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AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA

Sumário: 72.1. Introdução – 72.2. Cabimento – 72.3. Legitimidade – 72.4. Procedimento – 72.5. Embargo extrajudicial.

72.1. INTRODUÇÃO

A pretensão buscada pela ação de nunciação de obra nova, com procedimento previsto nos arts. 934 a 940 do CPC, é tutelada desde a época do Direito Romano, tendo sido mantida nas Ordenações Portuguesas, nas legislações pátrias e finalmente no atual Código de Processo Civil. A ação de nunciação de obra nova é ação de conhecimento pela qual se busca evitar o abuso do direito de construir, proporcionando ao autor a tutela de relações jurídicas de vizinhança, condomínio ou administrativas.

Conforme ensina a melhor doutrina, trata-se de tutela inibitória1, por meio da qual o autor pretende evitar que uma obra seja iniciada ou continue a ser executada, o que preventivamente protegerá os seus interesses. No Capítulo 1, item 1.8.2, foi amplamente desenvolvido o tema da tutela inibitória, sendo que as principais conclusões são aplicáveis à ação de nunciação de obra nova, de forma que basta ao autor provar a existência de um ato contrário ao Direito (ato ilícito), independentemente de culpa do réu ou de dano – real ou provável – suportado pelo autor2.

Apesar da natureza inibitória da tutela buscada pela ação de nunciação de obra nova, não existe qualquer empecilho legal para que o autor cumule ao pedido inibitório um pedido de indenização por perdas e danos já suportados, o que é bastante comum quando a obra já se iniciou e gerou consequências danosas ao autor3. Como visto no Capítulo 1, item 1.8.2, as tutelas inibitória e reparatória têm diferentes elementos, mas são cumuláveis num mesmo processo. A vedação à cumulação entre pedido de procedimento especial (nunciação de obra nova) e pedido de procedimento comum (indenização em perdas e danos) é superada pela expressa previsão do art. 936, III, do CPC.

72.2. CABIMENTO

O cabimento desse procedimento especial pressupõe a existência de uma “obra nova” que será denunciada ao juízo pelo interessado. Segundo a melhor doutrina, o termo “obra” deve ser interpretado de forma ampla, incluindo edificação, demolição, terraplanagem, sondagem, escavação, compactação do solo, aterro, desterro, colocação de cano, fornos, extração de minérios, de cascalho, de areia; plantação, construção subterrânea, fosso, aqueduto, ponte, viaduto, canal, muro, cerca, perfuração, estaqueamento e assemelhados4.

Para ser juridicamente considerada nova, a obra deve alterar o estado de coisa anteriormente existente, sendo cabível a ação ora analisada desde o momento em que existirem fatos que exteriorizem a realização de uma obra até o seu encerramento. Como se nota, é cabível a ação de nunciação de obra nova antes mesmo de esta ter sido efetivamente iniciada, cabendo ao autor demonstrar que a mesma está na iminência de começar (p. ex., transporte para o local de material de construção, preparação de canteiros, existência de veículos próprios da construção civil no local, como tratores e escavadeiras5).

Entende a melhor doutrina que meras conclusões estéticas, tais como a pintura6 ou colocação de objetos com mero propósito decorativo, não impedem a conclusão de que a obra já tenha sido concluída7. Registre-se, entretanto, interessante entendimento pelo cabimento da ação de nunciação de obra nova mesmo nessas circunstâncias, desde que justamente da execução de um detalhe final decorra a infração, como na hipótese de realização de acabamento com um produto proibido8.

Caso a parte ingresse com a ação de nunciação de obra nova antes do início da obra não haverá interesse de agir em razão da falta de necessidade da intervenção jurisdicional, devendo ser o processo extinto sem a resolução de mérito (art. 267, IV, do CPC). Por outro lado, caso a parte ingresse com a ação depois de já encerrada a obra, não haverá interesse de agir em razão da falta de adequação, o que em tese leva o processo à extinção por sentença terminativa, mas tratando-se apenas de uma inadequação procedimental, admitir-se-á a emenda da petição inicial, como analisado no Capítulo 3, item 3.2.3.

Registre-se que o estado fático que permite o ingresso da ação de nunciação de obra nova é aquele existente no momento de ingresso da demanda, sendo entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, sendo concluída a obra durante o trâmite procedimental, não só continua sendo cabível a ação ora analisada, como continua sendo possível a prolação de sentença de procedência9. O mesmo Tribunal entende que nesse caso, tendo sido a obra concluída durante o trâmite da ação de nunciação de obra nova, naturalmente não será mais possível paralisá-la, sendo admissível a sua conversão em ação demolitória, de forma que a sentença de procedência determine a demolição da obra já concluída10.

72.3. LEGITIMIDADE

A legitimação ativa vem prevista no art. 934 do CPC. São legitimados ativos o proprietário ou possuidor de imóvel vizinho, o condômino e o Município.

Segundo o art. 934, I, do CPC cabe ao proprietário ou possuidor de imóvel vizinho ao da obra ingressar com a ação de nunciação de obra nova desde que a mesma prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado11. A doutrina corretamente afirma que imóvel vizinho não significa necessariamente imóvel contíguo, bastando que seja próximo o suficiente a obra nova para suportar os seus efeitos12. O litisconsórcio a ser formado entre o proprietário e o possuidor é facultativo, dependendo a sua formação da vontade das partes, e unitário, sendo obrigatoriamente dada a mesma solução para ambos. O litisconsórcio entre vizinhos é facultativo, dependendo a sua formação da vontade das partes; e simples, sendo possíveis diferentes soluções aos litisconsortes, considerando-se que a obra nova pode não prejudicar a todos os vizinhos que ingressaram com a demanda.

Na legitimação prevista no art. 934, II do CPC, o condômino pode ingressar com ação de nunciação de obra nova para impedir que o coproprietário execute alguma obra com prejuízo ou alteração da coisa comum. Além do condômino também o condomínio tem legitimidade para ingressar com a ação, tanto em razão de ato de condômino13 como por ato de vizinho. Sendo a obra irregular realizada pelo condomínio em prejuízo dos condôminos, todos terão legitimidade ativa; havendo litisconsórcio, será facultativo e simples.

Para parcela da doutrina, a legitimidade do Município para impedir por meio da ação de nunciação da obra nova o particular de construir em contravenção da lei, do regulamento ou de postura, abrange a ofensa a normas municipais, estaduais e federais14. Outra corrente doutrinária entende que somente na hipótese de violação à norma municipal o Município terá legitimidade, devendo o dispositivo ser interpretado de forma a atribuir-se ao Estado legitimidade quando a norma violada for estadual e à União quando a norma for federal15. O segundo entendimento é superior, porque a violação de norma estadual e federal cria relação jurídica entre o dono da obra e o Estado e a União, e não sendo o Município titular de qualquer relação jurídica, não tem legitimidade para a demanda16.

O art. 45 da Lei 6.766/1979, ao permitir ao loteador, mesmo que já tenha vendido todos os lotes, o ingresso de demanda judicial destinada a impedir construção em desacordo com as restrições legais ou contratuais, concede a esse sujeito legitimidade ativa para a ação de nunciação de obra nova.

No polo passivo a legitimidade é ampla, abrangendo qualquer sujeito que seja considerado dono da obra. Admite-se no polo passivo a pessoa jurídica, jurídica e formal, e no caso da pessoa jurídica, tanto as de direito privado como as de direito público17. Não têm legitimidade o possuidor nem o construtor18.

72.4. PROCEDIMENTO

A petição inicial segue fundamentalmente os requisitos formais previstos no art. 282 do CPC, com algumas especialidades no tocante ao pedido. A competência da ação de nunciação de obra nova é do foro do local da coisa (art. 95 do CPC), sendo espécie atípica de competência territorial absoluta, conforme analisado no Capítulo 4, item 4.5.1.2. O valor da causa é meramente estimativo quando o pedido é somente de natureza inibitória, passando a ser determinado pelo valor do dano quando houver pedido condenatório ao pagamento das perdas e danos, sempre que for possível ao autor calcular o valor de seu dano (art. 286, II, do CPC).

Segundo o art. 936, I, do CPC, o autor deverá requerer na petição inicial a suspensão da obra, bem como a reconstituição, modificação ou demolição do que estiver feito em seu detrimento. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser implícito o pedido de modificação parcial da obra, quando isso for suficiente para adaptá-la às exigências legais19.

Pode ainda o autor pleitear a cominação de pena para o caso do descumprimento do preceito (art. 936, II, do CPC), sendo o dispositivo atualmente inútil por duas razões:

(a) em toda obrigação de fazer/não fazer é admissível o pedido de astreintes para pressionar psicologicamente o devedor a cumprir sua obrigação;

(b) ainda que o autor não faça o pedido, o juiz poderá de ofício aplicar a multa sempre que entendê-la útil à efetivação de sua decisão.

Também é cabível o pedido de indenização por perdas e danos (art. 936, III, do CPC) e, no caso de demolição, colheita, corte de madeiras, extração de minérios e obras semelhantes, de apreensão e depósitos dos materiais e produtos já retirados (art. 936, parágrafo único, do CPC).

O art. 937 do CPC prevê o cabimento de tutela de urgência de natureza satisfativa a ser concedida liminarmente ou após a audiência de justificação prévia. Tal medida liminar – como, aliás, todas as demais, conforme demonstrado no Capítulo 50, item 50.1 – tem natureza satisfativa, e na ausência de requisitos específicos para a sua concessão deve o juiz aplicar por analogia o art. 273 do CPC, exigindo do autor a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e a prova de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Sendo realizado e deferido o pedido liminar de embargo da obra, o juiz determinará ao oficial de justiça que lavre o auto circunstanciado, descrevendo o estado em que se encontra a obra, intimando em ato contínuo o construtor e os operários – naturalmente quando existirem – para que não continuam a obra sob pena de responsabilização penal pelo crime de desobediência. Entendo que, além do crime de desobediência, esses terceiros também são suscetíveis de serem multados em até 20% do valor da causa por ato atentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, parágrafo único, do CPC) caso descumpram a determinação judicial.

A obra poderá continuar, mesmo tendo sido concedida a liminar, na situação prevista pelo art. 940 do CPC. É facultado ao réu, a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, requerer o prosseguimento da obra comprovando que a paralisação lhe gerará um sério prejuízo, devendo nesse caso apresentar caução suficiente e idônea, que será prestada no órgão de origem, ainda que o processo esteja no tribunal (art. 940, § 1.º, do CPC). Aduz o art. 940, § 2.º, do CPC, entretanto, que sendo o embargo concedido em razão de obra realizada contra determinação de regulamentos administrativos, não será admitida a paralisação.

Não concordo com a corrente doutrinária majoritária que entende que o pedido liminar seja obrigatório e tampouco que, uma vez indeferido o processo, deva ser extinto sem a resolução do mérito20. Tudo dependerá do ritmo das obras e do tempo de duração do processo, não sendo possível abstratamente e a priori se afirmar que sem tutela de urgência estará prejudicado o pedido do autor.

Sendo assim, após a efetivação da medida liminar ou sem a sua concessão, o réu será citado para responder a ação em 5 dias. Apesar de o art. 938 do CPC prever tal prazo para a contestação do réu, não cabe a exceção de incompetência – no caso a competência é absoluta – ou reconvenção, em razão da sumariedade do procedimento21. Segundo o art. 939 do CPC o procedimento a partir desse momento seguirá o art. 803 do CPC, o que demonstra claramente o objetivo de sumarizar o procedimento.

72.5. EMBARGO EXTRAJUDICIAL

Segundo o art. 935, caput, do CPC os prejudicados pela obra nova também poderão realizar o embargo extrajudicial da obra, desde que o caso seja urgente. Pela previsão legal o prejudicado notificará verbalmente, perante duas testemunhas, o proprietário ou, em sua falta (mera ausência no local, não inexistência22), o construtor, para não continuar a obra, devendo num prazo de 3 dias peticionar em juízo pedindo a ratificação do ato, sob pena de o embargo extrajudicial ter seu efeito cessado (art. 935, parágrafo único, do CPC). O pedido de ratificação deve ser realizado na própria petição inicial, e uma vez deferido terá eficácia ex tunc, ou seja, retroage ao momento da notificação extrajudicial23.

Apesar de não estar previsto em lei, pode o prejudicado, em vez das duas testemunhas indicadas pelo texto legal, preferir comprovar o embargo extrajudicial por meio de ata notarial, bastando para tanto se fazer acompanhar por oficial de cartório de notas no momento da notificação verbal. Como esse oficial é dotado de fé pública, tudo o que certificar na ata notarial ter ocorrido em sua presença será presumido como verdadeiro, sendo ônus do réu demonstrar não serem verídicas as informações constantes de tal ata. Ainda que se trate de presunção relativa, certamente terá uma carga probatória maior do que a prova testemunhal.

A ação de nunciação de obra nova deixa de ser procedimento especial no PLNCPC.

1 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 849-850.

2 Pela necessidade de dano: Theodoro Jr., Curso, n. 1.317, p. 159.

3 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 851; Furtado Fabrício, Comentários, n. 407, p. 483.

4 Câmara, Lições, vol. III, p. 362.

5 Marcato, Procedimentos, n. 81, p. 182; Furtado Fabrício, Comentários, n. 413, p. 491.

6 STJ, REsp 311.507/AL, 4.ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. 11.09.2001, DJ 05.11.2001, p. 218.

7 Theodoro Jr., Curso, n. 1.318, p. 161; Câmara, Lições, vol. III, p. 363.

8 Furtado Fabrício, Comentários, n. 413, p. 492.

9 STJ, REsp 161.398/MG, 4.ª Turma, rel. Min. Barros Monteiro, j. 05.04.2005; DJ 30.05.2005, p. 378.

10 STJ, REsp 851.013/RS, 4.ª Turma, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 05.12.2006, DJ 05.02.2007, p. 257; Theodoro Jr., Curso, n. 1.317, p. 160.

11 Informativo 511/STJ, 2.ª Turma, REsp 1.293.608-PE, rel. Min. Herman Benjamin, j. 04.12.2012.

12 Furtado Fabrício, Comentários, n. 414, p. 492-494.

13 Informativo 531/STJ, 3.ª Turma, REsp 1.374.456-MG, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 10.09.2013

14 Marcato, Procedimentos, n. 82.3, p. 183; Costa Machado, Código, p. 1.511-1.512.

15 Furtado Fabrício, Comentários, n. 420, p. 501; Theodoro Jr., Curso, n. 1.320, p. 163; Câmara, Lições, vol. III, p. 364.

16 Barbosa Moreira, Legitimidade, p. 163.

17 Barbosa Moreira, Legitimidade, p. 160.

18 Marcato, Procedimentos, n. 82.4, p. 183; Theodoro Jr., Curso, n. 1.321, p. 165.

19 STJ, Resp 524.963/MG, 4.ª Turma, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 02.09.2003, DJ 03.11.2003, p. 323.

20 Marcato, Procedimentos, n. 85, p. 186; Furtado Fabrício, Comentários, n. 439, p. 519; Theodoro Jr., Curso, n. 1.325, p. 167. No sentido do texto: Costa Machado, p. 1.516.

21 Contra: Furtado Fabrício, Comentários, n. 443, p. 523.

22 Furtado Fabrício, Comentários, n. 426, p. 507.

23 Theodoro Jr., Curso, n. 1.323, p. 165.