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EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
DE FAZER E NÃO FAZER

Sumário: 45.1. Introdução – 45.2. Execução das obrigações de fazer – 45.3. Execução das obrigações de não fazer – 45.4. Obrigações de emitir declaração de vontade.

45.1. INTRODUÇÃO

Enquanto as obrigações de pagar quantia certa e de entrega de coisa se resolvem de forma patrimonial, na execução da obrigação de fazer e não fazer exige-se um comportamento do devedor1. Daí a extrema dificuldade do legislador em buscar mecanismos que façam com que o direito do credor seja efetivamente satisfeito, em especial pela tradicional rejeição ao emprego da força contra a pessoa para constrangê-la ao cumprimento de uma obrigação.

Tratando-se de obrigação de fazer fungível, que pode ser satisfeita por outros sujeitos além do devedor, há uma quantidade maior de formas de buscar tal satisfação do direito diante da crise de inadimplemento. Poderá o juiz:

(a) aplicar as astreintes (art. 645 do CPC);

(b) determinar a realização da obrigação por terceiro (arts. 633 e 634 do CPC); ou

(c) determinar a realização da obrigação pelo próprio exequente ou sob a sua supervisão (art. 633 do CPC).

Por outro lado, tratando-se de obrigação infungível, que só pode ser satisfeita pelo próprio devedor, em razão de suas qualidades pessoais únicas, só existe como forma procedimental de busca da satisfação do direito do credor a aplicação das astreintes ou de outras medidas de pressão psicológica2.

45.2. EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER

A petição inicial deve seguir os requisitos do art. 282 do CPC, no que for aplicável ao processo de execução (por exemplo, não teria sentido exigir a especificação de provas em um processo que não tem fase probatória). Deve-se instruir a peça inicial com o título executivo, que nesse caso será sempre extrajudicial, sendo a sua ausência motivo para que o juiz determine a emenda da petição inicial em 10 dias por se tratar de vício sanável.

Nessa espécie de execução não é possível garantir o juízo, sendo impossível ao executado prestar uma garantia de que a obrigação de fazer será satisfeita. Na execução por quantia certa, a penhora resolve esse problema, já que o bem penhorado e posteriormente alienado judicialmente se transforma em dinheiro, e disso resulta a satisfação do direito do credor. O mesmo ocorre na execução para entrega de coisa, na qual o bem depositado pode ser ao final entregue ao exequente, satisfazendo assim o seu direito. Na execução de fazer não há garantia possível; ou o executado cumpre a sua obrigação – e nesse caso estar-se-ia diante da satisfação do direito – ou continua inerte.

O executado é citado para cumprir sua obrigação no prazo estabelecido pelo título executivo, e na ausência de indicação de prazo no título, caberá ao juiz tal fixação, devendo levar em consideração a complexidade do ato a ser praticado (art. 632 do CPC). Não teria sentido o juiz fixar prazo exíguo para o cumprimento de uma obrigação extremamente complexa, como também não há razão para um prazo longo quando a obrigação for de fácil realização. Na realidade, é frequente a fixação pelo juiz, considerando-se que, em regra, no título executivo consta somente o prazo para o cumprimento da obrigação, que necessariamente já foi superado, sob pena de não existir inadimplemento3. Em virtude da ocorrência de caso fortuito ou força maior, admite-se a prorrogação do prazo4.

Segundo o art. 645 do CPC, poderá o juiz nesse momento inicial do procedimento fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação, ainda que tal providência não tenha sido requerida pelo exequente. Apesar de a previsão legal apontar para uma multa diária, a doutrina corretamente entende ser admissível ao juiz a imposição de multa na forma fixa, ou periódica, inclusive em períodos menores ou maiores que um dia – minuto, hora, semana etc.5. Ademais, autorizada doutrina entende que o juiz possa, inclusive de ofício, determinar outros meios coativos diversos das astreintes6.

O mesmo dispositivo legal prevê que o juiz determinará, ao despachar a inicial, a data a partir de quando será devida a multa fixada, entendendo-se que diante do silêncio do juiz a multa passe a gerar efeitos imediatos. Há decisão do Superior Tribunal de Justiça que limita a atividade do juiz a diminuir o valor da multa fixada em título executivo extrajudicial7. A previsão legal, entretanto, deve ser compreendida à luz do entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a multa só passa a ser eficaz após a intimação pessoal do executado8, de forma que, fixado um prazo pelo juiz, após o seu transcurso o cartório judicial expedirá a intimação pessoal do executado e somente após essa intimação a multa passa a ser eficaz.

Segundo o art. 645, parágrafo único, do CPC, se o valor da multa estiver previsto no título, o juiz poderá reduzi-lo, se entendê-lo excessivo. Na realidade, a liberdade do juiz é consideravelmente mais ampla do que sugere a interpretação literal do dispositivo legal. O art. 461, § 6.º, do CPC é aplicável ao processo de execução, de forma que o juiz pode modificar o valor tanto para maior como para menor, bem como a periodicidade da multa9. A própria função dessa medida de pressionar psicologicamente o executado justifica a atuação oficiosa do juiz ao adequar o valor e a periodicidade da multa às circunstâncias do caso concreto.

Após a citação, o exequente tem três posturas a adotar: embargar a execução em 15 dias, cumprir a obrigação no prazo fixado pelo título ou pelo juiz, satisfazendo o direito do credor e levando a execução à sua extinção normal, salvo a cobrança de honorários e custas processuais; ou, ainda, não fazer uma coisa nem outra, permanecendo inerte.

Na hipótese de o executado embargar a execução, deve-se analisar no caso concreto a concessão ou não do efeito suspensivo. Não sendo concedido o efeito suspensivo, o processo de execução prosseguirá normalmente em concomitância com o procedimento dos embargos à execução. Na hipótese de concessão do efeito suspensivo, o procedimento executivo somente retomará o seu andamento após a prolação da sentença nos embargos, e, sendo o caso de julgamento de improcedência, a interposição de apelação pelo executado-embargante tornará a execução provisória, nos termos do art. 587 do CPC.

Interesse questão referente ao efeito suspensivo dos embargos à execução surge quando o prazo para o cumprimento da obrigação supera o período de 15 dias dos embargos. Imagine-se que o título fixa um prazo de 20 dias para o cumprimento da obrigação e o executado tenha embargado em 15 dias, suspendendo assim o processo e consequentemente o prazo para o cumprimento da obrigação. Uma vez julgados os embargos, aquele prazo de 20 dias volta a correr, cessando a causa de sua interrupção. Como já foram computados 15 dias antes da apresentação dos embargos à execução, o executado terá mais 5 dias (para completar os 20) para cumprir a sua obrigação, antes de se adotarem concretamente as medidas materiais de execução, que só poderão incidir depois do vencimento do prazo para o cumprimento determinado no título ou pelo juiz10.

Na hipótese de o executado não cumprir, ainda assim, a sua obrigação – o que resultará numa situação idêntica à da inércia do executado diante de sua citação –, o prosseguimento da execução dependerá da natureza da obrigação de fazer, ou seja, se fungível ou infungível. Apesar de a redação do art. 633 do CPC sugerir que diante do vencimento do prazo processual para o cumprimento da obrigação o exequente deverá optar pela execução à custa do devedor ou a conversão em perdas e danos, admite-se que o exequente insista na multa como meio coercitivo psicológico11.

Ainda que o exequente possa aguardar o cumprimento da obrigação – embora expirado o prazo concedido para tanto – pressionando o executado com o pagamento de multa (astreinte), diante da ineficácia da coerção psicológica, num certo momento notar-se-á a impossibilidade material ou jurídica da obtenção da tutela específica, momento no qual o exequente terá que fazer a opção prevista pelo art. 633 do CPC.

É importante para o estudo do procedimento dessa espécie de execução a determinação da fungibilidade ou não da obrigação. A diferença é importante porque no primeiro caso é possível que terceiro satisfaça o direito em substituição ao devedor, o que é absolutamente inviável no segundo caso.

Sendo infungível a obrigação de fazer e não funcionando a pressão psicológica imputada pela aplicação da multa, a única saída ao exequente será a conversão da execução de fazer em execução por quantia certa, devendo-se liquidar de forma incidente o valor das perdas e danos, somado ao valor da multa, quando esta existir (art. 633 do CPC). A apuração do valor se dará no próprio processo por meio de uma mera fase procedimental de liquidação – que dependendo do caso concreto seu desenvolvimento será sob a forma de artigos ou arbitramento –, seguindo-se a execução pelo procedimento do cumprimento de sentença12. Será dispensada a liquidação se houver no caso concreto a previsão contratual de multa de natureza compensatória (cláusula penal)13.

Sendo fungível a obrigação de fazer é possível ao exequente preferir que a obrigação seja cumprida por terceiro, à custa do executado. Tal forma de satisfação, embora num primeiro momento represente o cumprimento efetivo da obrigação em sua natureza originária (fazer), também se resolverá futuramente em perdas e danos, já que os valores despendidos com o terceiro serão cobrados do executado por meio de execução por quantia certa, nos próprios autos, pelo procedimento do cumprimento de sentença14. Caso o exequente cumpra a obrigação pessoalmente ou por preposto, sob sua direção e vigilância, valendo-se do direito de preferência consagrado no art. 637, caput, do CPC, somente poderá executar por quantia certa o valor que já tiver adiantado ao executado, acrescido dos prejuízos decorrentes do acréscimo de custo e perdas e danos15.

O procedimento para o cumprimento da obrigação por terceiro era complexo, caro e demorado, daí a sua pouca aplicação prática. A nomeação de perito, a publicação de edital, a necessidade de cauções etc., tornavam essa forma de satisfação pouco interessante para a maioria dos exequentes, sendo de rara aplicação. O legislador notou que o sistema não funcionava a contento, alterando substancialmente o procedimento dessa forma de execução por meio da Lei 11.382/2006.

Segundo o art. 634 do CPC, podendo o fato ser prestado por terceiro – obrigação fungível –, a requerimento do exequente o juiz decidirá que aquele cumpra a obrigação à custa do executado, sendo nesse caso necessário que o exequente adiante as quantias previstas na proposta que o juiz tiver aprovado, depois da oitiva das partes. Certamente o dispositivo se afasta da complexidade do procedimento anterior, mas algumas questões são suscitadas pela doutrina em sua interpretação.

O dispositivo legal não prevê de que forma a proposta é levada aos autos, sendo presumível que o exequente, ao pedir a realização do fato por terceiro, apresente junto com o seu pedido a proposta de terceiro16. Não parece haver necessidade da apresentação de mais de uma proposta, bastando que aquela apresentada seja entendida como adequada pelo juiz17. Apesar de mais raro, nada impede que o próprio juiz peça a apresentação de proposta a terceiro de sua confiança18, bem como o executado leve aos autos proposta(s) de terceiros. Como não há mais previsão de formalidades para tornar pública a oportunidade para a prática dos atos, dificilmente terceiros comparecerão voluntariamente ao juízo apresentando propostas19.

Qualquer que seja o sujeito responsável pela apresentação da proposta do terceiro em juízo, a aprovação de seus termos dependerá da oitiva das partes, em respeito ao contraditório (art. 634, parágrafo único do CPC). Nesse momento, caberá ao exequente exercer o seu direito de preferência, nos termos do art. 637, parágrafo único, do CPC. A decisão que decide pela rejeição, aprovação ou pelo direito de preferência do exequente tem natureza interlocutória, sendo recorrível por agravo de instrumento. Sendo acolhida a proposta de terceiro, caberá ao exequente depositar em juízo a quantia prevista, havendo doutrina minoritária que critica o texto legal e entende cabível que o juiz determine que o pagamento seja adiantado pelo executado, inclusive com a aplicação de astreintes20.

Aduz o art. 635 do CPC que, prestado o fato, o juiz ouvirá as partes no prazo de 10 dias. Apesar de o dispositivo legal prever que, não havendo impugnação, se dará como cumprida a obrigação, o juiz não está vinculado à omissão das partes, podendo, desde que tenha elementos para tanto, resolver em sentido contrário; ocorre, entretanto, que, sem a manifestação das partes, dificilmente o juiz terá condições de não dar a obrigação como cumprida. Havendo impugnação de uma ou de ambas as partes, caberá ao juiz resolvê-la por meio de decisão interlocutória recorrível por agravo de instrumento, após instrução probatória, se necessária.

A impugnação mais tradicional será a do exequente alegando que o terceiro não prestou o fato, o fez fora do prazo, de forma incompleta ou defeituosa. Segundo o art. 636, caput, do CPC, nesse caso o exequente poderá requerer ao juiz no prazo de 10 dias a autorização para que conclua o fato por conta do contratante, que deverá ser ouvido no prazo de cinco dias. Sendo acolhida a impugnação do exequente, o juiz avaliará o custo das despesas necessárias e condenará o terceiro a pagá-lo. Trata-se de mera faculdade do exequente, que, não se manifestando no prazo legal, permite a ocorrência da preclusão21.

45.3. EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER

É interessante notar que não existe mora na obrigação de não fazer, considerando-se que, se o dever era de abstenção, a prática do ato por si só importa na inexecução total da obrigação22. Desse ato de desrespeito a uma obrigação de não fazer surge ao credor o direito de desfazer o fato ou de ser indenizado quando os efeitos forem irremediáveis. Assim, não há propriamente uma execução de obrigação de não fazer, e sim uma obrigação de fazer invertida, ou seja, de desfazer aquilo que não deveria ter sido feito. Tal conclusão é reforçada pela redação do art. 642 do CPC, que expressamente dispõe que o pedido do exequente será para o juiz assinar prazo para o executado desfazer o ato já praticado.

Como se pode notar do disposto no referido artigo, nessa espécie de execução busca-se uma tutela jurisdicional reparatória, procurando desfazer-se aquilo que já foi feito23. Não há uma preocupação repressiva, buscando evitar que o ato proibido seja realizado. Para tanto, a parte interessada deverá fazer uso do processo de conhecimento, com aplicação do art. 461 do CPC, inclusive com pedido de liminar objetivando a não realização do ato proibido de forma imediata (tutela inibitória).

A questão, entretanto, torna-se polêmica quando a doutrina lembra da situação do sujeito que tem um título executivo extrajudicial e pretende evitar a ocorrência de descumprimento da obrigação de não fazer. Considerável corrente doutrinária defende o ingresso de processo de execução nesse caso com a aplicação de medidas executivas (art. 461, § 5.º, do CPC) para compelir o executado a se abster ou a tolerar determinado ato ou fato24. Tratar-se-ia de um processo de execução de obrigação de não fazer por procedimento diverso daquele previsto nos arts. 642 e seguintes do CPC, provavelmente a ser criado pelo juiz no caso concreto.

Entendo que esse processo de execução não reúne as condições necessárias de admissibilidade. Não porque necessariamente contrariaria o procedimento legal para o processo de execução de obrigação de não fazer, mas porque nesse caso a tutela diferenciada justificaria a adoção de procedimento diferenciado com o objetivo de efetivamente tutelar o direito do credor. Parece simplesmente que um dos requisitos exigidos pelo art. 586 do CPC não estará presente nesse caso, porque sem o descumprimento da obrigação não haverá inadimplemento, e sem esse requisito não haverá título executivo, o que impossibilitará o ingresso do processo de execução. Note-se que a exigência do processo de conhecimento nesse caso não decorre da ausência de previsão legal de procedimento para atender a pretensão do credor, mas em virtude da falta de título executivo.

A obrigação pode ser classificada em permanente (ou contínua) e instantânea. A primeira é aquela que permite o retorno ao estado anterior (por exemplo, a construção de um muro, que pode ser destruído, retornando-se as coisas ao estado anterior), ao passo que na segunda é impossível o retorno ao status quo ante uma vez descumprida a obrigação de não fazer (obrigação de não exibir um jogo de futebol em rede nacional)25.

O diploma processual privilegia a execução das obrigações de não fazer permanentes, prevendo as formas de desfazimento de tal fato. Havendo recusa do devedor em desfazer aquilo que não deveria ter feito, por proibido, o credor requererá ao juiz que mande desfazer o ato à custa do executado. Nesse caso, o devedor responderá por esse ato e também por perdas e danos, por meio da conversão do processo executivo em execução de pagar quantia certa (após a necessária liquidação incidente). No que tange às obrigações de não fazer instantâneas, em razão da impossibilidade do desfazimento da violação, existe apenas o art. 643, parágrafo único, do CPC, dispondo que a obrigação converter-se-á em perdas e danos26.

45.4. OBRIGAÇÕES DE EMITIR DECLARAÇÃO DE VONTADE

Na redação original do Código de Processo Civil, os arts. 639 a 641 do CPC tratavam especificamente da tutela das obrigações de emitir declaração de vontade. Afirmava-se à época ser curiosa a opção do legislador em prever tais regras no título pertinente ao processo de execução das obrigações de fazer, porque, embora a declaração de vontade tenha tal natureza, os dispositivos disciplinavam o processo de conhecimento, e não de execução. Com a Lei 11.232/2005 o legislador atendeu aos reclamos doutrinários e revogou os artigos mencionados, passando a tratar do tema em local mais apropriado, nos arts. 466-A, 466-B e 466-C do CPC.

Os dispositivos legais agora localizados no capítulo referente à sentença descrevem, ora de forma genérica, ora de forma mais particularizada, formas de obtenção de sentença que substitua a declaração de vontade do réu.

O tratamento diferenciado se dá em razão da especial natureza da obrigação de emitir declaração de vontade. Trata-se, não resta dúvida, de obrigação infungível, sendo somente o devedor capaz de declarar sua própria vontade, não podendo terceiro fazê-lo em seu lugar. Ocorre, entretanto, que entre as obrigações infungíveis existem aquelas que são naturalmente infungíveis – decorrência da característica pessoal do devedor – e aquelas em que a fungibilidade é apenas jurídica – decorrente de algum princípio jurídico –, podendo o ordenamento criar mecanismo para a obtenção de resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação.

A obrigação de emitir declaração de vontade é de natureza infungível, mas essa é uma infungibilidade meramente jurídica, sendo possível – e até mesmo aconselhável – que o ordenamento disponha de regras que permitam a substituição da declaração de vontade por uma decisão judicial, gerando-se os mesmos efeitos daquela. É justamente isso que faz o ordenamento processual nos arts. 466-A, 466-B e 466-C do CPC, prevendo situações nas quais a sentença produz os mesmos efeitos que a declaração teria produzido se emitida pelo executado, o que basta para a satisfação do direito, considerando-se que nesse caso o exequente não tem interesse na atividade do devedor em si, mas na produção de seus efeitos, o que pode ser obtido por meio de decisão judicial27.

Existe séria divergência a respeito da natureza da sentença prevista no art. 466-A do CPC, que produzirá após o trânsito em julgado todos os efeitos da declaração não emitida. Para parcela doutrinária, a sentença tem natureza constitutiva, apta a cria uma nova situação jurídica, justamente aquela que teria sido criada se o devedor tivesse cumprido voluntariamente sua obrigação28. Para outra corrente doutrinária, a sentença é condenatória, até mesmo em razão da redação do art. 466-A do CPC, que em seu início prevê “Condenado o réu (...)”29. Há ainda doutrinadores que entendem tratar-se de sentença executiva lato sensu, não sendo necessária a execução para a sua satisfação30.

Observe-se que em razão de expressa previsão legal, e aqui pouco importa a natureza que se acredite ter tal sentença, a mesma somente passará a gerar efeitos após o trânsito em julgado (art. 466-A do CPC). Nesse caso, portanto, independentemente do efeito em que eventual recurso seja recebido, não será possível em nenhuma hipótese a execução provisória, pois não há no caso eficácia provisória dessa sentença (nesse aspecto existe semelhança com a sentença penal condenatória).

A satisfação do direito reconhecido nessa espécie de sentença dispensa qualquer ato material de execução, considerando-se que o direito do autor estará atendido com o mero trânsito em julgado da sentença de procedência31. Não é cabível, por desnecessário, a aplicação de astreintes ou de qualquer outra medida de execução indireta ou por sub-rogação, considerando-se que o ofício expedido pelo juízo para eventual registro no Cartório de Imóveis não é propriamente um ato executivo.

O art. 466-B do CPC trata de situação específica de emissão de declaração de vontade, qual seja a obrigação de celebrar o contrato definitivo sempre que exista um pré-contrato ou contrato preliminar (arts. 462 a 466 do CC). A norma legal trata dos casos em que, apesar de existir um contrato preliminar de promessa de realização do negócio jurídico, uma das partes se nega a cumprir o estipulado e celebrar o contrato definitivo. Na análise de tal artigo legal é imprescindível o enfrentamento de duas condicionantes para que a sentença de procedência possa ser proferida: “sendo isso possível e não excluído pelo título”.

A possibilidade está ligada à própria natureza do contrato, já que em alguns casos a sentença não pode substituir a declaração de vontade. Exemplo invariavelmente lembrado pela doutrina é do sócio que se compromete por contrato a aceitar terceiro como sócio em sociedade de pessoas, quando sabidamente é necessário para tanto a concordância dos outros sócios. O mesmo ocorre na promessa de casamento (ou esponsais). Trata-se de regra consagrada no art. 464 do CC, que não admite a substituição da vontade do inadimplente quando a isto se opuser a natureza da obrigação.

A indicação de que não esteja excluído pelo título o cumprimento da obrigação é outra exigência do dispositivo legal ora comentado. Nesse caso, em princípio seria possível a substituição da declaração de vontade pelas partes, mas em razão de expressa manifestação de vontade anterior, contida no pré-contrato, as partes excluem essa possibilidade. A previsão contratual de direito de arrependimento expressa muito bem essa situação (art. 463 do CC), porque, se as partes permitiram contratualmente o arrependimento posterior, aquela que regatear em firmar o contrato definitivo estará na verdade exercendo direito que a ela é assegurado pela convenção das partes.

A previsão do art. 466-A do CPC regula todas as situações em que exista um pré-contrato. Na praxe forense, entretanto, a sua aplicação centra-se prioritariamente nas situações de promessa de compra e venda de imóveis, que uma vez descumprida enseja a chamada adjudicação compulsória, também tratada por lei extravagante (Decreto-lei 58/1937). Segundo o art. 16 de referido Decreto-lei, o procedimento da ação de adjudicação compulsória seguirá, independentemente de seu valor, o rito sumário. Registre-se que, após um período de debates sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que não há necessidade do registro do compromisso de compra e venda para que se possa obter a adjudicação compulsória32. A ação de adjudicação compulsória é de direito pessoal, em nada interferindo o registro do compromisso perante o Cartório competente, o que só faz criar direitos perante terceiros.

O art. 466-C do CPC prevê que, na hipótese de contrato sinalagmático, cabe ao devedor provar que a contraprestação foi cumprida ou oferecê-la por meio de depósito em juízo, caso ainda não o tenha feito. A exceção de contrato não cumprido é matéria de defesa que deverá ser alegada pelo réu em sua contestação, “sob pena” de preclusão.

Há entendimento doutrinário no sentido de que, não havendo a comprovação de que ocorreu a contraprestação, o julgamento será de carência de ação e não de improcedência, admitindo-se a repropositura da demanda33. Em respeito ao princípio da economia processual, outro entendimento afirma que, não havendo tal comprovação, a sentença deverá ser de procedência do pedido do autor, condicionando-se a sua eficácia à realização da contraprestação34.

Não se pode concordar com a prolação de sentença de procedência se não houver sido provada a entrega da contraprestação antes desse momento procedimental. Tratando-se de sentença que automaticamente substitui a declaração de vontade do réu, surtindo efeito igual ao do adimplemento da obrigação de contratar, não parece correto admitir o controle posterior a esse ato judicial da contraprestação pelo devedor35.

No tocante à execução de decisão judicial executável que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer e de não fazer, o art. 550 do PLNCPC substitui o art. 461 do CPC/1973.

Os caputs dos dois dispositivos são diferentes: enquanto no art. 461 há previsão de que o juiz pode conceder a tutela específica ou determinar providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, o art. 550 dispõe que o juiz pode adotar medidas executivas para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. A redação anterior de fato era ruim, mas a atual não parece muito melhor.

O texto atual faz parecer que tutela específica e resultado equivalente são espécies diferentes de tutela jurisdicional, quando, na realidade, a liberdade concedida ao juiz para a obtenção do resultado prático equivalente é voltada justamente para se alcançar a tutela específica dos direitos materiais. O texto projetado parece resolver esse problema, mas, ao centralizar a liberdade do juiz na execução da obrigação, parece vincular o juiz ao pedido do autor, não admitindo, dessa forma, que ele conceda tutela diferente da pedida, mesmo que tenha um resultado prático igual ao que seria gerado com o acolhimento do pedido.

Ainda que o texto legal não seja feliz ao centralizar a execução da obrigação, naturalmente posterior a sua fixação em sentença, continuo a acreditar que a norma permite a conclusão no sentido de excepcionar o princípio da adstrição nos pedidos condenatórios de obrigação de fazer e não fazer, podendo o juiz conceder tutela diferente daquela pedida pelo autor, desde que sua efetivação gere na prática um resultado equivalente ao que seria gerado com o acolhimento da tutela pedida expressamente pelo autor.

Diferente do que ocorre com o cumprimento de sentença, que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, o início da execução de sentença que admite a exigibilidade de obrigação de fazer e não fazer independe de provocação do exequente, podendo ser iniciada de ofício, nos termos do art. 550, caput, do PLNCPC.

O § 1.º do artigo ora comentado mantém a consagração do princípio da atipicidade dos meios executivos a indicar um rol exemplificativo destes que podem ser adotados pelo juiz visando à satisfação do direito. Traz como novidade a expressa previsão de intervenção judicial em atividade empresarial ou similar, indicando ainda o caráter residual da medida e determinando a aplicação das regras dos arts. 102 a 111 da Lei 12.529/2011 no § 3.º.

A multa é sem dúvida a “jóia da coroa” das medidas executivas para o cumprimento das obrigações de fazer e não fazer, tanto que mereceu um artigo somente para discipliná-la. No art. 461 do CPC/1973, o § 4.º prevê uma “multa diária”, enquanto o § 5.º dispõe uma “multa por tempo de atraso”. No PLNCPC, a redação originária do art. 550, § 1.º, estabelecia “multa por atraso” e do art. 551, caput, “multa periódica”.

Não havia mais menção a “multa diária”, o que era um avanço, mas pergunta-se: a multa é por tempo de atraso ou periódica? Ou o legislador imaginava que os termos são sinônimos e por isso podem ser utilizados da forma que se encontra nos dispositivos mencionados? Na realidade nunca compreendi essa necessidade legislativa de qualificar a multa e por isso fiquei extremamente satisfeito quando, na redação definitiva dos dispositivos, desapareceu qualquer qualificação à multa, sendo simplesmente previsto “multa”.

Segundo o art. 551, caput, do PLNCPC, a multa, que independe de pedido, pode ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela antecipada, na sentença ou na execução, devendo ser suficiente e compatível com a obrigação. O dispositivo prevê ainda que seja determinado prazo razoável para o cumprimento do preceito (obrigação). O dispositivo mantém a regra de que o valor e o tempo de duração da multa dependem do caso concreto, devendo, por isso, ser determinados pelo juiz da causa. Nesse aspecto, a postura do legislador é elogiável, porque não é adequado limitar uma medida de execução indireta de forma abstrata pela lei.

Por outro lado, não concordo que o juiz deva indicar um prazo para o cumprimento, porque nesse caso o executado pode fazer previamente cálculos e decidir que vale a pena descumprir a obrigação mesmo que lhe venha a ser aplicada a multa. Entendo que a multa deve durar enquanto se mostrar útil a seu fim, qual seja, o cumprimento da obrigação, cabendo ao juiz fazer a análise temporal de sua eficácia durante sua aplicação, e não fixando um termo final antes mesmo de sua aplicação. Por isso, a melhor interpretação do dispositivo é que a fixação de prazo para o cumprimento da obrigação diz respeito ao momento anterior à incidência da multa.

O § 1.º prevê que o juiz, de ofício ou a requerimento, pode modificar o valor e a periodicidade da multa, regra já existente no art. 461, § 6.º, do CPC/1973, quando a multa se tornar insuficiente ou excessiva ou quando o obrigado demonstrar o cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para seu descumprimento. Acredito que esse rol legal seja meramente exemplificativo, em especial porque a multa como pressão psicológica só se justifica na medida em que efetivamente pressionar o obrigado, sendo uma mera sanção processual se aplicada quando se constata sua ineficácia no cumprimento da obrigação.

A principal novidade, entretanto, é a previsão expressa no sentido de que a mudança do valor da multa só se aplica para o futuro. Primeiro, o dispositivo fala em “multa vincenda” e depois afirma expressamente que a mudança não terá “eficácia retroativa”. Significa que o valor consolidado não poderá ser diminuído pelo juiz, o que contraria a posição majoritária da jurisprudência. O entendimento consagra o que a 4.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça chamou de “indústria das astreintes”, quando o exequente abdica da satisfação de seu direito para manter a aplicação da multa durante longo espaço de tempo.

Acredito que o legislador, por exigir do juiz a indicação do tempo de duração da multa no momento de sua fixação, tenha imaginado que assim evitaria a eternização de sua aplicação, numa verdadeira poupança em favor do exequente, decorrente de sua inércia em requerer ao juízo outras formas de satisfação da obrigação diante da ineficácia da multa.

O § 2.º consagra legislativamente entendimento corrente de que o valor gerado pela multa diante do não cumprimento da obrigação tem como credor o exequente. O Projeto originário previa que o exequente só teria direito até o valor de sua obrigação, sendo credor do valor excedente a Fazenda Pública, mas no final prevaleceu o posicionamento atual, reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça.

E o § 4.º cuida do valor a ser executado, ao determinar que a execução da multa periódica abrange o valor relativo ao período de descumprimento já verificado até o momento do seu requerimento, bem como o do período superveniente, até e enquanto não for cumprida pelo executado a decisão que a cominou. Significa que o exequente não precisará de sucessivas execuções, podendo se valer de apenas uma com inclusão das prestações vincendas. Naturalmente que, satisfeito o direito de crédito, e não a obrigação principal, caberá uma nova execução para a cobrança das parcelas vincendas.

A previsão do § 3.º deve ser saudada por duas razões. Primeiro, porque consagra expressamente a eficácia imediata da multa, prestigiando assim a efetividade da tutela executiva em detrimento da segurança jurídica. Segundo, porque deixa claro que a execução definitiva dessa multa depende do trânsito em julgado da sentença, afastando indevida confusão entre executabilidade e provisoriedade sentidas em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça36.

O descumprimento injustificado da ordem judicial é, segundo o art. 550, § 4.º, do PLNCPC, ato de litigância de má-fé e, além da aplicação das sanções previstas na lei processual, o executado pode ser responsabilizado por crime de desobediência.

1 Theodoro Jr., Processo, n. 161, p. 217-218.

2 Informativo 356/STJ, 3.ª T., REsp 482.094-RJ, rel. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Sidnei Beneti, j. 20.05.2008.

3 Dinamarco, Instituições, n. 1.649, p. 490.

4 Araken de Assis, Manual, n. 183.3, p. 525.

5 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 636; Theodoro Jr., Processo, n. 163, p. 219.

6 Greco, O processo, n. 10.11, p. 515; Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 487.

7 Informativo 358, 2.ª T., REsp 872.722-SP, rel. Eliana Calmon, j. 03.06.2008.

8 AgRg nos EDcl no REsp 1.067.903/RS, 3.ª Turma, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 21.10.2008, DJe 18.11.2008.

9 STJ, 3.ª Turma, REsp 763.975/RS, rel. Humberto Gomes de Barros, j. 13.02.2007, DJ 19.03.2007, p. 330; Abelha Rodrigues, Manual, p. 283.

10 Abelha Rodrigues, Manual, p. 282.

11 Dinamarco, Instituições, n. 1.650, p. 491.

12 Araken de Assis, Manual, n. 186, p. 528.

13 Barbosa Moreira, O novo, p. 225; Abelha Rodrigues, Manual, p. 285; Costa Machado, Código, p. 1.142.

14 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 632-633; Nery-Nery, Código, p. 1.020; Theodoro Jr., Processo, n. 168, p. 224.

15 Theodoro Jr., Processo, n. 170, p. 225.

16 Scarpinella Bueno, A nova, p. 60; Greco Filho, Direito, n.11.2, p. 71; Gumerato Ramos, Reforma, p. 179.

17 Theodoro Jr., Processo, n. 168, p. 223.

18 Araken de Assis, Manual, n. 186.2.3, p. 530-531.

19 Barbosa Moreira, O novo, p. 222-223, sugere publicação por meios eletrônicos, afirmando que o ônus da apresentação da proposta é do terceiro, e não do exequente.

20 Marinoni, Técnica, p. 455; Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 490-491.

21 Barbosa Moreira, O novo, p. 224; Nery-Nery, Código, p. 1.020.

22 Theodoro Jr., Processo, n. 174, p. 228; Câmara, Lições, v. 2, p. 235.

23 Araken de Assis, Manual, n. 196, p. 541.

24 Abelha Rodrigues, Manual, p. 288; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 634; Dinamarco, Instituições, n. 1.653, p. 494; Greco Filho, Direito, n. 11.5, p. 73.

25 Barbosa Moreira, O novo, p. 227.

26 Greco, O processo, n. 10.11.2, p. 522.

27 Barbosa Moreira, O novo, p. 225.

28 Dinamarco, Instituições, n. 1.652, p. 492-493.

29 Greco, O processo, n. 10.10, p. 511.

30 Araken de Assis, Manual, n. 202.1, p. 547-548; Marinoni-Mitidiero, Curso, p. 443.

31 Barbosa Moreira, Aspectos, p. 211; Araken de Assis, Manual, n. 202.1, p. 547; Lucon, Código, p. 1.889.

32 Súmula 239: “O direito à adjudicação não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”; Greco, O processo, n. 10.10, p. 512. Contra: Greco Filho, Direito, n. 56.2, p. 267.

33 Theodoro Jr., Processo, n. 478, p. 563; Lucon, Código, p. 1.888.

34 Costa Machado, Código, p. 851. Contra: Greco, O processo, n. 10.10, p. 514.

35 Barbosa Moreira, Aspectos, p. 214.

36 Informativo 422/STJ, 1.ª Turma, REsp 1.098.028-SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 09.02.2010; STJ, 3.ª Turma, AgRg no REsp 1.116.800/RS, rel. Min. Massami Uyeda, j. 08.09.2009, DJe 25.09.2009.