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CONCEITO DE RECURSOS E
SUCEDÃNEOS RECURSAIS

Sumário: 18.1. Introdução: 18.1.1. Sucedâneos recursais internos; 18.1.2. Sucedâneos recursais externos (ações autônomas de impugnação).

18.1. INTRODUÇÃO

O tema recursal passa obrigatoriamente pela análise dos meios de impugnação das decisões judiciais, porque os recursos são uma espécie de meios de impugnação de decisão judicial. Afirma-se corretamente que dentro do gênero “meios de impugnação das decisões judiciais” existem duas espécies de instrumentos processuais: os recursos e os sucedâneos recursais, sendo a análise comparativa entre eles realizada de forma residual, ou seja, tudo o que não for recurso será considerado um sucedâneo recursal1.

A definição do que seja recurso, única forma possível de apontar para a natureza recursal ou de sucedâneo recursal de determinado instrumento processual de impugnação de decisões judiciais, exige a conceituação do instituto de modo que todas as formas de impugnação à decisão judicial que não se amoldarem ao conceito serão consideradas sucedâneos recursais.

O conceito de recurso deve ser construído partindo-se de cinco características essenciais a esse meio de impugnação2:

(a) voluntariedade;

(b) expressa previsão em lei federal;

(c) desenvolvimento no próprio processo no qual a decisão impugnada foi proferida;

(d) manejável pelas partes, terceiros prejudicados e Ministério Público; e

(e) com o objetivo de reformar, anular, integrar ou esclarecer decisão judicial.

Das cinco características mencionadas, as duas primeiras serão analisadas no tratamento dos princípios recursais (voluntariedade e taxatividade), a quarta será analisada com os requisitos de admissibilidade (legitimidade recursal), e a quinta (objetivo do recorrente) será enfrentada na análise do juízo de mérito recursal.

Como visto, das cinco características essenciais de todo e qualquer recurso, somente uma delas será analisada nesse momento e diz respeito à necessidade do recurso se desenvolver no próprio processo em que foi proferida a decisão impugnada. Na hipótese de criação de um novo processo para instrumentalizar a impugnação de decisão judicial, estar-se-á diante de uma espécie de sucedâneo recursal, mais especificamente de ação autônoma de impugnação3.

A demonstração mais clara de que o recurso se desenvolverá no próprio processo em que a decisão judicial foi preferida é a inexistência de citação do recorrido, havendo uma mera intimação para, querendo, apresentar contrarrazões no mesmo prazo que o recorrente teve para apresentar seu recurso. Sendo a citação válida essencial para a validade do processo (art. 214 do CPC), sua ausência no âmbito recursal é a demonstração definitiva de não constituir o recurso um novo processo. A exceção fica por conta da “citação” do réu para responder a apelação na hipótese do art. 285-A, § 2.º, do CPC, mas isso só ocorre porque a sentença impugnada foi proferida inaudita altera partes.

Importante recordar que a identidade de processo não significa necessariamente a identidade de autos, considerando-se que o recurso pode se desenvolver em autos próprios – por exemplo, agravo de instrumento –, mas continuará a fazer parte do mesmo processo no qual a decisão impugnada foi proferida4.

Ainda que as principais características dos recursos sejam objeto de análise posterior, servem nesse momento introdutório para indicar os “requisitos” a serem preenchidos por meio de impugnação judicial para que possa ser considerado um recurso. Qualquer meio de impugnação que não seja tipificada nesse conceito de recurso apresentado será considerado um sucedâneo recursal, sendo possível dividir os sucedâneos recursais em duas espécies: internos e externos. A nomenclatura empregada nessa classificação dos sucedâneos recursais parte do pressuposto da necessidade ou não da criação de um novo processo para o sucedâneo se desenvolver: caso se desenvolva no mesmo processo em que a decisão foi proferida – a exemplo do que ocorre com o recurso –, será chamado de sucedâneo interno; nos casos de criação de um novo processo, será chamado de sucedâneo externo.

18.1.1. Sucedâneos recursais internos

Conforme visto, os sucedâneos recursais internos se desenvolvem no próprio processo no qual a decisão impugnada foi proferida, não sendo possível indicar essa característica para diferenciá-los dos recursos. Na verdade, como será analisado pontualmente, cada sucedâneo recursal interno se afastará do âmbito recursal por uma ou mais razões, mas a característica de desenvolvimento no próprio processo em que a decisão impugnada foi proferida é constante tanto nos recursos como nos sucedâneos internos.

Apesar de o incidente de suspensão de segurança não impugnar a decisão judicial visando sua reforma e/ou anulação, o que irremediavelmente o afasta da natureza recursal e dos sucedâneos recursais5, há entendimento nos tribunais superiores de que não basta a comprovação da grave lesão aos valores previstos em lei, cabendo também ao requerente demonstrar a plausibilidade de seu direito, ainda que dentro de um juízo sumário de cognição. Segundo o entendimento atualmente predominante em sede jurisprudencial, o pedido de suspensão de segurança tem natureza de contracautela, de forma que, além do perigo de dano, a parte deve demonstrar o fumus boni iuris6. Ainda que em cognição sumária deva se levar em conta o conteúdo da decisão, o incidente processual continua a não atacar o conteúdo do ato, mas tão somente seus efeitos.

É interessante notar que, apesar de ser consagrada nos tribunais superiores a inadmissão de discussão sobre o mérito da controvérsia, considerando-se que o pedido de suspensão não se trata de instância recursal7, é absolutamente inviável se imaginar a concessão de um pedido de suspensão de segurança quando a decisão for manifestamente amparada no melhor direito e, ainda pior, quando estiver fundada em posição já consolidada no tribunal. Justamente em razão dessa realidade é necessário que o presidente ou o órgão colegiado no julgamento do agravo interno faça, ainda que sumariamente, uma análise do conteúdo da decisão, sem, naturalmente, formar convencimento definitivo a respeito do mérito da demanda judicial.

18.1.1.1. Reexame necessário

Segundo previsão do art. 475 do CPC, a sentença proferida contra a União, Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como a que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, somente produzirá efeitos após sua confirmação pelo Tribunal. Trata-se do instituto do reexame necessário, que pela letra da lei é condição impeditiva da geração de efeitos da sentença proferida nas condições previstas pelo dispositivo legal mencionado8. Esse entendimento deve ser levado em consideração com ressalvas, porque a sentença pode gerar efeitos, ainda que pendente de reexame necessário, conforme demonstra de forma cabal o art. 14, §§ 1.º e 3.º, da Lei 12.016/2009. O reexame necessário, portanto, não impede necessariamente a geração de efeitos da sentença, mas tão somente seu trânsito em julgado, sendo mais adequado afirmar que o reexame necessário é condição impeditiva da geração do trânsito em julgado, e não da eficácia da sentença. Na realidade, o efeito suspensivo do reexame necessário segue os efeitos da apelação: se o recurso tiver tal efeito, o reexame necessário também o terá, e se o recurso não tiver o reexame necessário, não impedirá a geração imediata de efeitos da sentença.

As exceções ficam por conta do art. 475, § 2.º, do CPC: “não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor”. Nessas circunstâncias a remessa do processo ao Tribunal dependerá da regular interposição do recurso de apelação pela Fazenda Pública, admitindo-se o trânsito em julgado da sentença já em primeiro grau de jurisdição no caso de não haver o recurso voluntário.

É pacífico na doutrina o entendimento de que o reexame necessário não tem natureza recursal9, não se devendo admitir expressões como “apelação ex officio”, “recurso de ofício” ou “recurso obrigatório”. São várias as razões para que o reexame necessário previsto pelo art. 475 do CPC não seja considerado um recurso:

(i) ausência de voluntariedade10: o recurso é um ônus processual, sendo que a sua existência depende de expressa manifestação de vontade da parte, por meio de sua interposição. A vontade da parte, portanto, é determinante, sendo a voluntariedade um princípio recursal, derivado do princípio dispositivo. O reexame necessário, conforme se depreende do próprio nome, nada tem de voluntário, porque sua existência decorre de expressa manifestação da lei, sendo irrelevante a vontade das partes e mesmo do juiz, que será obrigado a ordenar a remessa dos autos ao Tribunal e, não o fazendo, proporcionará a avocação dos autos por seu presidente (art. 475, § 1.º, do CPC);

(ii) o reexame necessário não é dialético, porque não existem razões nem contrarrazões, cabendo ao Tribunal tão somente analisar os atos praticados até a sentença. Como consequência lógica, também não haverá contraditório;

(iii) a previsão de um prazo de interposição é característica de todo e qualquer recurso, o que não ocorre com o reexame necessário, que deverá existir sempre que as condições assim exigirem, independentemente de eventual demora do processo chegar ao Tribunal;

(iv) o reexame necessário, apesar de estar previsto em lei federal (CPC), não se encontra previsto como recurso (princípio da taxatividade);

(v) a legitimação recursal regulada pelo art. 499 do CPC (partes, terceiro prejudicado e Ministério Público) não se aplica ao reexame necessário, instituto cuja “legitimidade” é do juízo, que determina a remessa do processo ao Tribunal.

Registre-se que, apesar de não poder ser considerado uma espécie de recurso, aplica-se ao reexame necessário um instituto tipicamente recursal: a proibição da reformatio in pejus. Dessa forma, a Fazenda Pública não poderá ter sua situação no processo piorada em decorrência do julgamento do reexame necessário, sendo que, na pior das hipóteses para a Fazenda Pública, sua situação manter-se-á inalterada11. Além disso, aplica-se ao reexame necessário a regra do art. 557 do CPC, admitindo-se seu julgamento monocrático pelo relator, conforme exposto no Capítulo 25, item 25.3.2.4.

O reexame necessário está disposto no art. 507 do PLNCPC. Em seu caput é mantida a equivocada previsão de que o duplo grau de jurisdição obrigatório é condição impeditiva dos efeitos da sentença, perdendo-se uma excelente oportunidade de correção do equívoco. As sentenças que estão sujeitas ao reexame necessário não tiverem alteração, apenas modificando-se “a execução de dívida ativa da Fazenda Pública” (art. 475, II, do CPC/1973) por “execução fiscal” (art. 507, II, PLNCPC).

O § 1.º do art. 507 do PLNCPC comete um erro primário, em alteração equivocada do § 1.º do art. 475 do CPC/1973. Segundo o texto vigente, havendo ou não apelação, o juiz remeterá os autos do processo ao tribunal em segundo grau, enquanto no texto projetado essa remessa só ocorrerá se for ultrapassado o prazo de apelação sem sua interposição. Pelo dispositivo legal, portanto, se houver apelação, não haverá necessidade de reexame necessário. Há duas críticas ao dispositivo legal.

Como o art. 507, § 1.º, do PLNCPC afirma apenas que a não interposição de apelação dentro do prazo leva à remessa necessária, sem especificar de qual das partes é a apelação não interposta, é possível concluir que, havendo sucumbência recíproca e sendo interposta apelação pela parte contrária à Fazenda Pública, não haverá reexame necessário. E se a parcela de sucumbência da Fazenda Pública puder ser tipificada em uma das hipóteses dos incisos do art. 507?

Com considerável boa vontade pode-se interpretar que a apelação mencionada no dispositivo legal é da Fazenda Pública, só não havendo reexame necessário na hipótese de ela não interpor o recurso. No entanto, ainda assim, o dispositivo é problemático porque, historicamente, a apelação da Fazenda Pública nunca impediu o reexame necessário por duas razões: o recurso pode ser parcial, enquanto o reexame necessário é sempre total, e o recurso pode não ser admitido por vício formal, ao passo que o reexame necessário não corre esse risco, sendo sempre julgado pelo tribunal de segundo grau.

No tocante às exceções ao reexame necessário, encontram-se as mais importantes e elogiáveis modificações.

Segundo o § 2.º, não haverá duplo grau obrigatório quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público, e os Municípios que constituam capitais dos Estados; cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

Como se pode notar, o valor mínimo de sucumbência da Fazenda Pública para que a sentença esteja sujeita ao reexame necessário foi alterado substancialmente, passando dos sessenta salários mínimos previstos no art. 475, § 2.º, do CPC/1973 para até mil salários mínimos a depender do caso concreto.

E se buscou uma gradação de valores a depender da pessoa jurídica de direito público sucumbente. A idéia é boa, mas sua execução deve gerar incongruências lógicas relevantes porque não foi levado em consideração o status econômico do ente público, o que deve mais importar quando se trata de rever obrigatoriamente a sentença que lhe gera uma sucumbência econômica. Há municípios no Brasil mais ricos que Estados, e nesse caso há evidente incongruência lógica em dispensar o reexame necessário para o ente mais rico até cem salários mínimos e em até quinhentos para o mais pobre. Essa situação se intensifica quando comparados municípios que são capitais de Estado e outros que, apesar de não serem capitais, são mais ricos que aqueles. As gradações são sempre difíceis, embora muito mais justas que um valor fixo para toda e qualquer pessoa jurídica de direito público. O problema é fazer gradações que não levam em consideração o elemento essencial que a justifica.

O § 3.º do art. 507 também amplia a dispensa do reexame necessário em razão de sentença fundamentada em jurisprudência consolidada dos tribunais superiores. Segundo o dispositivo, não há reexame necessário se a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior (I), acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos (II), entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Outra significativa novidade do § 3.º é a inclusão, como causa de afastamento do duplo grau obrigatório, de entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa (IV).

18.1.1.2. Correição parcial

A melhor doutrina aponta para a natureza administrativa da correição parcial, o que já seria o suficiente para afastá-la do âmbito recursal. Sua previsão no art. 6.º, I, da Lei 5.010/1966, que regula a organização da Justiça Federal de primeira instância, não é o suficiente para que a correição parcial seja considerada um recurso, cumprindo a exigência do princípio da taxatividade. A melhor doutrina já anotou que lei de organização judiciária, apesar de ser lei federal, não é lei nacional, tendo o mesmo valor de qualquer outra lei de organização judiciária estadual12.

Trata-se de instrumento cabível diante da inversão da ordem na prática dos atos procedimentais, gerando como consequência uma confusão procedimental. A amplitude do cabimento do recurso de agravo contra decisões interlocutórias parece ter diminuído consideravelmente a utilidade da correição parcial, considerando-se que a decisão interlocutória que causa confusão procedimental naturalmente gera consequências prejudiciais a uma – ou ambas – das partes; por conta disso, será recorrível por meio de agravo. Dessa circunstância autorizada doutrina conclui pela inutilidade da correição parcial no sistema processual civil atual13.

Existe significativa parcela doutrinária, entretanto, que aponta uma residual utilidade para a correição parcial, cabível na hipótese de omissão do juiz em proferir a decisão que lhe caiba num determinado momento procedimental. Não existindo nesse caso uma decisão, o que impedirá sua impugnação por meio de agravo, será cabível a correição parcial para que o órgão superior determine ao juízo inferior a prolação da decisão adequada ao momento procedimental14. O Superior Tribunal de Justiça reconhece o cabimento da correição parcial na hipótese de omissão do juízo ou de despacho15. Registre-se posicionamento do Superior Tribunal de Justiça que, em aplicação do princípio da fungibilidade, recebeu correição parcial como agravo de instrumento16, como também não admitiu a correição parcial quando cabível agravo interno contra decisão monocrática do relator17.

Com a opção adotada pelo PLNCPC de criar um rol exaustivo de decisões interlocutórias recorríveis por agravo de instrumento, a exemplo do que ocorre no processo penal com o recurso em sentido estrito, é possível que a utilização da correição parcial passe a ser mais comum, ainda que não se anteveja grande popularização de tal meio de impugnação. Além da omissão e do despacho, também as decisões interlocutórias não recorríveis por agravo de instrumento poderão ser impugnadas por correição parcial, desde que responsáveis por alteração da ordem procedimental com geração de confusão processual.

18.1.1.3. Pedido de reconsideração

Apesar de ampla presença na praxe forense, o pedido de reconsideração não se encontra previsto expressamente, sendo resultado de construção jurisprudencial. A mera ausência de previsão expressa em lei federal já é suficiente para afastar o pedido de reconsideração do âmbito recursal. Essa, inclusive, é a razão pela qual já está pacificado que a interposição do pedido de reconsideração não interrompe nem suspende o prazo recursal18. O pedido de reconsideração deve ser interposto no prazo recursal, aguardando-se uma solução ao pedido ainda dentro de tal prazo, e no caso de omissão judicial até o vencimento do prazo recursal, deve a parte interpor o recurso adequado, que poderá perder o objeto na hipótese de acolhimento do pedido de reconsideração.

Tecnicamente o pedido de reconsideração teria uma aplicação prática bem mais rara do que aquela verificada atualmente. Não se prestaria a substituir o recurso cabível, o que, em muitas oportunidades – em especial contra decisões interlocutórias –, vem ocorrendo. Poderia ser utilizado tão somente nas hipóteses de decisões que não sofrem os efeitos da preclusão, porque nesse caso o juiz poderia modificar sua decisão mesmo de ofício (matérias de ordem pública), devendo-se permitir o pedido de reconsideração. Fora dessas hipóteses, a possibilidade de o juiz se retratar de sua decisão estaria limitada à interposição de recurso que permita o juízo de retratação, como ocorre com o recurso de agravo19.

A limitação à utilização do pedido de reconsideração somente para hipóteses específicas coaduna-se com o fenômeno da preclusão judicial, indevidamente chamada pela doutrina nacional de preclusão pro iudicato, limitativa da retratação pura e simples da decisão por parte dos juízes. É evidente que, havendo novas circunstâncias, não levadas em conta no momento da prolação da primeira decisão, o pedido da parte trazendo tais novidades ao juiz será admitido, mas nesse caso não se trata efetivamente de pedido de reconsideração. Diante de novas circunstâncias, o pedido será outro, bem como outra será a decisão judicial.

Registre-se, por fim, que a recente alteração legislativa que tornou irrecorríveis as decisões monocráticas do relator ao converter o agravo de instrumento em agravo retido e ao conceder ou indeferir pedido de tutela de urgência (art. 527, parágrafo único, do CPC) criou, ainda que implicitamente, uma hipótese na qual o pedido de reconsideração é admitido legislativamente. Apesar de irrecorrível, o relator poderá se retratar de seu entendimento anterior, modificando a decisão, o que deixa clara a possibilidade de interposição de pedido de reconsideração. Ainda que se admita a retratação de ofício, a provocação do agravante por meio do pedido de reconsideração parece ser a forma presumidamente mais apta a demonstrar ao relator o equívoco de sua decisão, razão suficiente para gerar sua modificação20.

Apesar de previsto em lei federal com outro nome, os embargos infringentes previstos no art. 34 da LEF são genuinamente uma espécie de pedido de reconsideração da sentença, considerando-se que a parte requer ao próprio juízo sentenciante a modificação de sua decisão. Estando previsto como embargos infringentes, esse “pedido de reconsideração” tem natureza recursal.

Com a opção do PLNCPC de limitar o cabimento do agravo de instrumento a decisões interlocutórias expressamente previstas em lei, é natural que algumas dessas decisões deixarão de ser recorridas imediatamente por via de tal recurso. No entanto, é incorreto imaginar que elas se tornarão irrecorríveis, já que o art. 1.022, § 1.º, do PLNCPC prevê a recorribilidade de tais decisões na apelação ou contrarrazões, exatamente como já ocorre atualmente no processo trabalhista e nos Juizados Especiais (cumprindo o recurso inominado o papel da apelação).

Conforme o § 2.º do art. 1.022 do PLNCPC, para que a decisão interlocutória não recorrível por agravo de instrumento possa ser impugnada na apelação ou contrarrazões, a parte deve no primeiro momento em que se manifestar nos autos apresentar um protesto específico contra ela, “sob pena de preclusão”. A natureza jurídica desse protesto deve gerar polêmica.

Enquanto o art. 1.022 prevê que a decisão interlocutória será impugnada na apelação e nas contrarrazões, dando a entender que são esses os recursos cabíveis e que o protesto é tão somente um ato procedimental para evitar a preclusão da decisão, o § 2.º prevê que as razões do protesto têm que ser apresentadas na apelação ou contrarrazões, sugerindo que a decisão seja impugnada pelo protesto, postergando-se a apresentação de razões para um momento superveniente. Como já ocorre no processo penal, teríamos inovação no processo civil no sentido de a interposição e de a apresentação das razões recursais ocorrerem em momentos distintos. E o novo sistema iria além, já que as razões seriam apresentadas junto à outra espécie de recurso ou às suas contrarrazões, o que condicionaria a análise do mérito da pretensão recursal às condições de admissibilidade da apelação, e não do protesto.

A solução realmente não é simples. A primeira opção impediria o juiz de primeiro grau de se retratar de sua decisão, fazendo incidir sobre a decisão interlocutória proferida a preclusão pro iudicato. Nenhuma lei, entretanto, evitará que a parte faça um pedido de reconsideração e que requeira subsidiariamente que o pedido seja recebido como protesto caso o juízo não reconsidere sua decisão. E nesse caso, além de duas oportunidades para apresentar suas razões (no pedido de reconsideração/protesto e na apelação ou contrarrazões), em respeito ao princípio do contraditório a parte contrária deverá ser ouvida antes da decisão de retratação em respeito ao princípio do contraditório.

Ainda que certamente não seja esse o objetivo do legislador, a praxe forense ressuscitaria o agravo retido, apenas obtendo a vantagem de poder formular novas e mais completas razões no momento da apelação ou contrarrazões.

Reconhecendo-se uma natureza recursal ao protesto, com duas fases distintas – interposição e apresentação de razões –, a reconsideração seria admitida. O problema é que o protesto, sob qualquer ângulo de análise, não será fundamentado, e nesse caso a lógica determina que não haverá qualquer razão para a retratação do juiz. Por outro lado, facultar à parte a apresentação das razões no momento da apresentação do protesto praticamente ressuscitaria o agravo retido, o que não parece ter sido o objetivo do legislador, não obstante essa prática possa ser decorrência da admissão em nosso sistema, a par da ausência de previsão legal, do pedido de reconsideração.

Independentemente da definição da natureza jurídica do protesto, é de esperar que as partes continuem a pedir a reconsideração de decisões interlocutórias, formulando pedidos subsidiários para que a manifestação seja recebida como o protesto previsto no art. 1.022, § 1.º, do PLNCPC. E os que não pretenderem a reconsideração, mas apenas evitar a preclusão, deverão apresentar petição com uma frase simples e direta: “venho pela presente protestar contra a decisão de fls.”.

18.1.1.4. Impugnação e embargos à execução

No cumprimento de sentença a defesa típica do executado é realizada por meio da impugnação, entendida pela melhor doutrina como um incidente processual, conforme demonstrado no Capítulo 49, item 49.3.1. Havendo uma limitação da cognição horizontal, o executado só pode arguir as matérias previstas no art. 475-L do CPC, e, dependendo de qual seja essa matéria, a impugnação pode ser considerada um sucedâneo recursal interno. Acolhidas as alegações previstas no art. 475-L, I e II, § 1.º, do CPC, a sentença será anulada, de forma que a impugnação se prestará a impugná-la, sendo tal circunstância suficiente para considerá-la um sucedâneo recursal. O mesmo ocorre nos embargos à execução contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 741, I e II, parágrafo único, do CPC, embora essa defesa executiva, diante de sua natureza de ação incidental, seja um sucedâneo recursal externo.

18.1.2. Sucedâneos recursais externos (ações autônomas de impugnação)

Conforme já afirmado, os sucedâneos recursais externos são desenvolvidos por um processo diferente daquele no qual a decisão impugnada foi proferida, o que já é o suficiente para distingui-los dos recursos. São tradicionalmente lembrados como ações autônomas de impugnação: ação rescisória, ação anulatória; ação de querela nullitatis, reclamação constitucional21, mandado de segurança contra decisão judicial; embargos de terceiro, e embargos à execução (art. 741, I e II, parágrafo único, do CPC).

Perceba-se ser possível afirmar que em regra as ações autônomas de impugnação são concomitantes com o processo – no qual a decisão impugnada foi proferida – que tenha sido extinto. Ação autônoma de impugnação de decisão proferida em processo já extinto é a exceção, sendo em regra desconstituída a decisão transitada em julgado por meio de ação rescisória, havendo também a possibilidade de esse fenômeno ocorrer no julgamento dos embargos a execução, que, dependendo de seu fundamento, poderão desconstituir a sentença que serve como título executivo. Basta imaginar o acolhimento da alegação de nulidade ou inexistência de citação no processo de conhecimento (art. 741, I, do CPC), hipótese em que, em virtude do efeito extensivo da nulidade, a sentença será anulada, ainda que já transitada em julgado. O mesmo se pode dizer da alegação de “coisa julgada inconstitucional” prevista no art. 741, parágrafo único, do CPC.

Mostra-se, portanto, absolutamente equivocada a distinção entre recursos e ações autônomas de impugnação, apontando ser a primeira espécie de impugnação o meio adequado à impugnar decisões ainda não transitadas em julgado, enquanto a segunda forma de impugnação se reservaria para decisões já transitadas em julgado. O diferencial entre essas duas espécies de impugnação deve ser buscado tão somente na existência ou não de processo distinto daquele no qual a decisão impugnada foi proferida.

1 Nery Jr., Teoria, p. 75; Araken de Assis, Introdução, p. 17.

2 Em sentido aproximado, Barbosa Moreira, Comentários, n. 135, p. 233.

3 Cheim Jorge, Teoria, p. 21; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 518; Dinamarco, Os efeitos, n. 56, p. 116.

4 Barbosa Moreira, Comentários, n. 135, p. 233; Pimentel Souza, Introdução, n. 1.2, p. 6.

5 Didier Jr. e Carneiro da Cunha, Curso, p. 494-495. Há doutrina que defende a natureza de sucedâneo recursal: Araken de Assis, Manual, p. 890; Araujo-Medina, Mandado, p. 176.

6 STJ, Corte Especial, AgRg na SS 1.404/DF, rel. Min. Edson Vidigal, j. 25.10.2004, DJ 06.12.2004, p. 177; STF, Tribunal Pleno, SS 3.259 AgRg/SP, rel. MIn. Ellen Gracie, j. 07.04.2008; Rocha Lopes, Comentários, p. 122.

7 STJ, Corte Especial, AgRg na SS 1.873/PI, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 28.05.2009, DJe 10.08.2009.

8 Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 414.

9 Cheim Jorge, Teoria, p. 184; Nery Jr., Os princípios, n. 2.3.4.1, p. 76-77; Barbosa Moreira, Comentários, n. 135, p. 233. Contra: Araken de Assis, Manual, n. 107.3, p. 852-853.

10 Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 412.

11 Súmula STJ/45; Barbosa Moreira, Comentários, n. 240, p. 438; Cheim Jorge, Teoria, p. 204. Em sentido crítico, Nery Jr., Os princípios, n. 2.10, p. 189-191.

12 Marcelo Abelha, A natureza, p. 140.

13 Cheim Jorge, Teoria, p. 187.

14 Theodoro Jr., Curso, n. 526, p. 632; Araken de Assis, Manual, n. 108.3, p. 862.

15 AgRg no AgRg no REsp 1038446-RJ, Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial 2008/0052725-6, rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Turma, j. 20.05.2010, DJe 14.06.2010.

16 STJ, 2.ª Turma, RMS 16.218/SP, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 13.09.2005, DJ 17.10.2005.

17 STJ, 6.ª Turma, REsp 145.560/RJ, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 26.04.2005, DJ 09.05.2005.

18 Araken de Assis, Manual, n. 109.2, p. 865; STJ, 5.ª Turma, REsp 843.450/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.03.2008, DJ 02.06.2008; STJ, 3.ª Turma, AgRg na RCDESP no Ag 868.509/SP, rel. Min. Ari Pargendler, j. 04.12.2007, DJ 13.03.2008.

19 Wambier, Os agravos, p. 483; Araken de Assis, Manual, n. 109.2, p. 865; Orione Neto, Recursos, p. 162.

20 Wambier, Os agravos, p. 480; Cheim Jorge, Teoria, p. 186.

21 O Supremo Tribunal Federal entende que a reclamação constitucional não é ação, mas exercício do direito de petição: STF, Tribunal Pleno, ADI 2.212/CE, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02.10.2003, DJ 14.11.2003, p. 11. Entendimento confirmado na ADI 2.480/PB, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02.04.2007, DJe 15.06.2007.