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Sumário: 28.1. Introdução – 28.2. Cabimento: 28.2.1. Causas internacionais; 28.2.2. Recurso ordinário em mandado de segurança; 28.2.3. Recurso ordinário em habeas data e mandado de injunção.
Tradicionalmente associam-se a atividade recursal do Supremo Tribunal Federal e a do Superior Tribunal de Justiça ao recurso extraordinário e especial, respectivamente. Ocorre, entretanto, que essa atividade recursal também é desempenhada por tais tribunais por meio do julgamento do recurso ordinário constitucional, previsto como recurso no art. 496, V, do CPC, e com suas hipóteses de cabimento previstas tanto na Constituição Federal (arts. 102, II, e 105, II, da CF) como no Código de Processo Civil (art. 539 do CPC).
Ainda que o recurso ordinário tenha previsão constitucional, a exemplo dos recursos extraordinário e especial, são diversas e significativas as diferenças entre eles. No julgamento do recurso ordinário os tribunais superiores referidos atuam como órgão de segundo grau de jurisdição, garantindo no caso concreto a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição, conforme analisado no Capítulo 21, item 21.1. São diferenças:
(a) no recurso ordinário não existe fundamentação vinculada, admitindo-se ao recorrente a alegação de qualquer matéria desde que respeite os limites objetivos da demanda1;
(b) a exigência de prequestionamento presente nos recursos extraordinário e especial não existe no recurso ordinário;
(c) a devolução do recurso ordinário é ampla, abrangendo tanto matéria de direito – constitucional, federal e local – quanto matéria de fato2.
Sendo o caso de comparar o recurso ordinário com outros, melhor será fazê-lo com a apelação, recurso muito mais próximo – ainda que diferente – do recurso ordinário do que os outros recursos previstos no texto constitucional3. Existem três identidades entre os recursos:
(a) prazo de 15 dias;
(b) mesmo procedimento dividido num primeiro momento em órgão prolator da decisão impugnada (órgão a quo) e num segundo momento perante o órgão competente para o julgamento do recurso (órgão ad quem);
(c) mesmos efeitos, inclusive com a ausência de efeito suspensivo no recurso ordinário em mandado de segurança e em mandado de injunção4.
Mas as diferenças entre recurso ordinário constitucional e a apelação não devem ser esquecidas5:
(a) não cabe recurso adesivo de recurso ordinário constitucional6;
(b) não cabe recurso de embargos infringentes de julgamento não unânime de recurso ordinário constitucional7;
(c) o procedimento perante o órgão julgador do recurso é diferente, seguindo a apelação o Código de Processo Civil e o recurso ordinário constitucional, o Regimento Interno do tribunal superior.
A aproximação ficou mais evidente no PLNCPC quando o art. 1.041, caput, passou a prever expressamente, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, a aplicação ao recurso ordinário constitucional das disposições relativas à apelação e ao regimento interno do Superior Tribunal de Justiça. E, por expressa previsão, também passou a ser admitida a aplicação da teoria da causa madura (art. 1.040, § 2.º).
Na hipótese de cabimento contra sentença (causas internacionais), o recurso ordinário constitucional será interposto perante o próprio juízo sentenciante, que, após a intimação do recorrido para apresentar contrarrazões em quinze dias, encaminhará imediatamente o recurso para o Superior Tribunal de Justiça. Como ocorre na apelação, o juízo de primeiro grau não tem competência para fazer juízo de admissibilidade do recurso ordinário constitucional.
Tratando-se de cabimento contra acórdão, o parágrafo único do art. 1.041 prevê que o recurso ordinário constitucional deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, em quinze dias, apresentar as contrarrazões. Findo esse prazo, os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade.
O art. 1.008 do PLNCPC prevê que os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal (efeito suspensivo próprio/ope legis) ou decisão judicial em sentido contrário (efeito suspensivo impróprio/ope iudicis). Como nos arts. 1.040 e 1.041 do PLNCPC não há qualquer previsão a respeito de efeito suspensivo, é correto concluir que esse efeito não é gerado diante da interposição do recurso ordinário constitucional. Naturalmente o recorrente poderá no caso concreto obter tal efeito ao preencher os requisitos legais. A forma procedimental para a elaboração do efeito suspensivo é a mesma existente para o recurso especial e extraordinário (art. 1.042, § 5.º, do PLNCPC) e para a apelação (art. 1.025, § 3.º).
Ainda que exista previsão de cabimento do recurso ordinário em texto constitucional, basta a análise do art. 539 do CPC, limitada ao processo civil.
Diz o art. 539, II, “b”, do CPC que cabe recurso ordinário constitucional contra sentença proferida em processo em que forem partes, de um lado, organismo internacional – por exemplo, ONU, BID, Unesco – ou Estado estrangeiro e de outro Município brasileiro ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil, existindo doutrina a compreender tratar-se tanto de pessoa física como jurídica8. O texto é suficientemente claro para se concluir que independe em quais dos polos estarão os sujeitos descritos, desde que estejam em polos adversos9.
Nesse caso a demanda seguirá em primeiro grau de jurisdição perante a Justiça Federal (art. 109, II, da CF), e, sendo proferida sentença de qualquer natureza – terminativa ou definitiva – e qualquer que seja seu resultado – procedência, improcedência, homologatória –, será cabível o recurso ordinário constitucional, afastando-se a regra geral prevista pelo art. 513 do CPC. Para parcela doutrinária a interposição de apelação nesse caso, inclusive, configura erro grosseiro, de forma a impedir até mesmo a aplicação do princípio da fungibilidade10, não sendo esse, entretanto, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que admite o recebimento de apelação como recurso ordinário constitucional11.
Interessante questão diz respeito à interpretação do art. 539, parágrafo único, do CPC, a determinar o cabimento de agravo contra as decisões interlocutórias proferidas em causas internacionais. Aparentemente o legislador manteve nas causas internacionais a aplicação do art. 522 do CPC, inclusive no tocante ao cabimento como regra geral do agravo retido e excepcionalmente do agravo de instrumento. O dispositivo legal não indica, entretanto, qual órgão é competente para o julgamento do recurso de agravo. É evidente que, tratando-se de agravo retido, que será julgado pelo tribunal no momento do julgamento do recurso contra a sentença – no caso o recurso ordinário –, o órgão competente seja o Superior Tribunal de Justiça. Entendo que o mesmo ocorre com o agravo de instrumento, até por uma questão de isonomia, não havendo nenhum sentido jurídico a competência de órgãos diversos para julgar agravo retido e agravo de instrumento num mesmo processo12. Dessa competência, inclusive, decorre o entendimento de que o agravo deve ser interposto perante o próprio Superior Tribunal de Justiça, visto que não se trata do agravo previsto no art. 544 do CPC13.
O art. 1.040, § 1.º, do PLNCPC deixa claro que o agravo interposto nas causas internacionais é o de instrumento e só tem cabimento dentro das hipóteses legais previstas pelo art. 1.028. E o art. 1.041, caput, dispõe que, quanto aos requisitos de admissibilidade e procedimento a esse recurso, serão aplicadas as regras do agravo de instrumento e do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Caberá recurso ordinário constitucional contra decisão de única instância denegatória de mandado de segurança, sendo competente o Supremo Tribunal Federal (art. 539, I, do CPC), quando o acórdão recorrido tiver sido proferido pelos tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar), e o Superior Tribunal de Justiça (art. 539, II, do CPC) quando o acórdão tiver sido proferido por tribunal de segundo grau (Tribunal de Justiça e Tribunal Regional Federal).
O termo “denegação” do mandado de segurança tem interpretação ampla, de forma a abranger tanto o julgamento do mérito, com a denegação da ordem, como a decisão terminativa, com o julgamento do mandado de segurança sem a resolução do mérito. Por denegação deve ser entendida qualquer derrota do impetrante, tanto de natureza processual como de natureza material14. Havendo parcial procedência do pedido, caberá recurso ordinário somente do capítulo denegatório.
O mandado de segurança será necessariamente de competência originária do tribunal que proferiu a decisão, sendo essa decisão necessariamente colegiada. Eventual decisão de tribunal que julga mandado de segurança em sede recursal não é recorrível por recurso ordinário15, mas por recurso especial ou extraordinário, sendo que o Superior Tribunal de Justiça entende que a troca de recursos nesse caso caracteriza erro grosseiro, afastando a aplicação do princípio da fungibilidade16. Além do julgamento de mandado de segurança, admitindo-se a possibilidade de seu julgamento monocrático no tribunal, deve-se também admitir o recurso ordinário contra acórdão que decide agravo interno interposto contra decisão monocrática que denegou o mandado de segurança de competência originária do tribunal17. Da decisão monocrática, ainda que denegatória, não cabe recurso ordinário constitucional18. O mesmo ocorre com os embargos de declaração, que, sendo interpostos contra acórdão que denegou mandado de segurança de competência originária de tribunal, criarão acórdão que será recorrível por recurso ordinário.
As mesmas considerações feitas a respeito do recurso ordinário contra a decisão denegatória de mandado de segurança são aplicáveis ao habeas data e ao mandado de injunção:
(a) a decisão de única instância significa que o habeas data e o mandado de injunção sejam de competência originária de tribunal, no caso os Tribunais Superiores, em razão de expressa previsão do art. 539, I, do CPC;
(b) decisão denegatória significa tanto a improcedência como a extinção sem resolução do mérito; e
(c) acórdão de agravo interno contra decisão monocrática que denega habeas data e mandado de injunção e acórdão de embargos de declaração opostos contra acórdão denegatório são recorríveis por recurso ordinário.
A única distinção digna de nota diz respeito à competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para o julgamento do recurso ordinário, de forma que as decisões denegatórias que são recorríveis por recurso ordinário em sede de habeas data e mandado de injunção devem ter sido proferidas por um dos Tribunais superiores.
1 Marinoni-Arenhart, Manual, p. 567.
2 Araken de Assis, Manual, 78.1, p. 662-663.
3 Barbosa Moreira, Comentários, n. 312, p. 570, afirma que no recurso ordinário contra sentença a equiparação é completa.
4 Pimentel Souza, Introdução, 15.1, p. 407; Araken de Assis, Manual, 78.2, p. 634-636.
5 Araken de Assis, Manual, n. 73, p. 641-642.
6 No sentido do texto, STJ, 1.ª Turma, RMS 10.962/PR, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 20.09.2001, DJ 05.11.2001. Contra: Marinoni-Arenhart, Manual, p. 583.
7 Araken de Assis, Manual, n. 73, p. 641. Contra, pelo cabimento: Fux, Curso, p. 1.226.
8 Pimentel Souza, Introdução, n. 15.2, p. 409.
9 Scarpinella Bueno, Curso, vol. 5, p. 229.
10 Araken de Assis, Manual, n. 76.1, p. 646; Fux, Curso, p. 1.225.
11 STJ, 5.ª Turma, RMS 20.652, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 03.04.2007, DJ 07.05.2007, p. 336.
12 Entendo ser competência do STJ: Nery-Nery, Código, nota 14 ao art. 539, p. 919.
13 Araken de Assis, Manual, n. 76.2, p. 658; Câmara, Lições, v. 2, p. 114.
14 Barbosa Moreira, Comentários, n. 311, p. 569.
15 Barbosa Moreira, Comentários, n. 311, p. 569.
16 STJ, 6ª Turma, AgRg no RMS 15.126/SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18.12.2008, DJ 16.02.2009.
17 Nery-Nery, Código, nota 5 ao art. 539, p. 917-918.
18 Informativo 505/STJ, 3.ª Turma, AgRg na MC 19.774-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 02.10.2012.