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RECURSO ESPECIAL

Sumário: 29.1. Hipóteses de cabimento: 29.1.1. Pressupostos cumulativos; 29.1.2. Pressupostos alternativos.

29.1. HIPÓTESES DE CABIMENTO

Como todo recurso, também o recurso especial precisa preencher os pressupostos gerais de admissibilidade analisados no Capítulo 22. Em razão da sua especialidade, entretanto, o texto constitucional condiciona a admissibilidade desse recurso a outros pressupostos específicos, significando dizer que, para que possa ser julgado no mérito, o recurso especial deve preencher também os pressupostos previstos no art. 105, III, da CF. Esse dispositivo constitucional indica os pressupostos cumulativos, que devem ser preenchidos em todos os recursos especiais (art. 105, III, caput, da CF), como também os pressupostos alternativos (art. 105, III, a, b, c, da CF), bastando que um deles seja preenchido no caso concreto com os pressupostos cumulativos para que o recurso passe pelo juízo de admissibilidade e seja julgado no mérito.

29.1.1. Pressupostos cumulativos

29.1.1.1. Decisão de única ou última instância

Para que seja cabível o recurso especial – a exemplo do que ocorre no recurso extraordinário –, a decisão deve ser proferida em única ou última instância, significando que, sendo cabível qualquer recurso ordinário, será esse o único recurso cabível. O esgotamento das vias ordinárias de impugnação é exigência inafastável para o cabimento do recurso especial, devendo a parte seguir com a interposição de recursos ordinários até que nenhum deles seja cabível no caso concreto1.

Mesmo que o recorrente acredite que terá mais sucesso no Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial do que no órgão competente para o julgamento do recurso ordinário previsto pelo ordenamento processual, será obrigado a esgotar a via ordinária de impugnação. Derrotado em julgamento de procedência de ação rescisória no Tribunal de Justiça por elástico placar (por exemplo, 6x1), ainda que seja consideravelmente improvável reverter esse resultado no próprio tribunal, a parte que pretender recorrer dessa decisão deverá ingressar com embargos infringentes (art. 530 do CPC), sendo admissível apenas o recurso especial contra decisão que julga esse recurso2.

O mesmo ocorrerá na hipótese de julgamento monocrático do relator, sendo antes cabível o recurso de agravo interno para o órgão colegiado, e somente do julgamento desse recurso o recurso especial3. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, sempre que houver interposição de embargos de declaração contra decisão monocrática, não sendo enfrentado o mérito de tal decisão, após o julgamento dos embargos, mesmo que de forma colegiada, a parte deverá ingressar com o agravo interno para exaurir as vias ordinárias de impugnação. O recurso especial nesse caso só será admitido se os embargos de declaração forem recebidos como agravo interno ou quando o mérito da decisão monocrática for julgado colegiadamente nos embargos de declaração4.

29.1.1.2. Decisão proferida por tribunal

A segunda exigência prevista pelo art. 105, III, caput, da CF é ser a decisão proferida pelos Tribunais Federais Regionais Federais ou pelos Tribunais estaduais, do Distrito Federal e Territórios, sendo irrelevante a decisão de ter sido proferida em grau recursal (última instância) ou em ação de competência originária do tribunal (única instância).

Essa exigência impede a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas em julgamento de recurso inominado nos Juizados Especiais. O órgão de revisão de sentença nos Juizados Especiais é o Colégio Recursal, composto por juízes de primeiro grau de jurisdição, não tendo natureza de tribunal. A mesma irrecorribilidade atinge a decisão dos embargos infringentes previstos no art. 34 da LEF. Sendo esse recurso julgado pelo próprio juízo sentenciante, ainda que seja a decisão de última instância no processo, não poderá ser recorrida por recurso especial por ter sido proferida em primeiro grau de jurisdição5.

Apesar de pacificado o entendimento no sentido exposto, inclusive por meio de Súmula do Superior Tribunal de Justiça, cumpre ressaltar o desconforto dos tribunais superiores com a ausência de controle na aplicação da lei federal em sede de Juizados Especiais Estaduais. Pela estrutura criada pela Lei 9.099/1995, ainda que flagrantemente contrária ao entendimento consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, a última palavra a respeito da lei federal é dada pelo Colégio Recursal. O mesmo fenômeno não se verifica em sede de Juizados Especiais Federais, ao menos no tocante ao direito material federal, considerando-se a existência da uniformização de jurisprudência prevista pelo art. 14 da Lei 10.259/2001, que permite a chegada ao Superior Tribunal de Justiça de decisão contrária a entendimento consolidado pelo tribunal superior a respeito da aplicação e/ou interpretação de lei federal (ainda que limitada ao direito material), o mesmo ocorrendo nos Juizados Especiais da Fazenda Pública em razão do arts. 18 e 19 da Lei 12.153/2009.

O desconforto foi manifestado expressamente em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, que chegou até mesmo a cogitar que o caminho seria a adoção por analogia, na esfera estadual, da uniformização de jurisprudência já existente nos Juizados Especiais Federais. O interessante desse julgamento foi a rejeição expressa da utilização da reclamação constitucional para esse fim6. Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, também demonstrando o mesmo desconforto, entendeu que enquanto não existir mecanismo processual mais apropriado a permitir a atuação do Superior Tribunal de Justiça nas ações dos Juizados Especiais Estaduais, deve-se admitir a reclamação constitucional7, em posição que veio a ser incorporada pelo Superior Tribunal de Justiça8. Apesar do nobre propósito do julgamento, não é preciso maior esforço para notar que a reclamação constitucional não é instituto processual adequado para a impugnação de decisões proferidas por Colégios Recursais nos Juizados Especiais contrários a entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Conforme já apontado, segundo o art. 14, caput, da Lei 10.259/2001, o cabimento da uniformização de jurisprudência se limita ao direito material federal, o que significa que, se a violação tiver como “vítima” uma norma de direito processual federal, o instrumento impugnativo não será cabível. O mesmo erro é cometido no art. 18, caput, da Lei 12.153/2009. Ao ler esses lamentáveis dispositivos legais sinto como se tivéssemos retornado à época imanentista do direito, período ultrapassado no qual o direito processual era visto como um mero apêndice do direito material. Época em que nem se cogitava ser possível colocar num mesmo patamar de importância o direito material e o direito processual.

O desconhecimento da relevância do direito processual no reconhecimento de direitos materiais em juízo ou ainda na declaração de direitos materiais inexistentes parece ter passado despercebido pelo legislador. Permitir o controle quando há ofensa à lei federal de direito material e não fazer o mesmo para o direito processual é desprezar todas as conquistas científicas da ciência processual, em especial sua notória e indiscutível autonomia perante outras áreas, particularmente do direito material e sua igual relevância.

Quando os tribunais superiores passaram a admitir a reclamação constitucional nos Juizados Especiais Estaduais, sem as amarras legais já existentes nas Leis 10.259/2001 e 12.153/2009, criou-se grande expectativa quanto aos limites objetivos da impugnação à decisão do Colégio Recursal que contrariasse posição consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Infelizmente, entretanto, aquele tribunal, valendo-se de analogia, considerou legítimo tutelar somente o direito federal material por meio da reclamação constitucional, deixando fora de seu espectro de proteção o direito processual. Nisso se tornou copartícipe do desprezo ao direito processual, como se este se colocasse em grau subalterno quando comparado com o direito material.

Alguns julgados que consolidaram o equivocado entendimento devem ser mencionados em razão de curiosa interpretação de texto legal. Segundo esses julgados9, a limitação está consagrada no art. 1.º da Resolução 12/2009 do STJ, mas na realidade não há qualquer previsão nesse sentido no dispositivo mencionado. Para que não haja dúvidas, transcrevo o seu teor: “As reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil serão oferecidas no prazo de quinze dias, contados da ciência, pela parte, da decisão impugnada, independentemente de preparo”.

Como se pode notar, não há qualquer menção no dispositivo a respeito da natureza da divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça. Não é possível, portanto, extrair informação que claramente não se encontra na norma como se lá ela estivesse expressamente prevista. Trata-se, no mínimo, de ficção. Por isso, prefiro decisões do mesmo tribunal nas quais fica claro que o art. 1.º da Resolução 12/2009 é omisso quanto ao tema, mas deve ser interpretado à luz do art. 14, caput, da Lei 10.259/200110.

Seja como for, como fruto de indevida ficção ou equivocada interpretação, o Superior Tribunal de Justiça perdeu uma excelente oportunidade de reconhecer que o direito processual deve ser considerado no mesmo patamar de relevância do direito processual. Caso tivesse aceitado a reclamação constitucional nas hipóteses ora analisadas, inclusive quando violada lei processual federal, poder-se-ia argumentar pelo seu cabimento também nos outros Juizados Especiais, considerando que o instrumento lá existente – uniformização de jurisprudência – seria limitado ao direito material.

No entanto, a limitação prevista em lei para a uniformização de jurisprudência foi estendida à reclamação constitucional nos Juizados Especiais Estaduais. E, coerente com sua premissa, o Superior Tribunal de Justiça entende pelo não cabimento da reclamação constitucional contra violação de direito processual federal nos Juizados Especiais Federais11 e da Fazenda Pública12.

Paradoxalmente, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a reclamação constitucional para a diminuição do valor das astreintes fixadas por Turma Recursal nos Juizados Especiais13. A multa cominatória tem indiscutivelmente natureza processual, ainda que gere um direito material de crédito à parte, e, por tal razão, tomando-se como premissa a incorreta limitação consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça, não deveria ser matéria alegável por meio de reclamação constitucional.

29.1.1.3. Prequestionamento

O pressuposto de admissibilidade do prequestionamento, que para alguns na realidade não é propriamente um juízo de admissibilidade específico, fazendo parte do pressuposto genérico “cabimento”, é alvo de inúmeras críticas e debates doutrinários. Entende-se majoritariamente que o prequestionamento constitui a exigência de que o objeto do recurso especial já tenha sido objeto de decisão prévia por tribunais inferiores14, o que realça a atuação do Superior Tribunal de Justiça de mero revisor do que já foi decidido no pronunciamento judicial recorrido. A exigência do prequestionamento tem fundamentalmente a missão de impedir que seja analisada no recurso especial matéria que não tenha sido objeto de decisão prévia, vedando-se nesse recurso a análise de matéria de forma originária pelo Superior Tribunal de Justiça.

Proferido acórdão omisso quanto à matéria que se pretende impugnar em sede de recurso especial, caberá à parte ingressar no tribunal de segundo grau com embargos de declaração para sanar o vício do acórdão gerado pela omissão. Caso o tribunal se negue injustificadamente a sanar o vício alegado, o acórdão dos embargos de declaração terá afrontado o art. 535 do CPC, devendo a parte ingressar com recurso especial contra essa decisão15. O Superior Tribunal de Justiça é firme no entendimento de que os embargos de declaração só serão cabíveis, e por consequência só será provido o recurso especial, se efetivamente existir vício na decisão impugnada, não sendo admitidos os embargos de declaração com efeitos infringentes, ou seja, com o objetivo de modificar o acórdão recorrido16.

Provido o recurso especial, o processo voltará ao tribunal de segundo grau para que efetivamente examine a matéria apontada nos embargos de declaração. Caso assim proceda, finalmente estará caracterizado o prequestionamento, de forma a possibilitar o ingresso de recurso especial contra o acórdão originário. Caso contrário, mantendo-se o tribunal de segundo grau inerte em sanar a sua omissão, o que se verificará com uma nova rejeição dos embargos de declaração, caberá à parte novamente o ingresso de recurso especial por ofensa ao art. 535 do CPC, contra o acórdão que decidir os embargos de declaração17. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, mesmo havendo a reiteração da omissão pelo tribunal de segundo grau, não é possível admitir que tenha ocorrido o prequestionamento, devendo-se remeter o processo novamente a esse tribunal, exigindo-se o saneamento da omissão18.

O entendimento exposto é pacífico no Superior Tribunal de Justiça, encontrando-se inclusive sumulado no sentido da inadmissibilidade do recurso especial quanto à questão que, apesar da oposição de embargos de declaração, não foram apreciadas pelo tribunal inferior19-20. Não resta dúvida da propriedade técnica do entendimento, porque realmente sendo o acórdão omisso quanto à matéria que se pretende alegar em sede de recurso especial e sendo rejeitados os embargos de declaração oferecidos pela parte, a omissão persiste, permanecendo o estado anterior de ausência de prequestionamento da matéria. Ocorre, entretanto, que a propriedade técnica está totalmente divorciada da realidade na praxe forense, tornando a obtenção de prequestionamento para o ingresso de recurso especial em árduo trabalho para as partes interessadas na interposição de tal recurso.

O entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça foi rejeitado pelo PLNCPC, que preferiu a solução mais pragmática adotada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema. No art. 1.038 está previsto que a mera interposição de embargos de declaração é o suficiente para prequestionar a matéria. Dessa forma, mesmo diante da rejeição dos embargos, caberá recurso especial contra o acórdão originário, e mesmo que o Superior Tribunal de Justiça entenda que realmente houve o vício apontado nos embargos de declaração e não saneado pelo tribunal de segundo grau, considerará a matéria prequestionada.

29.1.2. Pressupostos alternativos

Além do preenchimento dos três pressupostos analisados no item anterior, para que o recurso especial seja recebido/conhecido, deverá o recorrente demonstrar o preenchimento de um dos pressupostos previstos nas três alíneas do art. 105, III, da CF.

29.1.2.1. Decisão que contrariar ou negar vigência a tratado ou lei federal

Trata-se da alínea mais utilizada na praxe forense para fundamentar a interposição de recurso especial. Entende a melhor doutrina que o termo “contrariar” é mais amplo do que “negar vigência”, mas a nítida distinção entre esses dois termos é absolutamente inútil, considerando-se que tanto num caso como noutro será cabível o recurso especial. Para alguns, inclusive, devem ser tratados como expressões sinônimas21. De qualquer maneira, “contrariar” significa distanciar-se da mens legislatoris ou da finalidade da norma, incluindo uma má interpretação que importe o desvirtuamento de seu conteúdo, enquanto “negar vigência” significa deixar de aplicar a norma correta no caso concreto22. Tanto a contrariedade como a negativa de vigência impedem a lei federal de ser aplicada como deveria, sendo nesses termos vícios da mesma gravidade.

Por lei federal a doutrina entende que o legislador está a se referir às leis de abrangência territorial nacional, incluídas as leis nacionais e federais, não importando a espécie de lei, de modo que estão abrangidas a lei complementar, lei ordinária, lei delegada, decreto-lei, decreto autônomo e até mesmo a medida provisória, que tecnicamente nem é lei, mas é entendida com a mesma força normativa. Excluem-se da previsão legal as portarias ministeriais, as resoluções normativas, as normas de regimento interno de tribunais e as súmulas23. A expressa previsão de tratado, que também deve ser interpretado de forma ampla, abrangendo ajuste, acordo, compromisso e tratado stricto sensu24, decorre da regra de que o tratado internacional, quando incorporado ao ordenamento jurídico, tem força de lei ordinária, espécie de lei federal.

Naturalmente, não caberá recurso especial se a norma afrontada for municipal25 ou estadual, sendo que nesse caso a decisão de segundo grau de jurisdição será a derradeira.

No tocante ao tratado, é importante lembrar que a Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou um parágrafo 3.º no art. 5.º da CF, que passou a prever que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. É natural que nesse caso, havendo contrariedade ou negativa de vigência, não seja a decisão recorrível por recurso especial, porque dessa forma o Superior Tribunal de Justiça seria levado a decidir em última análise a respeito de matéria constitucional, tarefa exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Tratando-se de norma com força constitucional, aplica-se de forma extensiva o art. 102, III, a, da CF, permitindo-se o ingresso de recurso extraordinário26.

Sendo interposto o recurso especial com fundamento no art. 105, III, “a”, da CF, o Superior Tribunal de Justiça entende ser indispensável a indicação do dispositivo legal federal que houver sido violado, afirmando que a ausência de tal indicação cria um vício que impossibilita a admissão do recurso27.

29.1.2.2. Decisão que julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal

Caberá recurso especial se a decisão julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal, entendendo-se que o ato terá natureza normativa ou administrativa, praticado pelo Poder Executivo, Legislativo – no âmbito estadual ou municipal – e pelo Poder Judiciário no âmbito estadual28.

Note-se que a missão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial é preservar o ordenamento jurídico federal, e nesse caso o ato de governo local não teria nenhuma importância se não ofendesse uma lei federal, sendo justamente por isso levado para análise do Superior Tribunal de Justiça por meio do recurso especial.

29.1.2.3. Decisão que der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal

O art. 105, III, c, da CF disciplina o cabimento do recurso especial quando existir divergência de interpretação de lei federal entre diferentes tribunais, chamando-se o Superior Tribunal de Justiça a desempenhar a importante tarefa de uniformização da interpretação da lei federal em todos os tribunais de segundo grau da Justiça Estadual e Federal. Não tem nenhum sentido que uma mesma norma seja interpretada de forma diversa por diferentes tribunais, cabendo ao tribunal hierarquicamente superior a todos eles apontar para a correta interpretação. Note-se que divergências internas de tribunal na interpretação de lei, ainda que federal, não serão objeto de recurso especial29, cabendo a instauração de incidente de uniformização de jurisprudência (arts. 476 e ss. do CPC) na hipótese de divergência interna em tribunal de segundo grau e de recurso de embargos de divergência se a divergência ocorrer em tribunal superior.

A única exigência nesse tocante é que sejam tribunais diferentes, sendo admitida a divergência entre:

(a) tribunais de justiça de diferentes Estados;

(b) tribunais regionais federais de diferentes regiões;

(c) tribunais de justiça e tribunais regionais federais, mesmo que o Estado esteja na mesma região do Tribunal Regional Federal30; e

(d) tribunais de segundo grau e o próprio Superior Tribunal de Justiça31.

Essa última alternativa, inclusive, é a mais favorável ao recorrente, porque dificilmente o Superior Tribunal de Justiça irá contrariar seu próprio entendimento, sendo provável que reforme a decisão recorrida proferida por tribunal de segundo grau.

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça não admite como paradigmas julgados da justiça especializada porque os órgãos que proferem tais decisões não estão sujeitos à jurisdição (melhor seria dizer competência) do Superior Tribunal de Justiça32.

No recurso especial fundado no art. 105, III, c, da CF, o recorrente deverá comparar o acórdão recorrido com um acórdão proferido por outro tribunal, chamado de acórdão paradigma. Essa comparação deve ser feita de forma analítica, não bastando a mera menção ao acórdão paradigma, sendo exigida do recorrente uma comparação entre trechos similares das duas decisões33. É comum, inclusive, que o recorrente o faça em forma de tabela, de maneira que os trechos fiquem na peça recursal lado a lado, o que facilita a demonstração da comparação analítica. Existem decisões do Superior Tribunal de Justiça que dispensam essa comparação analítica quando a divergência é notória, em especial quando o acórdão paradigma é do próprio tribunal34.

Deverá o recorrente provar a existência do acórdão paradigma, o que poderá ser feito por quatro formas (art. 541, parágrafo único, do CPC):

(a) certidão do tribunal;

(b) cópia autenticada;

(c) citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente; e

(d) reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte.

Essa última forma de comprovação de existência do acórdão paradigma facilita sobremaneira o encargo legal, estando em absoluta consonância com a utilização dos meios eletrônicos no processo.

A divergência deve ser atual, o que não significa que o acórdão paradigma deva ser recente, bastando que continue a conter o entendimento atual do tribunal35. Como será necessária ao recorrente a realização de uma comparação analítica, por vezes é mais interessante que o acórdão paradigma seja mais antigo do que outros disponíveis com o mesmo entendimento, mas não tão próximos do acórdão recorrido. Nesse caso, cumpre ao recorrente demonstrar que a divergência ainda é atual, o que fará com a mera indicação de julgados no mesmo sentido do acórdão paradigma proferido pelo mesmo tribunal. Também não será admitido o recurso especial no caso de a divergência ter sido superada por entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça36.

Cabe ao recorrente a indicação expressa do dispositivo de lei que foi interpretado de forma divergente pelo acórdão recorrido e pelo acórdão paradigma, entendendo o Superior Tribunal de Justiça que a ausência de tal indicação impede a admissão do recurso especial37.

É importante ressaltar que essa é a hipótese de cabimento do recurso especial mais complexa, exigindo do recorrente um grande esforço para que o recurso seja admitido. Certamente por essa razão, é comum na praxe forense cumular o art. 105, III, a, e o art. 105, III, c, da CF, até porque, se houve divergência na interpretação de lei federal entre diferentes tribunais, será alegado pelo recorrente que no acórdão impugnado houve contrariedade ou negativa de ofensa à lei federal38. Sendo mais fácil, por exigir menos requisitos, a admissibilidade pelo art. 105, III, a, da CF, se mostra no mínimo previdente a conduta do recorrente que, ao interpor o recurso especial com base no art. 105, III, c, da CF, o faz também pelo art. 105, III, a, da CF.

O art. 1.042, § 1.º, do PLNCPC mantém as formas de prova do recurso paradigma previstas no art. 541, parágrafo único, do CPC/1973. A novidade fica por conta da previsão do § 2.º, em mais uma imposição ao Poder Judiciário em sua tarefa essencial de julgar. Segundo o dispositivo, sendo o recurso especial cabível em razão de dissídio jurisprudencial, é vedado ao órgão jurisdicional inadmiti-lo com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção.

1 Por todos, Barbosa Moreira, Comentários, n. 320, p. 592.

2 Súmula 207/STJ; Marinoni-Arenhart, Manual, p. 571.

3 STJ, REsp 1.082.653/SP, 1ª Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 05.03.2009, DJe 18.03.2009; Gusmão Carneiro, Recurso, n. 8, p. 19.

4 Informativo 505/STJ, Corte Especial, AgRg no REsp 1.231.070-ES, Rel. Min. Castro Meira, j. 03.10.2012.

5 Fux, Curso, p. 1.199. Em sentido crítico, entendendo que de lege ferenda seria interessante uniformizar o cabimento do REsp e RExt, Marinoni-Arenhart, Manual, p. 571.

6 Informativo 348/STJ, Primeira Seção, Rcl 2.704/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 12.02.2008.

7 Informativo 557/STF, Plenário, RE 571.572 QO-ED/BA, rel. Min. Ellen Gracie, j. 26.08.2009.

8 Informativo 416/STJ, Corte Especial, Rcl 3.752-GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.11.2009.

9 STJ, 3.ª Seção, AgRg na Rcl 4832-SP, rel. Min. Gilson Dipp, j. 22.08.2012, DJe 29.08.2012; STJ, 2.ª Seção, AgRg na Rcl 4916-SP, rel. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.02.2011, DJe 04.03.2011.

10 STJ, 1.ª Seção, Rcl 4909-MG, rel. Min. Castro Meira, j. 22.06.2011, DJe 30.06.2011.

11 STJ, 1.ª Seção, EDcl na Rcl 5932/SP, j. 23.05.2012, DJe 29.05.2012.

12 Informativo 509/STJ, 1.ª Seção, Rcl 7.117-RS, rel. originário Min. Cesar Asfor Rocha, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, j. 24.10.2012.

13 Informativo 527/STJ, 2.ª Seção, Rcl 7.861-SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.09.2013.

14 Baptista da Silva, Curso, v. 1, n. 17.4.4.3, p. 458; Pimentel Souza, Introdução, n. 16.2, p. 418.

15 Informativo 400/STJ: 2.a Turma, REsp 866.299/SC, rel. Min. Eliana Calmon, j. 23.06.2009.

16 STJ, 1.ª Turma, EDcl no AgRg no AgRg no REsp 759.723, rel. Min. Luiz Fux, j. 12.02.2008, DJ 02.04.2008; STJ, 2.ª Turma, EDcl no REsp 981.094, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11.03.2008.

17 Informativo 356/STJ, Corte Especial, EREsp 933.438-SP, rel. José Delgado, rel. p/ acórdão Fernando Gonçalves, j. 21.05.2008.

18 Informativo STJ/314: REsp 604.785/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 20.03.2007. Pimentel Souza, Introdução, n. 16.2, p. 420.

19 Súmula 211/STJ.

20 STJ, 2.ª Turma, REsp 967.348, rel. Min. Eliana Calmon, j. 11.02.2008, DJ 27.03.2008; STJ, AgRg no REsp 973.792, 1.ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 26.02.2008, DJ 24.03.2008.

21 Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 271.

22 Mancuso, Recurso, p. 147.

23 Gusmão Carneiro, Recurso, n. 11, p. 28; Pimentel Souza, Introdução, n. 16.3, p. 422. . Quanto às Súmulas: Informativo 465/STJ: 2.ª Turma, REsp 1.230.704-SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 1.º.03.2011.

24 Mancuso, Recurso, p. 165.

25 Informativo 484/STJ: REsp 1.217.076/SP, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 28.09.2011.

26 Assis, Manual, 9.2.2.2, p. 788.

27 Informativo 506/STJ, 2.ª Turma, AgRg no AREsp 135.969-SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 09.10.2012.

28 Pimentel Souza, Introdução, n. 16.4, p. 424.

29 Súmula 13/STJ.

30 Scarpinella Bueno, Curso, v. 5, p. 274.

31 Assis, Manual, 92.2.4.4, p. 792; Pimentel Souza, Introdução, n. 16.5, p. 425. Contra: Mancuso, Recurso, p. 208-209.

32 Informativo 510/STJ, 4.ª Turma, AgRg no REsp 1.344.635-SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 20.11.2012.

33 Súmula 291/STF; Gusmão Carneiro, Recurso, n. 22b, p. 75.

34 STJ, 4.ª Turma, AgRG no Ag 681.596/DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, 02.08.2005, DJ 22.08.2005; STJ, 2.ª Turma, REsp 141.117, rel. Min. Peçanha Martins, j. 02.03.2000, DJ 10.04.2000.

35 Mancuso, Recurso, p. 207.

36 Súmulas 286/STF e 83/STJ; Fux, Curso, p. 1.198.

37 Informativo 506/STJ, 2.ª Turma, AgRg no AREsp 135.969-SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 09.10.2012.

38 Assis, Manual, 92.2.4, p. 790.