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PROCESSO DE EXECUÇÃO
DE ENTREGA DE COISA

Sumário: 46.1. Execução de entrega de coisa certa – 46.2. Execução de entrega de coisa incerta.

46.1. EXECUÇÃO DE ENTREGA DE COISA CERTA

A petição inicial deverá preencher os requisitos do art. 282 do CPC, naquilo que for aplicável ao processo de execução (não teria sentido exigir do exequente a especificação de provas em um processo que não possui fase probatória), devendo sempre estar acompanhada do título executivo, no caso sempre extrajudicial.

Segundo a previsão do art. 621 do CPC, o executado será citado para dentro do prazo de dez dias satisfazer a obrigação ou, garantindo o juízo, apresentar embargos. A interpretação do dispositivo legal não pode ser feita literalmente, parecendo ter o legislador se esquecido de adequar o dispositivo legal à nova realidade estabelecida pela Lei 11.382/2006, em especial:

(a) a previsão contida no art. 736 do CPC, que dispensa a garantia do juízo como condição para a apresentação de embargos à execução, levando à revogação tácita do art. 622 do CPC; e

(b) a previsão contida no art. 738 do CPC, que estabelece um prazo de 15 dias para os embargos à execução.

O melhor entendimento é de que com a juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ter-se-á o início da contagem de dois prazos1:

(i) 10 dias para o executado cumprir a obrigação, o que impede nesse prazo a adoção de qualquer medida executiva, seja direta ou indireta;

(ii) 15 dias para a apresentação de embargos à execução2, independentemente do depósito da coisa.

Optando pela apresentação dos embargos à execução, o executado poderá oferecer em depósito a coisa, cumprindo assim uma das exigências contidas no art. 739-A do CPC para a concessão do efeito suspensivo aos embargos.

Sendo a opção do executado a entrega da coisa no prazo de dez dias, o direito do exequente estará satisfeito, o que poderia levar à equivocada conclusão da extinção normal do processo de execução, por meio da sentença prevista no art. 794, I, do CPC, visto que, segundo o art. 624 do CPC, após a entrega do bem “lavrar-se-á o respectivo termo e dar-se-á por finda a execução, salvo se tiver de prosseguir para pagamento de frutos ou ressarcimento de prejuízos”.

Entendo ser necessária a intimação do exequente para que se manifeste a respeito do bem oferecido em depósito, porque não há obrigatoriedade de aceitar bem diverso daquele que consta do objeto da obrigação, ainda que de maior valor. Sendo aceito o bem oferecido em depósito, e, havendo frutos ou ressarcimentos de danos, a execução não será extinta, mas a sua natureza será convertida, dado que a execução seguirá para o pagamento em dinheiro dos frutos ou prejuízos (execução por quantia certa). Na realidade, ainda que não existam frutos e/ou ressarcimentos, a execução prosseguirá para a cobrança das custas e despesas processuais, somente havendo a extinção quando, além da entrega da coisa, o executado também realizar imediatamente o pagamento dessas verbas de sucumbência3.

Na hipótese de apresentação de embargos e de oferecimento da coisa em depósito, apesar da omissão legislativa, o exequente deverá ser ouvido para se manifestar sobre o bem oferecido pelo executado, em respeito ao princípio do contraditório. Sabe-se que somente a coisa que se procura obter com a execução é hábil para garantir o juízo, significando dizer que nem sempre o executado oferece o bem correto, devendo o juiz zelar pela correspondência entre a coisa que constitui o objeto da execução e o objeto do depósito. Caso o juiz decida pela correção do oferecimento, lavrar-se-á termo de depósito, que, após ser assinado pelo executado, habilitará a concessão do efeito suspensivo aos embargos. Naturalmente, em situações de extrema urgência, poderá o juiz conceder imediatamente o efeito suspensivo e depois ouvir o exequente, com a aplicação do contraditório diferido.

A terceira conduta possível ao executado é a manutenção de seu estado de inadimplência, omitindo-se por completo à ordem do juiz contida no mandado de citação. Sendo o prazo para entrega previsto no art. 621 do CPC de dez dias, e sendo aplicável à execução de entrega de coisa o art. 738 do CPC (15 dias de prazo para os embargos à execução), entendo que transcorrido dez dias sem manifestação do executado, o juiz poderá fazer incidir medidas de execução indireta e determinar a realização de atos de execução direta.

Apesar de o art. 621, parágrafo único, do CPC prever que o juiz poderá, ao despachar a petição inicial, fixar multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação (astreintes), essa multa – que na realidade não precisa ser diária – só passará a ser exigida após o vencimento do prazo legal concedido pela lei para que o executado cumpra a sua obrigação4. Ainda que não tenha fixado a multa no despacho da petição inicial, diante da inércia do executado poderá determiná‑la a qualquer momento do processo. Além da fixação da multa caberá ao juiz a expedição de mandado de busca e apreensão – bens móveis – ou de imissão de posse – bens imóveis.

Essas medidas serão adotadas tanto na hipótese de o executado não ingressar com embargos à execução no prazo de 15 dias como também diante da ausência de efeito suspensivo dos embargos. Registre-se que os atos materiais de execução serão praticados para gerar a imediata satisfação do direito do exequente, com a entrega da coisa, o que, entretanto, não extinguirá o processo na hipótese de existirem embargos à execução ainda pendentes de julgamento. Havendo concessão de efeito suspensivo nos embargos, o que pelas exigências legais só será admissível com o depósito da coisa, entendendo que a coisa não pode ser entregue ao exequente, devendo-se aguardar o julgamento dos embargos. Sendo julgados improcedentes, a coisa será entregue ao exequente; julgados procedentes, a coisa será devolvida ao executado5.

É ainda possível que o executado, mesmo depositando a coisa em juízo, não consiga o efeito suspensivo em razão do não preenchimento de outros requisitos exigidos no art. 739-A do CPC. Nesse caso, caberá a entrega imediata da coisa depositada ao exequente, devendo-se interpretar o art. 623 do CPC no sentido de que a coisa só não poderá ser levantada antes do julgamento dos embargos se o juiz no caso concreto tiver concedido efeito suspensivo aos embargos6.

Na hipótese de a coisa devida estar no patrimônio de terceiro e de ter sido desviada de forma fraudulenta, será ali buscada, sendo que o terceiro que a adquiriu somente será ouvido pelo juízo depois de depositá-la em juízo, ou seja, após a garantia do juízo (art. 626 do CPC). Caso o exequente entenda que a execução para a entrega de coisa deixou de ser interessante em razão de a coisa estar no patrimônio de terceiro, poderá converter a execução de entrega em execução de pagar quantia certa7.

Há entendimento doutrinário que limita essa exigência ao processo de execução, de forma a ser admissível a apresentação de defesa por meio de outra ação sem a necessidade de garantia do juízo8. Existe dissenso doutrinário a respeito da forma processual adequada para o terceiro se defender por meio de uma ação incidental ao processo de execução. Parcela da doutrina entende que essa defesa seja realizada por meio de embargos de terceiro9, enquanto outra parcela minoritária entende que a defesa será apresentada por meio de embargos à execução por considerar o terceiro adquirente como sucessor do executado10. Nesse caso, é acertado o entendimento de que os embargos à execução não dependem de garantia do juízo, compatibilizando-se o art. 627 do CPC com o art. 736, caput, do CPC.

É possível que o bem não seja localizado, tendo se deteriorado ou desaparecido, situação que ensejará a conversão da execução para a entrega de coisa em execução por quantia certa para cobrança do valor da coisa, além do montante devido como reparação de perdas e danos e eventualmente o valor da multa aplicada (astreinte). A definição de tal valor dar-se-á por meio de uma liquidação incidente, dispensada quando o exequente pretender obter somente o valor da coisa e tal valor já estiver indicado no título executivo.

Havendo benfeitorias na coisa, deve ser instaurado um processo de liquidação de sentença antes do processo de execução. O art. 628 do CPC dispõe que, no caso de benfeitorias indenizáveis feitas pelo devedor ou terceiros, sua liquidação prévia é obrigatória. Existindo saldo em favor do executado, o exequente depositará o valor ao requerer a entrega da coisa; havendo saldo em favor do exequente, este poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo. Não havendo tal liquidação prévia, é possível ao executado suspender a execução por meio da interposição de embargos à execução (art. 745, IV, do CPC).

O art. 822, caput, do PLNCPC aumenta o prazo de satisfação da execução de dez para quinze dias, além de excluir a indevida exigência de garantia prévia do juízo para a admissão dos embargos à execução.

46.2. EXECUÇÃO DE ENTREGA DE COISA INCERTA

O processo de execução de entrega de coisa incerta seguirá basicamente as mesmas regras procedimentais analisadas anteriormente, sendo que a única diferença diz respeito ao procedimento de individualização da coisa, que deverá ocorrer no início do processo executivo. Após a escolha, a coisa passa a ser certa e o procedimento seguirá as regras já estudadas11. Segundo o art. 629 do CPC, tal execução tomará lugar sempre que recair sobre coisas determinadas pelo gênero e quantidade.

Coisa incerta não se confunde com coisa fungível12 (coisa móvel que pode ser substituída por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade – art. 85 do CC), devendo a execução seguir o rito anteriormente analisado da execução para a entrega de coisa certa. Sendo a qualidade a mesma para todas as coisas, a individualização é irrelevante, já que a satisfação se dará da mesma forma qualquer que seja o bem entregue13. A condenação consistente em entregar dez bolas de futebol de determinada marca e modelo não exige o procedimento estabelecido pelos arts. 629 e 630 do CPC, e quaisquer dez bolas destacadas de um lote acarretarão a satisfação plena do credor.

Coisa incerta, assim, deve ser considerada coisa indeterminada – mas determinável –, em que a escolha tem a sua importância em razão da diferente qualidade entre os bens que poderão ser escolhidos. Exemplificativamente é possível lembrar de uma obrigação de entregar um filhote de cachorro proveniente da cria de uma cadela específica, quando jamais todos os filhotes serão iguais. Certamente haverá o mais dinâmico, o mais magro, o mais belo, o mais alegre, o mais bravo, o mais dengoso, e assim por diante. Aqui, certamente, a escolha é fundamental, e aí sim estaremos diante de execução de coisa incerta.

Em princípio, o direito de escolha deve estar previsto no próprio título executivo, e, sendo omisso, a escolha caberá ao devedor. Quando a escolha couber ao exequente, este deverá indicar o bem já na petição inicial, tornando certa a coisa desde o início da demanda, sob “pena” de preclusão14. Sendo omissa a petição inicial, a escolha automaticamente é repassada ao executado, presumindo-se que o exequente renunciou ao seu direito de escolha. Esse direito de escolha, entretanto, retornará ao exequente se o executado, instado a se manifestar sobre a escolha da coisa, deixar de fazê-lo15.

Caso seja o direito de escolha do executado, este será citado para entregar ou depositar o bem incerto em dez dias. É claro que, se entregar ou depositar o bem, estará individualizando a coisa, mas também é possível imaginar a simples indicação do executado a respeito do bem, sem entregá-lo ou depositá-lo. Nesse caso, a execução seguirá o rito da execução para a entrega de coisa certa, em razão da opção feita pelo executado. No silêncio do executado o direito de escolha passará a ser do exequente.

A escolha da coisa incerta segue norma de direito material, mais precisamente o art. 244 do CC, que determina que, nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, o devedor não pode dar a pior nem está obrigado a dar a melhor coisa. Tratando-se de bens de diferente qualidade, poderão surgir conflitos quanto à escolha feita pela parte contrária, situação resolvida pelo art. 630 do CPC, que determina que “qualquer das partes poderá, em 48 (quarenta e oito) horas, impugnar a escolha feita pela outra, e o juiz decidirá de plano, ou, se necessário, ouvindo perito de sua nomeação”.

Tendo sido feita a escolha pelo exequente em sua petição inicial, o executado terá 48 horas contadas da juntada do mandado de citação devidamente cumprido aos autos, suspendendo-se o prazo de dez dias para entregar ou depositar o bem até a solução do incidente16. Se a escolha couber ao executado, assim que indicado o bem, entregue ou depositado em juízo, o exequente terá 48 horas para impugnar a escolha. Impugnada tempestivamente a escolha, o juiz deverá decidir de plano, podendo em casos mais complexos valer-se do auxílio de perito de sua nomeação (art. 630 do CPC).

O art. 828 do PLNCPC aumenta de 48 horas para quinze dias o prazo de impugnação da escolha feita por uma das partes, tema atualmente versado pelo art. 630 do CPC/1973.

1 Abelha Rodrigues, Manual, p. 275.

2 Barbosa Moreira, O novo, p. 216; Theodoro Jr., Processo, n. 147, p. 205; Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 494; Marinoni-Arenhart, Execução, p. 468.

3 Barbosa Moreira, O novo, p. 216; Araken de Assis, Manual, n. 171, p. 511.

4 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 626.

5 Theodoro Jr., Processo, n. 147, p. 206; Fidélis dos Santos, Execução, p. 764. Contra, admitindo o levantamento da coisa mediante a prestação de caução: Marinoni-Mitidiero, Código, p. 627.

6 Theodoro Jr., Processo, n. 148, p. 207; Didier-Cunha-Braga-Oliveira, Curso, p. 496.

7 Barbosa Moreira, O novo, p. 217; Theodoro Jr., Processo, n. 150, p. 208; Greco, O processo, n. 9.3, p. 473.

8 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 628. Contra: Abelha Rodrigues, Manual, p. 276; Fidélis dos Santos, Execução, p. 765.

9 Nery-Nery, Código, p. 1.017; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 628; Abelha Rodrigues, Manual, p. 276.

10 Greco, O processo, n. 9.3, p. 472.

11 Dinamarco, Instituições, n. 1.639, p. 477; Barbosa Moreira, O novo, p. 219; STJ, 4.ª Turma, REsp 327.650/MS, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26.08.2003, DJ 06.10.2003, p. 273.

12 Araken de Assis, Manual, n. 176, p. 516.

13 Barbosa Moreira, O novo, p. 219.

14 Araken de Assis, Manual, n. 177.1, p. 517.

15 Araken de Assis, Manual, n. 177.1, p. 517; Theodoro Jr., Processo, n. 155, p. 212; Greco, O processo, n. 9.4, p. 477.

16 Barbosa Moreira, O novo, p. 220; Araken de Assis, Manual, n. 177.2, p. 518; Marinoni-Arenhart, Execução, p. 470.