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COMPETÊNCIA DA EXECUÇÃO

Sumário: 37.1. Competência da execução de título executivo judicial: 37.1.1. Introdução; 37.1.2. Competência executiva dos tribunais; 37.1.3. Competência do juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição; 37.1.4. Competência para a fase de satisfação de sentença arbitral, decisão homologatória de sentença estrangeira e sentença penal condenatória – 37.2. Competência da execução de título extrajudicial – 37.3. Competência no processo de insolvência civil.

37.1. COMPETÊNCIA DA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL

37.1.1. Introdução

Por meio da Lei 11.232/2005 o legislador substituiu o art. 575 pelo 475-P do CPC, em modificação que deve ser elogiada por ser o resultado da compreensão de que a competência funcional existente, para vincular obrigatoriamente o juízo que formava o título executivo à execução, não se justificava. Apesar de menos importante, também o esclarecimento a respeito da competência executiva dos tribunais deve ser saudado. Curiosamente essa substituição foi tácita, considerando-se que o art. 575 do CPC não foi expressamente revogado, o que, apesar de estranho, não cria maiores dificuldades na prática.

37.1.2. Competência executiva dos tribunais

O art. 475-P, I, do CPC traz uma importante alteração relativa ao dispositivo legal que tacitamente substituiu – o art. 575, I, do CPC –, corrigindo um equívoco desse artigo legal frequentemente apontado pela doutrina. A antiga redação previa a competência dos tribunais superiores para a execução das decisões proferidas em ações de sua competência originária, o que levava à exclusão dos tribunais de segundo grau da aplicação da norma jurídica comentada, ao menos diante da sua interpretação literal. Não havia, de fato, qualquer justificativa plausível para afastar desses tribunais a competência executiva nesses casos1. O equívoco legislativo foi em boa hora corrigido, não mais constando a indevida restrição aos tribunais superiores, o que agora permite a interpretação literal para a sua aplicação em todas as ações de competência originária de tribunal, independentemente de se tratar de tribunal superior ou de segunda instância.

A nova regra deve ser aplicada a todas as decisões proferidas pelo tribunal em ações de competência originária que exijam uma fase procedimental posterior à sua prolação para satisfazer o direito material do vencedor. Significa dizer que não só nas decisões condenatórias de pagar quantia certa a regra deve ser aplicada, mas também nas decisões que tenham como objeto obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa.

A exceção à regra de que é o próprio tribunal que executa suas decisões, nas ações de sua competência originária, fica por conta da competência para a execução da decisão proferida no processo de homologação de sentença estrangeira, de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, mas cuja execução é feita por juízo federal de primeiro grau, conforme expressamente previsto no art. 109, X, da CF2.

A fase procedimental de satisfação do direito, de competência dos tribunais, poderá, entretanto, ter o seu procedimento dificultado em virtude da própria organização interna dos tribunais, que não se encontra preparada para os atos materiais a serem praticados na busca da satisfação do direito. Dessa forma, é possível a delegação da competência do tribunal para o juízo de primeiro grau, para que este pratique os atos materiais necessários ao bom desenvolvimento da execução. Essa delegação de atribuições, ao menos para o Supremo Tribunal Federal, vem expressamente prevista no art. 102, I, “m”, da CF, entendendo a melhor doutrina que, mesmo diante da omissão legal, seja essa regra aplicável para todos os tribunais3.

A delegação de atividades executivas deve ser interpretada restritivamente, abrangendo tão somente os atos materiais de execução, que são aqueles que dão andamento ao procedimento. Os atos decisórios referentes ao mérito executivo continuam a ser praticados pelo Tribunal, até mesmo para evitar que a decisão proferida por juízo inferior altere o conteúdo do título executivo formado por órgão hierarquicamente superior4.

37.1.3. Competência do juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição

Alterou-se tacitamente o art. 575, II, do CPC ao ser substituído o termo “decidiu” por “processou”, restando competente para a execução da sentença não mais o juízo que decidiu a causa em primeiro grau de jurisdição, mas sim aquele que a processou, conforme previsão do art. 475-P, II, do CPC. A modificação, que substancialmente nada altera, não agrada. Por “processou” deve-se entender o juízo responsável pela condução do processo em primeiro grau, o qual, na maioria dos casos, será o mesmo que decidirá a causa. Ocorre, entretanto, que em situações excepcionais essa identidade entre o juízo que processa a causa e o que a decide poderá não se verificar, tomando-se como exemplo uma alteração da competência absoluta antes da prolação da decisão. Nesse caso, é evidente que a competência executiva não será do juízo que processou a causa, mas do juízo que era o competente no momento de prolação da decisão, independentemente de ter ou não processado a causa.

Eliane ingressou com ação indenizatória contra a Municipalidade de Catanduva naquela comarca, sendo a ação distribuída para uma das varas comuns, que processou integralmente a causa. No momento em que os autos estão conclusos para a sentença, é criada na Comarca de Catanduva uma vara da Fazenda Pública, com competência absoluta para conhecer as ações movidas pela e contra a Municipalidade. Imediatamente a ação de Eliane será enviada para essa vara especializada, que decidirá a causa. Apesar de a vara comum ter sido a responsável pelo processamento da causa, a competência para a execução passou a ser da vara especializada, que tão somente decidiu a causa.

A regra estabelecida no art. 475-P, II, do CPC consagra a regra geral de competência para os títulos judiciais, estabelecendo ser competente para executá‑los o juízo que tenha sido o competente para a fase de conhecimento no processo sincrético, responsável pela prolação da sentença exequenda5. Essa regra não é aplicada a todas as espécies de título executivo judicial, conforme percebido pelo legislador, ao prever no art. 475-P, III, do CPC as três exceções à regra. Nos títulos executivos previstos no art. 475-N, I, III, V e VII, do CPC, aplica-se a regra do art. 475-P, II, do CPC.

37.1.3.1. Exceções à regra do art. 475-P, II, do CPC

A regra estabelecida pelo art. 475-P, II, do CPC é fundada numa crença, que durante muito tempo e de maneira absolutamente equivocada foi considerada como verdade absoluta pelo legislador: o melhor juízo para executar uma sentença é aquele que a formou. Essa crença, entretanto, foi afastada – ao menos parcialmente – com a nova disposição contida no parágrafo único do dispositivo legal ora comentado.

O mandamento contido no art. 575, II, do CPC era de competência funcional, portanto absoluta6, apresentando-se como justificativa da vinculação obrigatória do juízo que formava o título àquele que o executava a presunção de que o juízo formador do título executivo seria o mais apto a executá-lo. A vinculação do mesmo juízo entre o processo de conhecimento e o de execução estaria fundada, portanto, na expectativa de uma melhor qualidade na prestação da tutela jurisdicional no processo executivo. A aplicação do dispositivo legal, entretanto, nem sempre justificava essa expectativa, muitas vezes, inclusive, trabalhando contra a qualidade da prestação jurisdicional executiva.

A realidade mostrou que muitas vezes a prática de atos materiais executivos é dificultada em virtude de tal vinculação, mostrando-se muito mais lógico e eficaz permitir que o processo executivo seja proposto no local onde se encontram os bens que servirão de garantia ao pagamento do crédito exequendo, no local em que se encontra a coisa objeto da execução, ou, ainda, no local em que a obrigação de fazer deva ser cumprida. Tratando-se o processo de execução de processo desenvolvido basicamente pela prática de atos materiais que buscam a satisfação do direito do demandante, o ideal seria que a sua competência fosse do foro do local em que tais atos deveriam ser praticados.

Sensível a essa realidade, o legislador, apesar de manter a regra de que o juízo competente para a execução da sentença é aquele que a formou, criou com a Lei 11.232/2005 uma regra de competência concorrente entre esse juízo, o foro onde se encontrem bens sujeitos às contrições judiciais e, ainda, o foro do atual domicílio do executado. A modificação deve ser aplaudida, porque a natureza absoluta da competência do juízo que formou o título nunca foi garantia de qualidade da prestação jurisdicional, o que, na realidade, somente pode ser determinado numa análise do caso concreto, em especial à luz das facilidades ao exequente na busca da satisfação do seu direito7.

Entendo que a partir do advento do art. 475-P, II, parágrafo único, do CPC, a competência para o cumprimento de sentença passou a ter natureza relativa, até porque o exequente terá a liberdade de escolher entre diferentes foros competentes, o que dificilmente se adéqua a uma regra de competência absoluta funcional. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já teve a oportunidade de afirmar ser a competência absoluta, de natureza funcional, como se nenhuma alteração tivesse ocorrido no sistema8.

Registre-se, por fim, que a nova regra que cria os foros concorrentes generaliza algo que, mesmo antes dela, já ocorria como forma pacífica de exceção à regra da perpetuatio jurisdictionis: execução de alimentos, na qual a jurisprudência se posiciona no sentido de priorizar o disposto no art. 100, II, do CPC, em detrimento do previsto pelo art. 575, II, do CPC.

37.1.3.2. Trâmite dos autos entre diferentes juízos

Segundo o art. 475-P, parágrafo único, do CPC, na hipótese de o demandante optar por outro juízo que não o atual, no qual foi formado o título executivo, deverá requerer de forma fundamentada a remessa dos autos ao novo juízo. Embora a norma legal seja omissa a esse respeito, a fundamentação é exigida para que o juízo no qual foi protocolado o requerimento analise a efetiva ocorrência de uma das causas previstas em lei para afastar a competência do juízo que formou o título executivo – novo domicílio do executado ou local de seus bens –, condição essencial para ser aceito o pedido do exequente. A exceção, afinal, não é ampla, não dependendo somente da vontade do demandante, sendo preciso o preenchimento dos requisitos legais9.

Já defendi anteriormente o entendimento de que o legislador optou pelo ingresso do requerimento inicial já no novo juízo, em tese, o foro do local do novo domicílio do executado ou do local em que tenha bens, cabendo a esse novo juízo determinar ao juízo de origem os autos principais10. O entendimento, entretanto, não é pacífico, havendo corrente doutrinária que defende que o autor deve peticionar no juízo em que se formou o título, que será o responsável pelo envio dos autos ao novo juízo11, sendo esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça12. Após alguma meditação e diante das maiores facilidades na praxe forense sentidas pela adoção do segundo entendimento, estou inclinado a rever meu posicionamento originário.

Será admitido ao demandado, uma vez intimado no novo juízo escolhido pelo demandante, alegar a incompetência do juízo, demonstrando a impropriedade da escolha. O mérito de tal alegação será composto pela questão do preenchimento ou não dos requisitos legais previstos pelo art. 475-P, parágrafo único, do CPC. Não obstante se trate de competência territorial, não parece que nesse caso seja necessário ao executado o ingresso de exceção de incompetência, bastando para tanto uma mera petição ou a alegação em sua própria impugnação13. Esse entendimento é a consequência natural do já exposto, não havendo sentido em defender o caráter preclusivo de uma exceção de incompetência enquanto se permite o reconhecimento da incompetência de ofício. Como conclusão, a competência é territorial, mas o seu controle deve ser feito à luz do princípio da perpetuatio jurisdictionis, instituto de ordem pública que só pode ser excepcionado nos estreitos limites do art. 475-P, parágrafo único, do CPC, o que permitirá o controle oficioso da competência e a dispensa de forma específica para a sua alegação pelo executado.

37.1.3.3. A regra do art. 475-P, II, do CPC e a perpetuatio jurisdictionis

A vinculação entre o juízo da fase procedimental de conhecimento ao da satisfação do direito deve ser analisada à luz do princípio consagrado pelo art. 87 do CPC, da perpetuatio jurisdictionis, que trata das regras para a perpetuação da competência, e não propriamente da jurisdição, conforme analisado no Capítulo 4, item 4.9. Significa dizer que as modificações de fato e de direito não influenciam, em regra, a competência para o processo executivo/cumprimento de sentença. Esse princípio, entretanto, é excepcionado pelo novo dispositivo que prevê um foro concorrente para a execução de sentença condenatória, porque nesse caso uma mera modificação de fato, p. ex., a mudança de endereço do demandado, já será suficiente, aliada à vontade do exequente, de modificar o juízo competente para a continuidade do processo14. E o que é ainda mais interessante: admitir-se-á uma mudança da competência territorial por mero ato de vontade do autor, independentemente de qualquer modificação superveniente de fato e/ou direito.

Peter ingressou com processo de conhecimento contra Aline, domiciliada em São Paulo, na Comarca de São Sebastião, e não tendo sido excepcionado o juízo, a 1.ª Vara Cível de São Sebastião sentenciou a demanda condenando Aline ao pagamento de R$ 10.000,00. Sabendo Peter que Aline continua domiciliada em São Paulo, e que tem bens em São Caetano do Sul, poderá executar a sentença em qualquer uma dessas Comarcas, ainda que desde o momento do ingresso da demanda Aline não tenha alterado seu domicílio nem o local em que se encontram seus bens. A simples vontade de Peter é suficiente para afastar o princípio da perpetuatio jurisdictionis.

Admitindo-se o afastamento da regra do art. 87 do CPC, é preciso responder a uma pergunta: é permitida a modificação de competência durante a fase de cumprimento da sentença, verificada uma das causas previstas pelo dispositivo legal ora comentado, ou uma vez iniciada tal fase procedimental volta-se a aplicar a regra da perpetuatio jurisdictionis? Parece que a exceção prevista pelo artigo legal somente se aplica para o momento em que o demandante opta pelo foro competente para a fase do cumprimento da sentença, fixando-se a competência no juízo escolhido e passando, a partir desse momento, a ser irrelevante uma modificação de fato ou de direito que altera a regra de competência fixada para o caso concreto. Dessa forma, caso o executado mude o seu endereço durante a fase de satisfação da sentença, ou adquira bens em local diverso do qual tramita o processo, tais mudanças não serão aptas a modificar novamente a competência do processo15.

Além das exceções legais previstas pelo art. 475-P, III, do CPC, haverá outras hipóteses nas quais poder-se-ão admitir alterações na vinculação prevista pelo art. 475-P, II, do CPC, em virtude da ocorrência de alguma circunstância superveniente que também tenha natureza de ordem pública, em especial se determinar uma nova competência absoluta para a fase de execução, diversa daquela apontada pelo artigo ora enfrentado. É a hipótese, por exemplo, do ingresso dos entes federais na fase do cumprimento da sentença do processo, que passará obrigatoriamente a tramitar perante a Justiça Federal, ou mesmo a exclusão superveniente de um desses entes, que fez parte do processo durante a fase de conhecimento, mas não da fase de cumprimento da sentença, como no caso de litisconsórcio entre a União e o particular, tendo sido condenado somente o particular. No primeiro caso, mesmo o processo durante a sua fase de conhecimento tendo tramitado na Justiça Estadual, a fase de satisfação do direito será de competência da Justiça Federal, enquanto no segundo se dará o contrário16.

37.1.4. Competência para a fase de satisfação de sentença arbitral, decisão homologatória de sentença estrangeira e sentença penal condenatória

O legislador, por meio da Lei 11.232/2005, perdeu uma ótima oportunidade para melhorar a redação da regra de competência para os títulos executivos descritos no art. 475-P, III, do CPC. Afirmar que a competência será do juízo cível competente para a execução não é suficiente para determinar a competência de coisa alguma. Melhor teria sido se tornasse expresso o entendimento doutrinário já arraigado no sentido de que nesses casos será competente o juízo cível que seria o competente para conhecer o processo de conhecimento se não existisse título executivo. É certo que o autor, em regra, não terá interesse de agir na propositura de um processo de conhecimento nesse caso, porque já tem em seu poder um título executivo judicial, mas a determinação da competência dessa demanda que não existirá será necessária para indicar a competência para a execução dos títulos previstos no art. 475-P, III, do CPC.

A arbitragem constitui a maior manifestação de disponibilidade de direitos em nosso ordenamento jurídico, considerando-se que as partes abrem mão da promessa constitucional de inafastabilidade da tutela jurisdicional para solucionar os seus conflitos em seara diversa da judicial. Não seria lógico, portanto, exigir que na execução da sentença arbitral sejam as partes obrigadas a seguir regras de competência sem qualquer influência de suas vontades sobre tal fixação. Se podem até mesmo dispensar a intervenção do Poder Judiciário, evidentemente que devem ter ampla liberdade para fixar a competência da execução da sentença arbitral.

Em decorrência do raciocínio desenvolvido acima, é fácil concluir que a competência para a execução da sentença arbitral será sempre relativa, podendo, portanto, ser modificada pelas hipóteses de prorrogação de competência já estudadas, com especial ênfase nesse caso para a cláusula eletiva do foro, que invariavelmente fará parte do compromisso arbitral ou da cláusula compromissória. Dessa forma, e na ausência de qualquer norma expressa no sentido de fixar a competência nesse caso, deve-se aplicar a regra prevista para os títulos executivos extrajudiciais: será competente o juízo que seria o competente para conhecer do processo de conhecimento que não existirá, por desnecessário17.

O título executivo previsto pelo art. 475-N, II, do CPC (sentença penal condenatória transitada em julgado) naturalmente não poderia seguir a regra do art. 475-P, II, do CPC, considerando-se que o processo no qual o título foi formado tramitou em vara criminal, que não é o órgão jurisdicional competente para a execução civil de tal título executivo. Dessa forma, deve-se buscar a fixação de um juízo cível para executar a sentença penal condenatória transitada em julgado. Basta, para tanto, fazer um exercício de abstração, imaginando-se qual seria o juízo competente na hipótese de necessidade do processo de conhecimento para a formação do título, sendo esse juízo o competente para executar o título constituído na esfera criminal18. Essa regra será igualmente aplicada ao processo de liquidação precedente ao processo executivo.

Não se pode confundir a competência da Justiça Federal com a da Justiça Estadual nas esferas penal e cível, em razão de suas significativas e naturais diferenças. Dessa forma, ainda que a sentença penal tenha sido proferida perante a Justiça Federal, a execução civil de tal sentença só será mantida em tal Justiça se presente no caso concreto uma das hipóteses previstas pelo art. 109 da CF. Em regra, portanto, até mesmo pela competência residual da Justiça Estadual, o processo de execução civil da sentença penal, mesmo que proferida em vara federal, será de competência da Justiça Estadual19. Quanto à competência territorial, me parece que deve ser aplicada a regra do forum comissi delictio (art. 100, V, parágrafo único, do CPC), havendo concorrência entre o foro do local em que foi cometido o ilícito e o foro do domicílio do exequente.

A sentença estrangeira, para que tenha eficácia em território nacional, deve passar por um processo de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça, não sendo dele, entretanto, a competência para executá-la, conforme dispõe o art. 109, X, da CF, que atribui a competência para a Justiça Federal de primeiro grau. Dessa forma, inaplicável a tal espécie de título executivo a regra funcional prevista no art. 475-P, II, do CPC. A competência para a execução desse título, conforme estipulação do art. 484 do CPC, seguirá as “regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza”. Registre-se que a mesma regra se aplica à sentença arbitral estrangeira.

Entendo, nesse caso, que a competência para a execução da homologação da sentença estrangeira segue as regras do art. 475-P, III, do CPC, já que é essa a regra de competência aplicável à sentença nacional de mesma natureza. Dessa forma, como é impossível atribuir competência para o juízo que formou o título – já que a competência para a execução é da Justiça Federal de primeiro grau, tendo sido o título formado no Superior Tribunal de Justiça –, o exequente deve optar entre o foro de domicílio do executado e o foro no qual se encontram seus bens.

A competência para o cumprimento de sentença vem prevista no art. 530 do PLNCPC, que traz algumas inovações quando comparado com o art. 475-P do CPC/1973. As regras estabelecidas nos três incisos do dispositivo mantêm basicamente a redação anterior, apenas incluindo o acórdão proferido pelo tribunal marítimo no rol de títulos executivos judiciais no inciso III. E inclui-se entre os foros concorrentes do parágrafo único o local onde deve ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.

Quanto ao acórdão proferido pelo tribunal marítimo, entendo que a definição da competência no caso concreto seguirá a técnica já adotada para a sentença penal condenatória transitada em julgado e a sentença arbitral. Num juízo de abstração finge-se que não existe título executivo, sendo necessária a propositura de um processo de conhecimento para sua formação; a competência para esse processo, que nunca existirá por falta de interesse de agir, será utilizada para definir a competência para a execução de tais títulos executivos judiciais.

A inclusão do foro do local em que deve ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer entre aqueles que podem ser escolhidos pelo exequente no cumprimento de sentença deve ser elogiada. Afinal, o foro do local dos bens do executado, previsto no art. 475-P, parágrafo único, do CPC/1973 e mantido no art. 530, parágrafo único do PLNCPC, só interessa às execuções de pagar quantia certa.

Em adequada correção, o inciso II do artigo passa a prever a competência do juízo que julgou a causa, e não mais do juízo que a processou, como previsto no mesmo inciso do art. 475-P do CPC, acolhendo crítica ao texto anterior.

37.2. COMPETÊNCIA DA EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL

O art. 576 do CPC determina que a competência para a execução de título extrajudicial seguirá as regras do processo de conhecimento (Livro I, Título IV, Capítulos II e III, do CPC). As regras de competência internacional seguem basicamente o disposto nos arts. 88 e 89 do CPC, apenas excluindo-se – por incompatível com o processo executivo – o disposto no art. 88, III, do CPC (“a ação que se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil”), entendendo a melhor doutrina que tal dispositivo diz respeito à ação cognitiva, que não existe nas hipóteses de títulos executivos extrajudiciais20.

Quanto à competência interna, a competência de jurisdição segue as considerações já feitas, enquanto na competência de foro não há qualquer atipicidade ao processo de execução digna de nota. A significativa variedade dos títulos executivos extrajudiciais, que têm como objeto diferentes e heterogêneos direitos e obrigações, impossibilita uma construção segura de regra de competência de foro, que deverá ser analisada no caso concreto. Apesar dessa diversidade, a doutrina aponta para uma regra de competência que poderá ser aplicada no mais das vezes:

(1.º) foro de eleição;

(2.º) foro do local do cumprimento da obrigação (forum destinatae solutionis); e

(3.º) foro do domicílio do executado.

Havendo eleição de foro, estará fixada a competência; em hipótese em que não exista tal acordo, a competência será do local do cumprimento da obrigação e, finalmente, se não for indicado no título tal local, a competência será do local do domicílio do executado (foro geral – art. 94 do CPC).

O PLNCPC inova no tema da competência executiva a regular expressamente a matéria quanto ao processo de execução nos arts. 797 e 798, ainda que repita várias daquelas regras dispostas na parte destinada a prever as regras gerais de competência do Código (arts. 42-53).

Segundo o art. 797, I, do PLNCPC, a execução será proposta no foro do domicílio do executado, de eleição constante em cláusula no título ou de situação dos bens sujeitos à execução. Há competência concorrente apenas entre o foro do domicílio do réu e o da situação dos bens, considerando-se que, havendo cláusula de eleição de foro no título executivo extrajudicial, este prevalece sobre os demais, independentemente da vontade do exequente.

No art. 797, II, repete-se a regra geral consagrada no art. 46, § 1.º, para a hipótese de pluralidade de demandados (executados): o domicílio de qualquer um deles é foro competente à escolha do exequente, em típico caso de competência concorrente. O mesmo ocorre com o art. 797, III, ao repetir a regra do art. 46, § 2.º, no sentido de, sendo incerto ou desconhecido o domicílio do demandado (executado), a ação (execução) poder ser proposta no lugar onde for encontrado ou no foro do domicílio do demandante (exequente). E o art. 797, IV, repete a regra disposta no art. 46, § 4.º, prevendo que, havendo dois ou mais demandados (executados), serão demandados no foro de qualquer deles à escolha do demandante (exequente).

Há novidade no inciso V do art. 797, ao prever a competência do foro do lugar em que se praticou o ato ou ocorreu o fato que deu origem ao título, independentemente de o executado não mais residir no local.

No tocante à competência específica da execução de títulos de crédito, a existência de protesto não tem o condão de modificar a regra de competência, considerando-se o protesto como mera providência de natureza administrativa21. Existe dissenso doutrinário a respeito da competência para a execução hipotecária, parecendo ser o melhor entendimento o que aponta para as aplicações das regras gerais já analisadas, e não a competência absoluta do foro do local do imóvel hipotecado. Deve-se recordar que a demanda executiva nesse caso é pessoal, tendo como objeto uma obrigação de pagar quantia certa, servindo o bem hipotecado tão somente como garantia à satisfação do direito de crédito22. Há, inclusive, posicionamento do Superior Tribunal de Justiça de que mesmo havendo cláusula de eleição de foro em relação consumerista, caberá ao juiz anular a cláusula e determinar a remessa da execução hipotecária para o domicílio do executado23, o que demonstra não ser o foro do local do imóvel absolutamente competente para a execução.

37.3. COMPETÊNCIA NO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA CIVIL

O art. 109, I, da CF prevê que nas demandas de falência, ainda que presentes os entes federais descritos por tal dispositivo legal, a competência será da Justiça Comum. Não há qualquer indicação quanto ao processo de insolvência civil, mas, considerando a relação extrema de similaridade entre essa demanda com a demanda de falência, a melhor doutrina e também a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidaram o entendimento de que o processo de insolvência civil sempre terá seu trâmite perante a Justiça Estadual24.

No tocante à competência territorial, o art. 760 do CPC indica expressamente o domicílio do devedor para o caso de a declaração de insolvência ser postulada pelo próprio devedor ou seu espólio. Apesar da omissão do dispositivo legal, será a mesma regra aplicada ao pedido de insolvência proposto pelo credor. Trata-se de competência relativa, admitindo-se, portanto, prorrogação. A situação de mais de um processo de insolvência civil, proposto por diferentes credores, cria situação de conexão, resolvendo-se pelo fenômeno da prevenção do juízo, conforme já estudado anteriormente.

1 Neves, Competência, p. 237.

2 Nery-Nery, Código, p. 759.

3 Neves, Competência, p. 237; Dinamarco, Execução, p. 210-211; Zavascki, Processo, p. 123-124. Araken de Assis, Manual, n. 81.1, p. 351.

4 Zavascki, Processo, p. 125; Fux, Curso, p. 1.303.

5 Nery-Nery, Código, p. 759; Araken de Assis, Manual, n. 81.2., p. 351.

6 Dinamarco, Execução, p. 207-208; Zavascki, Processo, p. 127-128; Fux, Curso, p. 1.303.

7 Araken de Assis, Manual, n. 81.2, pp. 352-353; Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 193; Scarpinella Bueno, A nova 2, p. 165.

8 STJ, 1.ª Seção, CC 62.083/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 24.06.2009, DJe 03.08.2009.

9 Scarpinella Bueno, A nova 2, p. 165.

10 Neves, Reforma, p. 275; Araken de Assis, Manual, n. 81.2, p. 353; Nery-Nery, Código, p. 760; Wambier-Wambier-Medina, Breves 2, p. 193.

11 Scarpinella Bueno, A nova 2, p. 164; Câmara, Lições, v. 3, p. 152.

12 STJ, 2.ª Seção, CC 101.138/DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16.02.2009, DJe 04.03.2009.

13 Contra, pelo cabimento de exceção de incompetência, Araken de Assis, Cumprimento, p. 189-190.

14 Oliveira Neto, Novas, p. 198.

15 Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 493. Contra, Scarpinella Bueno, A nova, p. 166.

16 Zavascki, Processo, p. 128-130; Didier-Braga-Oliveira, Curso, p. 494-495.

17 Zavascki, Processo, p. 132; Theodoro Jr., Processo, p. 529, p. 619; Greco, O processo, n. 5.6, p. 388.

18 Greco, O processo, n. 5.7, p. 389; Pizzol, A competência, p. 439; Theodoro Jr., Processo, n. 530, p. 619.

19 Zavascki, Processo, n. 132; Dinamarco, Instituições, n. 1.373, p. 104; Araken de Assis, Manual, n. 81.4, p. 354.

20 Dinamarco, Execução, p. 217; Zavascki, Processo, p. 134.

21 STJ, 3.ª Turma, REsp 782.384/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14.12.2006, DJ 19.03.2007, p. 333; Zavascki, Processo, p. 137-138.

22 Zavascki, Processo, p. 138; Dinamarco, Instituições, n. 1.380, p. 112. Contra, Araken de Assis, Manual, n. 82.1., p. 356; Greco, O processo, n. 5.9, p. 392.

23 STJ, 4.ª Turma, AgRg no Ag 465.114/DF, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 20.02.2003, DJ 31.03.2003, p. 232. Consultar também Informativo 464/STJ, 3.ª Turma, REsp. 1.048.937/PB, rel. Min. Massami Uyeda, j. 22.02.2011.

24 Dinamarco, Execução, p. 231-232; Zavascki, Processo, p. 139-140.