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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Sumário: 27.1. Natureza jurídica – 27.2. Cabimento: 27.2.1. Pronunciamentos recorríveis; 27.2.2. Vícios que legitimam o ingresso dos embargos de declaração – 27.3. Procedimento – 27.4. Efeito interruptivo dos embargos de declaração: 27.4.1. Embargos de declaração intempestivos – 27.5. Embargos de declaração – Intempestividade ante tempus – 27.6. Manifesto caráter protelatório – 27.7. Embargos de declaração atípicos: 27.7.1. Embargos de declaração com efeito modificativo; 27.7.2. Embargos de declaração com efeitos infringentes.

27.1. NATUREZA JURÍDICA

Os embargos de declaração são o único meio de impugnação de decisão judicial previsto no art. 496 do CPC, que suscita na doutrina debate a respeito de sua natureza jurídica. A discussão, apesar de interessante, limita-se ao campo doutrinário, desde que compreendidas as características essenciais dos embargos de declaração. Sua classificação como recurso ou como mero pedido de melhora formal da decisão não é capaz de modificar tais características, não gerando a solução dessa questão consequências práticas relevantes.

Parcela da doutrina entende que, apesar da sua colocação pela lei no rol dos recursos, os embargos de declaração não têm essa natureza, tratando-se na realidade de um instrumento processual colocado à disposição das partes para a correção de vícios formais da decisão, com o objetivo de aprimorar a qualidade formal dessa decisão e como consequência a qualidade da prestação jurisdicional1. Afirma-se que pelos embargos de declaração não se pretende a reforma ou a anulação da decisão, função dos recursos, mas somente o seu aclaramento ou complementação.

Seguindo a opção legislativa, outra parcela doutrinária – que parece ser a mais correta – defende a natureza recursal dos embargos de declaração, afirmando que é possível ao legislador optar entre a natureza recursal ou não dos embargos, devendo ser respeitada a opção feita na inclusão dos embargos de declaração no art. 496 do CPC (rol de recursos)2. Por outro lado, os embargos de declaração preenchem os requisitos essenciais para que um meio de impugnação seja considerado recurso3:

(i) permitem a revisão da decisão;

(ii)) exigem o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade;

(iii) obstam a preclusão da decisão;

(iv) permitem a modificação da decisão, não se limitando ao esclarecimento ou integração da decisão, ao menos nos casos de omissão e contradição.

Há ainda uma terceira corrente doutrinária que entende que a natureza recursal dos embargos de declaração dependerá da sua aptidão de modificar o conteúdo da decisão impugnada. Sendo apto a tal modificação, os embargos de declaração têm natureza recursal, enquanto limitando-se à mera integração, correção, retificação, complementação e elucidação do ato decisório, sem a sua modificação substancial, não terão natureza recursal. A natureza jurídica, assim, é híbrida, a depender da pretensão do embargante no caso concreto4.

O art. 1.007, IV, do PLNCPC mantém no rol dos recursos os embargos de declaração, como atualmente ocorre com o art. 496, IV, do CPC/1973. A mais importante consequência da definição da natureza recursal dos embargos de declaração desaparece no PLNCPC, porque o prazo em dobro para a Fazenda Pública e para o Ministério Público (e também para a Defensoria Pública) passa a ser contado para os atos em geral, e não só para recorrer. Dessa forma, sendo recurso ou não, esses sujeitos têm o prazo em dobro para embargar de declaração (dez dias) no sistema adotado pelo PLNCPC.

Por tal razão fiquei curioso com a previsão do art. 1.036, § 1.º, do PLNCPC ao prever a contagem do prazo em dobro no caso de litisconsortes com patronos de diferentes sociedades de advogados. Não que o dispositivo esteja incorreto, mas incompleto, afinal a prerrogativa do prazo em dobro para embargar é bem mais ampla do que sugere o dispositivo.

27.2. CABIMENTO

A questão do cabimento dos embargos de declaração deve ser enfrentada em duas etapas: num primeiro momento devem-se indicar quais as espécies de pronunciamento são impugnáveis por esse recurso; num segundo momento, quais são os vícios que legitimam sua interposição.

27.2.1. Pronunciamentos recorríveis

Aduz o art. 535, I, do CPC que os embargos de declaração são cabíveis contra sentença e acórdão, mas doutrina e jurisprudência apontam para a inadequada timidez do dispositivo legal. Não existe qualquer razão plausível para a exclusão das decisões interlocutórias do âmbito de aplicação dos embargos de declaração, assim como também não se justifica o entendimento que impeça a propositura de tal recurso contra decisão monocrática – final ou interlocutória – proferida pelo relator em sede recursal ou mesmo em ação de competência originária. Até mesmo contra despacho, em regra irrecorríveis por expressa previsão legal (art. 504 do CPC), será cabível o recurso de embargos de declaração5.

Doutrina autorizada entende acertadamente que os embargos de declaração têm a maior amplitude no tocante ao cabimento dentre todos os recursos, sendo cabível contra todo e qualquer pronunciamento judicial, independentemente de sua natureza6. O entendimento é incontestável, porque não há nenhum sentido permitir que pronunciamentos omissos, contraditórios ou obscuros não posam ser impugnados pelas partes que pretendem afastar tais vícios no caso concreto. Por vezes, a incompreensão de um pronunciamento judicial pode inclusive impedi-lo de atingir sua finalidade, além de uma decisão omissa ser óbvia denegação da atividade jurisdicional, o que em nenhuma hipótese pode ser aceito.

No tocante a esse amplo cabimento dos embargos de declaração, é importante fazer dois registros decorrentes da jurisprudência de nossos tribunais superiores.

No Supremo Tribunal Federal existem decisões que apontam para o manifesto não cabimento dos embargos de declaração contra a decisão proferida pelo tribunal de segundo grau – por meio do presidente ou vice-presidente, a depender do Regimento Interno – que denega o seguimento de recurso extraordinário, inclusive com a prejudicial consequência de não haver nesse caso interrupção do prazo para a interposição de outros recursos7. O Superior Tribunal de Justiça compartilha do entendimento, afirmando serem os embargos de declaração, nesse caso, manifestamente incabíveis8. O entendimento não tem nenhum substrato jurídico aceitável que o possa embasar, mas, de qualquer forma, essas decisões servem de aviso aos operadores do direito.

Por outro lado, é corrente nos tribunais superiores o recebimento dos embargos de declaração por agravo interno, quando o recurso é interposto contra a decisão monocrática do relator, sendo, inclusive, nesse caso cabível a aplicação da multa prevista no art. 557, § 2.º, do CPC9. Aplicando-se a fungibilidade, afirma-se que essa conversão prestigia o princípio da celeridade processual, proporcionando imediatamente um julgamento colegiado10. Mais uma vez trata-se de entendimento equivocado, em injustificável desconsideração dos diferentes objetos e objetivos dos dois recursos, claramente distintos.

No art. 1.035, caput, do PLNCPC há previsão de cabimento de embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. Apesar de afastar a indevida limitação prevista no art. 535, I, do CPC/1973, acredito que o dispositivo perdeu a oportunidade de ampliar, ao menos de forma expressa, o cabimento dos embargos de declaração também contra os despachos. De qualquer modo, continuo, mesmo diante do novo texto legal, a acreditar e a defender o cabimento do recurso ora analisado contra qualquer pronunciamento judicial, inclusive o despacho.

27.2.2. Vícios que legitimam o ingresso dos embargos de declaração

O art. 535 do CPC consagra três espécies de vícios passíveis de correção por meio dos embargos de declaração: obscuridade, contradição (art. 535, I, do CPC) e omissão (art. 535, II, do CPC). A dúvida não mais faz parte dos vícios descritos pelo Código de Processo Civil, o que deve ser elogiado, visto que não é propriamente um vício da decisão, mas um estado subjetivo de incerteza de quem não consegue compreendê-la. Caso a incompreensão seja derivada de uma obscuridade ou contradição, é natural o cabimento dos embargos de declaração, mas em razão desses vícios, e não do estado subjetivo de incerteza do leitor da decisão. Infelizmente, entretanto, a dúvida continua a legitimar o ingresso de embargos de declaração nos Juizados Especiais (art. 48, caput, da Lei 9.099/1995) e nos processos arbitrais (art. 30, II, da Lei 9.307/1996).

A omissão refere-se à ausência de apreciação de questões relevantes sobre as quais o órgão jurisdicional deveria ter se manifestado, inclusive as matérias que deva conhecer de ofício11. Ao órgão jurisdicional é exigida a apreciação tanto dos pedidos como dos fundamentos de ambas as partes a respeito desses pedidos. Sempre que se mostre necessário, devem ser enfrentados os pedidos e os fundamentos jurídicos do pedido e da defesa, sendo que essa necessidade será verificada no caso concreto, em especial na hipótese de cumulação de pedidos, de causas de pedir e de fundamentos de defesa.

Na cumulação de pedidos o acolhimento ou a rejeição de um deles pode tornar os demais prejudicados, não havendo nenhum sentido exigir do juiz o enfrentamento e solução de tais pedidos em sua decisão:

(a) na cumulação sucessiva prejudicial, rejeitado o pedido anterior, o pedido posterior perde o objeto;

(b) na cumulação subsidiária o acolhimento do pedido anterior torna o pedido posterior prejudicado;

(c) na cumulação alternativa o acolhimento de qualquer um dos pedidos torna os demais prejudicados.

Nessas circunstâncias, é incorreto apontar omissão na decisão do juiz que deixa de enfrentar pedidos prejudicados.

Fenômeno semelhante ocorre no tocante à cumulação de causas de pedir e de matérias de defesa. Nesse caso é possível estabelecer uma regra: quando a omissão disser respeito à matéria alegada pela parte vencedora na demanda, não haverá necessidade de seu enfrentamento, faltando interesse de agir na interposição de embargos de declaração.

Mariana ingressa com demanda judicial de investigação de paternidade cumulada com alimentos contra Felipe. Sendo julgado improcedente o pedido de declaração de paternidade, o pedido de alimentos será prejudicado, não sendo cabível o recurso de embargos de declaração diante da ausência de decisão a seu respeito. Marina ingressa com demanda de rescisão contratual contra Carlos, fundamentando sua pretensão no erro e dolo, vícios do consentimento. Acolhido pelo juiz a alegação de erro, julgará a demanda procedente, não sendo cabíveis embargos de declaração para exigir decisão a respeito do dolo. Aline ingressa com demanda judicial de cobrança contra Edison, que em sua defesa alega a prescrição e a compensação. Acolhida em sentença a prescrição, o processo será extinto com resolução de mérito (art. 269, IV, do CPC), não sendo cabíveis embargos de declaração para exigir do juiz manifestação a respeito da compensação alegada em contestação.

É importante a distinção entre enfrentamento suficiente e enfrentamento completo. O órgão jurisdicional será em regra obrigado a enfrentar os pedidos, causas de pedir e fundamentos de defesa, mas não há obrigatoriedade de enfrentar todas as alegações feitas pelas partes a respeito de sua pretensão. O órgão jurisdicional deve enfrentar e decidir a questão colocada à sua apreciação, não estando obrigado a enfrentar todas as alegações feitas pela parte a respeito dessa questão, bastando que contenha a decisão fundamentos suficientes para justificar a conclusão12.

Em polêmico e memorável julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que só haverá omissão no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade quanto à modulação dos efeitos da decisão, se houver pedido expresso para manifestação do Tribunal na petição inicial13. Pouco tempo, depois, entretanto, o mesmo Tribunal Pleno entendeu que mesmo não tendo sido feito pedido nesse sentido seria possível ao tribunal, em sede de embargos de declaração, modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade14.

A obscuridade, que pode ser verificada tanto na fundamentação quanto no dispositivo, decorre da falta de clareza e precisão da decisão, suficiente a não permitir a certeza jurídica a respeito das questões resolvidas15. O objetivo do órgão jurisdicional ao prolatar a decisão é ser entendido, de preferência por todos, inclusive as partes, ainda que tal missão mostre-se extremamente inglória diante do nível cultural de nosso país. De qualquer forma, uma escrita simples, com palavras usadas com frequência no dia a dia, limitação de expressões em língua estrangeira ao mínimo indispensável, bem como a utilização de termos técnicos com ponderação, que apesar de imprescindíveis a qualquer ciência não precisam ser empregados na decisão sem qualquer proveito prático, auxiliam na tarefa de proferir decisões claras e compreensíveis.

O terceiro vício que legitima a interposição dos embargos de declaração é a contradição, verificada sempre que existirem proposições inconciliáveis entre si, de forma que a afirmação de uma logicamente significará a negação da outra. Essas contradições podem ocorrer na fundamentação, na solução das questões de fato e/ou de direito, bem como no dispositivo, não sendo excluída a contradição entre a fundamentação e o dispositivo, considerando-se que o dispositivo deve ser a conclusão lógica do raciocínio desenvolvido durante a fundamentação16. O mesmo poderá ocorrer entre a ementa e o corpo do acórdão17 e o resultado do julgamento proclamado pelo presidente da sessão e constante da tira ou minuta, e o acórdão lavrado18.

Além desses três vícios – e nos Juizados Especiais e arbitragem também a dúvida –, admite-se ainda a interposição de embargos de declaração na hipótese de erros materiais e erros de cálculo19. Ainda que tais vícios não dependam dos embargos de declaração para serem alegados20, inclusive não havendo preclusão para sua alegação, não incorre em equívoco a parte que ingressa com embargos de declaração nesse caso. É, inclusive, a medida mais segura de alegá-los, evitando a surpresa do órgão jurisdicional que, diante de mera petição, entende que a forma adequada de alegação do vício é por meio de embargos de declaração.

O PLNCPC manteve os tradicionais vícios passíveis de correção por meio dos embargos de declaração, passando, entretanto, a criar determinadas especificações quanto à omissão inexistentes no art. 535 do CPC/1973. No art. 1.035, II, é consagrado o entendimento de que a omissão de ponto ou questão sobre o qual o órgão deveria ter se pronunciado abarca também as matérias conhecíveis de ofício. Já o parágrafo único prevê ser omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento ou que incorra em qualquer das condutas descritas no art. 499, § 1.º, dispositivo responsável por inovadoras exigências quanto à fundamentação da decisão.

Além das especificações já mencionadas, é ampliado o rol de vícios passíveis de correção por meio dos embargos de declaração, com a inclusão do erro material no art. 1.035, III, do PLNCPC. Acredito que tal inclusão não condicione a alegação de erro material aos embargos de declaração, e tal alegação continua a ser admitida por meio de mera petição, a qualquer momento, inclusive após o trânsito em julgado da decisão. A inclusão é importante porque não deixa dúvida de que, alegado o erro material sob a forma de embargos de declaração, assim será tratada procedimentalmente a alegação, em especial quanto à interrupção do prazo recursal.

27.3. PROCEDIMENTO

O prazo para interposição dos embargos de declaração é sempre de 5 dias, aplicáveis as regras de prazos diferenciados, devendo ser interposto por meio de petição escrita, salvo nos Juizados Especiais, quando a parte poderá optar pela interposição por escrito no prazo de 5 dias ou oralmente na audiência em que a sentença foi proferida (art. 49 da Lei 9.099/1995). Como todo recurso, deve ser devidamente fundamentado – havendo limitação das matérias alegáveis (recurso com fundamentação vinculada) – e conter pedido, que em regra será de esclarecimento ou integração e, excepcionalmente, de reforma ou anulação. O embargante está isento do recolhimento de preparo por expressa previsão legal (art. 536 do CPC), sendo inadmissível que lei de organização judiciária preveja em sentido contrário.

No primeiro grau de jurisdição a petição é endereçada ao próprio juízo prolator da decisão impugnada, que terá um prazo – impróprio – de 5 dias para o julgamento do recurso. Quando interposto contra decisão monocrática do tribunal, a peça será endereçada ao responsável pela prolação da decisão – relator, presidente, vice-presidente –, e no caso de decisão colegiada o recurso será endereçado ao relator do acórdão, cabendo a apresentação dos embargos em mesa na sessão subsequente.

Tanto no primeiro grau como no tribunal, os embargos de declaração seguem a mesma estrutura de julgamento de qualquer outro recurso, sendo primeiro analisados os pressupostos de admissibilidade e, somente depois de superada positivamente essa fase, passa-se ao enfrentamento do mérito recursal. No tocante aos embargos de declaração, existe uma real dificuldade por parte da maioria dos julgadores em fazer a distinção entre admissibilidade e mérito, muito em decorrência da redação do art. 535, caput, do CPC. O dispositivo legal prevê que será cabível o recurso no caso de omissão, obscuridade e contradição, restando a questão a ser respondida pelo operador do direito: a existência desses vícios faz parte do juízo de admissibilidade ou de mérito?

Segundo elegante lição de autorizada doutrina, esses vícios compõem de maneira distinta tanto o juízo de admissibilidade como o de mérito, sendo no primeiro caso demandado do julgador uma análise em abstrato do vício, enquanto no segundo caso a análise deverá ser feita em concreto. Significa dizer que a mera alegação do embargante sobre a existência de um dos vícios descritos pela lei já é suficiente para o seu cabimento, sendo a análise da existência concreta de tal vício matéria de mérito. Alegado o vício, o recurso é admissível; existente o vício alegado, o recurso é provido; caso contrário, nega-se provimento ao recurso21.

Peter ingressa com embargos de declaração na Justiça Comum alegando que o vício passível de correção por meio desse recurso é a dúvida. Como a dúvida não faz parte dos vícios que permitem o ingresso de embargos de declaração, o recurso será inadmitido. Caso Peter alegue a existência de uma contradição, sua simples alegação de vício passível de correção por meio de embargos de declaração já é o suficiente para o recurso ser conhecido, cabendo no mérito analisar se efetivamente houve a contradição alegada por Peter: tendo ocorrido, o recurso é provido; não tendo ocorrido, é negado provimento ao recurso.

Como se pode notar da previsão legal contida no art. 537 do CPC, não há momento para a abertura de prazo para o embargado contra-arrazoar, de forma que nos embargos de declaração, ao menos em regra, não há oportunidade para o exercício do contraditório. Para parcela da doutrina, ainda que possa ser elogiável o objetivo do legislador em prever um procedimento bastante simples, com o mínimo transtorno ao andamento procedimental, tratando-se de princípio constitucional, seria preferível a intimação do embargado22. Na prática forense, entretanto, a norma é aplicada literalmente, somente sendo excepcionada nos embargos de declaração com efeitos modificativos ou infringentes, matéria que será analisada em tópico próprio.

Para doutrina majoritária não se aplica aos embargos de declaração a regra da identidade física do juiz, de forma que será competente para o julgamento o órgão responsável pela prolação da decisão impugnada, sendo irrelevante se haverá identidade física entre o julgador anterior e o julgador dos embargos de declaração23.

O prazo de cinco dias é mantido pelo art. 1.036, caput, do PLNCPC, tornando os embargos de declaração o único recurso cujo prazo não é de quinze dias. Também é mantida pelo dispositivo a isenção no recolhimento de preparo recursal.

Nos termos do art. 1.037, caput, o juiz julgará os embargos em cinco dias; nos tribunais, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente, proferindo voto. Não havendo julgamento nessa sessão, será o recurso incluído em pauta automaticamente. A novidade fica por conta da inclusão automática em pauta na hipótese de o recurso não ser julgado na sessão subsequente à sua interposição.

O art. 1.037, parágrafo único, regulamenta a competência para o julgamento dos embargos de declaração interpostos contra decisão monocrática proferida pelo tribunal, prevendo que o recurso deve ser julgado monocraticamente pelo órgão prolator da decisão impugnada. A previsão, contudo, não deve ser suficiente para impedir a consagrada conversão dos embargos de declaração em agravo interno, que naturalmente demandam um julgamento colegiado.

27.4. EFEITO INTERRUPTIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Questão relevante diz respeito ao efeito interruptivo da interposição dos embargos, consagrado no art. 538, caput, do CPC. É pacífico o entendimento de que a interposição de embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição de outros recursos para todos os sujeitos processuais, que terão o prazo recursal devolvido na íntegra após a intimação da decisão dos embargos.

Nos Juizados Especiais ocorrerá a suspensão do prazo para a interposição do recurso inominado em razão da expressa previsão do art. 50 da Lei 9.099/1995. Dessa forma, o prazo de 10 dias do recurso inominado será devolvido às partes pelo saldo, excluindo-se os dias passados até a interposição dos embargos de declaração. Aos embargos de declaração contra acórdão do Colégio Recursal, por ausência de expressa previsão legal, aplica-se por analogia a regra do Código de Processo Civil, já tendo o Supremo Tribunal Federal entendido que nesse caso o prazo para a interposição do recurso extraordinário é interrompido24.

27.4.1. Embargos de declaração intempestivos

Pouco importa, para fins de interrupção do prazo para a interposição de outros recursos, o resultado dos embargos25, incidindo mesmo na hipótese de rejeição dos embargos por serem considerados meramente protelatórios26, visto que a sanção processual para esse caso vem expressamente prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, comentado em tópico próprio. Apesar de parcela doutrinária minoritária defender que o não recebimento dos embargos é causa para a não interrupção do prazo27, uma questão de segurança jurídica, mais pragmática do que técnica, justifica que a interrupção ocorra sempre, mesmo no caso de vício gerado pela intempestividade, entendido pela doutrina majoritária e pela jurisprudência tranquila dos tribunais superiores como única hipótese em que não haverá interrupção28. Na excepcional hipótese de reiteradas oposições de embargos de declaração manifestamente protelatórios, com o nítido intuito de travar o andamento procedimental, o efeito interruptivo também deve ser afastado.

Existe entendimento de que a não interrupção nesse caso atinge somente a parte que embargou da decisão, não sendo justo com a parte embargada retirar-lhe a interrupção do prazo, considerando-se que não foi ela quem deu causa ao vício que levou ao não recebimento do recurso. Por cautela, entretanto, é recomendável que a parte embargada faça a sua própria análise a respeito da tempestividade dos embargos interpostos pela parte contrária, ingressando com o seu recurso sem contar com a interrupção do prazo caso entenda existir vício que justifique a não interrupção do prazo.

Tenho entendimento diverso a respeito do tema, porque entendo que não deve ser qualquer causa de intempestividade apta a afastar a aplicação do art. 538, caput, do CPC, mas somente as hipóteses de manifesta intempestividade, pela mesma razão de segurança jurídica que permite o efeito interruptivo para o caso de embargos de declaração não recebidos pela ausência de outros pressupostos de admissibilidade. Tratando-se de intempestividade discutível, na qual se evidencie que não houve má-fé do embargante, acredito que o prazo para a interposição de outros recursos deveria ser interrompido, o que só não deveria ocorrer na hipótese de manifesta intempestividade, quando o erro grosseiro permita presumir-se que a interposição decorre da má-fé do embargante para ganhar mais prazo para a interposição de outro recurso29.

O art. 1.039, caput, do PLNCPC mantém tradicional regra no sentido da interrupção do prazo para a interposição de outros recursos em razão da interposição dos embargos de declaração.

27.5. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ‒ INTEMPESTIVIDADE ANTE TEMPUS

Julgados do Superior Tribunal de Justiça, consagrados por recentes decisões proferidas pela Corte Especial30 e materializados na Súmula 418 daquele tribunal, determinam que, uma vez interposto o recurso de embargos de declaração, o recurso interposto pela parte contrária é intempestivo, porque interposto antes do início da contagem do prazo para a prática do ato. Trata-se da consagração da tese do recurso prematuro, fundado na intempestividade ante tempus, de toda imperfeita e rejeitada pela melhor doutrina. Ao menos o Superior Tribunal de Justiça não aplica nesse caso a preclusão consumativa, permitindo à parte que já recorreu, após o julgamento dos embargos de declaração interpostos pela parte contrária, reiterar os termos do recurso já interposto, o que seria o suficiente para sanear o vício da intempestividade.

Registre-se importante tendência observada no Supremo Tribunal Federal no sentido de afastar o entendimento consagrado na Súmula 418 do Superior Tribunal de Justiça, dispensando a ratificação de recurso extraordinário interposto antes do julgamento de embargos de declaração interpostos pela parte contrária31.

A reiteração poderá ser cumulada com a integração do recurso já interposto na hipótese de a decisão dos embargos de declaração criar uma sucumbência superveniente à parte que já tinha anteriormente recorrido, estando tal complementação limitada ao âmbito da sucumbência superveniente, gerada pelo julgamento dos embargos de declaração. A aplicação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, cumulada com o princípio da complementaridade, gera duas situações possíveis à parte que já ingressou com recurso antes do julgamento dos embargos de declaração interpostos pela parte contrária:

(i) não havendo sucumbência superveniente a parte tem o dever de reiterar o recurso já interposto;

(ii) ocorrendo sucumbência superveniente em razão do julgamento dos embargos de declaração, a parte deve reiterar o recurso já interposto e poderá complementá-lo, nos limites da nova sucumbência.

Segundo o art. 1.037, § 4.º, do PLNCPC, na hipótese de o julgamento dos embargos de declaração serem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado e julgado independentemente de ratificação. A previsão legal consagra entendimento doutrinário contrário ao posicionamento majoritariamente adotado pelos tribunais. Nesse sentido, o Enunciado n.º 22 do II Encontro de Jovens Processualistas (IBDP): “Fica superado o Enunciado 418 da Súmula do STJ após a entrada em vigor do NCPC”.

27.6. MANIFESTO CARÁTER PROTELATÓRIO

A interrupção do prazo para a interposição de outros recursos – salvo a hipótese de intempestividade – pode levar as partes menos afeitas aos princípios da ética e boa-fé processual ao ingresso dos embargos de declaração somente para aumentar o seu prazo para a interposição de outros recursos contra a decisão. Para evitar o abuso na interposição desse recurso, o legislador prevê como sanção processual a multa de 1% sobre o valor da causa, o que permite que se façam as costumeiras críticas à opção do legislador em indicar o valor das multas como sanção processual em percentual do valor da causa32:

(i) atinge de maneira desigual litigantes em diferentes condições econômicas; e

(ii) o valor da causa nada tem a ver com o abuso que se busca coibir.

Recurso manifestamente protelatório é aquele que não tem fundamento fático e/ou jurídico sério, sendo perceptível que a sua utilização tem como único objetivo retardar a marcha procedimental. Também o recurso manifestamente inadmissível pode ser considerado protelatório. Ao órgão jurisdicional é dada a análise do campo cinzento entre o exercício da ampla defesa e o abuso do exercício de defesa, devendo haver parcimônia pelos julgadores na aplicação da sanção processual. A utilização do termo “manifestamente” para qualificar o caráter protelatório é indicativo suficiente que o órgão jurisdicional não deve abusar na aplicação dessa multa. De qualquer forma, por vezes é tão perceptível a incoerência jurídica da postulação ou a inadmissibilidade do recurso, que a multa é de rigor, como no caso de embargos de declaração com fins de prequestionamento interpostos contra sentença.

Segundo o art. 538, parágrafo único, do CPC, havendo reiteração de embargos manifestamente protelatórios, a multa já fixada em 1% do valor da causa será majorada até o valor máximo de 10% do valor da causa, condicionando-se a admissibilidade – e não a interposição como previsto no texto legal – de outros recursos ao depósito em juízo do valor da multa. É claro que não há nenhuma vedação à interposição de embargos de declaração contra decisão que julgou anteriores embargos de declaração, desde que essa nova impugnação se refira a vício da nova decisão, gerado pelo julgamento dos embargos de declaração anteriores, não se admitindo, entretanto, a reiteração de recurso que já foi considerado manifestamente protelatório. A reiteração, naturalmente, não exige cópia do recurso anteriormente interposto, bastando-se para que exista a repetição do vício apontado anteriormente, ainda que com novos fundamentos.

Lamentável a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que aplicou multa em valor inferior ao 1% do valor da causa, previsto em lei33. O legislador fixou a multa em percentual do valor da causa justamente para que ele represente o valor econômico da causa, não sendo legal ou legítimo ancorar-se no direito à defesa para fixar a multa em valor inferior ao previsto em lei. Trata-se, na realidade, de forma indevida de acobertar o litigante improbo, o que sob nenhum aspecto de análise se justifica.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que a mera rejeição de embargos de declaração não possibilita ao juízo a aplicação de multa de 10% do valor da causa na hipótese de reiteração manifestamente protelatória. Segundo o tribunal superior, para que se atinja o valor de 10% do valor da causa é indispensável que nos embargos de declaração anteriores o juízo já tenha fixado a multa de 1% do valor da causa34.

Correta a parcela doutrinária que defende a necessidade do depósito dessa multa mesmo para os sujeitos que estão isentos do recolhimento de custas processuais, tais como o Ministério Público, a Fazenda Pública e os beneficiários da assistência judiciária35. Infelizmente, entretanto, após alguma vacilação, o Superior Tribunal de Justiça, ao menos no tocante à Fazenda Pública, em entendimento que deve ser aplicado a todos os sujeitos isentos de recolhimento de custas, passou a entender pela dispensa do recolhimento36. O entendimento é lamentável, porque permite a esses sujeitos a utilização dos embargos de declaração com o mero intuito de travar a marcha procedimental, em inadmissível chicana processual, com a qual o Superior Tribunal de Justiça aparentemente compactua.

Segundo o art. 1.039, , § 2.º, do PLNCPC, quando forem manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa. Comparando o dispositivo com o art. 538, parágrafo único, do CPC/1973, o novo dispositivo deixa claro que o valor gerado pela aplicação da multa tem como credor a parte contrária, e aumenta seu valor, que pode chegar a 2% do valor da causa.

O § 3.º trata da reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, mantendo a regra de dupla sanção presente no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973: majorar a multa até dez por cento sobre o valor atualizado da causa e condicionar admissão de outros recursos ao depósito do valor da multa em juízo. Apesar de sofrerem a multa, segundo o dispositivo comentado, o beneficiário de gratuidade da justiça e a Fazenda Pública só a recolherão ao final, podendo interpor qualquer recurso independentemente de seu depósito prévio. Apesar da omissão legal, entendo que numa interpretação sistêmica do dispositivo deva ser incluído o Ministério Público entre os sujeitos que não estão submetidos ao depósito prévio do valor da multa.

Fica resolvido no § 4.º do art. 1.039 do PLNCPC o problema criado pela interposição sucessiva de embargos de declaração meramente protelatórios. A primeira interposição gera multa, a reiteração gera a dupla sanção já analisada, mas a partir desse momento o CPC/1973 não regulamentava a consequência da reiteração de embargos de declaração manifestamente protelatórios, quem sabe por ter o legislador imaginado que ninguém em sã consciência chegaria a tal ponto. Infelizmente, a praxe forense provou que o legislador errou em acreditar na mínima boa-fé dos litigantes, tendo sido resolvido tal problema pelo art. 1.039, § 4.º, do PLNCPC ao prever que não serão admitidos novos embargos de declaração se os dois anteriores houverem sido considerados protelatórios.

27.7. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ATÍPICOS

A função dos embargos de declaração não é modificar substancialmente o conteúdo das decisões impugnadas, com reversão da sucumbência suportada pelo embargante37. É correta a afirmação de que nas hipóteses de saneamento do vício da contradição, ao escolher entre duas proposições inconciliáveis, o resultado dos embargos modifica a decisão. O mesmo ocorre, e ainda de forma mais evidente, com o saneamento da omissão, porque nesse caso o órgão jurisdicional necessariamente decidirá mais do que foi decidido, o que inegavelmente modificará a decisão impugnada. Ainda assim, parece não ser incorreto afirmar que tais mudanças são em regra formais, melhorando a qualidade da decisão de modo a deixá-la mais compreensível e completa, sem, entretanto, modificar substancialmente o seu conteúdo.

Pode-se concluir, portanto, que a função típica dos embargos de declaração é melhorar formalmente a decisão impugnada, sem alterações substanciais quanto ao seu conteúdo. Ocorre, entretanto, que por vezes os embargos de declaração extrapolam essa função, gerando a reforma ou a anulação da decisão impugnada. Nesses casos, os embargos de declaração assumem uma função distinta daquela para a qual foi originariamente programado, sendo correto apontá-lo como embargos de declaração atípicos, situação que, segundo a doutrina, se passa a exigir o contraditório, com a intimação do embargado para apresentação de contrarrazões no prazo de 5 dias38. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, entende cabível ação rescisória se o contraditório não for observado conforme exposto39.

Nesse sentido, o art. 1.036, § 2.º, do PLNCPC, ao prever que o órgão jurisdicional intimará o embargado para, querendo, manifestar-se sobre os embargos opostos no prazo de cinco dias caso seu eventual acolhimento implique a modificação da decisão embargada.

Quanto à necessidade de contraditório em sede de embargos de declaração, prefiro o entendimento minoritário de que nos embargos com efeitos modificativos não se faz necessária a intimação do embargado. Penso assim porque nesse caso não haverá a alegação de uma nova matéria no processo, mas tão somente o pedido de saneamento de omissão de uma matéria já alegada e, presumidamente, já impugnada pela parte contrária. O embargante somente aponta matéria já alegada anteriormente, não havendo razão para abrir prazo para o embargado ser ouvido para repetir a impugnação também realizada anteriormente40. Ainda que o provimento dos embargos de declaração nesse caso possa reformar a decisão impugnada, não se tratando de matéria nova no processo, entendo ser dispensável o contraditório.

Existem duas espécies de embargos de declaração atípicos:

(a) embargos de declaração com efeito modificativo; e

(b) embargos de declaração com efeitos infringentes.

Apesar da distinção proposta, é preciso reconhecer que o Superior Tribunal de Justiça, assim como grande parte da doutrina, confunde essas duas espécies de atipicidade dos embargos de declaração. Mostra clara dessa confusão é demonstrada em julgado no qual o Superior Tribunal de Justiça afirma terem efeito modificativo embargos de declaração que pedem a adaptação do julgado a consolidação de entendimento jurisprudencial superveniente41. Os embargos, nesse caso, tinham efeitos infringentes, e não modificativos.

27.7.1. Embargos de declaração com efeito modificativo

As hipóteses de cabimento quanto a essa espécie atípica de embargos de declaração são aquelas previstas expressamente em lei: omissão, contradição e obscuridade (art. 535 do CPC). Nesse tocante, portanto, nada há de atípico. O pedido formulado pelo embargante também não pode ser considerado atípico, porque, havendo contradição e obscuridade, o pedido será o de esclarecimento da decisão, e na hipótese de omissão o pedido será de integração da decisão. Também não será atípico o provimento desse pedido, nos estritos limites do pedido do embargante.

Ocorre, entretanto, que em algumas hipóteses de saneamento de contradição e omissão – muito mais frequente na segunda hipótese – o provimento dos embargos de declaração, com o consequente saneamento do vício, poderá ensejar a modificação do conteúdo da decisão recorrida. O efeito do provimento dos embargos de declaração será atípico, porque somente ele se afasta da estrutura básica desse recurso, mas tal atipicidade é uma decorrência lógica e natural da possibilidade de enfrentamento de novas questões no recurso – no caso de omissão – ou da escolha entre duas proposições inconciliáveis – no caso de contradição42.

Fernanda ingressa com demanda de cobrança contra Aline, que em sua contestação alega a prescrição e compensação da dívida cobrada. O pedido é julgado procedente, sendo rejeitada a alegação de compensação feita por Aline, sem, entretanto, ser decidida a alegação de prescrição. Aline, inconformada, ingressa com embargos de declaração, alega a omissão e pede o seu saneamento, com o enfrentamento da alegação de prescrição. O juiz dá provimento ao recurso, reconhecendo sua omissão, e ao enfrentar a alegação defensiva de prescrição a acolhe, o que naturalmente fará com que o conteúdo da sentença seja substancialmente modificado.

27.7.2. Embargos de declaração com efeitos infringentes

Diferentes dos embargos de declaração com efeitos modificativos, os embargos de declaração com efeitos infringentes são consideravelmente atípicos, não se limitando à atipicidade aos efeitos do julgamento dos embargos de declaração.

Nesse caso, já são atípicas as hipóteses de cabimento, que não guardam relação com o art. 535 do CPC, já que não se tratam de defeitos formais da decisão, mas sim de decisões teratológicas geradas por vícios absurdos, referentes ao seu conteúdo ou gerados pela falsa percepção da realidade pelo órgão prolator da decisão impugnada, tais como o erro manifesto de contagem de prazo, ausência de intimação de uma das partes, revelia decretada em razão de a contestação estar perdida no cartório e não ter sido juntada aos autos etc. Prossegue a atipicidade no pedido do embargante, que não será caso de esclarecimento nem de integração, mas de reforma ou anulação43. Naturalmente, diante dessas espécies de pedido, o provimento do recurso gerará efeitos atípicos para os embargos de declaração, nos exatos limites do pedido formulado pelo embargante44. Como se nota, a atipicidade é completa, restando dos embargos de declaração somente o nome e o prazo.

A justificativa para o desvirtuamento dos embargos de declaração nesse caso é a necessidade de conceder às partes instrumentos aptos a extirpar o absurdo jurídico do processo da forma rápida, barata e simples possível, o que se mostra benéfico ao sistema jurídico. Realmente é saudável ao sistema que erros teratológicos possam ser afastados do processo de maneira simples e rápida. A matéria alegada nos embargos de declaração nesse caso poderia ser alegada em outro recurso – p. ex., apelação, agravo –, mas pelas razões expostas é preferível a utilização dos embargos de declaração. O propósito é nobre, mas corre-se o perigo de vulgarização dos embargos de declaração, servindo tal entendimento como incentivo às partes para embargarem em vez de ingressarem com o recurso cabível, sob a pálida argumentação de que a decisão é teratológica. Por hora os tribunais superiores têm contido o abuso, existindo inúmeras decisões de inadmissão de embargos de declaração com efeito infringente.

1 Bermudes, Efeito, p. 70-71.

2 Barbosa Moreira, Comentários, n. 297; Araken de Assis, Manual, n. 64, p. 579.

3 É majoritária a doutrina que defende a natureza recursal dos embargos de declaração: Nery-Nery, Comentários, nota 1 ao art. 535, p. 907; Theodoro Jr., Curso, 558, p. 698.

4 Dinamarco, A nova, n. 94; Bondioli, Embargos, p. 55-73.

5 Barbosa Moreira, Comentários, n. 298, p. 545; Nery-Nery, Comentários, p. 907. Contra: Pimentel Souza, Introdução, n. 16.5.2, p. 465.

6 Araken de Assis, Manual, n. 66.1.3, p. 584-585; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 556.

7 Informativo 462/STF, AI 588.190 AgR/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 03.04.2007.

8 Informativo 505/STJ, 4.ª Turma, AgRg no Ag 1.341.818-RS, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 20.09.2012.

9 Informativo 709/STF, 1.ª Turma, RE 501.726 ED/SC, rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.06.2013, e RE 581.906 ED/SC, rel. Min. Dias Toffoli, j. 04.06.2013.

10 Informativo 721/STF, 2.ª Turma, ARE 749.715 ED/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 24.09.2013; STF, Tribunal Pleno, SS-AgR-ED 3.039/SP, rel. Min. Ellen Gracie, j. 11.10.2007, DJ 14.11.2007; STJ, EDcl no EREsp 288.118/DF, Corte Especial, rel. Francisco Peçanha Martins, j. 17.11.2004, DJ 17.12.2004. Informativo 278/STJ, 4.ª T., EDcl no Ag 453.716-RJ, rel. Quaglia Barbosa, j. 04.03.2006.

11 Barbosa Moreira, Código, nota 301, p. 548; Araken de Assis, Manual, nota 66.2.1.1, p. 588.

12 Araken de Assis, Manual, nota 66.2.1.3, p. 591.

13 Informativo 543/STF, Plenário, ADI 2791 ED/PR, rel. Gilmar Mendes, rel. p/ acórdão Menezes Direito, j. 22.04.2009.

14 STF, Tribunal Pleno, ADI 3.601 ED/DF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 09.09.2010, DJe 15.12.2010.

15 Barbosa Moreira, Código, nota 300, p. 547; Araken de Assis, Manual, nota 66.2.2, p. 598.

16 Barbosa Moreira, Código, nota 302, p. 551.

17 Bondioli, Embargos, p. 109.

18 Barbosa Moreira, Comentários, n. 302, p. 551.

19 Araken de Assis, Manual, notas 66.3.1 e 66.3.2, p. 603-605.

20 Informativo 544/STF, Plenário, RE 492.837 QO/MG, rel. Cármen Lúcia, j. 29.04.2009.

21 Barbosa Moreira, Comentários, n. 304, p. 554-555.

22 Araken de Assis, Manual, nota 68.3, p. 617-619.

23 Câmara, Lições, p. 109; Nery-Nery, Código, p. 913.

24 STF, 1.ª Turma, AI 451.078, rel. Min. Eros Grau, j. 31.08.2004, DJ 24.09.2004.

25 Nery-Nery, Comentários, nota 2 ao art. 538, p. 915; Araken de Assis, Manual, nota 67.3.4; Fux, Curso, p. 1.604.

26 Informativo 482/STJ, 4.ª Turma, REsp 1.171.682/GO, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 06.09.2011.

27 Pimentel Souza (Introdução, 16.13., p. 487) e Barbosa Moreira (Comentários, n. 306, p. 560-561), ressaltando que a exceção aplica-se somente ao próprio embargante.

28 STF, 1.ª Turma, AI-AgR 534.868/SP, rel. Sepúlveda Pertence, j. 24.05.2005, DJ 17.06.2005; SFT, 2.ª Turma, AI-AgR 530.539/SP, rel. Min. Ellen Gracie, j. 15.02.2005; STJ, 2.ª Turma, REsp 796.051/SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 13.11.2007; STJ, 4.ª Turma, AgRG 688.725/SC, rel. Min. Massami Uyeda, j. 13.11.2007. Informativo 369/STJ, 2.ª T., REsp 1.062.623-PR, rel. Eliana Calmon, 23.09.2008.

29 Parece ser esse o entendimento de Araken de Assis (Manual, nota 67.3.4, p. 613-614).

30 Informativo 424/STJ, Corte Especial, AgRg no Ag 1.161.358-RS, rel. Min. Eliana Calmon, j. 25.02.2010; Informativo 418/STJ: 4.ª Turma, REsp 659.663/MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 1.º.12.2009; Informativo 317/STJ, REsp 776.265/SC, rel. originário Min. Humberto Gomes de Barros, rel. para o acórdão Min. César Asfor Rocha, j. 18.04.2007. Informativo 366/STJ, 2.ª T., REsp 783.676-PR, rel. Mauro Campbell Marques, j. 04.09.2008.

31 Informativo 710/STF, 1ª Turma, RE 680371 AgR/SP, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio.

32 Barbosa Moreira, Comentários, n. 307, p. 562.

33 Informativo 480/STJ, 4.ª Turma, EDcl no AgRg no Ag 1.357.956/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.08.2011.

34 Informativo 419/STJ, Corte Especial, EREsp 423.250-SP, rel. Min. Eliana Calmon, j. 10.12.2009.

35 No tocante aos beneficiários da assistência judiciária, Barbosa Moreira (Comentários, n. 307, p. 562); Pimentel Souza (Introdução, n. 16.14, p. 495).

36 Informativo 332/STJ, Corte Especial, EREsp 808.525/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. 19.09.2007.

37 Bermudes, Efeito, p. 70-71.

38 Barbosa Moreira, Comentários, 303, nota 26, p. 553; Didier-Cunha, Curso, v. 3, p. 149.

39 Informativo 483/STJ, 1.ª Seção, AR 2.702/MG, rel. originário Min. Mauro Campbell, rel. para acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j. 14.09.2011.

40 Bermudes, Efeito, p. 72.

41 Informativo 488, 5.ª Turma, EDcl no AgRg no REsp 1.224.727-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 1.º.12.2011.

42 Araken de Assis, Manual, nota 70, p. 625-626; Dinamarco, Os embargos, p. 189-190.

43 Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery (Código, nota 9 ao art. 535, p. 908), é proibido tal pedido, entendendo como efeito infringente aquilo que se explicou no tópico anterior como efeito modificativo. Também Pimentel Souza (Introdução, 16.7, p. 477) e Freitas Câmara (Lições, p. 108) não veem distinção entre efeito modificativo e efeito infringente.

44 Dinamarco, Os embargos, p. 190-191.