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PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

Sumário: 58.1. Introdução – 58.2. Legitimidade: 58.2.1. Legitimidade ativa; 58.2.2. Legitimidade passiva – 58.3. Competência: 58.3.1. Inaplicabilidade da regra estabelecida pelo art. 800 do cpc; 58.3.2. Prevenção do juízo da produção antecipada de provas – 58.4. Aspectos procedimentais: 58.4.1. Petição inicial; 58.4.2. Mérito da produção antecipada de provas; 58.4.3. Liminar; 58.4.4. Respostas do requerido; 58.4.5. Preparação e realização da prova; 58.4.6. Sentença.

58.1. INTRODUÇÃO

O processo de produção antecipada de provas, previsto pelos arts. 846 a 848 do CPC, tem como objeto a produção de prova antes do momento adequado para tanto, qual seja a fase probatória do processo de conhecimento, em razão do perigo de demora para a realização de tal fase procedimental. É tradicional a crítica da doutrina pátria ao nome dado pelo legislador a esse processo cautelar, considerando-se que a prova não chega a ser produzida antecipadamente, somente assegurando-se que essa produção seja realizada futuramente no momento oportuno1. Tratar-se-ia, portanto, de processo de asseguração de prova, e não de produção antecipada de prova.

Não concordo com esse entendimento majoritário, fruto de indevida concepção a respeito das fases do procedimento probatório. Não resta dúvida de que a valoração da prova não cabe ao juízo do processo cautelar, sendo realizada exclusivamente pelo juízo do processo principal que receberá emprestada a prova do processo cautelar. Ocorre, entretanto, que produção e valoração da prova não se confundem, sendo duas fases distintas do procedimento probatório, de forma que na cautelar a prova é efetivamente produzida, vindo a ser valorada somente em processo posterior. O nome “produção antecipada de provas”, portanto, é correto e não merece as constantes críticas que recebe da doutrina nacional2.

Embora a produção antecipada de provas seja tratada como ação cautelar pelo Código de Processo Civil, há doutrinadores que duvidam de sua natureza cautelar em algumas hipóteses específicas. Processos que tenham como pretensão do autor simplesmente a apropriação de determinados dados para o ingresso de futura e eventual demanda não seriam cautelares, considerando-se que, nesse caso, haveria a satisfação do direito do autor, não apenas a sua assecuração3.

Para outra parcela doutrinária, que entendo mais correta, o obstáculo à futura produção eficaz da prova (impossibilidade ou dificuldade) deve ser entendido tanto no sentido material como no jurídico4. Na ação reivindicatória sobre terras rurais em que é exigida a descrição da área na petição inicial, sob pena de inépcia, poderia se exigir do autor o ingresso de uma produção antecipada de provas para obter os dados necessários à correta propositura da demanda. Nesse caso, não haveria perigo para a produção da prova, mas, sem a produção antecipada, a ação reivindicatória jamais poderia ser proposta. E sem ela, como visto, seria impossível falar tanto em resultado favorável como em eficácia de tal resultado. Estar-se-ia, nesse caso, diante de uma impossibilidade jurídica, e não material.

58.2. LEGITIMIDADE

58.2.1. Legitimidade ativa

O processo de produção antecipada de provas – assim como todo processo autônomo probatório – tem interessante aspecto no que diz respeito à sua legitimação ativa, sendo, nesse particular, absolutamente diferente das outras medidas cautelares antecedentes. Como regra, o autor da ação cautelar será também o autor da ação principal, à qual a primeira se refere em virtude da característica de instrumentalidade hipotética já analisada. Os polos ativos das duas demandas são formados, em regra, pelo mesmo sujeito, mas essa regra poderá ser excepcionada quando a cautelar tiver natureza probatória em geral, incluída a produção antecipada de provas.

A prova obtida no processo cautelar ora analisado poderá ser útil também ao eventual réu do processo principal, que poderá utilizar tal prova na tentativa de convencer o juiz de suas razões defensivas, de modo a evitar a sua derrota no processo5. Esse aspecto, inclusive, é bastante curioso, a demonstrar, de forma indubitável, que as cautelares probatórias devem ser tratadas distintamente. A cautelar, nesse caso, estaria a serviço do resultado negativo do processo, que poderia não se verificar caso a prova não tivesse sido produzida antecipadamente. É a preservação do direito de exceção do réu, o que se afasta por completo da regra geral de garantia do direito do autor vencedor do processo principal.

Em determinadas situações, até mesmo o sujeito que não se mostre nem autor nem réu de eventual processo principal poderá ingressar com a cautelar de produção antecipada de provas, desde que demonstre seu interesse jurídico para tanto6. A permissão para que o terceiro seja considerado parte legítima na cautelar de produção antecipada de provas exige que entre ele e alguma das partes exista alguma espécie de relação jurídica de direito material, da qual resultaria um interesse jurídico do terceiro na produção da prova. Por não ser essa relação jurídica que será discutida no processo principal, deve-se exigir que o resultado deste gere, de alguma forma, um efeito jurídico na relação jurídica mantida entre o autor da cautelar – que não participará, ao menos como autor ou réu, do processo principal – e o réu – que deverá figurar como parte no eventual processo principal.

58.2.2. Legitimidade passiva

Não restam grandes dúvidas de que, no polo passivo do processo em análise, deve figurar um sujeito que participe de alguma relação jurídica com o requerente e que terá contra ele oposta, no processo principal, a prova produzida antecipadamente. Como garantia do princípio do contraditório, seria, em tese, inadmissível a utilização de uma prova contra um sujeito que não tenha participado de sua formação7.

Interessante questão que se coloca na doutrina nacional diz respeito à possibilidade de propositura do processo cautelar probatório em situações em que o requerente desconhece o legitimado passivo para o processo principal e, como consequência óbvia, também o desconhece para o processo cautelar. Caso não seja possível ao autor a indicação do sujeito que deverá figurar no polo passivo, deixa de cumprir a exigência do art. 801, II, do CPC, por indicar pessoa incerta a compor o polo passivo. O que resta saber é como se dará o procedimento em tais hipóteses; deve-se citar por edital, conforme determina o art. 231, I, do CPC, ou indicar imediatamente um advogado dativo ou curador ao réu incerto?

Segundo as lições de parcela doutrinária8, seria caso de indicação imediata de curador especial, até mesmo porque essa seria a consequência natural nas hipóteses em que o réu é citado por edital e não se manifesta no prazo concedido. Não parece correto, entretanto, esse entendimento, porque, diante da ausência de previsão específica em nosso ordenamento, não há como deixar de aplicar o disposto no art. 231, I, do CPC, que serve como regra geral e exige, no caso de réu incerto, a citação por edital. Lembre-se que a citação por edital, ficta por natureza, objetiva dar ciência ao réu da existência do processo, e sua omissão – apesar de muito frequente na praxe forense – é a consequência não desejada por tal citação. Ao realizar uma citação ficta, o desejo do legislador é de que o réu tome conhecimento do processo e, efetivamente, manifeste-se, o que representaria o respeito integral e indiscutível ao princípio do contraditório. O silêncio do réu representa a frustração do principal objetivo de tal forma de citação.

No entanto, tem-se plena consciência de que a citação por edital – tradicionalmente complexa e demorada – pode mostrar-se absolutamente incompatível com a celeridade exigida para os processos cautelares e de que o atraso em sua efetivação pode causar a plena ineficácia da tutela. Em situações em que o juiz entender dessa forma no caso concreto e, por meio de uma cognição sumária, convencer-se, provisoriamente, de que o réu é de fato pessoa incerta, poderá imediatamente indicar um advogado dativo ou curador especial ao mesmo, com a consequente produção da prova. Nessas hipóteses, será imprescindível certa flexibilização do contraditório a ensejar a efetividade da tutela, valor que também deve ser o centro de atenção do processualista moderno.

58.3. COMPETÊNCIA

58.3.1. Inaplicabilidade da regra estabelecida pelo art. 800 do CPC

A regra de competência do processo cautelar, prevista no art. 800, caput, do CPC, é bastante simples: será competente o juízo do processo principal para conhecer e julgar o processo cautelar. A doutrina majoritária entende que não existe processo de produção antecipada de prova quando já pendente de julgamento o processo principal, mas, havendo a necessidade de produção de prova urgente em outro juízo – incompatível com a natural demora da expedição e cumprimento de carta precatória –, entendo possível o ingresso de processo cautelar de antecipação de prova no foro em que a prova deve ser produzida9.

No que se refere às cautelares chamadas preparatórias, o juízo competente, segundo a previsão legal, é o do processo principal. Ao ingressar com a cautelar, o requerente deve vislumbrar qual o juízo será o competente para o julgamento do processo principal, a ser eventual e futuramente proposto, de forma a determinar a competência do processo cautelar. Questão bastante complexa no tocante ao processo cautelar de produção antecipada de provas é saber se é aplicável a regra geral prevista pelo art. 800, caput, do CPC, ou, no caso de resposta negativa, por quais razões.

Em respeito ao princípio da eficiência da medida cautelar, em determinadas situações não há sentido em exigir a propositura de um processo cautelar antecedente no juízo competente para conhecer do futuro e eventual processo principal quando isso puder frustrar em absoluto o objetivo cautelar em razão da “urgência urgentíssima” buscada pela medida. Ao tratar, especificamente, das cautelares constritivas de coisas e pessoas, há parcela significativa da doutrina que defende a possibilidade de ingresso da ação cautelar no foro do local onde se encontrem essas coisas ou pessoas, pouco importando qual seria o juízo competente para conhecer o processo principal10.

No caso das cautelares probatórias, a regra prevista pelo art. 800, caput, do CPC mostra-se de todo inadequada e deve ser afastada em respeito ao princípio da eficácia da medida cautelar. Ao afastarem-se os casos de extrema urgência, a aplicação indiscriminada de tal regra funcionaria como obstáculo não à efetivação da medida em si – que poderia ser efetivada mesmo respeitando-se o dispositivo legal –, mas a sua efetivação de forma mais rápida, simples e barata. Como se nota, entretanto, não se pretende limitar às situações excepcionais de extrema urgência a não aplicação para as cautelares probatórias do art. 800 do CPC, pois parece mais adequado transformar em regra para essas cautelares probatórias a inaplicabilidade da regra de competência prevista no artigo legal ora analisado11. A respeitar o princípio da eficiência da medida cautelar, somado à circunstância de que a valoração da prova produzida não é realizada pelo juiz do processo cautelar, mas sim do processo principal, resta absolutamente ilógico exigir que o juízo competente para a cautelar de produção antecipada de provas seja o competente para a futura e eventual ação principal.

58.3.2. Prevenção do juízo da produção antecipada de provas

No tocante à prevenção do juízo do processo cautelar de produção antecipada de provas para o processo principal, há uma nítida divergência tanto doutrinária quanto jurisprudencial. Existe uma corrente doutrinária que defende, de forma peremptória, a prevenção do juízo, aplicando-se à cautelar de produção antecipada de provas as mesmas regras aplicadas às cautelares em geral12. O entendimento é simplesmente aplicar à produção antecipada de provas realidade incontestável da teoria geral do processo cautelar.

Mas existe corrente doutrinária que entende não existir prevenção nessa hipótese, entendimento que parece ser o majoritário da jurisprudência13. Em sede jurisprudencial, registre-se, além de inúmeros julgados de nossos Tribunais, a Súmula 263 do extinto TFR: “A produção antecipada de provas, por si só, não previne a competência para a ação principal”. A especialidade da cautelar de produção antecipada de provas impediria, nesse caso, a aplicação da regra estabelecida para todas as outras cautelares.

Entendo que a incidência ou não do fenômeno da prevenção dependerá, fundamentalmente, do foro que foi considerado competente para conhecer o processo cautelar e o foro competente para o processo principal. Se houver identidade de foros, é até possível – e aconselhável – falar em prevenção do juízo da cautelar para conhecer a principal, ou seja, se ambas as demandas, pelas regras de competência, forem propostas perante a mesma Comarca ou Seção Judiciária, será possível defender que a Vara que produziu a prova antecipadamente esteja preventa para conhecer e julgar o processo principal. Essa visão permite, se não houver mudança do juiz, respeitar o princípio da imediatidade, não havendo razão justificadora de distribuir livremente, dentro da mesma competência territorial, o processo principal. Por outro lado, se os processos forem de competência territorial diversa, não se poderá falar em prevenção.

Há, inclusive, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não existe prevenção nas cautelares de produção antecipada de provas, mas que, em situações excepcionais, levadas em conta as particularidades do caso concreto, seria possível exigir que o juízo do processo principal fosse o mesmo que já produziu a prova de forma antecipada14.

58.4. ASPECTOS PROCEDIMENTAIS

58.4.1. Petição inicial

Os comentários a respeito dos arts. 801 e 282 do CPC, referentes à petição inicial do processo cautelar, aplicam-se quase totalmente à petição inicial da produção antecipada de provas.

Já foi analisada a indevida ausência do pedido de citação do requerido do rol de requisitos formais previstos pelo art. 801 do CPC, devendo-se aplicar nesse caso, por analogia, a regra prevista no art. 282, VII, do CPC. Por acreditar que a cautelar de produção de provas desenvolve-se efetivamente por meio de um processo, é incorreto afirmar que não existe a citação do polo passivo, apesar da redação do art. 848, parágrafo único, do CPC indicar que os interessados serão intimados a comparecer à audiência em que prestará o depoimento.

No que tange à outra exigência prevista pelo art. 282 do CPC e aparentemente esquecida pelo art. 801 do mesmo diploma legal, também é inegável sua aplicação à cautelar de produção antecipada de provas. Trata-se da indicação do valor da causa, necessária em qualquer demanda, ainda que não seja possível determinar seu valor econômico, sendo exatamente esse o caso da produção antecipada de provas. Qual é o valor econômico da oitiva de uma testemunha, ou da realização de uma perícia? Caso não seja possível apontar um valor econômico à demanda, mas ainda assim sendo obrigatória a atribuição de valor à causa, deverá o requerente do processo cautelar indicar um valor meramente estimativo15.

O inciso III do art. 801 do CPC exige a indicação da lide e de seu fundamento, o que, segundo entendimento uníssono da doutrina, refere-se ao processo principal a ser proposto futuramente. Essa exigência, entretanto, será dispensada na cautelar de produção de provas, entendendo a melhor doutrina não ser necessário ao autor do processo cautelar indicar qual processo principal proporá no futuro16. A dispensa fica ainda mais justificada quando a cautelar de produção antecipada de provas é proposta pelo sujeito que, em tese, será o réu no processo principal. Nessa hipótese, fica evidenciada a total impossibilidade de cumprimento do disposto no art. 801, III, do CPC, mesmo porque o processo principal não será proposto pelo autor da cautelar.

Por fim, não parece aplicável à cautelar de produção antecipada de provas o disposto no art. 801, V, que exige a indicação das provas a serem produzidas. A cautelar ora analisada tem justamente como objeto a produção de prova, de forma que não há qualquer sentido em exigir, na petição inicial, a indicação das provas que se pretendem produzir. Se a parte pretende produzir uma prova oral – testemunhal ou depoimento pessoal –, será justamente o pedido para produção de tal prova o pedido principal da ação cautelar, o que ocorre também no tocante à prova pericial. A exceção fica por conta da indicação das provas que poderão se fazer necessárias para a comprovação do fumus boni iuris e do periculum in mora.

58.4.2. Mérito da produção antecipada de provas

O art. 801, IV, do CPC determina que o autor da cautelar deva expor, sumariamente, o direito ameaçado e o receio de lesão. Trata-se, à evidência, dos elementos que compõem o mérito da ação cautelar; isso significa dizer que o dispositivo legal ora indicado exige que, na petição inicial, estejam descritos o periculum in mora e o fumus boni iuris. No tocante à cautelar de produção de provas, o direito ameaçado será sempre o direito a produzir a prova, enquanto o receio de lesão é o lapso temporal necessário até que a prova seja produzida se o requerente for obrigado a aguardar o momento previsto em lei – fase probatória no processo de conhecimento.

Quanto ao fumus boni iuris, há peculiar aspecto referente à cautelar de produção antecipada de provas. Parcela significativa da doutrina entende que tal requisito não tem grande importância na determinação do cabimento dessa espécie de processo cautelar. Se tanto o futuro autor quanto o futuro réu podem ingressar com a cautelar de produção de provas, embora, em tese, talvez nem mesmo componham os polos principais do futuro processo principal, a tal “fumaça do bom direito”, se não totalmente afastada, deveria sofrer um sensível abrandamento, de modo a centrar-se a adequação de tal cautelar na existência do periculum in mora17.

Aparentemente, a dispensa de tal requisito deriva da extrema dificuldade prática em conceituá-lo de maneira a criar algum limite real para que a produção antecipada de provas seja efetivamente admitida. Ao descartar a relação desse requisito com o alegado direito material que será objeto do futuro e eventual processo principal, a única conclusão possível é a de que a presença do fumus boni iuris será determinada pela demonstração do autor de seu direito à produção da prova. Nesse sentido, sempre que exista um fato que possa ser objeto de prova, estará presente o fumus boni iuris.

Enquanto, no tocante ao fumus boni iuris, verifica-se uma tendência concernente à minoração de sua importância na doutrina – chegando, em alguns casos, à sua completa indiferença – o mesmo não se pode afirmar do periculum in mora, requisito que a maioria da doutrina e da jurisprudência exige para o cabimento da cautelar de produção antecipada de provas. Há, inclusive, previsão expressa na lei processual que corrobora a conclusão doutrinária e jurisprudencial. No art. 847 do CPC condiciona-se a produção antecipada da prova testemunhal a motivo de ausência, doença ou idade avançada do sujeito a ser ouvido, enquanto o art. 849 do CPC, que trata da prova pericial, exige que haja fundado receio de que a produção de tal prova venha a tornar-se impossível ou muito difícil.

É comum a crítica à limitação imposta pelo art. 847 do CPC no que tange aos motivos de urgência para que a prova testemunhal e o depoimento pessoal possam ser produzidos antecipadamente, entendendo a melhor doutrina tratar-se de rol meramente exemplificativo18. O mesmo problema não ocorre com a produção antecipada de prova pericial ou a inspeção judicial antecipada, em virtude da correta redação do art. 849 do CPC, que, em vez de determinar as situações de cabimento da medida, simplesmente indica critério genérico de temor de a prova não mais poder ser produzida.

58.4.3. Liminar

É interessante notar que, diferentemente de outras cautelares, a prática demonstra que a concessão de liminar na produção antecipada de prova é bastante rara, por exigir do autor a demonstração efetiva do preenchimento dos requisitos para a sua concessão. Em vez do automatismo que toma conta de nossos juízes relativamente às outras cautelares, a liminar na cautelar ora estudada, que gerará a formação da prova sem a participação da parte contrária, é vista com bastante reserva, somente sendo concedida em última hipótese pelos juízes, até mesmo para evitar futuros questionamentos a respeito da eficácia da prova produzida.

Nas produções antecipadas de prova, exige-se do requerente, portanto, a demonstração de situação de excepcional urgência que justifique a concessão da liminar, em respeito ao previsto no art. 804 do CPC. O prejuízo advindo da citação do requerido não deve ficar restrito apenas àquelas circunstâncias em que, ao tomar ciência da demanda, por meio de um ato positivo, frustre a eficácia da pretensão19. O prejuízo não necessita de ato positivo a ser praticado pelo requerido para que se efetive; pode estar presente por meras circunstâncias de fato20. Há situações em que não é propriamente a citação do requerido que tornaria a tutela cautelar ineficaz, mas a demora para que tal ato processual seja realizado21. Parece ser justamente esta a situação mais comum nas cautelares de produção antecipada de provas, sendo difícil imaginar uma hipótese em que o requerido, ao saber da propositura da demanda, possa, por meio de ato positivo, frustrar sua eficácia.

Uma vez produzida a prova mediante a concessão de liminar, mesmo que se realize posteriormente à citação do requerido, em regra a prova não será produzida novamente; nessa hipótese, está-se diante de prova produzida sem a participação de uma das partes, o que, indubitavelmente, terá reflexos em sua eficácia, ou ao menos no convencimento do juiz do processo principal. Entendo que quanto maior for o respeito ao contraditório maior será a eficácia da prova produzida autonomamente, de forma que a carga de convencimento de uma prova colhida sem a devida participação do requerido em sua formação não será a mesma daquela produzida após a citação do requerido.

58.4.4. Respostas do requerido

Não deve restar qualquer dúvida de que as exceções rituais, previstas nos arts. 307 e 314 do CPC – incompetência relativa, impedimento e suspeição –, são cabíveis no processo cautelar em geral e no processo cautelar de produção antecipada de provas em específico, por não haver nenhuma razão para defender o seu descabimento. A única observação digna de nota é relativa à suspensão imprópria prevista pelo art. 306 do CPC que o ingresso dessas exceções gera no processo principal, em especial em virtude da urgência do caso concreto em realizar a prova.

Cumpre notar que, segundo o art. 266 do CPC, mesmo durante a suspensão do processo se permite a prática de atos processuais urgentes, a fim de evitar dano irreparável. Em razão de tal dispositivo legal, se houver perigo de impossibilidade de produção da prova após a decisão sobre a exceção interposta, será possível a realização da prova durante a fase de suspensão imprópria do processo.

No tocante à reconvenção, a doutrina é praticamente uníssona em defender seu descabimento no processo cautelar22. Não parece, entretanto, que as razões expostas pela doutrina sejam suficientes para impedir, senão a reconvenção, pelo menos um pedido de natureza reconvencional inserido na própria contestação – pedido contraposto – de produção antecipada de provas. Imagine-se a hipótese do requerido, uma vez citado, pretender, por exemplo, ouvir uma outra pessoa como testemunha, ou ainda ampliar o objeto da perícia pleiteada pelo requerente. Nesse caso, estaria o requerido legitimado a pedir a produção de tal prova na própria cautelar proposta contra ele, em simples pedido realizado no próprio bojo da contestação, não sendo possível admitir que nenhuma das causas antes expostas possa funcionar como obstáculo a tal permissão.

As justificativas dadas para que não se admita a reconvenção na cautelar, ao menos na produção antecipada de provas, não podem superar o respeito aos princípios da economia processual e da instrumentalidade das formas. Apesar de evidente aumento do objeto do processo, não parece que a oitiva de mais uma testemunha, ou ainda a ampliação do objeto da perícia, seja tão prejudicial aos objetivos buscados pela cautelar de produção antecipada de provas, desde que isso não prejudique o resultado final do processo, o que dificilmente ocorrerá no caso concreto. Nesse sentido, há possibilidade de um pedido na própria contestação, com natureza reconvencional, compatível com a simplicidade procedimental da cautelar.

Quanto à contestação, há intenso debate doutrinário não só quanto ao seu cabimento, como também à extensão de seu objeto. Há uma primeira corrente doutrinária – minoritária – que defende que a citação realizada nessa espécie de processo não possibilita ao requerido a apresentação de contestação; serve tão somente para cientificá-lo da produção da prova, de modo a permitir sua participação no processo23. A citação serviria, exclusivamente, como forma de integrar o requerido ao processo, que, a partir de então, embora não possa apresentar a defesa clássica – contestação –, poderia participar intensamente da produção probatória, tanto em sua preparação como em sua realização.

Ao tratar-se, efetivamente, de processo de jurisdição contenciosa, a possibilidade de contestação é garantia efetiva do contraditório, ainda mais ao considerar que referida ação tem seu mérito – fumus boni iuris e periculum in mora – e, nesse tocante, poderá o requerido buscar uma sentença de improcedência do pedido do requerente. Dessa forma, poderá imaginar uma contestação com defesa de mérito, impugnando a existência do fumus boni iuris – como na excepcional hipótese de fato evidentemente notório – ou ainda o periculum in mora – como no caso de não existir a urgência prevista em lei e imaginada como imprescindível pela doutrina e pela jurisprudência majoritária. Além, é claro, de defesa processual, referente às condições da ação e aos pressupostos processuais24.

Ao admitir a contestação no processo cautelar de produção antecipada de prova, a última questão que se coloca sobre o tema é o prazo para a apresentação de tal defesa, imaginando que sejam aceitas as defesas de mérito, considerando-se que, nas matérias de ordem pública, não ocorrerá preclusão e a contagem do prazo se mostrará totalmente inútil. Ao admitir a defesa de mérito, cresce em interesse a questão do prazo para a sua apresentação em razão da ocorrência do fenômeno da preclusão temporal. Segundo previsão do art. 802 do CPC, o prazo de cinco dias conta-se da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ou da execução da medida, quando for concedida liminarmente ou após justificação prévia. Aplicam-se ao caso os prazos diferenciados dos arts. 188 e 191 do CPC.

58.4.5. Preparação e realização da prova

Em regra, a preparação e a realização da prova tomarão lugar após o prazo para a apresentação da resposta, mas, como foi visto anteriormente, em situações excepcionais, poderá ser realizada inaudita altera parte, sem a participação do requerido.

O art. 848, parágrafo único, do CPC prevê que, no caso de inquirição de testemunha, todos os interessados deverão ser intimados a comparecer à audiência em que será prestado o depoimento. Conforme já foi visto anteriormente, o requerido será citado, a fim de integrar-se à relação jurídica processual, mas essa citação não exclui a necessidade de sua intimação para que, se quiser, compareça à audiência com seu patrono, de forma a participar efetivamente da formação da prova.

O trâmite do depoimento pessoal da parte – e não interrogatório como já devidamente explanado – segue as regras estabelecidas pela Seção II, Capítulo VI, Título VIII, do Livro I do Código de Processo Civil (arts. 342 a 347 do CPC), sendo excluída a aplicação do art. 345 do CPC – confissão – e modificada a disposição do art. 343, § 1.º, do mesmo diploma legal – a informação no mandado de intimação de que se presumirão confessados os fatos no caso de não comparecimento ou recusa a depor.

No tocante à prova testemunhal, as regras a serem seguidas são, basicamente, as mesmas previstas para esse meio de prova durante a fase instrutória (arts. 407 a 419 do CPC), com algumas adaptações necessárias.

O art. 407, caput, do CPC, primeira parte, não pode ser aplicado de forma integral à cautelar de produção antecipada de provas. Por serem do próprio mérito do processo as razões da oitiva antecipada da testemunha, é de convir que na própria petição inicial já exista a indicação da testemunha a ser ouvida. Dessa forma, não haverá prazo para arrolar a testemunha, ato este que já deve ser praticado na petição inicial, a exemplo do que ocorre no procedimento sumário (art. 278 do CPC). Já a segunda parte do dispositivo legal ora analisado deve ser respeitada, ao exigir do requerente a indicação do nome, da profissão, do endereço residencial e comercial da testemunha. No que concerne ao parágrafo único do artigo ora comentado, que limita o número de testemunhas a dez no total e a três por fato, apesar do silêncio da doutrina a respeito, parece totalmente aplicável à produção antecipada de provas, em especial se for analisada a motivação de tal limitação.

A contradita é instituto que tem como objeto o afastamento de testemunha impedida, suspeita ou incapaz de prestar o testemunho, sendo, portanto, exigida do juiz uma valoração a respeito da testemunha à luz do art. 405 do CPC. A questão é saber se o juiz da cautelar poderá fazer tal valoração, ou tal tarefa é privativa do juiz do processo principal. A solução não pode ser dada de forma genérica; devem-se considerar as hipóteses que poderiam gerar o afastamento do sujeito arrolado como testemunha25. Nas hipóteses em que a análise deve ser feita sob um ponto de vista exclusivamente objetivo, esta poderá ser feita pelo próprio juiz da cautelar; já em caso de uma análise subjetiva, nas hipóteses de impedimento, suspeição ou incapacidade, esta será privativa do juiz do processo principal.

Outro instituto que desperta polêmica quanto à sua aplicabilidade na produção antecipada de provas é a acareação, que é realizada em situações em que dois ou mais depoentes – testemunhas ou partes – entram em contradição em seus depoimentos. Parece ser absolutamente viável a realização de acareação na produção antecipada de prova, pois não se antevê, nessa atividade, qualquer interferência do juiz do processo cautelar na esfera de atuação privativa do juiz do processo principal26. A valoração da prova produzida em sede cautelar é ato privativo do juiz do processo principal, mas, para realizar uma acareação, o juiz da cautelar não necessita valorar a prova, simplesmente deve aferir uma incongruência entre depoimentos a respeito do mesmo fato. Ao convocar os depoentes para a acareação, o juiz da cautelar somente estará buscando uma prova mais coesa, clara e completa, que poderá, inclusive, facilitar a atividade a ser desenvolvida pelo juiz do processo principal, a quem caberá sua valoração.

Relativamente à produção antecipada de prova pericial, o art. 850 do CPC determina, expressamente, que se sigam as regras determinadas nos arts. 420 a 429 do diploma referido, ou seja, as regras previstas para a produção da prova pericial durante a fase probatória do processo de conhecimento. O requerente poderá, já na inicial – a exemplo do que se verifica no procedimento sumário (art. 278 do CPC) –, indicar seus quesitos e seu assistente técnico, mas não será obrigado a tanto, visto que poderá optar por praticar tal ato somente após a oitiva do requerido e a efetiva designação da perícia pelo juiz. Nesse caso, seguirá as regras temporais do art. 421, § 1.º, I e II, do CPC, com os temperamentos que a doutrina e jurisprudência dão ao cumprimento do prazo de cinco dias para a apresentação de quesitos e de assistente técnico.

Interessante questão coloca-se a respeito da aplicação do art. 435 do CPC, que possibilita à parte requerer o comparecimento do perito à audiência de instrução e julgamento para prestar esclarecimentos. Existe divergência jurisprudencial a respeito do tema, com julgados que entendem não ser cabível a realização da audiência em sede cautelar probatória, reservando-se a prática de tal ato ao processo principal. Esse não é o melhor entendimento, pois não há nenhuma razão para considerarem-se incompatíveis os arts. 435 e 850 do CPC, por ser plenamente possível a realização da audiência já no processo cautelar, mesmo porque os defensores de que a audiência ocorra somente no processo principal desprezam o fato de que, por vezes, será absolutamente inócuo tal ato nesse momento, em virtude da impossibilidade da produção da prova tardiamente27.

58.4.6. Sentença

Ao considerar a produção antecipada de prova um processo de jurisdição contenciosa – entendimento da doutrina amplamente majoritária –, não teria qualquer sentido defender a tese de que o processo seja extinto sem a necessidade da prolação de uma sentença. É indiscutível, portanto, que, por ser um processo de jurisdição contenciosa, é imprescindível que o juiz profira sentença após a prática de todos os atos processuais. Assim, apesar da duvidosa redação do art. 851 do CPC, omissa a respeito da necessidade de uma sentença, por determinar tão somente que os autos permaneçam em cartório, o entendimento majoritário é que o processo seja extinto nos moldes do art. 162, § 1.º, do diploma processual civil.

De forma praticamente uníssona, a doutrina defende que a sentença é meramente homologatória, não podendo o juiz se manifestar sobre a prova produzida ou sobre sua valoração28. É também corrente na jurisprudência o entendimento de que, por se tratar de sentença meramente homologatória, não está adstrita aos rigorismos formais do art. 458 do CPC, que exige da sentença de mérito – na verdade a exigência só é aplicável à genuína sentença de mérito (art. 269, I, CPC) – relatório, fundamentação e dispositivo29.

Existe certa tendência jurisprudencial no sentido de não existir condenação nas verbas de sucumbência, em especial no pagamento de honorários advocatícios, na cautelar de produção antecipada de prova30. Parece impossível definir, de antemão, se deve ou não haver a condenação em honorários advocatícios; assim, deve-se aplicar ao caso concreto o princípio da causalidade, o que significa dizer que, caso haja resistência do requerido por meio de apresentação de contestação, haverá condenação nas verbas de sucumbência, mas, caso se integre o requerido ao processo e não se coloque contrário à produção da prova, não deverá haver condenação em honorários31.

A ação cautelar de produção antecipada de provas, a exemplo de todas as demais cautelares nominadas, não está prevista no PLNCPC. Mas a produção antecipada de provas está garantida pelos arts. 388 a 390.

A produção antecipada de provas perdeu sua natureza de cautelar, tornando-se tão somente uma ação probatória autônoma, pela qual se produz uma prova antes do processo principal sem a necessidade de ser comprovado o periculum in mora. Trata-se de inovação extremamente positiva, cuja premissa é o objeto central de minha tese de doutorado na Universidade de São Paulo: a antecipação na produção da prova mesmo sem o risco do tempo como inimigo. E o legislador também fez perder a natureza cautelar a justificação, que, agora, somada à produção antecipada de provas, deu origem à ação probatória autônoma.

Ainda que tenha efetivamente perdido a natureza cautelar, o art. 388 do PLNCPC mantém em seu primeiro inciso o periculum in mora típico das cautelares probatórias, ao prever ser cabível a antecipação da prova quando houver fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação. O legislador se valeu do requisito consagrado no art. 849 do CPC/1973 para a produção antecipada de prova pericial.

No inciso II do art. 388 do PLNCPC, tem-se a admissão da produção antecipada de provas sempre que a prova a ser produzida for suscetível de viabilizar tentativa de conciliação ou de outro meio adequado de solução do conflito. Assim já havia me manifestado em uma das conclusões de minha tese de doutorado a respeito do tema: “A ação meramente probatória teria importante papel na otimização das conciliações, considerando-se que, diante de uma definição da situação fática, os sujeitos envolvidos no conflito teriam maiores condições de chegar a uma autocomposição. A indefinição fática muitas vezes impede a realização de uma conciliação porque leva uma das partes a crer que tenha direitos que na realidade não tem”.

Entendo que a hipótese prevista no inciso II libere praticamente de forma integral a produção antecipada de provas, bastando para a parte alegar que precisa esclarecer melhor os fatos para que tenha melhor condição de tentar resolver seu conflito pelos meios alternativos de solução. Da forma como foi redigido o dispositivo legal, a amplitude no cabimento do pedido de antecipação na produção da prova é praticamente absoluta.

A possibilidade de prévio conhecimento de fatos que possam justificar ou evitar o ajuizamento de ação é a última hipótese de cabimento da produção antecipada de prova, consagrada no inciso III do dispositivo ora analisado. Essa hipótese diz respeito à necessidade de produção da prova como forma de preparar a pretensão principal, possibilitando, dessa forma, a elaboração de uma petição inicial séria e responsável. Mesmo com a produção antecipada de prova sendo tratada como cautelar pelo CPC/1973, doutrinadores já defendem seu cabimento como forma de preparar a ação principal, e decisões do Superior Tribunal de Justiça também a admitem para tal fim, independentemente do risco de lesão em razão do tempo, embora ainda exista certa resistência na esfera penal quanto à oitiva antecipada de testemunha sem o periculum in mora32.

Há três dispositivos que tratam da competência para a ação autônoma de produção antecipada de provas.

O § 2.º prevê um foro concorrente de competência para a ação: foro do domicílio do réu ou local em que a prova deva ser produzida. Por entender que essa ação probatória não é acessória de outra ação, até porque nem sempre existirá essa outra ação no caso concreto, defendo a inaplicabilidade do art. 61 do PLNCPC. E, mesmo que se parta da premissa de que a ação probatória tem natureza de acessória, a regra específica prefere a regra geral. Registre-se que, mesmo sob a égide do CPC/1973, já há decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser o local da produção da prova o foro competente para a cautelar probatória.

O § 3.º consagra entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de a produção antecipada de provas não prevenir a competência do juízo para a ação que venha a ser proposta. Apesar de seguir o posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, entendo que a solução dada pelo legislador não foi a mais adequada.

Entendo que a incidência ou não do fenômeno da prevenção dependa, fundamentalmente, do foro que for considerado competente para conhecer o processo probatório e do foro competente para o processo que eventualmente venha a seguir. Se houver identidade de foros, é até possível – e aconselhável – falar em prevenção do juízo da ação probatória para conhecer a ação principal, ou seja, se ambas as demandas, pelas regras de competência, forem propostas perante a mesma Comarca ou Seção Judiciária, será possível defender que a vara que produziu a prova antecipadamente esteja preventa para conhecer e julgar o processo principal. Essa visão permite, se não houver mudança do juiz, respeitar o princípio da imediatidade, não havendo justificativa plausível na distribuição livre, dentro da mesma competência territorial, do processo principal. Por outro lado, se os processos forem de competência territorial diversa, não se poderá falar em prevenção. Há, inclusive, algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não existe prevenção nas cautelares de produção antecipada de provas, mas que, em situações excepcionais, levadas em conta as particularidades do caso concreto, seria possível exigir que o juízo do processo principal fosse o mesmo que já produziu a prova de forma antecipada33.

No § 4.º há interessante inovação quanto à competência por delegação prevista pelo art. 109, §§ 3.º e 4.º, da CF. Nos termos do dispositivo, o juízo estadual tem competência para produção antecipada de prova requerida em face da União, entidade autárquica ou empresa pública federal se, na localidade, não houver vara federal. Na realidade, o dispositivo determina para a ação cautelar probatória regra já existente para a justificação destinada a produzir prova perante a administração federal (art. 15, II, da Lei 5.010/1966).

Segundo o art. 389 do PLNCPC, cabe ao autor do pedido, na petição inicial, a apresentação das razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e a menção com precisão dos fatos sobre os quais a prova há de recair. Pelas hipóteses de cabimento previstas nos incisos do art. 388 do PLNCPC e já devidamente analisadas, fica claro que a produção antecipada de prova pode ou não ter natureza cautelar, mas em qualquer hipótese manterá sua autonomia, sendo, portanto, exigido um processo autônomo para a produção da prova de forma antecipada. Dessa forma, a petição inicial, além de cumprir os requisitos do art. 389 do PLNCPC, deverá atender aos requisitos de qualquer petição inicial.

Os requisitos indicados pelo dispositivo ora comentado parecem ser exigidos para que o juiz possa analisar o interesse de agir do autor, tanto pelo aspecto da necessidade quanto pelo da adequação. A precisão sobre os fatos que serão objeto de prova, entretanto, deve ser analisada no caso concreto, devendo o juiz ser cuidadoso em sua análise. Afinal, nem sempre o autor poderá indicar com a precisão exigida pelo dispositivo os fatos, até porque a ação autônoma probatória tem entre suas serventias os esclarecimentos fáticos indispensáveis à realização de uma transação (art. 388, II) ou à propositura de uma ação (art. 388, III). E nesses casos nem sempre haverá precisão a respeito dos fatos que deverão ser provados pelas provas produzidas antecipadamente. Entendo que, nesse caso, bastará a indicação da situação fática que se busca esclarecer com a produção probatória.

Segundo o § 1.º do art. 389 do PLNCPC, o juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a citação de interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, salvo se inexistente caráter contencioso.

Entendo que, se tratando de ação autônoma, cabe ao autor a indicação de quem deve compor o polo passivo. E a legitimidade passiva nessa ação não difere daquela presente na antiga ação cautelar de produção antecipada de provas: deve figurar um sujeito que participe de alguma relação jurídica com o requerente e que terá contra ele oposta, no processo principal, a prova produzida antecipadamente. Como garantia do princípio do contraditório, seria, em tese, inadmissível a utilização de uma prova contra um sujeito que não tenha participado de sua formação34.

Quando o dispositivo ora comentado admite a citação de interessados, mesmo de ofício, certamente imagina os sujeitos contra os quais a prova possa ser oposta, em processo judicial ou fora dele. A admissibilidade da prova condiciona a participação desses sujeitos na ação autônoma cautelar, e deve ser nesse sentido interpretada a expressão “interessados na produção da prova ou no fato a ser provado”.

Há, entretanto, uma pergunta a ser respondida. A previsão de que “os interessados” serão citados, e não intimados, deixa claro que esses interessados serão integrados coercitivamente à relação jurídica processual. E citação é ato de integração do réu ao processo, de forma que a interpretação mais racional é no sentido de que os chamados interessados pelo dispositivo legal, na realidade, serão integrados como réus no processo.

Entretanto, se for adotada a premissa conforme sugerido, há um problema no dispositivo legal, considerando que os chamados interessados poderão ser citados de ofício pelo juiz. Significa dizer que o juiz poderá incluir réus no processo independentemente da vontade do autor. Não vejo como o princípio dispositivo possa ser superado na determinação dos sujeitos parciais da relação jurídica processual.

Entendo que esse poder do juiz será, no máximo, de intimação de terceiro que, mesmo sem ser réu no processo, ao ser informado da produção antecipada da prova, estará sujeita a ela. Ou intimar o autor para emendar a petição inicial e incluir o terceiro como réu, sob pena de indeferimento da petição inicial e extinção do processo sob o fundamento de que, sem a presença daquele sujeito, a prova a ser produzida não terá eficácia vinculante ou a terá de forma muito restrita.

Na hipótese de pedido sem caráter contencioso, o art. 389, § 1.º, do PLNCPC dispensa a citação dos interessados, partindo da premissa de que eles não existem. O dispositivo sugere algo raro no sistema, ainda que admissível: um processo sem réu. Essa possibilidade já havia sido aventada por parcela doutrinária na justificação do CPC/1973, quando a prova a ser produzida interessasse exclusivamente ao autor do pedido35. Não concordo com essa conclusão, porque, mesmo que não haja indicação de utilização da prova em processo judicial ou administrativo futuro, o que retirará da produção da prova a natureza contenciosa, nunca será apta somente a resolver dúvida exclusiva do requerente, sempre interessando ou afetando alguém. O que pode ocorrer é a impossibilidade de identificação dos interessados, hipótese de réu incerto, quando ocorrerá a citação dos interessados por edital.

O § 2.º do art. 389 do PLNCPC prevê que o juiz não se pronunciará acerca da ocorrência ou da inocorrência do fato, bem como sobre as respectivas consequências jurídicas. O dispositivo amplia a previsão do art. 866, parágrafo único, do CPC/1973. Com relação à cautelar de produção antecipada de provas, o entendimento uníssono da doutrina é pela vedação de manifestação sobre a prova produzida ou sobre sua valoração. A ação probatória autônoma, afinal, não é uma ação meramente declaratória – de fato nem de direito –, limitando-se à produção da prova.

Não foi feliz o legislador no § 3.º do dispositivo ora comentado, ao permitir a cumulação de diferentes meios de prova num mesmo processo, salvo se a produção conjunta acarretar excessiva demora. A experiência probatória demonstra que os diferentes meios de prova podem ser produzidos concomitantemente, de forma que o atraso de um meio de prova não afetará necessariamente outro. Teria sido mais racional o legislador ter previsto a possibilidade de homologações parciais de cada meio de prova imediatamente após sua produção.

A maior infelicidade do legislador foi ter repetido, ainda que parcialmente, o art. 865 do CPC/1973 no § 4.º do art. 389 do PLNCPC. Nos termos do dispositivo legal, na ação autônoma probatória não se admite defesa e a única decisão recorrível é a que indefere, total ou parcialmente, o pedido de produção antecipada de prova. O dispositivo pode ser considerado um dos piores do PLNCPC.

Ao repetir um dispositivo que regulamenta a justificação no CPC/1973, o legislador não levou em conta que a maioria das ações probatórias não se desenvolvia pela justificação, mas pela produção antecipada de provas. E nada leva a crer que essa realidade seja modificada com o novo Código de Processo Civil. Significa dizer que a maioria das ações probatórias autônomas será de natureza contenciosa, sendo flagrantemente contrário ao princípio do contraditório impedir o exercício de defesa e a interposição de recursos.

Naturalmente, a defesa terá suas limitações, porque a impugnação do réu se limitará a questões processuais e ao cabimento do pedido à luz das hipóteses previstas no art. 388 do PLNCPC. Ainda que limitada, a exclusão desse direito do réu não se justifica nem mesmo quando a natureza da ação for voluntária, quiçá quando for contenciosa. O mesmo se diga do cabimento de recurso, sendo inadmissível tornar o juiz um pequeno soberano na produção da prova sem que exageros e/ou ilegalidades possam ser revistas pelo tribunal de segundo grau. O juiz determina a oitiva de testemunha incapaz e a parte não pode recorrer? O juiz fixa os honorários periciais num valor estratosférico e ninguém poderá recorrer? Fica realmente difícil explicar a opção do legislador sem ofender frontalmente o princípio do contraditório.

Como o dispositivo legal prevê que não cabe defesa, entendo que outras espécies de resposta do réu que não são propriamente defesa – contestação – estão liberadas. A alegação de incompetência, por exemplo, pode ser realizada normalmente. E também a reconvenção, podendo o réu pedir produção de prova sobre o fato indicado pelo autor na petição inicial. Entendo que esse pedido do réu pode ser feito no mesmo meio de prova indicado pelo autor – arrolamento de testemunhas não indicadas – ou mesmo em outro meio de prova – o autor pede prova testemunhal e o réu, prova pericial.

Ainda que extremamente criticável, o art. 389, § 4.º, do PLNCPC traz uma previsão que pode corroborar o cabimento do pedido reconvencional, conforme defendido. Segundo o dispositivo legal, a única decisão recorrível é a que indefere a produção da prova pleiteada pelo requerente originário. A expressão “originário” leva a crer que outros sujeitos, além do autor, podem fazer pedido para a produção da prova, numa espécie de reconvenção probatória. E, naturalmente, nesse caso, será violação insuportável ao princípio do contraditório e ao da isonomia inadmitir recurso do réu na hipótese de indeferimento de seu pedido.

Mais uma vez o legislador repete regra da justificação (art. 866 do CPC/1973) para regulamentar a ação autônoma probatória. Segundo o art. 390, caput, do PLNCPC, os autos permanecerão em cartório durante um mês, para extração de cópias e certidão pelos interessados, e após esse prazo o parágrafo único prevê a entrega dos autos ao promovente da medida. Ainda que se oportunize pelo prazo de um mês a retirada de cópias, a entrega dos autos ao autor é de duvidosa legalidade, até porque a prova produzida pode ter lhe sido prejudicial, com o que o autor não só retirará os autos como os destruirá o quanto antes. De qualquer forma, o cartório se livra dos autos, liberando espaço, e o beneficiado pela prova tem prazo para documentá-la. A discussão perde qualquer sentido no processo eletrônico.

1 Theodoro Jr., Processo, p. 291; Oliveira, Comentários, p. 235; Baptista da Silva, Do processo, p. 358; Bomfim Marins, Comentários, p. 276-277.

2 Neves, Ações, p. 134-141.

3 Nesse sentido é a doutrina majoritária: Oliveira, Comentários, p. 235-237; Orione, Processo, p. 337; Marins, Produção, p. 159-161.

4 Theodoro Jr., Processo, p. 294.

5 Oliveira, Comentários, p. 237; Baptista da Silva, Do processo, p. 360; Fidélis dos Santos, Manual, p. 388.

6 Oliveira, Comentários, p. 238; Galeno Lacerda, Comentários, p. 221-222. Bom exemplo é encontrado em julgamento do STJ, 4.ª Turma, REsp 490.913/RS, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, DJ 25.08.2003, p. 321, em que o Banco do Brasil, mandatário da Conab, é dado como parte legítima para propor ação cautelar de produção de provas para comprovar a situação em que se encontravam os produtos depositados. Verificar ainda Negrão-Gouvêa, Código, p. 873 (art. 846: 1a).

7 Barbosa Moreira, A garantia, p. 65-78.

8 Baptista da Silva, Do processo, p. 372.

9 Neves, Ações, p. 163-165; Pizzol, A competência, p. 515; Bomfim Marins, Tutela, p. 247.

10 Pontes de Miranda, Comentários, t. XII, p. 59; Theodoro Jr., Processo, p. 114-116; Galeno Lacerda, Comentários, v. 8, t. I, p. 199-200, Bomfim Marins, Tutela, p. 242.

11 Munhoz da Cunha, Comentários, p. 613; Lacerda, Comentários, p. 188-197, Contra: Marins, Produção, p. 139.

12 Theodoro Jr., Processo, p. 297; Pizzol, A competência, p. 522; RT 686/206; TJSP, RT 596/57; RJTJSP 135/355 e VI ENTA 5: “A cautelar de antecipação de provas previne a competência (art. 800 do CPC)”.

13 Gusmão Carneiro, Jurisdição, p. 106; Galeno Lacerda, Comentários, p. 196; STJ, 4.ª Turma, AgRg na MC 10.565/RJ, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 25.10.2005, DJ 14.11.2005, p. 324; REsp 51.618/MG, 4.ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 21.11.1994; Negrão-Gouvêa, Código, p. 851 (art. 800:8).

14 STJ, 3.ª Turma, REsp 712.999/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 12.04.2005, DJ 13.06.2005, p. 305; REsp 487.630/SP, 2.ª Turma, rel. Min. Franciulli Neto, j. 21.08.2003, DJ 28.06.2004, p. 245.

15 Oliveira, Comentários, p. 248.

16 Oliveira, Comentários, p. 234; Galeno Lacerda, Comentários, p. 222; Negrão-Gouvêa, Código, p. 852 (art. 801: 3c).

17 Oliveira, Comentários, p. 234; Galeno Lacerda, Comentários, p. 220. Contra, a exigir o fumus boni iuris: Baptista da Silva, Do processo, p. 368; Fidélis dos Santos, Manual, p. 387.

18 Oliveira, Comentários, p. 245-246; Baptista da Silva, Do processo, p. 366; Nery-Nery, Código, p. 1.104; Sahione Fadel, Código, p. 1.035.

19 Theodoro Jr., Processo, p. 139; Galeno Lacerda, Comentários, p. 242-243.

20 Barbosa Moreira, O novo, p. 307; Rizatto Lara, Liminares, p. 91.

21 Lopes da Costa, Medidas, p. 28.

22 Fornaciari Jr., Da reconvenção, p. 74-75; Theodoro Jr., Processo, p. 92; Lopes da Costa, Medidas, p. 48; Galeno Lacerda, Comentários, p. 232; Barbosa Moreira, O novo, p. 308; Shimura, Arresto, p. 289.

23 Sahione Fadel, Código, p. 1.036.

24 A indicar a possibilidade de contestação, sem fazer nenhuma reserva quanto ao seu objeto, Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 63; Bomfim Marins, Comentários, p. 290. Baptista da Silva, Do processo, p. 370-371, amparado em lições de Carlo Calvosa, defende a improcedência da ação quando “ela se mostrar macroscopicamente inadmissível”, em hipóteses nas quais ficará macroscopicamente evidente a inviabilidade da ação principal, situação em que faltará ao autor o fumus boni iuris.

25 Oliveira, Comentários, p. 245, a contradita não deve ser admitida. Baptista da Silva, Do processo cautelar, p. 373, afirma que somente em casos extremos deve o juiz recusar-se a receber a prova testemunhal.

26 Pontes de Miranda, Comentários, v. 12, p. 272. Contra: Oliveira, Comentários, p. 245.

27 Scarpinella Bueno, Aspectos, p. 322-327; Oliveira, Comentários, p. 253; STJ, 3.ª Turma, REsp 236.815/AM, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 29.03.2004, p. 437.

28 Assim, Oliveira, Comentários, p. 255; Baptista da Silva, Do processo, cit., p. 379; Theodoro Jr., Processo, cit., p. 298.

29 Nesse sentido o entendimento uníssono do Superior Tribunal de Justiça: REsp 264.600/SP, 1.ª Turma, rel. Min. José Delgado, DJ 25.02.2002, p. 219; REsp 219.928/SP, 6.ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 02.05.2000, p. 191; REsp 23.659/RJ, 4.ª Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 30.08.1993, p. 17.297.

30 STJ, 3.ª Turma, REsp 401.003/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 26.08.2002, p. 215; STJ, 3.ª Turma, REsp 109.139/RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 28.08.2000, p. 71; STJ, 3.ª Turma, REsp 85.990/SP, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 13.12.1999, p. 140; STJ, 5.ª Turma, REsp 49.630/RJ, rel. Min. Edson Vidigal, DJ 10.11.1997, p. 57.817. Em sentido contrário, também existem julgados: STJ, 4.ª Turma, REsp 88.654/PB, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ 29.10.2001, p. 208; REsp 67.581/SP, 4.ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, DJ 18.12.2005, p. 44.581. A respeito da polêmica, consultar ainda Negrão-Gouvêa, Código, p. 875 (art. 851: 1a).

31 Nesse sentido, Oliveira, Comentários, p. 256. Para Theodoro Jr., Do processo, p. 299: “Se a parte contrária não contesta a antecipação de prova, as despesas do processo são pagas pela parte que a promoveu, para serem somadas às custas do processo principal, que a final serão imputadas à responsabilidade do vencido, que, se não for o promovente, efetuará em favor deste o competente reembolso. Se, porém, houver contestação ao cabimento da medida, as custas do feito preparatório serão desde logo imputadas ao vencido requerente ou requerido – segundo a regra geral da sucumbência (art. 20, § 1.º)”. Fux, Curso, p. 1.634: “No que pertine à verba honorária, a sucumbência apenas se verifica se o requerido lograr rejeitar a antecipação sob o argumento da inexistência do periculum in mora. Do contrário, produzida a prova, é na demanda principal que o vencido poderá ser condenado a pagar as despesas no processo também acautelatório”.

32 STJ, 6.ª Turma, RMS 11.738/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 31.10.2007, DJ 26.11.2007, p. 246.

33 STJ, 3.ª Turma, REsp 712.999/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 12.04.2005, DJ 13.06.2005, p. 305; REsp 487.630/SP, 2.ª Turma, rel. Min. Franciulli Neto, j. 21.08.2003, DJ 28.06.2004, p. 245.

34 Barbosa Moreira, A garantia, p. 65-78.

35 Theodoro Jr., Processo, p. 325.