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LITISCONSÓRCIO

Sumário: 5.1. Conceito – 5.2. Hipóteses de cabimento – 5.3. Classificação do litisconsórcio; 5.3.1. Litisconsórcio ativo, passivo e misto; 5.3.2. Litisconsórcio inicial (originário) ou ulterior (posterior, incidental ou superveniente); 5.3.3. Litisconsórcio necessário ou facultativo; 5.3.4. Litisconsórcio unitário e simples – 5.4. Limitação do litisconsórcio facultativo; 5.4.1. Reconhecimento de ofício pelo juiz; 5.4.2. Pedido da parte; 5.4.3. Litisconsórcio recusável?; 5.4.4. Consequência jurídica da limitação do litisconsórcio facultativo – 5.5. Litisconsórcio necessário e unitário. Necessárias distinções – 5.6. Litisconsórcio ativo necessário? – 5.7. Existe a intervenção iussu iudicis no processo civil brasileiro? – 5.8. Vício gerado pela ausência de litisconsórcio necessário – 5.9. Litisconsórcio alternativo e sucessivo – 5.10. Dinâmica entre os litisconsortes; 5.10.1. Atos de disposição de direito; 5.10.2. Presunção de veracidade dos fatos na revelia (art. 320, I, do cpc); 5.10.3. Recurso interposto por somente um litisconsorte (art. 509, caput, do cpc); 5.10.4. Produção da prova; 5.10.5. A confissão e o litisconsórcio; 5.10.6. Prazo para os litisconsortes.

5.1. CONCEITO

O fenômeno processual do litisconsórcio se refere ao elemento subjetivo da relação jurídica processual, mais precisamente às partes. A doutrina é pacífica em conceituar o litisconsórcio como a pluralidade de sujeitos em um ou nos dois polos da relação jurídica processual que se reúnem para litigar em conjunto.

Para a existência do litisconsórcio é irrelevante a postura no processo dos sujeitos que litigam no mesmo polo, sendo admissível, inclusive, que sejam adversários entre si na demanda judicial. Registre-se a corrente doutrinária que faz distinção entre litisconsórcio – multiplicidade de sujeitos com certa afinidade de interesses – e cumulação subjetiva –, multiplicidade de sujeitos com interesses contrapostos1. Prefiro, entretanto, o entendimento de que, havendo a possibilidade de a decisão ser diferente para os litisconsortes – litisconsórcio simples –, não deixará de existir um litisconsórcio na hipótese de os litisconsortes terem interesses conflitantes2. Basta imaginar o litisconsórcio passivo formado em ação de consignação de pagamento em razão de dúvida a respeito de quem é o credor da dívida.

5.2. HIPÓTESES DE CABIMENTO

Naturalmente, nem toda reunião de pessoas para litigar em conjunto será admitida pela lei, sob pena de permitir-se a criação de situações inusitadas e altamente prejudiciais ao processo. As hipóteses de cabimento do litisconsórcio encontram-se previstas no art. 46 do CPC. Cumpre salientar que, apesar de o art. 46, caput, do CPC utilizar-se do termo “podem” litigar, haverá situações concretas, dentro das hipóteses previstas pelo dispositivo legal, nas quais as partes “devem” litigar em conjunto. As hipóteses exaustivas de cabimento do litisconsórcio são:

O art. 113, caput, do PLNCPC prevê que duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente. Como se pode notar, nenhuma alteração significativa quanto ao previsto no art. 46, caput, do CPC/1973.

I – se entre os sujeitos houver comunhão de direitos ou de obrigações. A existência de uma pluralidade nos polos da relação jurídica de direito material faz com que dessa relação surjam direitos e obrigações de titularidade de mais de um sujeito, sendo esses sujeitos habilitados a litigar em litisconsórcio. Ainda que o condômino possa litigar sozinho em defesa do bem em condomínio, a relação de direito material que o envolve com os demais condôminos é suficiente a permitir o litígio em conjunto. Na hipótese de uma dívida solidária, a relação jurídica de direito material envolve todos os devedores, de forma que o credor poderá propor a ação contra todos eles em litisconsórcio.

O art. 113, I, do PLNCPC prevê expressamente que a comunhão de direito ou de obrigação são relativas ao mérito, em acréscimo que não deve alterar a interpretação que atualmente se faz do art. 46, I, do CPC/1973.

II – se os direitos e obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito. Nessa hipótese de cabimento não existe uma relação jurídica de direito material da qual façam parte os litisconsortes, sendo tão somente a ocorrência de um fato ou a identidade de consequências jurídicas de fatos diferentes que legitima a formação do litisconsórcio. Doutrina autorizada entende que o inciso II prevê o litisconsórcio na hipótese de demandas que sejam conexas em virtude da causa de pedir, concluindo ter havido indevida repetição de previsões, considerando-se que o inciso III já prevê o litisconsórcio por identidade de causa de pedir3. Vítimas de um mesmo acidente automobilístico podem litigar em conjunto para pleitear a reparação de danos do causador comum do acidente. Respondendo o preposto por ato de seu empregado, será possível ao autor incluir no polo passivo esses dois sujeitos em demanda de reparação por ato ilícito praticado pelo segundo.

Essa hipótese de formação de litisconsórcio foi suprimida pelo PLNCPC, não porque tenha deixado de justificar sua formação, mas porque foi absorvida pela hipótese que exige que entre as causas haja conexão pelo objeto ou causa de pedir (art. 113, II, PLNCPC).

III – se houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir. A consequência natural da conexão entre demandas é a sua reunião perante um mesmo juízo para julgamento em conjunto (art. 105 do CPC), tendo como justificativa a economia processual e a harmonização dos julgados. Como esses dois benefícios também podem ser obtidos com a existência de uma só demanda, mas com pluralidade subjetiva, o legislador permite a formação do litisconsórcio havendo identidade de pedido ou da causa de pedir entre os litisconsortes. Dois sócios poderão em conjunto propor uma demanda contra a sociedade objetivando a anulação de uma assembleia (identidade de pedidos), como também será possível o ingresso de demanda contra dois réus causadores do mesmo acidente (identidade de causa de pedir).

IV – se houver afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Nessa espécie de cabimento do litisconsórcio não se exige a identidade dos fatos, até mesmo porque nesse caso haveria conexão (inciso III), bastando para se admitir o litisconsórcio a afinidade – semelhança – de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Reunidos diversos servidores públicos para litigar contra o Poder Público em virtude de atos administrativos fundados na mesma norma que se aponta de ilegal, o fato não será o mesmo, porque cada qual sofreu o prejuízo individualmente em virtude de um ato administrativo determinado, mas a finidade entre as situações permitirá o litisconsórcio. O mesmo ocorre na reunião de contribuintes para litigar contra multas – fatos geradores individualizados – aplicadas pelo mesmo fundamento.

5.3. CLASSIFICAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO

O trabalho de classificar institutos jurídicos é determinado essencialmente pelos critérios escolhidos, porque para cada critério haverá uma classificação diferente. No caso do litisconsórcio, tradicionalmente são utilizados quatro critérios para classificá-lo:

(i) posição processual na qual foi formado;

(ii) momento de sua formação;

(iii) sua obrigatoriedade ou não;

(iv) o destino dos litisconsortes no plano material.

5.3.1. Litisconsórcio ativo, passivo e misto

Tomando-se como critério de classificação a posição processual em que foi formado o litisconsórcio, ele será ativo, se a pluralidade se verificar exclusivamente no polo ativo da demanda, e passivo, se a pluralidade ocorrer também de forma exclusiva no polo passivo. Será misto o litisconsórcio se a pluralidade de sujeitos for verificada em ambos os polos – ativo e passivo – da relação jurídica processual.

5.3.2. Litisconsórcio inicial (originário) ou ulterior (posterior, incidental ou superveniente)

Litisconsórcio inicial é aquele formado desde a propositura da ação, já existindo no momento em que a petição inicial é apresentada em Juízo, por ser esse considerado o primeiro ato do procedimento. É evidente, portanto, que o litisconsórcio inicial é de responsabilidade exclusiva do demandante, porque somente a ele será dado dar início ao processo por meio da petição inicial.

O litisconsórcio ulterior é formado após o momento inicial de propositura da ação, vindo a se verificar durante o trâmite procedimental. Exemplo típico de litisconsórcio ulterior é aquele formado pelo chamamento ao processo, considerando-se que o réu – responsável pelo chamamento – e o terceiro chamado se tornam litisconsortes. Também haverá litisconsórcio ulterior na hipótese de sucessão processual, sempre que forem plurais os sujeitos que ingressem no processo.

Questão interessante surge na hipótese de emenda da petição inicial em decorrência de decisão do juiz que determina ao autor a formação do litisconsórcio necessário, não formado na petição inicial. Nesse caso, não resta dúvida de que o litisconsórcio será formado num momento posterior à propositura da ação, mas de qualquer maneira constará da petição inicial, em virtude da emenda. Melhor considerar tratar-se de litisconsórcio ulterior, porque o determinante para essa espécie de litisconsórcio é a sua existência quando do momento inicial da demanda, que ocorre com a mera propositura da ação. É evidente que, em regra, a petição inicial não precisará de emenda. Ainda que constante da petição inicial, portanto, será hipótese de litisconsórcio ulterior4.

Outra questão que diz respeito ao litisconsórcio ulterior refere-se à possibilidade de sua formação no litisconsórcio facultativo. A formação do litisconsórcio gera dois benefícios: economia processual (evita a repetição de prática de atos processuais) e harmonização de julgados (evita decisões contraditórias), mas depois da propositura da demanda pode-se afirmar que os litisconsortes facultativos ulteriores escolhem o juiz, em nítida afronta ao princípio do juiz natural. Apesar de existir decisão do Superior Tribunal de Justiça entendendo que essa formação de litisconsórcio não pode ser admitida em razão do princípio do juiz natural5, prefiro o entendimento doutrinário que permite o litisconsórcio ulterior até o saneamento do processo6.

Registre-se que nesse tocante há expressa previsão legal quanto ao momento preclusivo da formação de litisconsórcio ativo no mandado de segurança. O art. 10, § 2.º, da Lei 12.016/2009 prevê que o ingresso de litisconsorte ativo não será admitido após o despacho da petição inicial. Interessante notar que, aplicando-se o art. 263 do CPC, o despacho da petição inicial representa o momento de propositura da ação nos foros de vara única, mas, havendo mais de uma vara, esse momento é o da distribuição, que precede o primeiro despacho, de forma que nesses foros admitir-se-ia a formação de litisconsórcio ativo facultativo ulterior da propositura até o despacho da petição inicial.

Entendo que a previsão legal não foi feliz, não havendo qualquer justificativa no tratamento heterogêneo da regra quando analisada à luz do art. 263 do CPC. Aparentemente o legislador consagrou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que após a propositura, já se conhecendo o juízo da demanda, não se admitirá a formação do litisconsórcio ativo ulterior, mas o momento de propositura nada tem a ver com o despacho da petição inicial ou a distribuição: o processo se considera proposto no instante em que o autor obtém a certificação judicial de que apresentou perante o Poder Judiciário a petição inicial.

5.3.3. Litisconsórcio necessário ou facultativo

Conforme o próprio nome indica, litisconsórcio necessário se verifica nas hipóteses em que é obrigatória sua formação, enquanto no litisconsórcio facultativo existe uma mera opção de sua formação, em geral a cargo do autor (a exceção é o litisconsórcio formado pelo réu no chamamento ao processo e na denunciação da lide). No primeiro caso há uma obrigatoriedade de formação do litisconsórcio, seja por expressa determinação legal, seja em virtude da natureza indivisível da relação de direito material da qual participam os litisconsortes. No segundo caso a formação dependerá da conveniência que a parte acreditar existir no caso concreto em litigar em conjunto, dentro dos limites legais.

O art. 47 do CPC prevê que “há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”, aparentemente confundindo o litisconsórcio necessário com o litisconsórcio unitário, fenômenos próximos, mas diferentes. De qualquer forma, o dispositivo legal serve para indicar os dois fundamentos que tornam a formação do litisconsórcio necessária.

O conceito de litisconsórcio necessário vem previsto no art. 115 do PLNCPC. No caput do dispositivo vem previsto que o litisconsórcio unitário passivo será necessário, ressalvada disposição legal em sentido diverso, enquanto o parágrafo único prevê que também será preciso o litisconsórcio se assim a lei dispuser expressamente.

Entendo que a opção legislativa não foi a mais feliz, até porque se valeu de diferentes critérios de classificação de litisconsórcio para conceituar o litisconsórcio necessário. Aparentemente, pretendeu-se com a redação do dispositivo legal consagrar legislativamente a opção doutrinária pela inexistência de litisconsórcio ativo necessário. Ainda que não concorde com esse entendimento, acredito que haja outras formas de consagrá-lo sem prejudicar o conceito de litisconsórcio necessário. De qualquer modo, considero possível continuar a afirmar que o litisconsórcio será necessário quando houver relação jurídica incindível como objeto da demanda e por expressa previsão legal.

A lei poderá, por motivos alheios ao mundo do processo, prever expressamente a imprescindibilidade de formação do litisconsórcio, como ocorre na hipótese da ação de usucapião imobiliária, na qual o autor estará obrigado a litigar contra o antigo proprietário e todos os confrontantes do imóvel usucapiendo, como réus certos, e ainda contra réus incertos (art. 941 do CPC). Em regra, a necessidade proveniente em lei não tem nenhuma outra justificativa que não a expressa determinação legal, mas é possível que a exigência legal seja até mesmo inútil, porque em virtude do caso concreto o litisconsórcio seria necessário de qualquer modo, como ocorre no litisconsórcio formado na oposição (art. 56 do CPC).

A segunda forma de tornar um litisconsórcio necessário é a própria natureza jurídica da relação de direito material da qual participam os sujeitos que obrigatoriamente deverão litigar em conjunto. Na realidade, a necessidade de formação do litisconsórcio não decorre somente da natureza da relação jurídica de direito material, mas também da limitação processual que determina que somente as partes sofrerão os efeitos jurídicos diretos do processo.

No plano do direito material, fala-se em relações jurídicas incindíveis7, cuja principal característica é a impossibilidade de um sujeito que dela faça parte suportar um efeito sem atingir todos os sujeitos que dela participam. Significa dizer que existem determinadas relações jurídicas de direito material que, gerando-se um efeito jurídico sobre ela, seja modificativo ou extintivo, todos os sujeitos que dela participam sofrerão, obrigatoriamente, tal efeito jurídico.

No plano processual, não se admite que o sujeito que não participa do processo sofra os efeitos jurídicos diretos da decisão, com exceção dos substituídos processuais e dos sucessores. Em regra, os efeitos jurídicos de um processo somente atingirão os sujeitos que fizeram parte da relação jurídica processual, não beneficiando nem prejudicando terceiros.

A soma dessas duas circunstâncias faz com que o litisconsórcio seja necessário: sabendo-se de antemão que todos os sujeitos que participam da relação jurídica material sofrerão todo e qualquer efeito jurídico gerado sobre a relação, e sabendo-se que o sujeito que não participa do processo poderá sofrer os efeitos jurídicos da decisão, cria-se a obrigatoriedade de todos estarem presentes no processo, única forma possível de suportarem seus efeitos, que inexoravelmente atingirá a relação de direito material da qual participam.

5.3.4. Litisconsórcio unitário e simples

Nessa espécie de classificação leva-se em consideração o destino dos litisconsortes no plano do direito material, ou seja, é analisada a possibilidade de o juiz, no caso concreto, decidir de forma diferente para cada litisconsorte, o que naturalmente determinará diferentes sortes a cada um deles diante do resultado do processo. Será unitário o litisconsórcio sempre que o juiz estiver obrigado a decidir de maneira uniforme para todos os litisconsortes, e simples sempre que for possível uma decisão de conteúdo diverso para cada um dos litisconsortes.

A respeito da distinção entre essas duas espécies de litisconsórcio deve-se levar em conta a possibilidade material de uma eventual decisão não uniforme relativamente aos litisconsortes ser praticamente exequível, ou seja, para se aferir se o litisconsórcio é simples ou unitário basta imaginar a sentença que decida diversamente para os litisconsortes e verificar se ela seria capaz de gerar seus efeitos em suas esferas jurídicas. Havendo a viabilidade de praticamente se efetivar a decisão, em seus aspectos divergentes para os litisconsortes, o litisconsórcio será simples. No caso contrário, sendo inviável a efetivação da decisão, o litisconsórcio será unitário.

A análise da questão de a decisão ser uniforme deve ser feita em abstrato, em absolutamente nada interessando o caso concreto. Será plenamente possível que a sentença condene igualmente os dois réus – por exemplo, empregado e empregador –, mas isso não tornará esse litisconsórcio unitário, considerando-se que, antes de proferir a sentença no caso concreto, era possível ao juiz uma decisão diferente para os réus – bastaria, por exemplo, o empregador demonstrar que o ato ilícito praticado pelo empregado ocorreu fora do horário de serviço. A diferença entre litisconsórcio unitário e simples, portanto, é sempre analisada em abstrato, no plano da possibilidade de decidir diferente ou a obrigatoriedade de decidir de forma uniforme.

5.4. LIMITAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO

O art. 46, parágrafo único, do CPC prevê que o juiz pode limitar o número de sujeitos que formam um litisconsórcio facultativo (no litisconsórcio necessário a obrigatoriedade de sua formação torna inaplicável o dispositivo legal, ainda que haja uma multidão litigando em litisconsórcio) desde que o número excessivo de pessoas comprometa a rápida solução do processo ou dificulte o exercício do direito de defesa. O dispositivo legal prevê ainda que o pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão que determina a existência do litisconsórcio multitudinário, nomenclatura utilizada pela melhor doutrina8.

O fenômeno do litisconsórcio multitudinário segue consagrado no PLNCPC. No art. 113, § 1.º, há duas novidades. Fica expresso que a limitação pode ocorrer na fase de conhecimento, liquidação e execução da sentença, de forma que, mesmo mantido o litisconsórcio na fase anterior, será possível limitá-lo para a fase procedimental subsequente. A outra novidade fica por conta das consequências do número excessivo de litisconsortes: além da manutenção do comprometimento, a rápida solução do processo e a dificuldade no exercício da defesa, é incluída a dificuldade no cumprimento da sentença como justificativa para a limitação no número de litisconsortes.

5.4.1. Reconhecimento de ofício pelo juiz

Parece não restarem maiores dúvidas de que a limitação do litisconsórcio facultativo, desde que preenchidos os requisitos legais, poderá se verificar sem nenhuma manifestação das partes, tomando-se em conta a natureza dos valores que pretende preservar, nitidamente de caráter de interesse público9. O juiz, portanto, poderá de ofício determinar a limitação no número de litisconsortes10.

Ao apontar como razão para a limitação ora analisada o propósito de evitar que a rápida solução do processo seja comprometida, o legislador busca preservar o princípio da economia processual e da efetivação das decisões judiciais, considerando-se que, em regra, tutela atrasada é tutela ineficaz. Verifica-se a preocupação de que o processo não se eternize em virtude das complicações naturais que poderão decorrer de um número excessivo de sujeitos na relação jurídica processual. A preocupação é legítima, ainda mais à luz do art. 5.º, LXXVIII, da CF, que estabelece como garantia do jurisdicionado uma razoável duração do processo.

Também quando permite a limitação em virtude do prejuízo ao exercício da defesa, o dispositivo legal fundamenta-se na garantia constitucional da ampla defesa, consagrada pelo art. 5.º, LV, da CF, apesar de doutrina minoritária entender que nesse caso a defesa interessa somente à parte, que deve alegar sua dificuldade para que o juiz possa reconhecer o litisconsórcio multitudinário11.

5.4.2. Pedido da parte

Como se nota, os valores garantidos pela limitação do litisconsórcio facultativo permitem a atuação oficiosa do juiz, o que evidentemente não exclui a legitimação das partes para pedir a limitação. Nesse caso, inclusive, há previsão expressa do art. 46, parágrafo único, do CPC, prevendo que o pedido de limitação interrompe o prazo de resposta. Na realidade, mesmo diante da omissão legislativa seria possível a alegação da parte, a qualquer momento do processo, em virtude da natureza de ordem pública do litisconsórcio multitudinário.

Não obstante o entendimento de que seja possível ao juiz conhecer a matéria de ofício em virtude de sua natureza de ordem pública e de que as partes poderão alegar o fenômeno a qualquer momento (art. 303, II, do CPC), não será a qualquer momento interrompido o processo em razão de tal alegação12. A interrupção do prazo de resposta somente ocorrerá se o pedido for apresentando pelo réu dentro desse prazo13.

A clara redação do dispositivo legal ora comentado não deixa nenhuma dúvida a respeito da interrupção, e não da mera suspensão, do prazo para a resposta diante do ingresso de pedido de limitação. Dessa forma, o prazo de defesa será devolvido na íntegra ao réu. Também não há dúvida de que a interrupção dura até a intimação das partes da decisão interlocutória a respeito de tal pedido. Mesmo na hipótese de o pedido mostrar-se uma manobra do réu para ganhar tempo na apresentação da defesa, a interposição do pedido deve ser apta a gerar a interrupção prevista em lei. A sanção processual nesse caso não é a não interrupção do prazo, mas a condenação da parte por litigância de má-fé.

O art. 113, § 2.º, do PLNCPC, com meros retoques linguísticos, mantém a previsão de que o requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeça da intimação da decisão. O dispositivo troca o termo “pedido” por “requerimento”, mas no § 7.º volta a prever “pedido”, o que demonstra que, a par de alguma discussão teórica, pouco importa a expressão utilizada para designar a postulação da parte para o reconhecimento do litisconsórcio multitudinário. Perdeu-se a oportunidade de solucionar expressamente a divergência a respeito do prazo que o réu tem para alegar a existência do litisconsórcio multitudinário, mas a omissão legal não abala meu entendimento de que esse prazo seja o de resposta do réu.

Como no sistema do PLNCPC o rol de cabimento do agravo de instrumento passa a ser taxativo, o art. 113, § 7.º, prevê corretamente que o indeferimento do pedido de limitação do litisconsórcio é recorrível pelo agravo de instrumento. Contudo, nesse caso resta uma pergunta: e da decisão que defere o pedido – ou mesmo reconhece o número excessivo de litisconsortes de ofício – não cabe agravo de instrumento? Teria sido a redação do dispositivo um mero descuido do legislador ou uma opção? Melhor acreditar que foi apenas um descuido, até porque prever o cabimento do agravo de instrumento apenas para a decisão em um determinado sentido fere o princípio da isonomia. A decisão deve ser recorrível por agravo de instrumento independentemente de seu conteúdo positivo ou negativo, e nesse sentido mais amplo deve ser interpretado o § 7.º do art. 113 do PLNCPC.

5.4.3. Litisconsórcio recusável?

Figura de triste lembrança de nossas antigas codificações processuais (art. 88 do CPC/1939), o litisconsórcio recusável fundava-se na vontade do réu em manter o litisconsórcio formado pelo autor. Citado, poderia simplesmente se negar a litigar conforme o litisconsórcio inicial formado na demanda em recusa que era sempre determinativa da dissolução do litisconsórcio. Teria o art. 46, parágrafo único, do atual CPC ressuscitado o antigo fenômeno processual?

Certamente o instituto atualmente previsto no art. 46, parágrafo único, do CPC tem manifestas diferenças com o instituto do litisconsórcio recusável previsto pelo CPC de 1939. O pedido do réu para que o litisconsórcio facultativo formado pelo autor não seja mantido não decorre de sua pura e exclusiva vontade em não litigar conforme os limites subjetivos fixados pelo autor na petição inicial. Para a aplicação da limitação prevista pelo art. 46, parágrafo único, do CPC, a parte deverá alegar e demonstrar a presença dos requisitos legais, de nada importando a sua mera vontade de não litigar.

Significa dizer que, de forma fundamentada e desde que presentes os requisitos, o réu poderá recusar o litisconsórcio formado pelo autor, o que, entretanto, não torna o instituto processual idêntico ao litisconsórcio recusável. Há, inclusive, outra diferença fundamental entre os dois institutos: o litisconsórcio recusável previsto pelo art. 88 do CPC/1939 somente se aplicava à hipótese de litisconsórcio formado por afinidade de questão, enquanto o instituto atual se aplica ao litisconsórcio facultativo de forma indistinta, qualquer que seja o fundamento de sua formação (todas as hipóteses do art. 46 do CPC)14.

Pouco importa afirmar que não é caso de litisconsórcio recusável15 ou que é uma hipótese diferenciada de litisconsórcio recusável16. O que é realmente relevante é a distinção entre os institutos, devendo ser colocado em segundo plano o debate a respeito da inexistência de litisconsórcio recusável ou de existência de litisconsórcio recusável atípico, diverso daquele previsto pelo CPC de 1939. O único equívoco nesse tema é afirmar, pura e simplesmente, que o art. 46, parágrafo único, do CPC recriou o litisconsórcio recusável.

5.4.4. Consequência jurídica da limitação do litisconsórcio facultativo

Reconhecido de ofício ou deferido o pedido para a limitação dos litisconsortes, a doutrina diverge a respeito do que deva acontecer no processo. Corrente doutrinária afirma que o juiz deverá simplesmente excluir do processo os litisconsortes excedentes, que deverão propor uma nova demanda se pretenderem continuar a pleitear seus direitos – litisconsórcio multitudinário ativo – ou serem citados em nova demanda a ser proposta pelo autor – litisconsórcio multitudinário passivo17. Não convence o argumento de que essa é a conclusão mais consentânea com o princípio da economia processual porque um eventual desmembramento do processo geraria graves complicações procedimentais, o que deve ser evitado18.

Há uma outra razão de ordem eminentemente prática para que não ocorra a exclusão dos litisconsortes excedentes, considerando-se os efeitos materiais e processuais gerados no momento da propositura da ação ou da citação. A necessidade de ingresso de outras demandas por sujeitos excluídos os desfavoreceria, porque nesse caso tais efeitos somente seriam gerados a partir da propositura e citação da segunda demanda. Como afirmar que não houve interrupção da prescrição para os autores excluídos da primeira demanda? Como defender que o bem não se tornou litigioso relativamente a eles, ou o devedor não foi constituído em mora? Essas questões levam a crer ser o desmembramento a melhor solução no caso de reconhecimento do excesso de sujeitos em litisconsórcio.

A segunda corrente doutrinária, que parece dar a solução mais acertada à questão ora enfrentada, entende que o juiz deverá determinar o desmembramento da relação jurídica processual, criando-se novos processos com os sujeitos excedentes19. Caberá ao patrono do autor escolher os autores que ficarão na demanda originária e aqueles que criarão novas demandas, que serão distribuídas por dependência para o mesmo juízo, em respeito ao princípio do juiz natural20.

O desmembramento por decisão do juiz não se mostra consentâneo com o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, não sendo legítimo que o sujeito que ingressou com a demanda legítima perante o Poder Judiciário seja obrigado a uma nova propositura da ação. Ademais, seria também atentatório ao princípio da isonomia, tratando-se de forma desigual, e sem nenhuma justificativa para tanto, os sujeitos que continuam no processo e aqueles que são excluídos.

Poder-se-á alegar que esse entendimento não resolveria plenamente o problema, sendo inclusive pior para o juiz que determinou o desmembramento que, em vez de comandar um só processo, passaria a comandar diversos. O que se deve lembrar, entretanto, é que a limitação não busca facilitar a vida do juiz, mas preservar garantias constitucionais. Ademais, sendo o Judiciário uno e indivisível, a distribuição livre dos processos somente transferiria o trabalho de um juízo para outros, em inútil sacrifício do princípio do juiz natural, já que o trabalho para o Poder Judiciário continuaria a ser exatamente o mesmo.

A doutrina é unânime em apontar que não existe um número fixo de litigantes como limite para toda e qualquer ação judicial. O juiz deverá analisar sempre o caso concreto e decidir concretamente se o número de sujeitos litigando em litisconsórcio prejudica o andamento do processo ou o exercício do direito de defesa. A determinação de quais sujeitos ficam na demanda e de quais deverão propor um novo processo naturalmente não deve ser feita pelo juiz, mas sim pelo patrono do autor, responsável pelo procedimento do desmembramento. O juiz deve se limitar a fixar um número máximo de autores ou réus, deixando a cargo do patrono do autor definir quem são os sujeitos que ficam e aqueles que se vão, não obstante essa diferença seja praticamente irrelevante na prática.

O art. 113, § 3.º, do PLNCPC prevê que, na decisão que limitar o número de litigantes no litisconsórcio facultativo, o juiz estabelecerá quais deles permanecerão no processo e o número máximo de integrantes de cada grupo de litisconsortes. Apesar de continuar a acreditar que a determinação de quem sai e de quem fica no processo originário não esteja na esfera de atuação do juiz, o legislador parece ter preferido uma solução mais pragmática, dando maior agilidade ao procedimento.

Fundamento meu entendimento porque acredito que a tarefa de tomar as devidas providências para a distribuição dos novos processos seja da parte, que poderá ficar inerte, hipótese em que os sujeitos excedentes serão simplesmente excluídos de processo em curso. Daí por que cabe ao advogado estabelecer quem fica e quem sai do processo originário.

Essa premissa, entretanto, não está claramente consagrada no PLNCPC, que deixa campo aberto à divergência a respeito de quem deve tomar as providências a respeito da distribuição dos novos processos derivados do desmembramento: do advogado da parte ou do cartório judicial?

O art. 113, § 4.º, prevê que cópias da petição inicial originária, instruídas com os documentos comuns a todos e com aqueles exclusivos aos integrantes do grupo, serão submetidas à distribuição por dependência, dando a entender que essa tarefa será executada pelo cartório judicial. Por outro lado, o final do § 3.º depõe contra essa conclusão, ao prever a entrega dos documentos exclusivamente relativos aos litigantes considerados excedentes. E o § 5.º, ao dispor que a distribuição deverá ser realizada no prazo de quinze dias e somente depois de ocorrida os nomes dos litigantes excedentes serão excluídos dos autos, parece sugerir que o prazo é cartorial, gerando como efeito apenas a exclusão dos excedentes do processo originário. Afinal, se a incumbência for do advogado da parte e a distribuição não acontecer em 15 dias, os excedentes continuarão a figurar do processo originário?

Poder-se-ia dizer que sim, mas, pela previsão do art. 113, § 6.º, o mérito do pedido não seria apreciado para esses litigantes excluídos. Entretanto, nesse caso não haveria sentido em prever um prazo para a distribuição dos novos processos, porque não se podem “aprisionar” litigantes a um processo que não decidirá o mérito quanto a eles somente porque não saíram do processo no período de quinze dias. Por outro lado, se o § 6.º trata dos litigantes já incluídos em processos novos, a previsão de que no processo originário o mérito não será julgado para eles é de uma obviedade tão gritante que fica difícil acreditar que o legislador tenha se preocupado em fazer uma previsão específica nesse sentido.

Tendo previsto, aparentemente de forma exaustiva, as consequências do desmembramento do litisconsórcio multitudinário, falhou o legislador ao deixar grande margem para dúvidas a respeito de quem deve providenciar a distribuição dos novos processos derivados de tal desmembramento.

Estou certo de que haverá polêmica a esse respeito, e, embora esteja inclinado a acreditar que, diante das previsões legais, a incumbência seja do cartório judicial, não consigo ver justificativa plausível para onerar o cartório com providência que interessa apenas à parte. E sinceramente considero que os cartórios judiciais não vão assumir tal responsabilidade, determinando a intimação da parte para a tomada das devidas providências, ainda que omissa a lei quanto a esse ato de comunicação processual.

Seja quem for o responsável pelas providências já aludidas, a distribuição dos novos processos será realizada por dependência, nos termos do art. 113, § 4.º, do PLNCPC. E a criação de novos processos não altera a data de propositura da ação originária para fins de efeitos da citação, que valerá tanto para os litigantes que ficarem no processo originário como para aqueles que passarem a figurar nos processos novos. Nesse sentido, o Enunciado n.º 10 do II Encontro de Jovens Processualistas (IBDP): “Em caso de desmembramento do litisconsórcio multitudinário, os efeitos da citação retroagirão à data de propositura da demanda original, que foi desmembrada”.

5.5. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E UNITÁRIO. NECESSÁRIAS DISTINÇÓES

Não se devem confundir esses dois fenômenos processuais, até mesmo porque a questão da necessidade da formação do litisconsórcio diz respeito ao momento inicial da demanda, de propositura da ação, enquanto a questão referente à unitariedade diz respeito a outro momento processual, o da decisão da demanda. Saber se o litisconsórcio deve ou não ser formado não influencia obrigatoriamente no conteúdo uniforme ou não da decisão a ser proferida no processo no qual o litisconsórcio se formou.

Sendo o litisconsórcio necessário em decorrência de previsão legal, não existe nenhum obstáculo prático para que a decisão não seja uniforme para todos os litisconsortes, porque esse tipo de decisão será praticamente eficaz para todos os que participaram do processo, em decorrência de não haver nenhuma incindibilidade do objeto do processo. É a hipótese, por exemplo, do litisconsórcio necessário formado no polo passivo da ação popular, sendo absolutamente viável uma solução diferente para cada um deles21, bem como na hipótese do litisconsórcio formado na ação de usucapião, no qual cada confrontante, por defender sua própria propriedade, poderá ter decisão diversa da dos demais litisconsortes. É possível, portanto, existir um litisconsórcio unitário e simples.

Nesse sentido, o art. 114, parágrafo único, do PLNCPC ao prever que o litisconsórcio unitário pode ser necessário ou facultativo.

Também é possível, por outro lado, um litisconsórcio facultativo e unitário, significando não ser indispensável a sua formação, mas, uma vez verificada no caso concreto, cria-se uma obrigatoriedade para que o juiz necessariamente decida de forma uniforme para todos os litisconsortes. Nesse caso haverá tão somente uma opção do autor em formar o litisconsórcio, sendo absolutamente válido e eficaz o processo no qual ele não é formado; mas a decisão obrigatoriamente definirá o mesmo destino a todos os litisconsortes no plano do direito material, se a opção do autor tiver sido a de formar o litisconsórcio.

Sempre que existir na lei alguma hipótese de legitimidade extraordinária concorrente o litisconsórcio será facultativo e unitário22. Nessa espécie de legitimação a lei permite que somente um dos legitimados defenda o interesse dos terceiros em nome próprio, não obstante seja admissível que todos os legitimados litiguem em conjunto. O exemplo mais visível dessa circunstância é a legitimação extraordinária concorrente verificada nas ações que têm como objeto os direitos metaindividuais, como a ação civil pública, que pode ser proposta isoladamente pelo Ministério Público, Defensoria Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e sindicatos e associações, nos termos da lei. Trata-se de legitimação concorrente e disjuntiva, porque qualquer um desses legitimados poderá propor a demanda solitariamente (litisconsórcio facultativo), mas, uma vez formado o litisconsórcio ativo, a decisão deverá ser uniforme para todos (litisconsórcio unitário)23.

Outra hipótese na qual haverá o litisconsórcio facultativo unitário é aquela na qual a lei permite expressamente que apenas um titular do direito o defenda solitariamente no processo, fazendo-o em nome próprio na defesa do interesse de todos os titulares. Fala-se nessa hipótese de legitimação ordinária individual, significando que a parte litigante também será titular do direito debatido, mas poderá demandar mesmo sem a presença dos demais titulares. Existem inúmeros exemplos, como a ação reivindicatória da coisa comum, que pode ser proposta por qualquer condômino; ação de dissolução de sociedade, que pode ser proposta por qualquer sócio; ação que tenha como objetivo a anulação de uma assembleia-geral em sociedade por ações, a declaração de indignidade do herdeiro, que pode ser proposta por qualquer interessado na sucessão; na ação de sonegados, que pode ser proposta por qualquer herdeiro ou credor da herança etc.

Em todas essas hipóteses a formação do litisconsórcio será facultativa, sendo formado ou não conforme a vontade dos sujeitos interessados no litígio, mas, uma vez formado, a decisão obrigatoriamente resolverá a lide do mesmo modo para todos os litisconsortes. A justificativa é evidente, considerando-se a incindibilidade do objeto do processo debatido na demanda, o que torna obrigatória a prolação de uma sentença uniforme para todos os litisconsortes.

Observe-se que a hipótese em que exista dívida solidária não pode ser considerada espécie de litisconsórcio facultativo unitário. Não restam maiores dúvidas de que se trata de litisconsórcio facultativo, permitindo o art. 275 do CC que o credor proponha a ação contra qualquer um dos devedores solidários (apesar do devedor escolhido poder chamar ao processo os demais devedores, o que formará um litisconsórcio passivo ulterior, tornando ineficaz a vontade inicial do credor-autor). Trata-se de litisconsórcio simples porque uma vez proposta a demanda contra todos os devedores (ou alguns deles), será possível que a decisão não seja uniforme para todos, bastando para tal conclusão recorrer ao art. 274 do CC, que expressamente determina a possibilidade de julgamentos diversos para os devedores solidários quando acolhida exceção pessoal apresentada por somente um (ou apenas alguns) deles24.

Fernanda celebrou contrato com Felipe e Eliane, que em razão da mora tornaram-se devedores solidários. Fernanda opta por ingressar com demanda de cobrança contra Felipe e Eliane. Em sede de contestação Felipe alega que no momento de celebração do contrato era incapaz, não podendo suportar os efeitos do inadimplemento contratual. Acolhida a defesa de Felipe, que naturalmente em nada beneficia Eliane, é possível que o juiz julgue o pedido de Fernanda improcedente com relação a Felipe e condene somente Eliane ao pagamento. Trata-se de hipótese de litisconsórcio facultativo e simples.

Apesar da possibilidade de existir litisconsórcio necessário e simples, como também facultativo e unitário, é correto afirmar que, em regra, o litisconsórcio necessário será unitário. Isso porque das duas circunstâncias que tornam o litisconsórcio necessário, a previsão expressa em lei é a exceção, sendo mais frequente a obrigatoriedade de formação em virtude da natureza incindível da relação jurídica de direito material. Nesse caso, há um ponto comum entre o litisconsórcio necessário e o unitário, que é justamente a incindibilidade dessa relação e, por consequência, do objeto litigioso: ao mesmo tempo obrigará a formação do litisconsórcio e a decisão uniforme para os litisconsortes. São duas obrigações distintas, referentes a momentos diversos do processo – propositura e decisão –, mas que derivam da mesma razão: a incindibilidade da relação jurídica de direito material.

Em síntese conclusiva são possíveis algumas afirmações:

(i) todo litisconsórcio necessário em virtude da incindibilidade do objeto do processo será também unitário;

(ii) todo litisconsórcio facultativo em que exista legitimação extraordinária ou ordinária concorrente e disjuntiva será unitário;

(iii) em regra, o litisconsórcio necessário em virtude de expressa previsão em lei será simples.

5.6. LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO?

O tema da existência ou não de um litisconsórcio ativo necessário é dos mais polêmicos na doutrina, considerando-se que nesse caso haverá dois importantes valores em confronto: a regra de que ninguém é obrigado a propor demanda contra a sua vontade e a imprescindibilidade para a geração de efeitos da decisão de formação do litisconsórcio. Na realidade, o problema surgirá sempre que, embora imprescindível que os sujeitos que participam do mesmo polo de uma relação jurídica processual façam parte do processo, um deles não pretende litigar, porque nesse caso haverá um conflito entre o direito de demandar de um e o direito de não demandar do outro.

Existe parcela da doutrina que afirma peremptoriamente que não existe litisconsórcio ativo necessário, sob o argumento de que ninguém pode ser obrigado a integrar o polo ativo de uma demanda contra a sua vontade25. Dessa forma, ainda que seja formado no polo ativo o litisconsórcio imprescindível para a geração de efeitos da decisão a ser proferida no processo, esse litisconsórcio será facultativo, porque dois sujeitos somente propõem uma ação em conjunto se desejarem litigar dessa forma.

Parece ter sido esse o entendimento consagrado no art. 115, caput, do PLNCPC, ao prever que o litisconsórcio unitário passivo será necessário, ressalvada disposição legal em sentido diverso.

O ponto mais importante a respeito da questão, entretanto, não diz respeito à inexistência ou não de litisconsórcio ativo necessário. As ponderações já realizadas demonstram que, concordando os sujeitos que necessitam estar no processo em propô-lo, não haverá mais nenhum problema a ser enfrentado, considerando-se formado o litisconsórcio ativo. O mesmo não se pode dizer de um impasse que tenha como objeto a necessidade da formação do litisconsórcio e a recusa de um dos sujeitos, que precisa estar no processo, em propor a demanda. Como resolver essa intrincada questão? A doutrina tem diversas sugestões diferentes para a solução do tema.

Há corrente doutrinária a entender que o direito a não demandar deve, em regra, se sobrepor ao direito de ação do sujeito que quer propor a demanda, que nesse caso restaria condicionado à concordância de todos que participaram no mesmo polo da relação jurídica de direito material. Para essa corrente doutrinária a propositura de somente um autor quando haveria a necessidade de outros também comporem o polo ativo em razão da incindibilidade da relação jurídica de direito material gera um vício de ilegitimidade. Como é rejeitada qualquer intervenção do sujeito por manifestação das partes ou do juiz, impedindo-se qualquer convocação para o terceiro participar da demanda, conclui-se que, não havendo vontade dos envolvidos na relação jurídica de direito material em propor a ação, não será possível tal propositura26.

Não parece ser o melhor entendimento para o problema sugerido, porque sacrifica integralmente o interesse do sujeito que quer propor a ação judicial, sendo o ideal tentar conjugar os dois interesses conflitantes sem que nenhum deles seja totalmente sacrificado. Aquele que participa com outro sujeito em um dos polos da relação jurídica de direito material de natureza incindível não pode ficar à mercê desse sujeito no tocante à propositura de demandas que tenham como objeto essa relação jurídica material, até mesmo porque a própria Constituição Federal garante a todos a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5.°, XXXV, da CF).

A situação fica ainda mais dramática na hipótese de o sujeito que quer propor a ação não localizar aquele que deveria participar com ele desse ato processual. Nesse caso, não se trata de recusa de um dos sujeitos, mas simplesmente da impossibilidade material em localizá-lo, o que impedirá, inclusive, que se saiba se ele quer ou não litigar. Seria correto entender que, nesse caso, o sujeito que pretende litigar e não encontra o outro não terá legitimidade a propor a ação, sendo-lhe retirado o direito constitucionalmente garantido de acesso à jurisdição? A resposta a essa questão não pode ser dada de forma positiva.

Uma segunda corrente doutrinária entende que o terceiro que deveria estar no polo ativo da demanda em virtude da necessariedade da formação do litisconsórcio, mas não está em virtude de sua vontade de não litigar, deverá ser convocado a se integrar à relação jurídica processual, havendo certa divergência dentro da corrente doutrinária a respeito da forma de convocação desse terceiro. Alguns entendem tratar-se de uma citação atípica, dando-se ao termo citação uma interpretação mais ampla, de ato capaz de gerar a integração da relação jurídica processual, ainda que não do réu27, enquanto outros afirmam tratar-se de uma intimação com o fito de integrar o terceiro ao processo28.

O principal aspecto dessa corrente doutrinária é que o terceiro, ao ser convocado, e independentemente da sua postura, estará vinculado ao processo, de forma que sofrerá os efeitos jurídicos diretos da decisão a ser proferida. Como ninguém pode se negar a demandar, estaria superado também o problema de que ninguém é obrigado a propor demanda judicial contra a sua vontade, porque nesse caso o sujeito que não quis ser autor foi colocado no polo passivo do processo. Mas existe uma divergência a respeito das diferentes posturas que o terceiro convocado – citado ou intimado – poderá adotar.

Para alguns, terá três posições possíveis29:

(i) assume o polo ativo ao lado do autor com o qual não queria originariamente litigar;

(ii) assume o polo passivo ao lado do réu, contestando a ação;

(iii) fica inerte, não tomando posição na demanda a favor de nenhum dos polos.

Para outros, não poderá litigar no polo passivo como se fosse um corréu, restando três alternativas30:

(i) assume o polo ativo;

(ii) fica inerte;

(iii) nega a sua condição de litisconsorte.

Há uma terceira corrente doutrinária que defende que a demanda judicial já se inicie com a colocação no polo passivo do sujeito que não quis litigar no polo ativo. Realizada a sua citação, o sujeito teria duas opções:

(i) continuar no polo passivo, hipótese na qual se tornará efetivamente réu e resistirá à pretensão do autor;

(ii) integrar o polo ativo, formando o litisconsórcio ativo necessário desejado pelo autor desde o início31.

Nenhuma dessas duas sugestões doutrinárias parece ser a melhor solução à questão apresentada, porque, apesar de resolver o problema da necessidade da formação do litisconsórcio, dá uma faculdade ao terceiro para escolher em que polo atuará que não se coaduna com o fenômeno jurídico da lide, que se define antes do processo, e não durante seu trâmite. Como será possível ao terceiro decidir contra a pretensão de qual das partes pretende resistir após o início do processo? Não existe justamente o processo em virtude da resistência a uma pretensão não satisfeita, colocando-se no polo ativo o não satisfeito e no polo passivo os que resistem?

Dessa forma, a corrente doutrinária que parece mais correta é aquela que defende a colocação do sujeito como réu, mantendo-se nessa posição processual até o final do processo. Na realidade, a solução passa pelo conceito de lide no caso concreto. Sempre que alguém resiste a uma pretensão deve ser colocado no polo passivo, independentemente do polo que ocupa na relação de direito material, porque há tempos encontram-se dissociadas essas duas espécies de relação jurídica. Não haverá nenhum problema se os sujeitos estiverem no mesmo polo da relação de direito material e em polos opostos no processo judicial. A ideia principal é: quem resiste a uma pretensão é réu, e assim deverá compor a relação jurídica processual32.

O único cuidado que deve tomar o autor, tanto para evitar surpresas desagradáveis no processo, como para evitar uma situação no mínimo paradoxal, é certificar-se de que o sujeito não pretende de fato litigar no polo ativo, sendo até mesmo interessante a realização de uma notificação. Essa certificação evitará que o terceiro, citado, argumente que também queria propor a demanda, hipótese em que deverá reconhecer juridicamente o pedido, mas na qual o autor deverá ser condenado ao pagamento das verbas de sucumbência, porque teria indevidamente colocado o sujeito no polo passivo. No caso de o sujeito não ser localizado, também essa circunstância deverá ser bem demonstrada, sempre para evitar a condenação ao pagamento das verbas de sucumbência.

Uma leitura mais apressada do PLNCPC pode levar à enganosa conclusão de que o tema ora versado teria sido enfrentado pelo art. 116, § 2.º, ao prever que o juiz deve determinar a convocação de possível litisconsorte unitário ativo para, querendo, integrar o processo. O dispositivo, entretanto, parece tratar do litisconsórcio ativo unitário facultativo, que, tomando ciência da existência da ação judicial, poderia nesta ingressar como litisconsorte ulterior.

Essa limitação do dispositivo legal fica clara quando a previsão aponta para a mera possibilidade, dependendo da vontade do terceiro, de integrar no processo. Caso o litisconsórcio mencionado fosse necessário, o que exigiria sua integração ao processo, a “convocação” seria na realidade uma citação – típica ou atípica – com a consequente integração do terceiro ao processo, independentemente de sua vontade.

Apesar de não concordar com a premissa aparentemente adotada, interpreto o dispositivo tomando-a como base de análise. O sujeito deveria ter sido autor, mas se negou a propor a ação, permanecendo como terceiro. Como não se trata de litisconsórcio ativo necessário, ele é “convocado” para, querendo, integrar o processo, o que poderá fazer tanto no polo ativo como no passivo. Poderá, por outro lado, optar por não se integrar ao processo, hipótese em que será alcançado pelos efeitos jurídicos diretos da decisão da demanda, mesmo sendo um terceiro. Tratar-se-ia de mais uma exceção à eficácia inter partes da coisa julgada material.

5.7. EXISTE A INTERVENÇÃO IUSSU IUDICIS NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO?

O art. 91 do CPC/1939 autorizava o juiz a determinar a integração do processo por terceiros que tivessem alguma espécie de interesse jurídico da demanda, desde que entendesse conveniente essa intervenção. Tratava-se da intervenção “iussu iudicis”, instituto que permite a atuação oficiosa de chamar terceiro ao processo desde que se acredite na conveniência dessa medida.

O Código de Processo Civil atual não repete a regra do art. 91 do CPC/1939, de forma que, ao menos expressamente em lei, não há previsão para o instituto da intervenção “iussu iudicis”. Nem mesmo a previsão do art. 47, parágrafo único, do atual CPC, que permite ao juiz ordenar “ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo”, pode ser entendida como espécie de “iussu iudicis”, considerando-se que nesse caso não é a vontade do juiz fundada em conveniência que determina a formação do litisconsórcio, mas a vontade da lei fundada na imprescindibilidade de o sujeito participar do processo33.

Ainda que seja nítida a diferença entre o instituto presente no Código de Processo Civil de 1939 e a previsão do art. 47, parágrafo único, do atual CPC, existem doutrinadores que confundem as duas realidades, afirmando que o dispositivo legal ora mencionado é forma de intervenção “iussu iudicis34.

Registre-se corrente doutrinária que defende uma interpretação mais extensiva do dispositivo legal, de forma a permitir a atuação do juiz além da hipótese de litisconsórcio necessário não formado. Para os doutrinadores dessa corrente, também na hipótese do litisconsórcio facultativo, em especial sendo unitário, caberá a formação do litisconsórcio por iniciativa do juiz. As justificativas dessa medida oficiosa do juiz em incentivar a integração do processo por esses terceiros seriam35:

(i) harmonização de julgados, evitando eventuais decisões contraditórias;

(ii) economia processual, evitando outros processos com repetição desnecessária de atos processuais; e

(iii) maior segurança jurídica, evitando que sujeitos que não participem do processo sejam de alguma forma atingidos por ele.

O PLNCPC praticamente repete no art. 116, § 1.º, a regra prevista no art. 46, parágrafo único, do CPC/1973, apenas limitando a intimação do autor às hipóteses de litisconsórcio necessário não formado no polo passivo. O já mencionado art. 116, § 2.º, do PLNCPC, ao impor ao juiz o dever de convocar o possível litisconsorte unitário ativo para, a depender de sua vontade, integrar o processo, parece ressuscitar a clássica intervenção iussi iudicis. Há, entretanto, uma diferença fundamental entre o art. 91 do CPC/1939 e o art. 116, § 2.º, do PLNCPC: no primeiro caso a vinculação do terceiro ao processo independia de sua vontade, ocorrendo automaticamente diante de sua citação, enquanto no segundo caso o terceiro é tão somente “convocado”, podendo optar por manter-se fora da relação jurídica processual.

Ainda que a questão do nome do fenômeno processual seja menos relevante que seu conteúdo, não concordo com a conclusão incidental do Enunciado 11 do II Encontro dos Jovens Processualistas (IBDP), mas, exceto a questão da nomenclatura, o Enunciado deve ser apoiado: “O litisconsorte unitário, integrado ao processo por intervenção iussu iudiciis a partir da fase instrutória, terá direito à postulação e à produção de provas, sem prejuízo daquelas já produzidas, sobre as quais o interveniente tem o ônus de se manifestar tão logo integrado ao processo”.

5.8. VÍCIO GERADO PELA AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO

É previsto expressamente no art. 47, caput, do CPC que será ineficaz a sentença proferida em processo no qual se verificar a ausência de litisconsórcio necessário. A existência de tal dispositivo legal, entretanto, não impediu uma séria divergência doutrinária a respeito da espécie de vício existente nessa situação, ainda que seja unânime entre os doutrinadores a concepção de se tratar de vício gravíssimo. O melhor entendimento é aquele que afirma ser a espécie de vício dependente do motivo pelo qual o litisconsórcio é necessário: previsão em lei ou incindibilidade do objeto.

Sendo a previsão legal o motivo de formação do litisconsórcio necessário, a sentença proferida sem que este tenha sido formado gera uma nulidade absoluta, por flagrante desrespeito ao previsto no art. 47 do CPC. Nesse caso, a nulidade não se convalida até o trânsito em julgado, podendo ser alegada pelas partes ou reconhecida de ofício pelo juiz a qualquer momento do processo36. Transitada em julgado a decisão, ainda será cabível no prazo de dois anos a propositura da ação rescisória37. Importante lembrar decisão do Superior Tribunal de Justiça que, apesar de ressaltar a grande divergência a respeito do tema, se posicionou pelo cabimento da ação anulatória, sem prazo para seu ingresso38. Registre-se, entretanto, que, mesmo depois desse prazo, a sentença não vinculará os terceiros que não participaram do processo, nos exatos termos do art. 472 do CPC, visto que a coisa julgada material não pode prejudicar nem beneficiar terceiros39.

Na hipótese de o litisconsórcio ser necessário em virtude da incindibilidade da relação jurídica de direito material, a sentença será ineficaz, porquanto não terá condições de gerar qualquer efeito, seja para a parte que participou do processo, como para o sujeito que não fez parte da relação jurídica processual. Basta imaginar a sentença de procedência proferida num processo de anulação de casamento sem a presença de um dos cônjuges.

Naturalmente nesse caso o vício não se convalidará com o trânsito em julgado tampouco com o transcurso do prazo da ação rescisória, podendo ser apontado a qualquer momento, no caso de ser necessária uma certeza jurídica a respeito dessa ineficácia (ação declaratória, art. 4.º do CPC)40. Tecnicamente, inclusive, não caberia nem mesmo a ação rescisória nessa situação, mas os Tribunais corretamente vêm permitindo o ingresso dessa demanda de natureza constitutiva negativa, levando-se em conta a dificuldade de precisar a espécie de vício e, consequentemente, os seus meios de impugnação.

Há interessante corrente doutrinária a respeito dessa ineficácia, afirmando que o vício da sentença poderá ser convalidado posteriormente na hipótese de o sujeito excluído – que deveria ter sido litisconsorte, mas não o foi – concordar com o teor da decisão. A ineficácia, portanto, ficaria condicionada à posterior manifestação do sujeito excluído; caso impugnasse o processo, em virtude de sua ausência, a decisão teria sido ineficaz; mas, se concordasse expressamente com o decisório, a sentença passaria a gerar regularmente seus efeitos41.

Além da nulidade absoluta e da ineficácia, existe doutrina a entender que o vício gerado pela ausência de litisconsorte necessário causa uma inexistência jurídica do processo. O fundamento principal é de que, não havendo a presença de todos os litisconsortes necessários, não terá ocorrido a citação de todos os sujeitos que deveriam ter participado e, considerando-se a citação válida pressuposto de existência, o processo será juridicamente inexistente42. O entendimento não se mostra correto porque parte de premissa equivocada, porquanto o vício de citação gera uma nulidade absoluta, e não a inexistência jurídica do processo.

O tema é tratado pelo art. 116, caput, do PLNCPC, que modifica a regra do art. 47, caput, do CPC/1973. Segundo o dispositivo legal, a sentença de mérito proferida sem a citação daquele que deve ser litisconsorte necessário é nula, quando se tratar de litisconsórcio unitário. Nos demais casos de litisconsórcio necessário, é válido o capítulo da decisão relativo àquele que foi citado; é nulo o capítulo que diz respeito ao que não o foi. Como se pode notar, o vício gerado pela ausência de formação de litisconsórcio necessário sempre se opera no plano da validade do ato (decisão de mérito nula), sendo afastada a ineficácia consagrada no art. 47, caput, do CPC/1973.

No caso de litisconsórcio necessário unitário, a nulidade da sentença deve ser tratada como absoluta durante o processo, podendo ser alegada a qualquer momento, considerado o entendimento dos tribunais superiores em exigir o prequestionamento de matéria de ordem pública em sede de recurso extraordinário e especial, e conhecida de ofício pelo juiz. No entanto, com o trânsito em julgado, as nulidades absolutas se convalidam, salvo aquelas de gravidade extrema, em fenômeno conhecido por “vício transrescisório”, cujo objetivo claro é a possibilidade de sua alegação mesmo depois de transcorrido o prazo decadencial de dois anos da ação rescisória. Acredito que seja esse o caso, o que permitirá a alegação do vício sem qualquer restrição temporal, tanto pelos sujeitos que participaram do processo como pelos que deveriam ter participado.

Quando o dispositivo comentado menciona “nos demais casos de litisconsórcio necessário”, só pode estar se referindo ao litisconsórcio necessário facultativo. Nesse caso, o legislador manteve o vício no plano da validade, mas restringindo a nulidade ao capítulo que diz respeito ao terceiro, sendo válidos os capítulos referentes àquele que foi citado e por consequência foi integrado à relação jurídica processual. Apesar de o vício só existir no capítulo referente ao que deveria estar integrado ao processo, mas figurava como terceiro, continua a gerar uma nulidade absoluta, de forma que a legitimidade para sua alegação será tanto desse terceiro como das partes, além de passível de reconhecimento de ofício pelo juiz. Após o trânsito em julgado, entretanto, quando a alegação do vício (transrescisório) depender de uma ação autônoma de impugnação restrita ao capítulo que diz respeito ao terceiro, somente ele terá legitimidade ativa e interesse em sua propositura.

5.9. LITISCONSÓRCIO ALTERNATIVO E SUCESSIVO

O instituto do litisconsórcio alternativo representa a possibilidade aberta ao autor para demandar duas ou mais pessoas quando tenha dúvidas fundadas a respeito de qual delas, efetivamente, deveria participar do polo passivo da demanda. Na verdade, a construção do instituto do litisconsórcio alternativo atinge também o polo ativo, quando exista dúvida fundada a respeito de quem seja o titular do direito a ser discutido no processo. O que caracteriza, fundamentalmente, o litisconsórcio alternativo é a indefinição a respeito do sujeito legitimado, seja no polo ativo, seja no polo passivo da demanda.

Observe-se que o litisconsórcio alternativo não se confunde com o litisconsórcio eventual (sucessivo). Neste, a parte sabe, com precisão, quem são os sujeitos que devem participar da relação jurídica processual e o fator que caracteriza essa espécie de litisconsórcio é a cumulação de pedidos dirigidos contra ou por sujeitos distintos, que formarão o litisconsórcio; somente é possível o acolhimento do segundo pedido se for acolhido o primeiro.

5.10. DINÂMICA ENTRE OS LITISCONSORTES

Segundo o art. 48 do CPC, em regra, os litisconsortes são considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos, sendo que seus atos e omissões não prejudicam nem beneficiam os outros. O dispositivo legal consagra a autonomia de atuação entre os litisconsortes, deixando, entretanto, de fazer uma distinção indispensável no trato da dinâmica processual entre os litisconsortes: a diferença na atuação de cada um no litisconsórcio unitário e no litisconsórcio simples.

Conforme já analisado, no litisconsórcio simples será admissível decisão de diferente conteúdo para os litisconsortes, não sendo obrigatória a decisão uniforme. Significa dizer que o destino de cada litisconsorte é independente do destino dos outros, o que evidentemente acentua a ideia de autonomia na atuação de todos eles. Essa autonomia, entretanto, mesmo no litisconsórcio simples, não é plena, sofrendo algumas atenuações, em especial no tocante aos atos que beneficiem a todos e atos probatórios. Na hipótese do litisconsórcio unitário, no qual o destino dos litisconsortes será sempre o mesmo, é natural não existir entre eles a autonomia prevista pelo art. 48 do CPC. Os atos praticados por um dos litisconsortes ou dependerá da concordância dos demais para que possa gerar efeitos – no caso de atos de disposição de direito – ou, se benéficos, favorecerá a todos indistintamente.

No art. 117 do PLNCPC, é repetida a regra da autonomia, mas com a expressa ressalva de que no caso de litisconsórcio unitário, os atos e omissões de um não prejudicarão os outros, mas os poderão beneficiar. Apesar de apenas consagrar entendimento doutrinário tranquilo, o dispositivo poderia ter sido mais completo, prevendo a exceção à exceção no tocante a prova produzida por litisconsorte unitário que, conforme se demonstrará no Item 5.10.4, poderá prejudicar os demais litisconsortes.

A autonomia também vem consagrada quanto à iniciativa do litisconsorte em dar andamento ao processo. Segundo o art. 118 do PLNCPC, cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo e todos devem ser intimados dos respectivos atos.

5.10.1. Atos de disposição de direito

No litisconsórcio simples os atos de disposição de direito, sejam eles processuais ou materiais, somente atingem o litisconsorte que os praticou no processo, não afetando de forma prejudicial os outros litisconsortes. Dessa forma, no plano do direito material, o litisconsorte que renuncia ao direito, reconhece juridicamente o pedido, ou transaciona com a parte contrária, pratica ato válido e eficaz, mas a eficácia é limitada a ele, não atingindo os demais litisconsortes. O mesmo ocorre no plano do direito processual, por exemplo, com a desistência da ação ou com a renúncia ao direito de recorrer.

No litisconsórcio unitário, em que o destino dos litisconsortes obrigatoriamente será o mesmo, resta evidenciado que qualquer ato de disposição de direito material por parte de somente um litisconsorte, sem o consentimento do outro, será plenamente ineficaz. Não há como admitir, por exemplo, que apenas um dos litisconsortes transacione com a parte contrária, porque, homologado o acordo, a decisão final será diferente para os litisconsortes. Para um, haverá uma sentença homologatória de transação, para o outro, desde que a demanda seja julgada no mérito, uma sentença de procedência ou improcedência. Dessa maneira, para que tal ato tenha eficácia, deverá ser praticado por todos os litisconsortes.

O mesmo não ocorre com os atos de disposição de direito processual, com exceção da desistência da ação, que também não gera qualquer efeito se não for realizada por todos os litisconsortes. Outros atos, entretanto, como a desistência de produzir prova, desistir de recurso interposto, renúncia ao direito de recorrer, ainda que praticados por somente um dos litisconsortes, gera efeitos regulares, ainda que possam tais atos impedir um eventual benefício aos outros litisconsortes.

Diante do entendimento defendido, vejo com preocupação a regra consagrada no art. 117, parágrafo único, do PLNCPC: “No caso de litisconsórcio unitário, os atos e omissões potencialmente lesivos aos interesses dos litisconsortes somente serão eficazes se todos consentirem; os benéficos, a todos aproveitam”. A generalidade do dispositivo não é bem-vinda, inclusive contrariando dispositivos do próprio PLNCPC.

Um exemplo é o suficiente para demonstrar a inadequação do dispositivo legal. Em um litisconsórcio unitário, a desistência de recurso interposto apenas por um dos litisconsortes certamente tem “potencial lesivo” aos demais, porque o provimento recursal a todos aproveitaria. Nesses termos, só a desistência do recurso já geraria efeitos diante da anuência de todos os litisconsortes. Ocorre, entretanto, que o art. 1.011, caput, prevê expressamente que a desistência do recurso não depende de anuência dos litisconsortes. Nesse caso, a única forma de compatibilizar os dispositivos legais será aplicar o “salvo disposição em contrário” do caput do art. 117 também à regra prevista em seu parágrafo único.

5.10.2. Presunção de veracidade dos fatos na revelia (art. 320, I, do CPC)

O mais importante efeito da revelia é a presunção – ainda que relativa – de veracidade dos fatos narrados pelo autor. Esse efeito, entretanto, não é absoluto, encontrando algumas exceções, inclusive tendo algumas delas previsão expressa em lei, como é o caso do art. 320, I, do CPC, que expressamente determina que não haja presunção de veracidade na hipótese de um dos litisconsortes contestar. A aplicação dessa exceção legal ao efeito previsto no art. 320, caput, do CPC tradicionalmente é diferente para o litisconsórcio unitário e simples.

No litisconsórcio unitário a exceção legal terá sempre aplicação, considerando-se que, vinculados ao mesmo destino, a contestação de um litisconsorte sempre beneficiará os demais, ainda que estes não tenham apresentado contestação, tornando-se revéis. Já no litisconsórcio simples, o benefício de evitar a geração da presunção de veracidade para o litisconsorte revel só se verificará havendo no caso concreto uma comunhão de interesses, ou seja, que a contestação apresentada tenha como objeto algo que aproveite ao revel, contendo alguma matéria que teria sido alegada pelo próprio litisconsorte omisso.

A regra prevista pelo art. 320, I, do CPC/1973 é mantida pelo art. 352, I, do PLNCPC.

5.10.3. Recurso interposto por somente um litisconsorte (art. 509, caput, do CPC)

O dispositivo legal que prevê que “o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses” (art. 509, caput, do CPC), deve ser interpretado à luz da situação concreta e da espécie de litisconsórcio. Não há nenhuma dúvida na doutrina de que, tratando-se de litisconsórcio unitário, o dispositivo terá plena aplicação, sendo consequência lógica dessa espécie de litisconsórcio o recurso de um litisconsorte aproveitar os demais. Como a decisão deve ser a mesma para todos, provido o recurso interposto por um dos litisconsortes, mesmo aqueles que não recorreram se beneficiarão do resultado do julgamento.

É significativa a corrente doutrinária que entende ser o dispositivo legal aplicável tão somente ao litisconsórcio unitário, valendo plenamente para o litisconsórcio simples a autonomia entre os litisconsortes43. Não se aplicaria ao direito pátrio – a não ser em casos excepcionais – o princípio da comunhão dos recursos, segundo o qual haveria o favorecimento de todos os sujeitos. A regra é o princípio da pessoalidade do recurso, segundo o qual somente se favorece com o recurso a parte que recorrer, salvo em situações em que houvesse afronta a própria natureza do litisconsórcio formado, como no caso de litisconsórcio unitário44. Esse é o entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça45.

O posicionamento majoritário da doutrina despreza a eventual existência de comunhão de interesses no litisconsórcio simples, bem como admite que uma decisão considere de forma diversa uma mesma situação fática ou duas teses conflitantes. A eventual ilogicidade da decisão final seria decorrência natural do princípio da personalidade do recurso.

Apesar do entendimento majoritário sobre a exclusividade de aplicação do art. 509, caput, do CPC, às hipóteses de litisconsórcio unitário, não parece ser essa a melhor solução. A existência de uma decisão, que tenha em seu conteúdo um fato ora considerado verdadeiro, ora considerado falso, e que ao mesmo tempo acolha para uns e rejeite para outros a mesma tese jurídica, cria situação demasiadamente danosa ao ordenamento jurídico. Apesar da técnica inegável do sistema da pessoalidade do recurso, parece ser melhor ao sistema excepcioná-lo também no litisconsórcio simples, sempre que exista entre os litisconsortes uma comunhão de interesses e o acolhimento do recurso beneficie o não recorrente, como forma natural da manutenção da lógica interna da decisão (um fato será verdadeiro ou falso para todos; uma tese jurídica será adotada ou rejeitada para todos).

O próprio art. 509, parágrafo único, do CPC expressamente prevê a aplicação do princípio da comunhão dos recursos na hipótese de solidariedade passiva, quando houver recurso interposto somente por um devedor com fundamento em defesa que aproveite a todos. Nesse caso específico de litisconsórcio simples, o provimento do recurso beneficiará a todos os litisconsortes, inclusive aqueles que não tenham recorrido. Note-se, entretanto, que sendo alegado em recurso matéria que interesse somente ao recorrente, ou seja, uma exceção pessoal, o acolhimento de seu recurso não beneficiará aos demais réus. Pelo entendimento já exposto, não é regra exaustiva, sendo possível a aplicação do princípio da comunhão dos recursos em outras hipóteses de litisconsórcio simples46.

A regra prevista pelo art. 509 do CPC/1973 é mantida pelo art. 1.018 do PLNCPC.

5.10.4. Produção da prova

Qualquer que seja a espécie de litisconsórcio – unitário ou facultativo – a questão da prova produzida por um dos litisconsortes passa à margem da regra – ou princípio – da autonomia de atuação dos litisconsortes. A doutrina é uníssona em afirmar que a prova produzida por um litisconsorte poderá plenamente prejudicar os demais, que em nada colaboraram para a sua produção, mas que sofrerão os seus efeitos da mesma forma que os sofrerá o responsável pela produção. Prejudicial ou benéfica, a prova produzida servirá para formar o convencimento do juiz, e naturalmente esse convencimento será o mesmo para todos os sujeitos processuais, o que incluiu os litisconsortes. E essa circunstância é decorrência da aplicação do princípio da comunhão das provas47.

Esse entendimento, derivado do princípio da comunhão das provas, é o único capaz de impedir uma situação no mínimo surreal, caso seja permitido ao juiz considerar a prova produzida apenas relativamente ao litisconsorte responsável por sua produção. Saber que a prova serve para formar o convencimento do juiz a respeito da veracidade da alegação de fato seria admitir que uma mesma alegação de fato, perante o mesmo juiz, pudesse ser considerada verdadeira para um litisconsorte e falsa para outro, o que logicamente é insustentável. Não custa frisar novamente, mas, se a prova não pertence nem ao autor, nem ao réu, e nem mesmo ao juiz, estão incluídos aí também, por consequência óbvia, os litisconsortes.

O já comentado art. 117, parágrafo único, do PLNCPC não afasta – nem poderia – o princípio da comunhão da prova, de maneira que, mesmo tratando-se de litisconsórcio unitário, a prova produzida por um dos litisconsortes poderá prejudicar os demais, independentemente de qualquer anuência. Pode haver, inclusive, resistência ao pedido probatório, que, uma vez deferido, permitirá a produção de um prazo que a todos vinculará, positiva ou negativamente.

5.10.5. A confissão e o litisconsórcio

A par da acirrada discussão a respeito da verdadeira natureza da confissão – que para parcela significativa da doutrina não pode ser considerada meio de prova – é notória a colocação de tal instituto entre os meios de prova arrolados pelo Código de Processo Civil. Segundo o art. 350, caput, do CPC, a confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes. Conforme se nota da regra legal, a sua literalidade leva o operador a acreditar que na hipótese de litisconsórcio um meio de prova específico – a confissão – somente geraria efeitos para um dos litisconsortes, que no caso seria aquele responsável por sua produção, o confitente. Seria, portanto, uma exceção ao princípio da comunhão das provas e da aplicação da regra da autonomia da atuação dos litisconsortes.

Na realidade, o art. 350, caput, do CPC – apesar da sua tortuosa redação – não excepciona o princípio da comunhão das provas, e isso independe da espécie de litisconsórcio. Para justificar tal conclusão é preciso partir do pressuposto de que a confissão vincula o confitente, senão com força de prova plena, noção rechaçada pela melhor doutrina à luz do princípio da persuasão racional do juiz48, como importante meio para a formação do convencimento judicial. Significa dizer que uma confissão eficaz é aquela que convence o juiz da veracidade de uma alegação de fato, sendo justamente esse convencimento o efeito programado da confissão.

O mais importante aspecto da confissão para a análise ora feita é a questão de sua eficácia. Há a regra de que a confissão vincula o confitente, o que significa dizer que a confissão gera seus regulares efeitos para aquele que confessou, ou seja, havendo a confissão, a alegação de fato será considerada verdadeira. Esse efeito, entretanto, somente será gerado se a confissão, diante de outras provas produzidas, for suficiente para convencer o juiz, sendo possível concluir que, ao menos em relação ao confitente, haverá uma vinculação. Nesse ponto é preciso, desde já, fazer uma observação: partindo-se de uma análise sob a perspectiva dos resultados, a confissão não vincula somente o confitente, mas também, e naturalmente, a parte contrária, em razão da aplicação do princípio da comunhão das provas.

Especificamente no tocante ao disposto no dispositivo legal ora enfrentado, há a afirmação de que a confissão faz prova contra o confitente, mas não prejudica os litisconsortes. A afirmativa não se mostra aplicável diante da própria lógica exigida pelo sistema processual. Fazer prova só pode ser entendido como convencer o juiz da veracidade de uma alegação de fato, o que, conforme exaustivamente visto, não pode se configurar em fenômeno subjetivo parcial, dando-se a alegação de fato verdadeira para somente alguns dos sujeitos processuais, e não para outros. Esse verdadeiro absurdo lógico – antes mesmo de se tratar de absurdo jurídico – é exatamente o sugerido pela interpretação literal do art. 350, caput, do CPC, ao afirmar que para o confitente a alegação de fato seria dada como verdadeira, mas ao litisconsorte seria plenamente possível que fosse considerada falsa49. E tudo isso na mesma demanda...

Se a confissão gerar seus efeitos de convencer o juiz, todos os sujeitos sofrerão tais efeitos, considerando-se que a alegação de fato será considerada verdadeira para todos os sujeitos processuais, tenham esses participado ou não da confissão. É justamente em virtude desse entendimento que pouco interessa qual a espécie de litisconsórcio para que a confissão vincule ou não o litisconsorte não confitente. Sendo unitário ou simples, o fato será sempre um só, de forma que, sendo a confissão eficaz, vinculará a todos, sendo ineficaz, não vinculará ninguém50. A confissão pode ser plenamente eficaz ou plenamente ineficaz, independentemente da espécie de litisconsórcio, não existindo eficácia parcial justamente por não existir uma alegação de fato que possa ser ao mesmo tempo verdadeira para alguns e falsa para outros.

Apenas uma consideração deve ser feita à luz da espécie de litisconsórcio, a título de esclarecimento. Na hipótese de litisconsórcio simples, é plenamente possível que um fato diga respeito a apenas um dos litisconsortes, o que não ocorrerá no litisconsórcio unitário. Essa realidade poderia levar o leitor mais incauto a acreditar que nessa hipótese seria aplicável a regra da eficácia subjetivamente parcial da confissão, prevista pelo art. 350, caput, do CPC, visto que, apenas no tocante à parte confitente, única interessada no fato, a confissão geraria os seus efeitos. Essa, entretanto, é uma conclusão enganosa.

Ainda que o fato diga respeito somente a uma das partes, a confissão será plenamente eficaz se o juiz, no caso concreto, se convencer e considerar verdadeira alegação do fato. Essa circunstância valerá para todos os litigantes, inclusive para o litisconsorte que não confessou e que nada tem a ver com aquele fato. A ausência de relação entre o litisconsorte e o fato narrado, entretanto, não enseja a conclusão de que a confissão fez prova somente contra o confitente; fez prova “contra” todos os sujeitos processuais, mas, dependendo do caso concreto, no litisconsórcio simples tal veracidade não importará ao litisconsorte não confitente51.

A regra consagrada no art. 350, caput, do CPC/1973 é repetida no art. 398, caput, do PLNCPC.

5.10.6. Prazo para os litisconsortes

Segundo o art. 191 do CPC, havendo litisconsortes com patronos diferentes os prazos para contestar, recorrer e, em geral, falar nos autos serão contados em dobro. A literalidade da norma deixa suficientemente claro que não basta uma pluralidade de sujeitos, devendo também existir uma pluralidade de patronos, sendo nítida a razão da norma, porquanto somente quando há pluralidade de patronos se verificam no caso concreto dificuldades de acesso aos autos que justifiquem um prazo diferenciado para a efetiva prática dos atos processuais.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, se os litisconsortes passam a ter procuradores distintos no curso do processo, quando já iniciado o prazo recursal, somente se aplica o benefício do prazo em dobro à parte do prazo recursal ainda não transcorrida até aquele momento52.

Como se pode notar da norma ora analisada, os requisitos para a contagem de prazo em dobro são objetivos, sendo irrelevante quem sejam os litisconsortes ou seus patronos. Partindo dessa premissa, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que, mesmo na hipótese de litisconsórcio entre pessoas casadas, havendo diversidade de patronos, os prazos se contarão em dobro53.

Nem sempre, entretanto, o prazo recursal dos litisconsortes será contado em dobro, mesmo que com patronos diferentes. O entendimento consolidado pela Súmula 641 do STF é de que não se conta em dobro o prazo para recorrer quando só um dos litisconsortes houver sucumbido. O teor da súmula, na realidade, diz menos do que gostaria. Os precedentes que possibilitaram a sua edição demonstram que o prazo não será em dobro se não houver mais a justificativa de dificuldade de acesso aos autos no caso concreto. É natural que, sucumbindo somente um litisconsorte, o prazo não deva ser em dobro, mas também não será diferenciado o prazo na hipótese de mais de um litisconsorte sucumbir, desde que representados pelo mesmo patrono54. Tanto num caso como no outro a justificativa de dificuldade de acesso aos autos está afastada, devendo ser aplicado o entendimento de que o prazo recursal será simples.

Registre-se, por fim, que o entendimento sumulado não se aplica aos embargos de declaração, considerando que, nesse recurso, mesmo a parte vencedora tem interesse recursal. Como o objetivo dessa espécie recursal é melhorar a qualidade formal da decisão, é inegável que tanto os vencedores quanto os derrotados têm interesse nessa melhora, de forma a ser sempre aplicável a regra do prazo em dobro previsto no art. 191 do CPC.

O tema é tratado pelo art. 229 do PLNCPC, que traz algumas novidades. No caput do dispositivo é acrescido mais um requisito para que o prazo seja contado em dobro: além de litisconsortes com patronos distintos, estes devem estar vinculados a diferentes escritórios de advocacia. A novidade vem para impedir – ou ao menos dificultar – a rotineira prática de um mesmo escritório advogar para diferentes réus mediante advogados diversos na procuração, apenas para se aproveitarem da prerrogativa do prazo. Também consta do caput a previsão de que o prazo em dobro deve ser contado independentemente de qualquer requerimento nesse sentido, o que não chega a ser uma novidade, considerando tratar-se de entendimento consagrado. De qualquer forma, não constava expressamente do art. 191 do CPC/1973.

Os parágrafos do art. 229 do PLNCPC também trazem importantes novidades.

No § 1.º há previsão de que cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas dois réus, é oferecida defesa por apenas um deles. O dispositivo deve ser interpretado com extremo cuidado. A mera existência de dois réus já permite a apresentação de defesa valendo-se de prazo em dobro, salvo na hipótese de a contestação ser apresentada pelo mesmo advogado ou advogados diferentes, mas do mesmo escritório de advocacia. Parece, inclusive, ser nesse sentido a previsão do dispositivo ao mencionar que cessa a contagem do prazo em dobro, permitindo a conclusão de que até o momento de defesa o prazo deve ser contado em dobro.

O problema do dispositivo é considerar que a revelia de um dos litisconsortes significará sua ausência do processo até sua extinção. Como prevê o art. 353, parágrafo único, do PLNCPC, consagrando norma já consolidada, o réu revel pode intervir no processo a qualquer momento, recebendo o processo no estado em que se encontra. Significa que, a partir do momento em que o réu revel passa a participar do processo, não haverá sentido em não ser computado em dobro o prazo para atos processuais dos réus a partir desse momento. Afinal, a razão de ser da prerrogativa ora analisada independe de o réu ser ou não revel, mas de participar ou não ativamente dos atos subsequentes.

Diante do exposto, a melhor interpretação da regra consagrada no art. 229, § 1.º, do PLNCPC é no sentido de não ser contado em dobro o prazo de atos posteriores ao momento de defesa do réu na hipótese de o réu revel continuar ausente do processo.

O § 2.º do art. 229 exclui a contagem de prazo em dobro dos processos em autos eletrônicos. A norma tem razão de ser, considerando que a prerrogativa de prazo tem justamente a justificativa de dificuldade de acesso aos autos. Na realidade, esse entendimento já vem sendo aplicado, mesmo sem qualquer regra nesse sentido, o que é causa de insegurança jurídica e clara violação ao princípio da cooperação. Ao menos com uma disposição expressa tais princípios voltarão a ser respeitados.

1 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 189; Baptista da Silva, Comentários, p. 195-196.

2 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 41; Scarpinella Bueno, Partes, p. 65.

3 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 92-93, e Marinoni-Arenhart, Manual, p. 193; Theodoro Jr., Curso, 41. ed., p. 103.

4 Nesse sentido Arruda Alvim, Manual, 9. ed., v. 2, p. 77; Dinamarco, Litisconsórcio, p. 70.

5 Informativo STJ/279: REsp 769.884/RJ, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 28.03.2006; REsp 870.482/RS, 1.ª Turma, rel. José Delgado, j. 06.03.2008, DJe 30.06.2008.

6 Araken de Assis, Do litisconsórcio, p. 298; Dinamarco, Instituições, vol. II, p. 73.

7 Dinamarco, Litispendência, p. 159; Câmara, Lições, v. 1, p. 167.

8 Dinamarco, A reforma, p. 60. Seguem a nomenclatura Câmara, Lições, p. 172, e Didier, Curso, 6. ed., p. 275.

9 Dinamarco, A reforma, p. 61-62; Bermudes, A reforma, p. 110. Contra, entendendo não ser matéria de ordem pública, inclusive operando-se preclusão: STJ, REsp 624836/PR, 2.ª T., Franciulli Neto, j. 21.06.2005, DJ 08.08.2005, p. 265.

10 STJ, REsp 908.714/BA, 5.ª Turma, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.09.2008, DJ 24.11.2008.

11 Nery Jr., Atualidades, p. 42, e Fornaciari Júnior, A reforma, 1996, p. 12.

12 Dinamarco, A reforma, p. 61.

13 Entendem que o prazo é o de resposta: Carreira Alvim, Código, p. 30-31; Scarpinella Bueno, Partes, p. 83; Câmara, Lições, p. 173. Entendem ser o prazo geral de cinco dias (art. 185, CPC) em virtude da omissão legal, Dinamarco, A reforma, p. 61; Didier, Curso, v. 1, p. 275.

14 Nesse sentido Nery Jr., Atualidades, p. 40.

15 Bedaque, Código, p. 152; Dinamarco, A reforma, p. 60.

16 Arruda Alvim, Manual, v. 2, p. 78; Baptista da Silva, Comentários, p. 205; Agrícola Barbi, Comentários, p. 195.

17 Bermudes, A reforma, p. 10; Baptista da Silva, Comentários, p. 206.

18 Essa é a explicação dada por Câmara, Lições, p. 175.

19 Dinamarco, Instituições, v. 2, p. 338; Nery Jr., Atualidades, p. 43; Scarpinella Bueno, Partes, p. 86-87.

20 Scarpinella Bueno, Partes, p. 86, chega à mesma conclusão, mas fundamentada na conexão entre as ações.

21 STJ, 1.ª Turma, REsp 879.999/MA, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.09.2008, DJe 22.09.2008; Mancuso, Ação, p. 160.

22 Dinamarco, Instituições, v. 2, p. 356.

23 Vigliar, Ação, p. 88.

24 Scarpinella Bueno, Partes, p. 98-99; Theodoro Jr., O NCC, p. 130. Contra, Câmara, Lições, p. 176.

25 Didier, Curso, p. 276 e ss.

26 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 222-231.

27 Alvim, O direito, p. 144; Scarpinella Bueno, Partes, p. 117; Gonçalves, Novo, v. 1, p. 155-156.

28 Didier, Direito, p. 280.

29 Didier, Direito, p. 280.

30 Gonçalves, Novo, p. 156, justifica a inércia do terceiro em seu livramento da condenação ao pagamento das verbas de sucumbência.

31 Nery-Nery, Comentários, p. 413.

32 Bedaque, Código, p. 155; Câmara, Lições, p. 169; Medina, Litisconsórcio, p. 291.

33 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 114; Nogueira, Processo, p. 170. Bedaque, Código, p. 157.

34 Fux, Curso, p. 308; Greco Filho, Direito, n. 21.5, p. 131-132; Marinoni-Mitidiero, p. 132.

35 Didier, Curso, p. 284-285. No tocante à intimação dos demais sócios na ação de anulação de assembleia promovida por um deles, Scarpinella Bueno, Partes, p. 103.

36 STJ, REsp 480.712/RJ, 1.ª Turma, rel. Min. Teori Zavascki, rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, j. 12.05.2005, DJ 20.06.2005, p. 207.

37 Dinamarco, Instituições, v. 2, p. 353.

38 Informativo 448/STJ: 1.ª Seção, AR 569/PE, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgada em 22.09.2010.

39 Bedaque, Código p. 155; Araken de Assis, Do litisconsórcio, p. 310.

40 Dinamarco, Instituições, v. 2, p. 353; Batista Lopes, Curso, v. 1, p. 203.

41 Nery-Nery, Código, p. 415. Arruda Alvim, Manual, p. 92, permite a convalidação do vício no caso de o terceiro ingressar no processo em grau recursal e concordar expressamente com tudo o que ocorreu no processo até aquele momento. Contra esse entendimento, Batista Lopes, Curso, p. 203.

42 Wambier-Almeida-Talamini, Curso, v. 1, p. 254; Abelha Rodrigues, Elementos, v. 2, p. 107.

43 Barbosa Moreira, Comentários, 11. ed., p. 378-379; Nery-Nery, Código, p. 875.

44 Dinamarco, Litisconsórcio, p. 152-153.

45 STJ, 1.a Turma, REsp 827.935/DF, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 15.05.2008, DJe 27.08.2008; STJ, 6.a Turma, REsp 209.336/SP, rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, j. 08.03.2007; DJ 26.03.2007, p. 291.

46 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 196-197; Delgado Miranda, Código, p. 1.545.

47 Theodoro Jr., Curso, p. 100; Amaral Santos, Primeiras, 21. ed., p. 13; Agrícola Barbi, Comentários, p. 210.

48 Em sentido contrário, entendendo a confissão como prova plena, Cintra, Comentários, v. 4, p. 64.

49 Câmara, Lições, p. 182; Fidélis dos Santos, Manual, p. 454.

50 Parece ser esse o entendimento de Dinamarco, Litisconsórcio, p. 147.

51 Marinoni-Arenhart, Comentários, p. 356.

52 Informativo 518/STJ, 3ª Turma, REsp 1.309.510-AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.03.2013.

53 Informativo 506/STJ, 4.ª Turma, REsp 973.465-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 04.10.2012.

54 STJ, 4.ª Turma, AgRg nos EDcl no Ag 1.145.386/SC, Rel. Min. Raul Araújo, j. 10.08.2010, DJe 25.08.2010.