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Sumário: 42.1. Introdução – 42.2. Aspectos procedimentais – 42.3. Tutela específica e conversão em perdas e danos: 42.3.1. Vontade do exequente; 42.3.2. Impossibilidade de obtenção da tutela específica ou resultado prático equivalente; 42.3.3. Procedimento da conversão em perdas e danos – 42.4. Atipicidade das formas executivas: 42.4.1. Prisão civil – 42.5. Multa coercitiva: 42.5.1. Introdução; 42.5.2. Valor da multa; 42.5.3. Beneficiado pela multa; 42.5.4. Fazenda Pública em juízo; 42.5.5. Alteração do valor e periodicidade da multa; 42.5.6. Exigibilidade da multa; 42.5.7. Termo inicial da multa e intimação do devedor.
Segundo a previsão do art. 475-I do CPC, o cumprimento de sentença far-se-á conforme o art. 461 do CPC quando o objeto da condenação for uma obrigação de fazer ou não fazer. Segundo o art. 644 do CPC, as regras que regulamentam o procedimento do processo de execução de título executivo extrajudicial que tenha como conteúdo essa espécie de obrigação só são aplicáveis à execução da sentença (na realidade de qualquer título executivo judicial) subsidiariamente, sendo o procedimento determinado pelo art. 461 do CPC.
É interessante notar que o art. 461 do CPC não prevê um procedimento executivo para o cumprimento da sentença, limitando-se – além de outras questões não referentes à execução da sentença – a prever os meios materiais à disposição do juízo para efetivar o direito do credor1. Apesar de o art. 644 do CPC prever a aplicação subsidiária das regras do procedimento do processo de execução, o melhor entendimento é de que essas regras procedimentais só devem ser aplicadas no cumprimento de sentença naquilo que não contrariem a efetividade pretendida pelo legislador. Trata-se de tutela diferenciada, conforme analisado no Capítulo 1, item 1.8.4.
Havendo sentença condenatória em obrigação de fazer e não fazer ainda não transitada em julgado, eventual execução provisória dependerá de requerimento expresso do demandante, considerando-se que a execução provisória é uma mera faculdade do credor. Com o trânsito em julgado, entretanto, parece mais adequado o entendimento de que o juiz pode dar início de ofício ao cumprimento de sentença, determinando as medidas executivas que entender necessárias à satisfação do direito do credor, em aplicação da regra do impulso oficial2.
Na hipótese de manifestação do demandante pleiteando o início da fase de cumprimento de sentença, basta um mero requerimento com os dados mínimos para que o juiz compreenda a sua pretensão. A petição inicial é dispensável porque não se está criando um novo processo, mas somente dando-se início a uma fase procedimental de satisfação do direito já reconhecido em sentença.
Convém ao juiz determinar um prazo para que a obrigação seja cumprida, levando em conta as particularidades do caso concreto, em especial a complexidade da obrigação. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir que, em respeito ao princípio da coisa julgada material, uma vez tendo sido estabelecido o prazo para o cumprimento da obrigação na sentença condenatória transitada em julgado, não se admitirá a alteração desse prazo no momento do cumprimento de sentença.
Não resta dúvida de que determinando um prazo para o cumprimento da obrigação caberá a intimação do devedor, havendo divergência doutrinária a respeito da forma dessa intimação. Apesar de a obrigação ser da parte e não de seu patrono, e de o ato de cumprir a obrigação não ser um ato postulatório, entendo possível a intimação do devedor na pessoa do advogado3, pelas mesmas razões que defendo essa possibilidade no cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa, expostas no Capítulo 44, item 44.2.
Havendo aplicação da multa coercitiva, o entendimento já exposto no Capítulo 34, item 34.3 é de que a eficácia dessa medida depende da intimação pessoal do devedor.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que não cabem embargos à execução no cumprimento de sentença de obrigação de fazer, ainda que essa interpretação possa ser criticada à luz da aplicação subsidiária sugerida pelo art. 644 do CPC. Mas não admitir os embargos à execução não significa impedir a manifestação do executado, o que seria inviável à luz do princípio do contraditório. Admite-se, portanto, a apresentação de defesa por meio de mera petição exposta de forma incidental, inclusive quando o executado for a Fazenda Pública4. No eventual ingresso dos embargos à execução caberá ao juiz, em aplicação do princípio da fungibilidade, receber a petição inicial como mera petição, a ser autuada nos próprios autos principais5.
Não se duvida de que a tutela específica tenha mais qualidade do que a tutela pelo equivalente em dinheiro, apontando a melhor doutrina que a execução é tão bem sucedida quando entregar ao credor exatamente o que o cumprimento voluntário da obrigação lhe entregaria. Todas as formas executivas previstas exemplificativamente no art. 461, § 5.º, do CPC se prestam justamente para instrumentalizar a obtenção da tutela específica.
Ocorre, entretanto, que a tutela específica nem sempre é obtida no caso concreto, sendo possível a obrigação de fazer e não fazer ser convertida em prestação pecuniária quando essa for a vontade do exequente ou pela impossibilidade material ou jurídica de obtenção da tutela específica (art. 461, § 1.º, do CPC). Apesar de existir opinião doutrinária no sentido de que a conversão também se justifica quando a tutela específica se mostra excessivamente onerosa6, entendo que essa não é uma das justificativas para o sacrifício da tutela específica no caso concreto. A onerosidade será resultante da própria natureza da obrigação, e, sendo a vontade do credor de que seja efetivada a tutela específica, basta ser possível o cumprimento para não se justificar a conversão a perdas e danos.
Esse ideal do legislador de melhor qualidade na prestação jurisdicional invariavelmente converge com a própria vontade do exequente, que, uma vez em juízo para obter a satisfação de uma obrigação de fazer ou de não fazer, verá com bons olhos as medidas adotadas pelo juiz, ainda que de ofício, almejando que o ato seja feito ou deixe de ser feito. O que se afirma, até com ares de obviedade, é que o resultado eficaz da execução, entregando ao exequente exatamente aquilo que receberia se não precisasse do processo, além de fonte de prestígio ao Poder Judiciário, será também fonte de plena satisfação do próprio exequente. Significa dizer que, ao menos em regra, há uma identidade entre a boa prestação jurisdicional, entendida como a entrega da tutela específica, e a pretensão do exequente.
Ocorre, entretanto, que o exequente pode preferir a prestação pecuniária, ainda que a obtenção da tutela específica seja concretamente alcançável. Nessa hipótese, ter-se-á de um lado o autor abrindo mão da melhor tutela jurisdicional possível a ser obtida naquele processo e se contentando com uma satisfação subsidiária (já que distante de seu direito material), e de outro o juiz ciente de que poderia, ainda que agindo de ofício, entregar ao credor exatamente aquilo que está representado no título executivo.
Tratando-se de direito disponível, entendo que a mera vontade do exequente vincula o juiz, ainda que em sacrifício da melhor qualidade da prestação jurisdicional que poderia ser obtida no caso concreto7. Se o direito discutido é disponível, podendo o autor abrir mão dele a qualquer momento, sem nenhuma interferência do juiz, seria absurdo prestigiar a atuação oficiosa do juiz em detrimento de sua vontade. Não é correta a doutrina que exige resistência à pretensão do exequente durante a execução para que se admita a conversão pela vontade do exequente8, ou ainda a necessidade de concessão de uma última chance ao devedor por meio de sua intimação para cumprir a prestação9. Se já existem as condições para o cumprimento de sentença, é porque não houve o cumprimento voluntário, ou seja, já houve resistência do devedor e o consequente inadimplemento.
Basta para chegar a essa conclusão o princípio da disponibilidade da execução, consagrado no art. 569, caput, do CPC, que admite a desistência do credor de algumas medidas executivas, mantendo-se a execução. Sendo a satisfação da tutela específica obtida somente por meio da realização no caso concreto das medidas de execução forçada e indireta que se encontram à disposição do juiz, caso o exequente não deseje mais essa espécie de tutela, basta desistir de tais medidas, tornando a conversão em perdas e danos a única forma viável de prosseguimento da execução.
Tratando-se de direito indisponível, a mera vontade do autor não será suficiente, admitindo-se a conversão em perdas e danos somente quando a tutela específica tornar-se impossível. Fala-se, nesse caso, de indisponibilidade do resultado específico10, como ocorre nas execuções coletivas. É importante ressaltar, entretanto, que mesmo tratando-se de direito indisponível, a vontade do exequente continua a ser determinante no tocante aos meios executivos, desde que a opção não frustre a tutela específica passível de obtenção no caso concreto. Tome-se como exemplo a execução de alimentos, na qual o exequente pode optar entre a penhora e a prisão civil, porque em ambas o direito de crédito tutelado é pretensamente passível de satisfação.
A impossibilidade material afeta a pessoa do devedor na hipótese de obrigação de fazer infungível, de forma que fisicamente torna-se impossível o cumprimento da obrigação. Basta imaginar a morte do devedor ou a perda da habilidade específica que determinou a contratação do devedor, como na hipótese de um professor que tenha perdido a voz. Como é analisado no Capítulo 34, item 34.3, também quando se nota uma inviabilidade de convencer o executado a cumprir essa espécie de obrigação haverá uma impossibilidade material de obtenção da tutela específica. A diferença é que na primeira hipótese a conversão em perdas e danos é automática, e na segunda resulta da frustração dos meios de pressão psicológica adotados no caso concreto.
Entendo que essa espécie de impedimento não atinge, ao menos em regra, a obrigação de fazer fungível, sendo sempre possível a obtenção da tutela específica pelo cumprimento da obrigação por terceiro. Somente no caso de demonstração objetiva de perda de interesse do exequente na tutela específica haverá uma espécie de impossibilidade material derivada da inutilidade que a tutela específica geraria nesse caso11.
Marina contratou uma empresa de iluminação que lhe forneceria seus serviços para uma festa de aniversário que ela promoveu no jardim de sua casa. Tendo ocorrido a festa e não tendo sido prestado o serviço, naturalmente não há qualquer sentido prático na execução da obrigação de fazer, até porque depois da festa a iluminação, apesar de possível, tornou-se inútil.
A impossibilidade jurídica deriva de alguma regra de direito que torna inviável o cumprimento da obrigação de fazer, como uma regra que, garantindo a inviolabilidade profissional, proíba o devedor da prática de determinado ato. Nesse caso materialmente será possível e provavelmente útil ao exequente a tutela específica, mas norma jurídica impedirá a execução dessa forma.
Sendo a conversão fruto da vontade do exequente, basta uma mera petição informando o juízo para que se passe à fixação do valor das perdas e danos, o que será feito por meio de liquidação de sentença incidental. Como defendo que a mera vontade do exequente já é suficiente para legitimar a conversão da obrigação em perdas e danos, não há necessidade de intimação do executado para a decisão sobre o pedido de conversão, até mesmo porque a oitiva seria inútil, considerando-se que o juiz está vinculado ao pedido do exequente.
Na hipótese de impossibilidade de obtenção da tutela específica ou de resultado prático equivalente, qualquer das partes poderá pedir ao juiz a conversão em perdas e danos, ainda que nesse caso o interesse maior seja do exequente. O executado poderá, entretanto, fazer tal pedido para justificar a inaplicabilidade de uma medida de coerção psicológica, tal como as astreintes. Havendo pedido de uma das partes, o juiz, em respeito ao contraditório, intimará a parte contrária para manifestação no prazo de cinco dias, proferindo sua decisão. O próprio juiz poderá determinar a conversão de ofício se entender pela impossibilidade da obtenção da tutela específica ou de resultado prático equivalente, mas nem por isso justifica-se o sacrifício ao contraditório, devendo intimar as partes para manifestação no prazo comum de cinco dias antes de proferir a decisão.
A decisão que defere o pedido ou determina de ofício a conversão em perdas e danos tem natureza interlocutória, sendo recorrível por agravo de instrumento. Na liquidação incidental, por arbitramento ou por artigos, a depender do caso concreto, além de todos os prejuízos advindos ao exequente pelo não cumprimento da obrigação por tutela específica, também se calculará o valor da multa fixada para pressionar o executado a cumprir a obrigação (art. 461, § 2.º, do CPC), sempre que tiver sido aplicada pelo juiz. A decisão judicial que fixa o quantum debeatur é título executivo judicial, seguindo-se a ela a execução de obrigação de pagar quantia certa pelo procedimento do cumprimento de sentença12.
Prevê o art. 461, § 5.º, do CPC que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento do exequente, determinar as medidas necessárias para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, enumerando exemplificativamente a aplicação de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
A doutrina é tranquila no entendimento de que o rol de formas executivas previsto pelo dispositivo legal é exemplificativo13, o que é corroborado pela utilização da expressão “tais como” antes da descrição específica das formas executivas constantes do texto legal14. Essa interpretação é a única possível à luz da preocupação em municiar o juiz de todos os instrumentos necessários para que a tutela específica ou o resultado prático equivalente sejam efetivamente obtidos no caso concreto.
Esse amplo poder concedido ao juiz na execução da obrigação de fazer e não fazer evidentemente não é irrestrito ou incondicionado, cabendo na aplicação das medidas executivas sempre levar o juiz em consideração o princípio da razoabilidade e da menor onerosidade ao executado (art. 620 do CPC)15. Ainda que a efetivação da tutela seja desejada pelo sistema e o juiz tenha liberdade em sua atuação prática para que isso ocorra, é natural que as medidas não sejam adotadas sem preocupação com as garantias básicas do executado.
Admitindo o entendimento de não compor as medidas previstas no art. 461, § 5.º, do CPC um rol exaustivo, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento pela admissão de bloqueio de verbas públicas para efetivar a execução de uma ordem de fornecimento de medicamento, considerando que a proteção constitucional à saúde, à vida e à dignidade humana prevalece sobre os princípios de direito financeiro e administrativo16.
A doutrina aponta a intervenção judicial para a realização de atividades específicas que incumbia à sociedade realizar prevista na Lei Antitruste (Lei 12.529/2011) como forma de execução para a efetivação de tutela de obrigação de fazer e não fazer não prevista no rol do art. 461, § 5.º, do CPC17. Na realidade, não só em questões tuteladas pela Lei Antitruste permite-se a nomeação de fiscal ou interventor para fazer ou não fazer aquilo a que a sociedade-devedora estaria obrigada18, bastando imaginar a relevância dessa medida numa demanda na qual se busca evitar o sacrifício do meio ambiente saudável.
Tanto as medidas de execução indireta como por sub-rogação podem ser adotadas pelo juiz no caso concreto para a efetivação da tutela executiva de fazer e não fazer, sendo a principal forma de execução indireta a multa coercitiva, que em razão da inegável posição de destaque também é prevista e regulada pelo art. 461, §§ 4.º e 6.º, do CPC. A prisão civil é outra forma tradicionalmente lembrada de execução indireta, mas essa forma de pressão psicológica está restrita ao devedor de alimentos, que sabidamente não tem uma obrigação de fazer ou não fazer, mas de pagar quantia certa.
Parcela da doutrina defende que na interpretação do art. 5.º, LXVII, da CF – que excepciona a prisão civil por dívida – não há vedação para a prisão civil como meio de coerção psicológica, considerando-se que, ao qualificar a espécie de prisão civil que estaria proibida, a Constituição Federal não vedou expressamente outras espécies de prisão civil19. Para fundamentar esse entendimento, o termo “dívida” utilizado no dispositivo constitucional deve ser entendido como “obrigação de pagar quantia certa”, de forma que a prisão civil poderia ser utilizada como forma de pressão psicológica no adimplemento de outras espécies de obrigação, como a de fazer e não fazer20.
A tese é rejeitada por parcela considerável da doutrina, que interpreta o termo “dívida” constante do texto constitucional como inadimplemento de qualquer espécie de obrigação, inclusive de fazer e não fazer21, tese corroborada pelo recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal de que não cabe prisão civil do depositário infiel. Interessante notar que alguns doutrinadores, apesar de concordarem com a interpretação mais ampla dada ao termo “dívida” – qualquer espécie de obrigação –, entendem que a Constituição Federal veda a prisão que tem origem em dívida, ou seja, estabelecida para cumprimento de liame obrigacional, não afetando a multa prevista para o cumprimento de ordem judicial, que não tem caráter obrigacional, derivando do imperium estatal22.
Salvo na hipótese de dívida alimentar inescusável, a tese da prisão civil como forma de execução indireta não vem sendo aceita na praxe forense, o que tem levado alguns juízes a determinar a prisão em flagrante do devedor pelo crime de desobediência, forma de prisão-sanção que não se confunde com a execução indireta. Registre-se, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacificado de que não cabe ao juízo cível a decretação dessa prisão, devendo oficiar o Ministério Público para que tome as providências devidas23.
Interessante lembrar que já houve tentativa de incluir em texto legal a prisão civil como forma de contempt of court, com a inclusão de um § 2.º ao art. 14 do CPC, que determinaria a prisão civil da parte que reiterasse o descumprimento de ordem judicial por não mais do que 30 dias24. A tentativa foi frustrada e a Lei 10.358/2001 incluiu no sistema somente a multa de até 20% do valor da causa na hipótese de ato atentatório à dignidade da jurisdição, previsto no art. 14, V e parágrafo único, do CPC.
Apesar de não existir uma gradação entre as medidas executivas à disposição do juízo para efetivar a tutela das obriações de fazer e não fazer, a multa como forma de pressionar o executado a cumprir sua obrigação parece ter merecido posição de destaque, sendo também medida de extrema frequência na praxe forense. A valorização da multa pode ser percebida pela expressa menção a ela feita pela lei nos §§ 4.º, 5.º e 6.º do art. 461 do CPC.
Aduz o art. 461, § 4.º, do CPC que o juiz poderá, inclusive de ofício, impor multa diária ao réu, enquanto o art. 461, § 5.º, do CPC prevê a aplicação da multa por tempo de atraso, sem nenhuma indicação da periodicidade. O art. 461, § 6.º, do CPC menciona a possibilidade de alteração do valor e/ou da periodicidade. Apesar de ser a periodicidade diária a mais frequente na aplicação da multa coercitiva, o juiz poderá determinar outra periodicidade – minuto, hora, semana, quinzena, mês –, bem como determinar que a multa seja fixa, única forma logicamente aceitável de multa nas violações de natureza instantânea.
A multa coercitiva passou a ser conhecida pelos operadores de direito como astreintes, em razão de sua proximidade com instituto processual do direito francês de mesmo nome. Não cumpre nesse momento a análise comparativa entre a multa do direito brasileiro e as astreintes do direito francês, que resultaria na constatação de que, apesar de próximas, têm diferenças importantes. A constatação empírica é que a utilização do termo “astreintes” se presta a designar a multa cujas características principais serão neste capítulo analisadas.
Registre-se que, mesmo sendo a obrigação cumprida a destempo, a multa continua a ser exigível pelo período de atraso no cumprimento da obrigação, de forma que somente o cumprimento dentro do prazo exime a parte do pagamento25.
Não existe nenhuma previsão legal referente ao valor da multa coercitiva, apenas mencionando o art. 461, § 4.º, do CPC a exigência de que seja suficiente e compatível com a obrigação, e é melhor que assim seja. Tratando-se de medida de pressão psicológica, caberá ao juiz analisar as particularidades do caso concreto para determinar um valor que seja apto a efetivamente exercer tal influência no devedor para que seja convencido de que a melhor alternativa é o cumprimento da obrigação. Essa é uma das razões para negar a natureza coercitiva à multa prevista no art. 475-J, caput, do CPC, como demonstrado no Capítulo 34, item 34.3.
A tarefa do juiz no caso concreto não é das mais fáceis. Se o valor não pode ser irrisório, porque assim sendo não haverá nenhuma pressão sendo efetivamente gerada, também não pode ser exorbitante, considerando-se que um valor muito elevado também desestimula o cumprimento da obrigação. Valendo-se de uma expressão poética revolucionária, tem-se que endurecer sem perder a ternura.
Daniel tem contrato de exclusividade com um curso jurídico, mas passa a ministrar aulas também no concorrente. O curso com o qual Daniel tem contrato de exclusividade ingressa com ação judicial para proibi-lo de continuar ministrando aulas em outros lugares, obtendo a concessão de liminar com a imposição de multa de R$ 10,00 por aula. Apesar de Daniel ficar em dúvida se vale a pena continuar dando aula nos cursos de graduação, fatalmente concluirá que o valor é irrisório, não servindo como forma de pressioná-lo a cumprir a decisão. Por outro lado, se o juiz fixar a multa no valor de R$ 100.000,00 por aula, provavelmente Daniel pensará que a ameaça do juiz foi tão exagerada que não terá estímulo para o cumprimento da decisão.
Essa responsável liberdade concedida ao juiz na determinação do valor da multa faz com que não exista nenhuma vinculação entre o seu valor e o valor da obrigação descumprida26. Se tivesse natureza sancionatória ou compensatória, como ocorre com a cláusula penal, seria o valor limitado ao da obrigação principal por expressa previsão do art. 412 do CC. Inclusive nos Juizados Especiais Estaduais existe entendimento no sentido de que as astreintes não se limitam ao valor-teto de 40 salários mínimos, que se refere somente à pretensão principal do autor27, ainda que em decisão recente o Superior Tribunal de Justiça tenha entendido que o valor da multa está limitado ao teto previsto em lei28.
Tendo natureza coercitiva, as astreintes sempre beneficiarão a parte que pretende o cumprimento da obrigação. É evidente que, na hipótese de a multa funcionar em sua tarefa de pressionar o obrigado, a parte contrária será beneficiada por sua aplicação, porque conseguirá a satisfação de seu direito em razão do convencimento gerado no devedor em razão da aplicação da multa. Ocorre, entretanto, que nem sempre a multa surte os efeitos pretendidos, e sempre que isso ocorre será criado um direito de crédito no valor da multa fixada. Nesse caso, não parece correto falar em quem será o beneficiado pela multa para aferir quem é o credor desse valor; melhor será falar em beneficiado pela frustração da multa e a consequente criação de um crédito.
Apesar da crítica de parcela da doutrina29, o legislador nacional entende que o credor do valor gerado pela frustração da multa será a parte para a qual não foi determinado o cumprimento da obrigação, sendo esse também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça30. Costuma-se afirmar que o beneficiado, nesse caso, é o demandante, mas não se pode descartar a possibilidade de o demandado ser credor, o que ocorrerá sempre que o demandante descumprir uma determinação para o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer com aplicação de multa31. De qualquer forma, a multa não é revertida para o Estado, mas para uma das partes, geralmente o demandante.
Realmente a opção do legislador não deve ser elogiada, em especial quando considerada a previsão do art. 461, § 2.º, do CPC, que determina que a multa não impede a indenização por perdas e danos. Nota-se que, tendo tido um efetivo dano em razão do descumprimento da obrigação, caberá à parte pedir a devida indenização, tendo que provar a existência do dano. Tornando-se credor do valor da multa frustrada, a parte tem um ganho patrimonial em detrimento do patrimônio da parte contrária, sem nenhum respaldo jurídico para legitimar tal locupletamento.
Há doutrina minoritária que defende a inaplicabilidade das astreintes perante a Fazenda Pública, com o argumento principal de que o agente público, não tendo interesse direto na demanda, e sabendo que uma eventual aplicação de multa não atingirá seu patrimônio, não sofre pressão psicológica alguma diante da aplicação de uma astreinte. Sendo a função da multa coagir o devedor a cumprir a obrigação, essa corrente doutrinária entende que a sua aplicação é injustificável diante da Fazenda Pública32.
A sugerida inaplicabilidade encontra-se superada, sendo entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça a aplicabilidade das astreintes quando o devedor da obrigação de fazer ou não fazer é a Fazenda Pública33, mesmo posicionamento da doutrina amplamente majoritária34. Concordo com a maioria, mas não deixo de me preocupar com as consequências da aplicação das astreintes à Fazenda Pública, porque, uma vez cobrado o valor da multa frustrada, o único contribuinte feliz com tal situação será o credor desse valor. As dívidas da Fazenda Pública são todas quitadas pelos contribuintes, sendo extremamente injusto que todos nós paguemos pelo ato de descumprimento pelo agente público de decisão judicial35. É claro que, se nossos agentes públicos atuassem em conformidade com os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, consagrados no art. 37, caput da CF, a discussão nem seria posta, mas pela crise ética que passa não só o Poder Público, mas a sociedade em geral, é mera utopia acreditar na desnecessidade da aplicação da multa.
Essa preocupação que tenho, entretanto, não é suficiente para legitimar a aplicação das astreintes ao próprio agente público. Parcela da doutrina entende que nesse caso a pressão psicológica aumentaria significativamente, porque o agente público passaria a temer pela perda de seu patrimônio particular36. Não se duvida de que a pressão aumentaria, mas as astreintes só podem ser dirigidas ao obrigado, reconhecido como tal na decisão que se executa. O agente público não é parte no processo, e dirigir as astreintes a ele caracteriza afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório, o que o Superior Tribunal de Justiça não admite, podendo o agente público, entretanto, ser sancionado com a multa prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC por ato atentatório à dignidade da jurisdição37.
O valor poderá ser modificado a qualquer momento pelo juiz, inclusive de ofício, desde que entenda que o valor fixado anteriormente não está efetivamente pressionando o devedor ao cumprimento da obrigação. Como a multa não serve como mero passatempo ou mero instrumento de penalização do devedor, cumpre ao juiz, levando em consideração as particularidades do caso concreto, aumentar ou diminuir o valor da multa sempre que percebê-la irrisória ou insignificante. Também a periodicidade pode ser objeto de alteração, conforme expressa previsão do art. 461, § 6.º, do CPC.
Entendo que a previsão do art. 461, § 6.º, do CPC seja dirigida ao próprio juiz que fixou originariamente o valor e a periodicidade da multa, com o que se afasta do caso concreto a preclusão judicial, indevidamente chamada de preclusão pro iudicato. Alguma segurança jurídica, entretanto, deve-se exigir, de forma que a modificação do valor e/ou da periodicidade deve ser justificada por circunstâncias supervenientes, sendo o reiterado descumprimento da obrigação robusto indicativo de que a multa não está cumprindo com a sua função38. Apesar de não haver preclusão nesse caso, a parte terá o direito de recorrer contra a decisão que fixa a multa, podendo a revisão do valor ser realizada pelo tribunal em grau recursal. Inclusive o Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial vem alterando o valor da multa quando o entende irrisório ou exorbitante39.
Havendo valor da multa fixado no título executivo extrajudicial, o juiz só poderá diminuí-lo se tal valor se mostrar excessivo, nos termos do art. 645, parágrafo único, do CPC40. Dessa forma, mesmo que a multa não se mostre efetiva no caso concreto, não poderá o juiz aumentar seu valor.
Questão interessante diz respeito à modificação do valor e/ou periodicidade da multa fixada em sentença transitada em julgado. Uma falsa compreensão da natureza e da função das astreintes pode levar o intérprete a acreditar que nessa hipótese haverá uma vinculação do juiz que conduz o cumprimento de sentença ao estabelecido em sentença em virtude do fenômeno da coisa julgada material. O equívoco de tal percepção é manifesto, porque a multa é apenas uma forma executiva de cumprir a obrigação reconhecida em sentença, naturalmente não fazendo parte do objeto que se tornará imutável e indiscutível em razão da coisa julgada material41.
Outro tema de extrema relevância diz respeito à possibilidade de mudança do valor final da multa, no momento em que a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente tornarem-se impossíveis ou a vontade do devedor for a conversão em perdas e danos. Pode o juiz reduzir o valor que será executado pela parte? Seria possível aplicar o art. 461, § 6.º, do CPC a essa situação, ou o dispositivo legal limita-se a tutelar as situações em que a multa ainda está sendo aplicada42?
Há defensores da impossibilidade de o juiz diminuir o valor final gerado pela frustração da multa. Alguns doutrinadores simplesmente afirmam que não há base legal para o juiz retroativamente eximir parcial ou totalmente o devedor43, enquanto outros defendem a impossibilidade de o juiz fazer tal revisão com fundamento no direito adquirido da parte beneficiada com o direito de crédito advindo da frustração da multa44. O entendimento é interessante, mas não deve ser admitido, ao menos não em sua integralidade.
Em meu entendimento, enquanto a multa mostrou concreta utilidade em pressionar o devedor, o valor obtido é realmente um direito adquirido da parte, não podendo o juiz reduzi-lo, ainda que instado a tanto pela parte contrária. Mas isso não significa que o valor calculado durante todo o tempo de vigência da multa seja efetivamente devido, porque a partir do momento em que a multa teve o seu objetivo frustrado, perdendo a sua função, a sua manutenção passaria a ter caráter puramente sancionatório, com nítido desvirtuamento de sua natureza. O mais adequado é o juiz determinar, com eficácia ex tunc, a partir de quando a multa já não tinha mais utilidade, revogando-a a partir desse momento e calculando o valor somente relativamente ao período de tempo em que a multa mostrou-se útil. Reconheço que a determinação exata do momento a partir de quando a multa passou a ser inútil pode ser extremamente difícil, mas caberá ao juiz determiná-lo valendo do princípio da razoabilidade.
Fernanda ingressou com demanda judicial contra a corretora Esquilo da Fontana, determinando o juiz o cumprimento de uma obrigação de fazer com a imposição de multa diária de R$ 100,00. A obrigação é descumprida e Fernanda, depois de longo lapso temporal, informa o juízo que diante da recusa da corretora pretende converter em perdas e danos a obrigação. Ao calcular o valor da multa, chega ao valor de R$ 1.000.000,00. Caberá ao juiz notar que o exagero do valor final decorre do longo período de inatividade das partes, o que é o suficiente para entender que a partir de algum momento em passado distante a multa perdeu a sua função coercitiva, sendo mantida como mera sanção. A diminuição significativa do valor pretendido por Fernanda se impõe, sob pena de desvirtuamento da natureza das astreintes.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que o valor final da multa frustrada pode ser reduzido pelo juiz para evitar o enriquecimento sem causa da parte45, mas esse entendimento não é correto porque o enriquecimento sem causa não depende do valor da multa, verificando-se pela simples posição de credor da parte, como já afirmado. Há parcela doutrinária que entende que a diminuição de valor final exorbitante, decorrente do longo lapso temporal de vigência da multa, justifica-se no princípio da boa-fé e da lealdade processual, considerando haver abuso de direito na atitude do credor que deixa de requerer a conversão da obrigação de fazer e/ou não fazer em perdas e danos em tempo razoável, quando notar que a multa não está funcionando46.
O tema, entretanto, passa longe de ser tranquilo, existindo tanto doutrina47 quanto decisões do próprio Superior Tribunal de Justiça48 entendendo que se o não cumprimento da decisão do juiz deu-se por resistência injustificada da parte, não há sentido em se minorar o valor final da multa. Nesse entendimento, se o valor é alto, isso decorre da postura de afronta ou desleixo adotada pela parte, e em razão disso diminuir o valor da multa é contrariar a própria natureza da multa cominatória.
A modificação do valor consolidado da multa pode ser feita de ofício ou mediante pedido do executado. O mais comum é que tal alegação seja veiculada por meio da defesa típica do executado, ou seja, a impugnação, considerando que a execução da multa dar-se-á por meio de cumprimento de sentença. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já teve oportunidade de admitir tal alegação em sede de exceção de pré-executividade, considerando tratar-se de matéria de ordem pública que dispensa a instrução probatória49.
A multa coercitiva pode ser aplicada tanto para pressionar o devedor a cumprir uma decisão interlocutória que concede tutela de urgência quanto para cumprir uma sentença que julga procedente o pedido do autor. Questão que causa séria divergência na doutrina pátria refere-se ao momento a partir do qual a multa torna-se exigível. Em outras palavras, a partir de qual momento a parte beneficiada com o crédito gerado pela frustração da multa poderá executá-lo?
Naturalmente, o termo inicial da multa será a intimação do devedor a cumprir a obrigação, sendo que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento (Súmula 410/STJ) de que essa intimação deve ser pessoal, não servindo a intimação na pessoa do advogado. Como o ato de cumprimento da obrigação é um ato a ser praticado pela parte, diferente dos atos postulatórios, não se inicia a contagem da multa sem a intimação pessoal do devedor50. A questão, entretanto, é saber a partir de qual momento, após seu termo inicial, será possível cobrá-la.
Para parcela da doutrina, a multa é exigível a partir do momento em que a decisão que a fixa torna-se eficaz, ou porque não foi recorrida ou porque foi impugnada por recurso sem efeito suspensivo51. Essa exigibilidade permitiria a execução imediata de crédito decorrente da multa frustrada fixada em decisão ainda não definitiva, inclusive a decisão interlocutória que concede a tutela antecipada, o que só pode ser compreendido com a possibilidade de execução provisória do crédito52.
Para essa corrente doutrinária, a necessidade de exigibilidade imediata resulta da própria função coercitiva da multa, porque a necessidade de aguardar a definitividade da decisão, que só ocorrerá com o advento da coisa julgada material, seria extremamente contrária à necessidade de pressionar efetivamente o devedor a cumprir a obrigação. Uma perspectiva de remota execução não seria suficiente para exercer a pressão psicológica esperada das astreintes53.
Para outra corrente doutrinária, deve-se aguardar o trânsito em julgado para que se possa exigir o crédito gerado pela frustração da multa. Essa corrente doutrinária entende que a mera ameaça de aplicação da multa, independentemente do momento em que o crédito gerado por sua frustração passará a ser exigível, já é suficiente para configurar a pressão psicológica pretendida pelo legislador54. Por outro lado, como só deve pagar a multa a parte definitivamente derrotada na demanda judicial – o que só será conhecido com o trânsito em julgado –, cabe aguardar esse momento procedimental para admitir a execução da multa55.
Registre-se ainda o que pode ser considerado uma terceira via, ao menos com relação à multa aplicada em sede liminar. Segundo decisão do Superior Tribunal de Justiça, que parece isolada, a exigibilidade dessa multa estaria condicionada à prolação de sentença que confirme a liminar56. Trata-se de entendimento intermediário porque afasta a exigibilidade imediata, mas não a condiciona ao trânsito em julgado.
Concordo com a primeira corrente doutrinária porque de fato, com o tempo que os processos demoram para atingir o trânsito em julgado, muito da natureza coercitiva da multa se perderá se a exigibilidade da cobrança do crédito gerado pela frustração da multa depender desse momento processual. Trata-se do tradicional e frequente choque entre a efetividade (exigibilidade imediata, sem saber ainda se a multa é definitivamente devida) e a segurança jurídica (exigibilidade após o trânsito em julgado da decisão que fixa a multa, quando se saberá definitivamente se a parte é ou não titular do direito de crédito).
O Superior Tribunal de Justiça, aparentemente confundindo definitividade com exigibilidade, vem corretamente entendendo que a multa fixada em decisão interlocutória pode ser executada imediatamente, mas concluir incorretamente que essa execução se dará por meio de execução definitiva57.
Apesar de ser preferível nessa hipótese prestigiar a efetividade da tutela jurisdicional em detrimento da segurança jurídica, dois apontamentos são indispensáveis.
Caso o legislador já tenha feito abstratamente a ponderação entre os dois interesses conflitantes e expressamente optada por um deles, não parece legítimo afastar a previsão legal. Dessa forma, na ação civil pública (art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/1985), nas demandas regidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (art. 213, § 3.º, da Lei 8.069/1990) e nas demandas reguladas pelo Estatuto do Idoso (art. 83, § 3.º, da Lei 10.741/2003), a multa só será exigível após o trânsito em julgado da decisão.
Admitindo-se a execução provisória do crédito decorrente da frustração da multa, e sendo por meio de decisão definitiva demonstrado não assistir razão à parte que teria sido beneficiada pela multa se a mesma tivesse funcionado, na hipótese em que a multa ainda não tiver sido cobrada, esta perderá seu objeto. Já tendo sido executada, com a satisfação do credor, caberá ação de repetição de indébito. Ainda que existisse uma decisão do juiz à época da fixação da multa que deveria ter sido cumprida, se posteriormente essa decisão mostrou-se contrária ao direito, não há mais nenhuma justificativa para a manutenção das consequências do inadimplemento da obrigação58.
Após intensa polêmica, o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento a respeito da necessidade da intimação pessoal do devedor como condição para a cobrança de multa pelo descumprimento de decisão que tenha como objeto uma obrigação de fazer ou não fazer59. O entendimento sumulado vinha sendo aplicado normalmente até que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu contrariamente a tal entendimento, entendendo suficiente a intimação do devedor na pessoa de seu advogado, por meio de publicação no Diário Oficial60. O fundamento principal do julgamento foi a necessidade de compatibilização da obrigação de fazer e não fazer com a obrigação de pagar quantia, já que nessa espécie de obrigação a Corte Especial já pacificou o entendimento de que basta a intimação do devedor na pessoa de seu advogado para dar início à contagem do prazo de 15 dias para pagar previsto no art. 475-J, caput, do CPC61. Entendeu a Segunda Seção que, se na obrigação de pagar basta a intimação na pessoa do advogado, não teria sentido exigir a intimação pessoal do devedor nas obrigações de fazer e não fazer.
A questão continua controvertida no Superior Tribunal de Justiça, considerando que a Primeira Seção continua a aplicar o entendimento sumulado, entendendo, portanto, como indispensável a intimação pessoal do devedor de obrigação de fazer e não fazer para a aplicação das astreintes62.
O resultado é a insegurança jurídica, com entendimento sumulado aplicado pela Primeira Seção (Primeira e Segunda Turmas) e rejeitado pela Segunda Seção (Terceira e Quarta Turmas). É provável que em breve a Corte Especial receba a incumbência de pacificar a jurisprudência em julgamento de Embargos de Divergência, quando deverá manter a Súmula 410/STJ ou revogá-la.
No tocante à execução de decisão judicial executável que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer e de não fazer, o art. 550 do PLNCPC substitui o art. 461 do CPC/2013.
Os caputs dos dois dispositivos são diferentes: enquanto no art. 461 havia previsão de que o juiz poderia conceder a tutela específica ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, no art. 550 há previsão de que o juiz pode adotar medidas executivas para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. A redação anterior de fato era ruim, mas a atual não parece muito melhor.
O texto anterior fazia parecer que tutela específica e resultado equivalente eram espécies diferentes de tutela jurisdicional, quando, na realidade, a liberdade concedida ao juiz para a obtenção do resultado prático equivalente era voltada justamente para a obtenção da tutela específica dos direitos materiais. O texto atual parece resolver esse problema, mas, ao centralizar a liberdade do juiz na execução da obrigação, parece vincular o juiz ao pedido do autor, não admitindo, dessa forma, que o juiz conceda tutela diferente da pedida, ainda que dela resulte um resultado prático ao que seria gerado com o acolhimento do pedido.
Ainda que o texto legal não seja feliz ao centralizar a execução da obrigação, naturalmente posterior a sua fixação em sentença, continuo a acreditar que a norma permite a conclusão no sentido de excepcionar o princípio da adstrição nos pedidos condenatórios de obrigação de fazer e não fazer, podendo o juiz conceder tutela diferente daquela pedida pelo autor, desde que da sua efetivação decorra na prática um resultado equivalente ao que seria gerado com o acolhimento da tutela pedida expressamente pelo autor.
Diferente do que ocorre com o cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, o início da execução de sentença que admite a exigibilidade de obrigação de fazer e não fazer independe de provocação do exequente podendo ser iniciada de ofício, nos termos do art. 550, caput, do CPC/2013.
O § 1.º do artigo ora comentado mantém a consagração do princípio da atipicidade dos meios executivos ao indicar um rol exemplificativo destes que podem ser adotados pelo juiz visando à satisfação do direito. Traz como novidade a expressa previsão de intervenção judicial em atividade empresarial ou similar, indicando o caráter residual da medida e determinando a aplicação das regras dos arts. 102 a 111 da Lei 12.529/2011 no § 3.º.
A multa é, sem dúvida, a “joia da coroa” das medidas executivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, tanto que mereceu um artigo somente para discipliná-la. No art. 461 do CPC/1973, o § 4.º previa uma “multa diária”, enquanto no texto originário do § 5º do art. 550 do PLNCPC era estabelecida “multa por tempo de atraso”. E ainda no art. 550, § 1.º, havia disposição de “multa por atraso” e no art. 551, caput, “multa periódica”. Na redação final, os qualificativos da multa desaparecerem, o que deve ser elogiado porque a multa, além de poder ter qualquer periodicidade, pode ser fixa.
Segundo o art. 551, caput, do CPC/2013, a multa, que independe de pedido, pode ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela antecipada, na sentença ou na execução, devendo ser suficiente e compatível com a obrigação, e que seja determinado prazo razoável para o cumprimento do preceito (obrigação). O dispositivo mantém a regra de que o valor e tempo de duração da multa dependem do caso concreto, devendo, por isso, ser estabelecidos pelo juiz da causa. Nesse aspecto, a postura do legislador é elogiável, porque não é adequado limitar uma medida de execução indireta de forma abstrata pela lei.
Por outro lado, não concordo que o juiz deva indicar um prazo para o cumprimento, porque nesse caso o executado pode fazer previamente cálculos e decidir que vale a pena descumprir a obrigação mesmo que lhe venha a ser aplicada a multa. Entendo que a multa deve durar enquanto se mostrar útil a seu fim, qual seja, o cumprimento da obrigação, cabendo ao juiz fazer a análise temporal de sua eficácia durante sua aplicação, e não fixando um termo final antes mesmo de sua aplicação.
O § 1.º prevê que o juiz, de ofício ou a requerimento, pode modificar o valor e a periodicidade da multa, regra já existente no art. 461, § 6.º, do CPC/1973, quando a multa se tornar insuficiente ou excessiva ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para seu descumprimento. Acredito que esse rol legal seja meramente exemplificativo, em especial porque a multa como pressão psicológica só se justifica na medida em que efetivamente pressionar o obrigado, sendo uma mera sanção processual se aplicada quando se constata sua ineficácia no cumprimento da obrigação.
A principal novidade, entretanto, é a previsão expressa no sentido de que a mudança do valor da multa só se aplica para o futuro. Primeiro o dispositivo fala em “multa vincenda” e depois afirma expressamente que a mudança não terá “eficácia retroativa”. Significa que o valor consolidado não poderá ser diminuído pelo juiz, o que contraria a posição majoritária da jurisprudência. O entendimento consagra o que a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chamou de “indústria das astreintes”, quando o exequente abdica da satisfação de seu direito para manter a aplicação da multa durante longo espaço de tempo.
Acredito que o legislador, por exigir do juiz a indicação do tempo de duração da multa no momento de sua fixação, tenha imaginado que assim evitaria a eternização de sua aplicação, numa verdadeira poupança em favor do exequente.
O § 2.º consagra legislativamente entendimento corrente de que o valor gerado pela multa diante do não cumprimento da obrigação tem como credor o exequente. O Projeto originário previa que o exequente só teria direito até o valor de sua obrigação, sendo credor do valor excedente a Fazenda Pública, mas no final prevaleceu o posicionamento atual, reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça.
E o § 4.º cuida do valor a ser executado, ao determinar que a execução da multa periódica abrange o valor relativo ao período de descumprimento já verificado até o momento do seu requerimento, bem como o do período superveniente, até e enquanto não for cumprida pelo executado a decisão que a cominou. Significa que o exequente não precisará de sucessivas execuções, podendo se valer de apenas uma com inclusão das prestações vincendas. Naturalmente que, satisfeito o direito de crédito e não a obrigação principal, caberá uma nova execução para a cobrança das parcelas vincendas.
A previsão do § 3.º deve ser saudada por duas razões. Primeiro, porque consagra expressamente a eficácia imediata da multa, prestigiando assim a efetividade da tutela executiva à segurança jurídica. Segundo, porque deixa claro que a execução definitiva dessa multa depende do trânsito em julgado da sentença, afastando indevida confusão entre executabilidade e provisoriedade sentida em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça.
O descumprimento injustificado da ordem judicial é, segundo o art. 550, § 3.º, do PLNCPC, ato de litigância de má-fé e, além da aplicação das sanções previstas na lei processual, o executado pode ser responsabilizado por crime de desobediência.
1 Dinamarco, Instituições, n. 1.621, p. 455.
2 Contra: Dinamarco, Instituições, n. 1.622, p. 456-457.
3 Contra: Dinamarco, Instituições, n. 1.623, p. 457.
4 STJ, 5.ª Turma, AgRg no REsp 958.363/DF, rel. Min. Felix Fischer, j. 12.08.2008, DJe 29.09.2008.
5 STJ, 1.ª Turma, REsp 1.079.776/PE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 23.09.2008, DJe 1.º.10.2008.
6 Marinoni, Técnica, p. 424; Grinover, Tutela, p. 259.
7 STJ, 3.ª Turma, REsp 598.233/RS, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 02.08.2005, DJ 29.08.2005, p. 332; Scarpinella Bueno, Código, p. 1410; Nery-Nery, Código, p. 782.
8 Dinamarco, Instituições, n. 1.618, p. 450.
9 Greco, Tutela, p. 80.
10 Talamini, Tutela, n. 13.3, p. 329.
11 Greco, Tutela, p. 80; Talamini, Tutela, n. 13.2, p. 326; Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 429-430.
12 Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 431.
13 Barbosa Moreira, O novo, p. 194; Cheim Jorge-Abelha, Tutela, p. 372; Theodoro Jr., Tutela, p. 29; Watanabe, Tutela, p. 45.
14 Marinoni, Tutela, n. 3.27.2.1, p. 226.
15 Theodoro Jr., Tutela, p. 29.
16 STJ, 1.ª Seção, AgRg no EREsp 796.509/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 11.10.2006, DJ 30.10.2006, p. 233.
17 Lima Guerra, Inovações, p. 318-319.
18 Talamini, Tutela, n. 10.4, p. 270-279.
19 Marinoni, Tutela, n. 3.27.2.3, p. 231; Shimura, Efetivação, p. 674.
20 Marinoni, Tutela, n. 3.27.2.3, p. 230-231; Spadoni, Ação, n. 7.4.1.1, p. 200-201; Lima Guerra, Execução, p. 242-246.
21 Baptista, Do processo, p. 574; Talamini, Tutela, n. 12.1, p. 287.
22 Arenhart, A tutela, n. 4.8.2.2, p. 394.
23 MC 11.804/RJ, 6.ª Turma, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 17.08.2006, DJ 05.02.2007, p. 378; HC 42.896/TO, 5.ª Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 28.06.2005, DJ 22.08.2005, p. 323.
24 Grinover, Ética, p. 224-225.
25 Informativo 526/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.183.774-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.06.2013.
26 Marinoni, Tutela, n. 3. 27.1.4, p. 216; Câmara, Lições, v. 2, p. 239.
27 Enunciado 25 do Fonaje: “A multa cominatória não fica limitada ao valor de 40 salários-mínimos, embora razoavelmente fixada pelo juiz, obedecendo ao valor da obrigação principal, mais perdas e danos, atendidas as condições econômicas do devedor”.
28 Informativo 479/STJ, 4.ª Turma, RMS 33.155/MA, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 28.06.2011.
29 Marinoni, Tutela, n. 3.27.1.5, p. 218-221.
30 Informativo 497/STJ, 4.ª Turma, REsp 949.509-RS, Rel. originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para o acórdão Min. Marco Buzzi, j. 08.05.2012.
31 Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 446-447.
32 Greco Filho, Direito, n. 11.7, p. 75.
33 STJ, 2.ª Turma, AgRg no Ag 1.040.411/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 02.10.2008, DJe 19.12.2008; REsp 1.063.902/SC, 1.ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, j. 19.08.2008, DJe 1.º.09.2008.
34 Dinamarco, Instituições, n, 1.630, p. 468.
35 Em sentido próximo: Araken de Assis, Manual, n. 208, p. 564.
36 Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 449.
37 STJ, 1.ª Turma, REsp 679.048/RJ, rel. Min. Luiz Fux, 03.11.2005, DJ 28.11.2005, p. 204; REsp 666.008/RJ, 1.ª Turma, rel. José Delgado, j. 17.02.2005, DJ 28.03.2005; Araken de Assis, Manual, n. 208, p. 564.
38 Dinamarco, Instituições, n. 1.636, p. 473; Nery-Nery, Código, p. 672; Câmara, Redução, p. 1.564. Contra, pela mudança sem necessidade de um fato novo: Barbosa Moreira, O novo, p. 194.
39 STJ, 3.ª Turma, AgRg no AG 836.875/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 04.11.2008, DJe 26.11.2008.
40 Informativo 505/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.198.880-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 20.09.2012.
41 STJ, 3.ª Turma, REsp 681.294/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 18.12.2008, DJe 18.02.2009; Theodoro Jr., Processo de execução, n. 472, p. 553; Greco, O processo, n. 10.7, p. 504.
42 Pela aplicação do art. 461, § 6.º, do CPC: Theodoro Jr., Processo, n. 163, p. 220; Câmara, Lições, v. 2, p. 243.
43 Talamini, Tutela, n. 9.6.2, p. 249.
44 Câmara, Redução, p. 1.565-1.566.
45 Informativo 407/STJ, 4.ª Turma: REsp 947.466-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 17.09.2009. STJ, 4.ª Turma, REsp 793.491/RN, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 26.09.2006, DJ 06.11.2006, p. 337.
46 Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 460.
47 Freitas Câmara, “Redução”, Direito civil, p. 1.565-1.566.
48 Informativo 495/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.229.335-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.04.2012; Informativo 490/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.192.197-SC, Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 07.02.2012; Informativo 448/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.135.824-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.09.2010; Informativo 414/STJ, 3.ª Turma, AgRg no REsp 1.026.191-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.11.2009; Informativo 408/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.022.033-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.09.2009.
49 Informativo 485/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.019.455/MT, rel. Min. Massami Uyeda, j. 18.10.2011.
50 Informativo 464/STJ, 2.ª Seção, EAg 857.758/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.02.2011.
51 Scarpinella Bueno, Código, p. 1.413.
52 Theodoro Jr., Processo, n. 474, p. 558.
53 Talamini, Tutela, n. 9.7, p. 254-255.
54 Marinoni, Tutela, n. 3.27.1.6, p. 222.
55 Dinamarco, Instituições, n. 1.637, p. 474.
56 Informativo 511/STJ, 4ª Turma, REsp 1.347.726-RS, rel. Min. Marco Buzzi, j. 27.11.2012.
57 Informativo 422/STJ, 1.ª Turma, REsp 1.098.028-SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09.02.2010; STJ, 3.ª Turma, AgRg no REsp 1.116.800/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 08.09.2009, DJe 25.09.2009.
58 Marinoni, Tutela, n. 3.27.1.6, p. 222; Abelha Rodrigues, Manual, p. 230; Talamini, Tutela, n. 9.7.1, p. 255.
59 Súmula 410/STJ, de 25.11.2009.
60 STJ, 2.ª Seção, EAg 857.758/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23.02.2011, DJe 25.08.2011.
61 STJ, Corte Especial, REsp 940.274/MS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 07.04.2010, DJe 31.05.2010.
62 STJ, 1.ª Seção, Rcl 5.388/PB, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 10.08.2011, DJe 09.09.2011.