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Sumário: 53.1. Conceito – 53.2. Pressupostos para a concessão do arresto – 53.3. Aspectos procedimentais.
O arresto é uma espécie de ação cautelar que busca garantir a efetividade da futura execução de pagar quantia certa, consistindo na apreensão de bens indeterminados do patrimônio do devedor, de forma que, no momento adequado, possa ser realizada a penhora de tais bens (ou arrecadação na execução concursal). Diferente da previsão do art. 818 do CPC, o arresto não se resolve em penhora quando julgada procedente a ação, mas somente no momento adequado dentro do procedimento executivo ocorre a incidência da penhora sobre o bem que estava arrestado1. Como forma de evitar a dilapidação patrimonial, o arresto permite a apreensão e o depósito de bens do devedor para que a execução de pagar quantia certa resulte em efetiva satisfação do direito do exequente.
Note-se que o arresto cautelar ora analisado não se confunde com o arresto executivo previsto no art. 653 do CPC e devidamente analisado no Capítulo 47, item 47.1.3. Tratando-se de medida cautelar, o arresto previsto nos arts. 813 a 821 do CPC não se confunde com a penhora, ato executivo que visa a satisfação do direito, não sendo apropriada para esse tipo de arresto a utilização de termos como “penhora antecipada”2. Ainda que num trâmite procedimental regular o bem arrestado cautelarmente seja em determinado momento penhorado, a distinção entre a natureza desses dois atos é necessária, até porque o arresto cautelar só existe quando presentes no caso concreto o fumus boni iuris e o periculum in mora, enquanto a penhora é ato natural do procedimento executivo.
Apesar da indiscutível diferença existente entre o arresto cautelar e a penhora, como a medida cautelar garante a futura realização do ato executivo, é natural que algumas regras procedimentais, em especial referentes aos bens que podem ser objeto do arresto, sigam as determinações relativas à penhora, conforme previsão do art. 821 do CPC. Dessa maneira, qualquer bem penhorável – móvel ou imóvel – do patrimônio do devedor pode ser objeto de arresto, sempre com a aplicação subsidiária do art. 659 do CPC, limitando-se o ato de constrição cautelar a bens cujo valor aproximado seja suficiente para a satisfação integral do direito de crédito (incluindo-se o principal, juros e verbas de sucumbência). Somente na excepcional hipótese de o arresto servir à garantia de uma execução concursal, a constrição judicial atingirá a totalidade do patrimônio do devedor3.
Com a realização do arresto cautelar, o requerido perde o poder de livre disponibilidade material e jurídica sobre a coisa arrestada, o que se supõe ser suficiente para evitar a sua deterioração ou desvio. Mesmo quando o bem constrito judicialmente permanece em poder do requerido, há uma modificação na qualidade da posse, considerando-se que o requerido passa a ser o depositário de tal bem. Conforme analisado no Capítulo 68, item 68.5, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que não cabe a prisão do depositário infiel – judicial e convencional –, mas a eventual alienação do bem arrestado é parcialmente ineficaz (perante o credor)4, tratando-se da mais grave espécie de fraude à execução, conforme analisado no Capítulo 38, item 38.6.3.
Como toda medida cautelar, também o arresto depende da existência no caso concreto do fumus boni iuris e do periculum in mora. Em regra, a probabilidade da existência do direito e o perigo de dano em razão do tempo necessário à concessão da tutela definitiva serão analisados casuisticamente pelo juiz no caso concreto, não havendo indicações legais a respeito de tais pressupostos. Por vezes, entretanto, o legislador se arrisca a indicar na lei como seriam configurados esses pressupostos no caso concreto, como ocorre no arresto cautelar.
Apesar da inegável importância dos arts. 813 e 814 do CPC, na determinação do fumus boni iuris e do periculum in mora na cautelar de arresto, está correta a doutrina ao afirmar que o casuísmo legal sempre será deficitário, não sendo legítima a negação de arresto cautelar se, mesmo em desconformidade com o texto legal, o juiz entender no caso concreto que os pressupostos genéricos para a concessão da tutela cautelar estão preenchidos5. Nem é necessária a qualificação de cautelar inominada, em vez de arresto, pois, nesse caso, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça6, basta admitir a maior amplitude dessa espécie de cautelar nominada, até porque medida cautelar de constrição de bens para garantir futura execução de pagar quantia certa será sempre arresto, qualquer que seja o nome dado a essa medida cautelar7.
De qualquer forma, os artigos mencionados têm sua relevância, prestando-se de norte ao juiz na análise da presença ou não do fumus boni iuris e do periculum in mora na cautelar de arresto.
Segundo o art. 814, I, do CPC, exige-se para a concessão do arresto a prova literal de dívida líquida e certa, com o que se demonstra a presença do fumus boni iuris. Não é necessário que o requerente do arresto já possua um título executivo judicial, bastando para o preenchimento do requisito legal a existência de uma prova documental que, diante de cognição sumária do juízo, seja suficiente para criar, num juízo de probabilidade, a crença judicial de que provavelmente o requerente é titular do direito material que fundamentará a futura execução por quantia certa. É importante registrar que, mesmo já tendo condições de ingressar com a execução, é cabível o arresto cautelar, considerando-se que a medida de urgência pode se mostrar no caso concreto mais eficaz que a prática de atos de satisfação por meio de uma execução8. Entendo, inclusive, que nesse caso o arresto possa ser requerido incidentalmente na própria petição/requerimento inicial da execução, nos termos do art. 615, III, do CPC.
A prova literal deve ser de dívida líquida e certa, o que limita o arresto às obrigações de pagar quantia certa. Existe polêmica doutrinária a respeito da necessidade de prova literal, entendida como prova documental para a concessão do arresto, sendo preferível o entendimento mais liberal que permite o convencimento sumário do juiz em decorrência de qualquer meio de prova, tal como a testemunhal e depoimento pessoal9. A liquidez e a certeza da obrigação são as mesmas exigidas para a obrigação representada em título executivo (art. 586 do CPC), afastando-se o requisito referente à exigibilidade da obrigação10. Para parcela doutrinária, sendo o crédito ilíquido, admite-se o arresto desde que o requerente instrua a petição inicial com laudo extrajudicial firmado por perito idôneo ou peça de forma liminar, em segredo de justiça, uma prévia liquidação pelo juiz11. Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça, infelizmente, adota tese restritiva, entendendo ser indispensável a existência de prova documental de dívida líquida e certa para a concessão do arresto12.
O art. 814, parágrafo único, do CPC admite expressamente o arresto com amparo em obrigação ilíquida ao equiparar à prova literal de dívida líquida e certa a sentença líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa se converter. O arresto cautelar é um dos efeitos secundários da sentença, de forma que será admitida a medida cautelar ainda que o recurso pendente de julgamento tenha sido recebido no efeito suspensivo.
O periculum in mora é descrito pelo art. 813 do CPC, sendo que o art. 814, II, do CPC prevê que, para a concessão do arresto, umas das circunstâncias indicadas no artigo precedente deve ser demonstrada por meio de prova documental ou de justificação prévia. Reforce-se o entendimento de que se trata de rol meramente exemplificativo13 e de que o juiz não está adstrito ao texto legal, até porque todas as causas previstas no dispositivo estão condicionadas à prática de atos voluntários – culposos ou dolosos – do devedor, quando na realidade para o arresto não é indispensável a má-fé do devedor, bastando a existência de ameaça objetiva, que pode ser gerada por caso fortuito ou força maior14. Por outro lado, o juiz pode indeferir a tutela cautelar se entender que, mesmo comprovada uma das circunstâncias do art. 813 do CPC, não existe no caso concreto periculum in mora15.
Segundo o art. 813 do CPC, quando o devedor não tiver domicílio certo, estará presente o periculum in mora sempre que o requerente conseguir demonstrar que ele intenta ausentar-se, alienar os bens que possui ou deixar de pagar a obrigação no prazo estipulado. Tendo domicílio certo, cabe ao requerente provar que se ausenta ou tenta se ausentar furtivamente ou, caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui, contraia ou tenta contrair dívidas extraordinárias, põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros, comete qualquer outro artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores. Na hipótese de devedor possuir bens de raiz, cabe ao requerente demonstrar que o devedor intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas.
O arresto segue fundamentalmente o procedimento cautelar comum, já analisado no Capítulo 52, item 52.4, aplicando-se a ele as regras referentes à penhora que não contrariem a previsão expressa dos arts. 813 a 821 do CPC. Algumas previsões específicas parecem inúteis, afirmando o que já seria possível se extrair da teoria geral das cautelares, como ocorre no art. 815 do CPC, que prevê ser a audiência de justificação realizada de plano e em segredo de justiça e o art. 817 do CPC, que, excluindo a hipótese de reconhecimento de prescrição e decadência, prevê que a sentença proferida no arresto não faz coisa julgada na ação principal16.
Segundo o art. 816, caput e inciso I, do CPC, o juiz concederá o arresto independentemente de justificação prévia quando for requerido pela Fazenda Pública, nos casos previstos em lei. É norma legal de difícil compreensão, mas certamente limitada à concessão do arresto liminarmente, momento procedimental adequado para a realização da audiência de justificação. Não é admissível o entendimento de que o legislador permitiria ao juiz, mesmo diante da ausência do preenchimento dos requisitos dos arts. 813 e 814, II, do CPC (demonstração do periculum in mora), a concessão de arresto cautelar em favor da Fazenda Pública17. Parece mais correto o entendimento de que a dispensa da justificação prevista pela norma legal funciona somente como confirmação expressa – ao menos no caso da Fazenda Pública – do estrito cumprimento dos requisitos previstos pelos dois artigos mencionados18.
Também há previsão de dispensa de audiência de justificação sempre que o autor da cautelar prestar caução, o que leva parcela doutrinária a entender que a caução, para fins de concessão de arresto liminar, substitui os pressupostos indicados pelos arts. 813 e 814 do CPC, que deverão ser comprovados no caso concreto somente para fins de concessão de sentença de procedência, após o devido desenvolvimento procedimental da cautelar19. Não concordo com esse entendimento, porque, mesmo em sede liminar, a plausibilidade do direito e o perigo de lesão devem ser devidamente valorados pelo juiz, não se podendo imaginar que pelo simples fato de o autor ter uma condição financeira estável, tendo condições de prestar a caução, seja agraciado com a liminar do arresto, ainda que o juiz não verifique, nem mesmo sumariamente, qualquer indicativo de presença do periculum in mora, no caso concreto20. Aplica-se o que já foi objeto de comentário no Capítulo 52, item 52.5, a respeito da liminar cautelar.
As causas de suspensão da execução do arresto estão previstas no art. 819 do CPC:
(I) com o pagamento ou depósito em juízo da importância da dívida, acrescido o valor final das custas processuais e dos honorários advocatícios;
(II) der fiador idôneo ou prestar caução para garantir a dívida, acrescido o valor final das custas processuais e dos honorários advocatícios.
Na realidade, sendo realizado o pagamento da dívida, conforme expressamente previsto pelo art. 820, I, do CPC, o processo cautelar de arresto será extinto21. Na hipótese do oferecimento de outras espécies de garantia para o pagamento da dívida – depósito do valor, fiador, caução real –, caberá ao juiz a análise da idoneidade e suficiência de tais garantias, sendo também admissível a aplicação por analogia do art. 656, § 2.º, admitindo-se a prestação de fiança bancária ou seguro garantia judicial em valor não inferior ao do débito acrescido de 30%22.
Apesar de o art. 820 do CPC prever que cessa o arresto pelo pagamento, novação ou transação, correto o entendimento de que os incisos do dispositivo legal contemplam algumas espécies de causas extintivas do crédito acautelado, de forma que a melhor interpretação é a que considera o rol legal meramente exemplificativo. Se por qualquer causa prevista no direito material o direito de crédito for extinto, não há mais o que garantir, sendo natural a extinção do arresto. Também cessa o arresto nos casos previstos no art. 808 do CPC e quando o bem arrestado passa a ser objeto de penhora23.
No PLNCPC não existe mais previsão de cautelares nominadas.
1 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 770, Greco Filho, Direito, v. 3, n. 35, p. 191; Fidélis dos Santos, Manual, n. 1.409, p. 339.
2 Theodoro Jr., Processo, n. 151, p. 187; Abelha Rodrigues, Manual, p. 683; Orione, Processo, n. 22.3, p. 227. Contra, tratando o arresto cautelar como “pré-penhora”: Informativo 421/STJ: 4.ª Turma, REsp 293.287-SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 04.02.2010.
3 Theodoro Jr., Processo, n. 168, p. 206; Abelha Rodrigues, Manual, p. 683.
4 Bomfim Marins, Comentários, p. 186.
5 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 767-768; Bomfim Marins, Comentários, p. 195-196; Abelha Rodrigues, Manual, p. 685; Fux, Curso, p. 1.619.
6 STJ, 3.ª Turma, REsp 714.675/MS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 25.09.2006, DJ 09.10.2006; REsp 753.788/AL, 5.ª Turma, rel. Min. Felix Fischer, j. 04.10.2005, DJ 14.11.2005.
7 Câmara, Lições, v. 3, p. 93-94.
8 Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 125; Orione, Processo, n. 24.2, p. 243-245.
9 Câmara, Lições, v. 3, p. 98.
10 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 768; Galeno Lacerda, Comentários, n. 18, p. 52.
11 Baptista da Silva, Do processo, p. 267.
12 STJ, 4.ª Turma, REsp 293.376/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06.12.2007, DJ 17.12.2007, p. 173.
13 STJ, 3.ª Turma, REsp 909.478/GO, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.08.2007, DJ 27.08.2007, p. 249.
14 Galeno Lacerda, Comentários, n. 14, p. 40; Câmara, Lições, v. 3, p. 93; Abelha Rodrigues, Manual, p. 686.
15 Baptista da Silva, Do processo, p. 244; Câmara, Lições, v. 3, p. 93.
16 Galeno Lacerda, Comentários, n. 21, p. 59, e n. 23, p. 61; Bomfim Marins, Comentários, p. 200-201.
17 Câmara, Lições, v. 3, p. 99.
18 Galeno Lacerda, Comentários, n. 22, p. 60.
19 Theodoro Jr., Processo, n. 158, p. 193; Baptista da Silva, Do processo, p. 272.
20 Câmara, Lições, v. 3, p. 100.
21 Baptista da Silva, Do processo, p. 280; Oliveira, Comentários, n. 27, p. 67; Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 148.
22 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 770.
23 Theodoro Jr., Processo, n. 197, p. 230-231; Oliveira, Comentários, n. 28, p. 69-70; Greco Filho, Direito, v. 3, n. 1.428, p. 353.