.

Ashley também aproveitou o momento para se vestir.

Ambos se lançaram à refeição como gafanhotos, parando apenas para oferecer um pedaço de algum dos alimentos ao outro, insistindo para que provasse. Ben ergueu um pedaço de carne quente entre os dedos, dado que não havia talheres disponíveis.

— Tem um sabor parecido com a carne de crocodilo.

— Crocodilo? — perguntou, mastigando a boca cheia de um qualquer tubérculo que sabia a batata doce.

Ben acenou com a cabeça.

— Só que um pouco mais tenro. A carne de crocodilo é bastante dura.

Ashley afastou de si a travessa de pedra.

— Bolas, acho que já comi o suficiente. Para uma última refeição não foi mau.

As palavras dela tiveram um efeito devastador sobre Ben. O seu sorriso desapareceu e as feições ensombraram-se.

— Esta não será a tua última refeição, Ash. Prometo-te. Nós vamos sair daqui!

Ashley sorriu-lhe, apercebendo-se de que Ben interpretara mal as suas palavras.

— Eu queria dizer que esta é a tua última refeição antes de partires. Não a minha.

— Oh. — O rosto de Ben ficou carregado.

Ashley riu-se da expressão séria dele.

— Eu pensei que…

— Eu sei. — Ashley inspirou fundo, ficando também ela séria. Estendeu a mão e tomou os dedos dele nos seus. — Eu sei, Ben. É simpático.

— Simpático? — A palavra que ela escolheu pareceu magoá-lo. Ben olhou de relance para os dedos dela entrelaçados no seus. Falou sem erguer os olhos. — Ash tens de saber o que sinto por ti. Quero ser mais do que algo simpático.

Ashley tentou afastar a mão, mas ele prendeu-a com firmeza.

— Ben… — Não sabia o que dizer. Uma parte de si queria gritar que o amava, mas outra parte temia ceder. Depois de Scott, do aborto, essa parte recusava-se a ser magoada de novo. Recusava-se a confiar outra vez. Por pouco não sobrevivera da última vez, só as necessidades de Jason a fizeram prosseguir. E agora o filho estava desaparecido. Demasiadas emoções guerreavam dentro de si, para conseguir pensar com clareza. Como poderia ela colocar tudo aquilo por palavras?

Não teve de o fazer. Ben largou-lhe a mão e afastou-se. As suas palavras um sussurro tenso.

— Suponho que seja melhor pormo-nos a caminho. Tenho a certeza de que o Harry e os outros estão à nossa espera.

Virou-se, de ombros caídos. Ashley abriu a boca para dizer qualquer coisa, o que quer que fosse, para o consolar. Para lhe dizer que não devia desistir dela. Mas seria isso justo? Fechou a boca.

Ao entrar na câmara do umbo, Ashley viu Harry reunido com os outros três caçadores que se iam juntar à equipa de Ben. Parecia espantosamente alegre e animado para alguém que tinha estado a trabalhar a noite toda. A divisão estava repleta de elementos da tribo. Mo’amba erguia-se à conversa com Tru’gula. Não estavam presentes quaisquer outros anciãos, nem mesmo Sin’jari. Pelo menos não teriam de aturar disparates de última hora vindos dele.

— Conseguimos! — disse Harry, sorrindo ao mesmo tempo que avançava para eles.

— Conseguiste reparar o eixo? — perguntou Ben, o entusiasmo fazendo-se ouvir na sua voz.

— Venham ver. Nem vão acreditar. — Acenou-lhes para que se dirigissem ao local onde Michaelson se encontrava, agachado ao lado de um dos skates de plástico.

Ashley apercebeu-se da presença de quatro pranchas fluorescentes presas ao transporte de alumínio. Os recoletores tinham recuperado todas as pranchas perdidas, até a de Villanueva. Fitou a prancha amarela do amigo falecido, e sentiu-se atravessar por um arrepio. Parecia um mau presságio.

Estudou o trabalho de Michaelson. Com um último puxão de uma corda, prendeu a última das pranchas no lugar. Como se de um pequeno comboio se tratasse.

— A ideia foi do Dennis — disse Harry. — Ergueu o grande trenó, tendo cuidado com o motor. — Vejam. Esta pequena alteração faz deste veículo o mais valioso do planeta.

Ben assobiou o seu apreço.

— Bela obra de arte.

Ashley encolheu-se para passar. Olhou de relance para o eixo da frente. Cintilava na luz ténue.

— Isso é aquilo que penso?

— Podes crer — disse Harry. — Um eixo de diamante puro.

— Vai aguentar? — perguntou Ben, fitando-o desconfiado.

Harry encolheu os ombros.

— Submeti o eixo a alguns testes de esforço. Pareceu-me bem. Além disso, que outra escolha temos? Ou o usamos, ou gatinhamos.

Ben deslizou o dedo pelo diamante.

— Muito bem, amigo, viajamos com estilo.

Ashley recuou, enquanto Harry baixava o trenó.

— Então… já estão todos prontos para ir. — Por alguma razão, isso incomodava-a. Tinha antecipado aquele momento, mas de repente, ficara cara a cara com a realidade de que Ben a iria deixar, talvez para morrer. As lágrimas ameaçavam acumular-se.

Parecendo sentir a ansiedade dela, Ben avançou e apertou-a contra si.

— Suponho que não devamos esperar. Todos os minutos podem ser importantes.

Ashley limitou-se a acenar com a cabeça, temendo falar, temendo ir-se abaixo.

Harry chamou a si os outros elementos da tribo e vociferou as suas últimas ordens, acenando com as mãos e apontando para as várias pranchas. Aparentemente, seria ele a tomar a dianteira, sendo o mais familiarizado com o trenó motorizado. Ben seguiria com os três nervosos caçadores, para os ajudar a equilibrar-se, pois não estavam habituados a viajar naqueles trenós traiçoeiros.

Ashley saiu do caminho, tentando não se meter por baixo dos pés de ninguém, enquanto eram colocadas mochilas às costas e explicadas as instruções. Mo’amba colocou-se ao lado dela e pousou uma mão no seu ombro. Olhou de relance para ele, e o ancião apertou-lhe o ombro num gesto de conforto.

Uma vez tudo pronto, Ben virou-se para ela. Parecia rejuvenescido pela atividade, mas havia ainda uma tristeza nos seus olhos azuis.

— Prometo que vou descobrir o que aconteceu ao Jason. E vou voltar.

Com a mão de Mo’amba no seu ombro, a dar-lhe força, sentiu-se capaz de falar.

— Eu sei que vais, Ben. Confio em ti. — E, pela primeira vez, apercebeu-se de que confiava. Confiava-lhe a própria vida. Confiava-lhe a segurança do filho. As lágrimas acumularam-se e rolaram-lhe pelo rosto.

Ben inclinou-se e beijou-lhe a face, depois virou-se e avançou para o seu trenó.

Ashley deu um passo em frente. Não podia deixá-lo partir sem saber o que ela sentia verdadeiramente por ele. Chamou-o, as palavras ficando-lhe presas na garganta:

— Ben! Eu… eu…

As suas palavras foram abafadas pelo rugido dos motores do trenó a serem ligados. Harry acelerou e o trenó deslizou sem problemas para o wormhole, arrastando o comboio de pranchas atrás de si.

Observou enquanto Ben desaparecia no túnel, montado no trenó amarelo de Villanueva. Apertou os braços em redor do peito, sentindo um frio invadir-lhe o estômago.

— Amo-te, Ben — sussurrou.