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EMBARGOS DE TERCEIRO

Sumário: 76.1. Conceito – 76.2. Hipóteses especiais de embargos de terceiro – 76.3. Legitimação – 76.4. Competência – 76.5. Prazo para ingresso dos embargos de terceiro – 76.6. Procedimento.

76.1. CONCEITO

Os embargos de terceiro são ação de conhecimento de rito especial sumário, de que dispõe o terceiro ou a parte a ele equiparada, sempre que sofra uma constrição de um bem do qual tenha posse (como senhor ou possuidor) em razão de decisão judicial proferida num processo do qual não participe. O objetivo da ação de embargos de terceiro é desconstituir a constrição judicial com a consequente liberação do bem. Também pode ser utilizada preventivamente, com o propósito de evitar a realização da constrição1.

A responsabilidade patrimonial, como regra geral, recai sobre as partes que participam da relação jurídica processual, sendo apenas de forma excepcional permitido ao juiz que determine a constrição patrimonial daquele que não participou do processo (art. 592 do CPC). Sempre que a regra geral for desrespeitada e não se verificar um dos casos de exceção, ou seja, não ser parte tampouco ter qualquer responsabilidade pelo cumprimento da obrigação, o terceiro poderá ingressar com a ação de embargos de terceiro com o exclusivo objetivo de afastar a constrição judicial já existente ou evitar que iminente constrição se realize.

Por constrição judicial entende-se o ato judicial por meio do qual o terceiro sofre alguma espécie de restrição de algum bem de seu patrimônio. Tradicionais exemplos de constrição judicial constam do rol exemplificativo do art. 1.046, caput, do CPC: penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão, imissão na posse etc. Tais atos de apreensão judicial, apesar de seu nítido caráter executivo, podem ocorrer em qualquer espécie de processo, não sendo exclusivos da execução2. O que importa é a constrição judicial, chamada também por parte da doutrina de “esbulho judicial”, ato que pode ocorrer a qualquer momento e em qualquer espécie de processo.

São inconfundíveis os embargos de terceiro e as ações possessórias: enquanto nos embargos de terceiro o ato de esbulho advém de uma ordem judicial, cumprida pelo oficial de justiça, nas ações possessórias a agressão à posse é praticada sem nenhum respaldo jurisdicional, por particulares ou entes estatais (o Estado também pode ser esbulhador), sem nenhuma ordem judicial que a justifique3.

Também são inconfundíveis os embargos de terceiro e a oposição, considerando-se que na oposição o terceiro ingressa em demanda já formada entre autor e réu buscando obter para si o direito ou a coisa discutida, excluindo assim a pretensão de ambas as partes do processo principal. A característica marcante dessa espécie de intervenção de terceiro é a necessidade que o opoente tem de discutir o direito material objeto da ação principal, já que somente assim convencerá o juiz de suas razões. Na oposição, a opoente tem um necessário interesse na solução da demanda principal, visto que busca demonstrar que nenhum dos sujeitos (autor e réu) merece receber a tutela jurisdicional invocada. Já nos embargos de terceiro o embargante não tem nenhum interesse na solução final da ação principal, visto que para ele pouco importa quem é o titular do direito material debatido em tal ação. A vitória do autor ou do réu é simplesmente indiferente para o embargante, que não objetiva com os embargos de terceiro discutir o direito material que é objeto da ação principal, mas exclusivamente retirar a constrição judicial ilegal. O objetivo único e exclusivo do embargante não é provar ao juiz que nem autor nem réu são titulares do direito discutido na ação principal, até mesmo porque tal direito simplesmente não lhe diz respeito e, portanto, não lhe interessa, e sim fazer cessar a constrição judicial que surgiu por ordem emanada do processo principal4.

A possível natureza inibitória dos embargos de terceiro é consagrada pelo art. 689, caput, do PLNCPC, ao prever que a mera ameaça de constrição é causa para tal ação, hipótese na qual o pedido será de inibição do ato judicial.

76.2. HIPÓTESES ESPECIAIS DE EMBARGOS DE TERCEIRO

O art. 1.047 do CPC prevê duas hipóteses especiais de embargos de terceiro:

I – para a defesa da posse, quando nas ações de divisão ou de demarcação, for o imóvel sujeito a atos materiais, preparatórios ou definitivos, da partilha ou da fixação de rumos; e

II – para o credor com garantia real obstar a alienação judicial do objeto da hipoteca, penhor ou anticrese.

A primeira situação descreve a hipótese do sujeito que não participa do processo de divisão e demarcação, mas toma ciência de que a fixação dos rumos do imóvel objeto dessa demanda passa a molestar (ou ameaça molestar) sua posse em razão de um ato judicial. Não se exige o efetivo ato gerador do esbulho, bastando para permitir o ingresso da ação a simples ameaça de que a posse do terceiro poderá ser molestada em razão das providências adotadas pelo cumprimento da decisão judicial, havendo até mesmo doutrina que entende ser a mera existência da demanda divisória ou demarcatória suficiente para o cabimento dos embargos de terceiro5. Importa consignar que tais atos materiais de preparo da demarcação ou divisão não são propriamente atos de constrição judicial, mas sem dúvida molestam a posse do terceiro, o que justifica essa excepcional hipótese de embargos de terceiro6.

Na segunda hipótese prevista pelo dispositivo legal ora comentado, os embargos de terceiro são o instrumento adequado ao credor com garantia real para evitar que um bem objeto de hipoteca, penhor ou anticrese seja alienado judicialmente. Apesar de o bem gravado por garantia real ser penhorável, existem algumas condições específicas que visam proteger o credor hipotecário ou pignoratício, em razão de sua preferência sobre o credor quirografário. Segundo a previsão legal contida no art. 615, II, do CPC, o credor com garantia real deve ser intimado da penhora que incide sobre o bem objeto da hipoteca, penhor ou anticrese. Uma vez intimado da penhora, o credor – terceiro em relação à execução – pode evitar a expropriação do bem dado em “garantia real” por meio da interposição dos embargos de terceiro.

Nesse caso específico de embargos de terceiro há uma limitação das matérias a serem alegadas pelo embargado em sua defesa (art. 1.054 do CPC), sendo que a melhor doutrina e jurisprudência entendem que a única forma de o credor hipotecário ou pignoratício impedir a execução alheia sobre sua garantia real é comprovar que existem outros bens que possam responder pela obrigação quirografária7. Observe-se que o termo “insolvência”, utilizado no dispositivo legal, não se condiciona exclusivamente à sentença de falência ou de insolvência civil, bastando para tanto a comprovação de não existirem outros bens para satisfazer o direito do credor8.

A conclusão é que, sendo demonstrado em sede de embargos de terceiro que existem outros bens do devedor livres, desembaraçados e suficientes para a satisfação do credor, a constrição judicial será realizada sobre eles, e não sobre a garantia real do terceiro. Nesse caso os embargos de terceiro serão julgados procedentes, com a liberação da constrição judicial. Não localizados outros bens, entretanto, os embargos de terceiro serão julgados improcedentes e o bem objeto da constrição judicial será normalmente levado à hasta pública, preservando o credor hipotecário ou pignoratício a sua preferência, o que será pleiteado junto ao juízo no qual tramita a execução.

76.3. LEGITIMAÇÃO

a) Legitimidade ativa – a condição de “terceiro”

Aduz o art. 1.046 do CPC que a legitimidade ativa dos embargos de terceiro é do terceiro – entendido como o sujeito que não faz parte da relação jurídica processual tampouco tem responsabilidade patrimonial – que sofra esbulho (perda total da posse) ou turbação (perda parcial da posse) na posse de seus bens em razão de ato de apreensão judicial. Como previsto no art. 1.046, § 1.º, do CPC, independentemente da natureza do direito sobre a coisa, a legitimidade ativa depende da posse do bem, ou seja, o proprietário não possuidor não tem legitimidade ativa nos embargos de terceiro9. Registre-se, entretanto, a existência de corrente doutrinária que defende a possibilidade de proprietário não possuidor ingressar com embargos de terceiro10. Para o Superior Tribunal de Justiça é legitimado ativo para os embargos de terceiro o condomínio que não participa da ação possessória11.

Atente-se que, ao apontar como legitimado para ingressar com os embargos de terceiro o sujeito que não faz parte da relação jurídica processual, entende-se que esse “terceiro” é o sujeito que não pode sofrer os efeitos do processo do qual surgiu a ordem de constrição patrimonial, porque o objeto desse processo não diz respeito ao direito material do qual seja titular. O assistente simples, por exemplo, participa do processo e ainda assim tem legitimidade para ingressar com os embargos de terceiro12, bem como o substituto processual, que litiga em nome próprio direito alheio13. Nesses casos, apesar de participarem do processo, a eficácia do julgado não pode atingi-los, visto que os mesmos não estão em juízo defendendo direito próprio, o que lhes dá legitimidade para a propositura dos embargos de terceiro.

Há ainda a previsão do art. 1.046, § 2.º, do CPC que equipara ao terceiro a parte que, figurando no processo, defende bens que, pelo título de sua aquisição ou pela qualidade que os possuir, não podem ser atingidos pela apreensão judicial. É o caso, por exemplo, do locatário, que, executado, vê penhorado bem que lhe fora dado em locação, ou do devedor fiduciante que teve constrito judicialmente o bem alienado fiduciariamente14. São casos especiais de sujeitos que, apesar de serem partes no processo, ainda assim têm legitimidade para ingressar com os embargos de terceiro.

Por outro lado, existem aqueles sujeitos que, mesmo não tendo participado do processo, não são considerados legitimados para ingressar com os embargos de terceiro. De fato são terceiros, uma vez que não participam do processo, mas lhes falta legitimidade para o ingresso dos embargos. Tal situação se verifica nos casos expressamente previstos em lei de responsabilidade patrimonial de terceiros (art. 592 do CPC), assunto devidamente tratado no Capítulo 38, item 38.5. A mera circunstância de serem terceiros no sentido processual (não serem partes do processo) não os legitima aos embargos de terceiro porque seus patrimônios respondem pela obrigação discutida na demanda.

O art. 1.046, § 3.º, do CPC prevê a legitimidade ativa do cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação. Conforme já amplamente analisado no Capítulo 38, item 38.5.4, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo cabível o ingresso de embargos de terceiro e os embargos à execução pelo cônjuge não devedor. Sendo penhorado o imóvel, o cônjuge será necessariamente intimado (art. 655, § 2.º, do CPC), podendo ingressar tanto com a defesa típica de terceiro na defesa de sua meação, como com defesa típica de devedor.

Nesse caso, será discutido nos embargos de terceiro se a dívida contraída pelo cônjuge devedor beneficiou o casal ou a família. Convencido o juiz de que houve tal benefício, julgará improcedentes os embargos em razão da responsabilidade patrimonial secundária do cônjuge não devedor; caso contrário, julgará procedentes os embargos e preservará a meação do cônjuge não devedor. O Superior Tribunal de Justiça entende que nesse caso o ônus da prova é do credor, salvo na hipótese de aval concedido pelo cônjuge devedor, hipótese na qual caberá ao cônjuge não devedor demonstrar que a dívida não reverteu em benefício do casal ou da família15.

Registre-se que, em razão do disposto no art. 655-B do CPC, os embargos de terceiro nesse caso têm uma importante singularidade: não retiram a constrição judicial sobre o bem, que será normalmente alienado judicialmente; o que se obtém pelos embargos de terceiro é somente metade do produto da alienação do bem16.

Questão recorrente em nossos tribunais é a da legitimidade do promissário comprador de imóvel para ingressar com os embargos de terceiro, desde que devidamente imitido na posse. Atualmente prevalece em sede jurisprudencial entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça de que “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro” (Súmula 84 do STJ)17. Parcela da doutrina afirma que a aplicabilidade do entendimento sumulado limita-se ao ato de constrição fundado em direito pessoal, considerando-se que, na hipótese de execução hipotecária, a posse meramente contratual não é suficiente para afastar a constrição judicial18. Parece, entretanto, que essa é matéria de mérito dos embargos e não deve ser tratada à luz das condições da ação.

Segundo o art. 689, § 2.º, do PLNCPC, considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos: I – o cônjuge ou companheiro quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, salvo no caso do art. 859; II – o adquirente de bens que foram constritos em razão da decretação de fraude à execução; III – quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica e que não é parte no processo em que realizado o ato constritivo; IV – o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.

b) Legitimação passiva

A regra fundamental para a determinação da legitimação passiva é aquela que indica o polo ativo da demanda donde surgiu a apreensão judicial, levando-se em consideração que a ordem do juiz para a constrição judicial ocorre ou deriva de uma satisfação do direito do autor/exequente (conhecimento e execução) ou de garantia dessa satisfação do requerente (cautelar)19. Justifica-se o entendimento porque a decisão judicial de constrição só é proferida em razão da provocação inicial do demandante, que originariamente será sempre responsabilizado pelo ato de constrição que atinja bem de terceiro.

É preciso observar, entretanto, que em determinadas situações a apreensão judicial é resultado direto da indicação de bem feita pelo sujeito que compõe o polo passivo da demanda. Basta pensar numa execução na qual o executado oferece bem de terceiro à penhora, não podendo ser o exequente responsabilizado sozinho pela constrição advinda de tal pedido. Nesse caso, a legitimidade será tanto do executado (responsável pela individualização do bem) como do exequente (responsável pelo pedido de constrição), formando-se no polo passivo dos embargos de terceiro um litisconsórcio necessário20. Como o exequente não foi responsável pela indicação do bem, o executado responderá pelas verbas de sucumbência nos embargos de terceiro21.

Não entendo correto o entendimento de que serão em qualquer situação legitimados passivos nos embargos de terceiro as partes do processo principal22, porque o demandado nesse processo pode não ter nenhuma responsabilidade pelo ato de constrição judicial, não sendo correto obrigá-lo a suportar os ônus – inclusive os de sucumbência – de ser réu nos embargos de terceiro23. Quando muito, caso interesse a esse sujeito a manutenção da constrição judicial, poderá ingressar nos embargos como assistente do demandante da ação principal, sendo o único sujeito que deve compor originariamente o polo passivo dos embargos de terceiro.

Nos termos do art. 692, § 4.º, do PLNCPC, será legitimado passivo o sujeito a quem o ato de constrição aproveita. Também o será seu adversário no processo principal, quando for sua a indicação do bem para a constrição judicial.

76.4. COMPETÊNCIA

A competência para os embargos de terceiro vem prevista pelo art. 1.049 do CPC, indicando que “os embargos serão distribuídos por dependência e correrão em autos distintos perante o mesmo juiz que ordenou a apreensão”. Há uma falha manifesta na redação do dispositivo legal; onde está escrito “juiz” deve-se entender “juízo” que ordenou a constrição, tudo em respeito ao princípio da desvinculação pessoal do magistrado que ordenou a constrição do bem contra a qual se insurge o terceiro por meio dos embargos de terceiro.

Tendo os embargos de terceiro a função de desconstituir uma apreensão gerada por ordem judicial, não seria adequado que outro órgão jurisdicional de mesma instância pudesse se sobrepor àquele juízo que ordenou a apreensão. Sendo todos os juízos pertencentes ao primeiro grau de jurisdição, o melhor é atribuir ao próprio juízo responsável pela constrição a função de desconstituir seu ato. Ademais, certamente estará mais familiarizado com a matéria o juízo da ação principal, decorrendo daí a natureza de competência absoluta (funcional) da regra prevista no art. 1.049 do CPC.

Estando em trâmite a demanda perante o segundo grau de jurisdição ou mesmo órgão de superposição, os embargos de terceiro deverão ser interpostos no primeiro grau24. Primeiro porque não caberia a criação de uma ação de competência originária do tribunal sem previsão legal; segundo porque os atos materiais de constrição judicial são realizados pelo juízo de primeiro grau em cumprimento de carta de ordem.

Tramitando a ação principal perante a Justiça Estadual e sendo interpostos os embargos de terceiro por qualquer dos entes federais previstos no art. 109, I, da CF, a competência para o julgamento dos embargos de terceiro passa a ser da Justiça Federal. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a competência da ação principal continua a ser da Justiça Estadual, devendo tal demanda executiva ser suspensa até o julgamento dos embargos de terceiro como forma de evitar decisões contraditórias25.

Interessante questão surge na apreensão judicial realizada em cumprimento de carta precatória. Qual seria o juízo competente para conhecer dos embargos de terceiro: o juízo deprecante ou o juízo deprecado? No caso de carta precatória é imprescindível analisar o responsável pela individualização do bem objeto da constrição judicial, visto que será esse o juízo competente para conhecer dos embargos de terceiro26. Assim, sendo expedida a carta precatória para a constrição de determinado bem, servindo o juízo deprecado apenas para efetivar tal apreensão, não deve restar dúvida de que a competência para os embargos de terceiro será do juízo deprecante, responsável pela indicação do bem a ser constrito. Já no caso de uma constrição, em que o juízo deprecante apenas expede carta precatória para que sejam constritos tantos bens quantos necessários para a garantia do juízo (p. ex., penhora), a escolha de quais bens servirão de objeto da constrição patrimonial deve ser feita pelo juízo deprecado, sendo esse competente para conhecer dos embargos de terceiro.

Nos termos do art. 691, caput, do PLNCPC, os embargos serão distribuídos por dependência e correrão em autos distintos perante o mesmo juízo que ordenou a apreensão, sendo previsto no parágrafo único que, nos casos de ato de constrição realizado por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecado, salvo se o bem constrito tiver sido determinado pelo juízo deprecante ou se a carta já tiver sido devolvida.

76.5. PRAZO PARA INGRESSO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO

Já foi afirmado que qualquer espécie de processo pode gerar uma apreensão judicial que motive o ingresso dos embargos de terceiro, sendo que o art. 1.048 do CPC fixa um prazo final para a sua interposição, de natureza decadencial27.

Segundo o texto de lei, se a apreensão ocorrer no curso do processo de conhecimento (ou fase procedimental), o terceiro pode opor embargos enquanto não ocorrer o trânsito em julgado da sentença, aplicando-se a mesma regra à fase de conhecimento nas ações sincréticas. Cumpre consignar que o terceiro não está vinculado à coisa julgada de demanda da qual não participou (art. 472 do CPC), de forma que poderá depois do trânsito em julgado reivindicar o bem constrito pelas vias ordinárias, havendo restrição tão somente à utilização dos embargos de terceiro. O prazo é meramente preclusivo, não afetando o direito material do terceiro28.

Se a apreensão se verificar no trâmite do processo de execução, a oportunidade para o ingresso da demanda se exaure no prazo de cinco dias após a arrematação ou adjudicação (a remição foi extinta pela Lei 11.382/2006), mas nunca após a assinatura da respectiva carta. Havendo alienação por iniciativa particular, o prazo também será de até cinco dias após a alienação judicial do bem. Não interessa a forma de expropriação, sendo sempre o prazo dos embargos de terceiro de até cinco dias dessa expropriação.

Ainda que não tratada especificamente pelo artigo acima mencionado, a apreensão judicial realizada em execução de obrigação de dar coisa certa também pode ser atacada por meio dos embargos, havendo divergência quanto ao prazo. Enquanto parcela da doutrina entende que o prazo é de cinco dias após o ato final de satisfação do credor nesse processo, ou seja, a entrega definitiva do bem29, outra parcela considera que a contagem do prazo tem início na data da efetiva turbação da posse30.

Também não tratou o artigo legal das ações cautelares, que por serem meramente instrumentais – preparatórias ou incidentais – exigem a existência de uma ação principal, aplicando-se o prazo do trânsito em julgado desta também às apreensões decorrentes de processo cautelar31. Sendo a ação principal uma execução, aplica-se o prazo de cinco dias previsto no art. 1.048 do CPC32.

Nas ações sincréticas, o trânsito em julgado da sentença não encerra o processo, que continuará em sua segunda fase, qual seja a de satisfação do direito reconhecido. Nesse caso, parece que a data fatal para o ingresso dos embargos de terceiro deva ser de cinco dias após o cumprimento do mandado gerado pela sentença, quando então efetivamente terá sido satisfeito o direito do vencedor. Essa regra somente se aplicará se não tiver ocorrido anteriormente satisfação fática por meio de tutela de urgência (liminar ou antecipação de tutela), uma vez que nesse caso o prazo fatal será o trânsito em julgado da sentença33. O importante é determinar em qual fase do processo foi praticado o ato de constrição judicial:

(a) na fase de conhecimento, o prazo é aquele previsto para o processo de conhecimento;

(b) na fase de execução, o prazo é aquele previsto para o processo de execução.

76.6. PROCEDIMENTO

A petição inicial, a ser distribuída para o mesmo juízo no qual tramita a ação principal, deve seguir as regras gerais do art. 282 do CPC, além de trazer prova sumária da posse do embargante, que pode ser produzida em audiência preliminar (art. 1.050, § 1.º, do CPC) e da sua qualidade de terceiro, com a indicação do rol de testemunhas e instruída com a prova documental que o embargante pretenda produzir (art. 1.050, caput, do CPC). O Superior Tribunal de Justiça é severo na aplicação do dispositivo, entendendo haver preclusão da prova testemunhal caso a petição inicial seja omissa no arrolamento de testemunhas34. No caso de o autor ser mero possuidor direto, poderá na petição inicial indicar o domínio alheio (art. 1.050, § 2.º, do CPC). Os embargos de terceiro são autuados de forma autônoma, não sendo nem mesmo apensados aos autos da ação principal.

Recebida a petição inicial e estando suficientemente provada a posse do embargante, o juiz deferirá os embargos e ordenará liminarmente (tutela de urgência satisfativa) a expedição de mandado de manutenção ou restituição do bem objeto da apreensão judicial em favor do embargante, que só receberá os bens depois de prestar caução suficiente e idônea, incidentalmente nos próprios autos, para a garantia de ressarcimento de eventuais danos do embargado na hipótese de os embargos serem julgados improcedentes. Observe que o oferecimento de caução não depende do juiz no caso concreto, sendo norma cogente que se aplica a qualquer situação35. No caso de o embargante não prestar a caução, que pode ser real ou fidejussória, o bem objeto dos embargos ficará sequestrado até o julgamento final da ação, figurando alguém (pode ser inclusive o embargante) como depositário fiel do bem36.

A suspensão do processo principal terá a sua amplitude determinada pelo objeto dos embargos. Será uma suspensão total se os embargos versarem sobre todos os bens objeto da ação principal e somente parcial, se o objeto dos embargos versar apenas sobre alguns dos bens (art. 1.052 do CPC). Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça entende que a mera interposição dos embargos de terceiro causa a suspensão da ação principal, não havendo requisitos no caso concreto a serem preenchidos37.

A citação do embargado deverá ser feita na pessoa de seu advogado. Embora o entendimento do Superior Tribunal de Justiça seja pela necessidade de citação na pessoa do embargado38, estando este devidamente representado na ação principal, não se entende por que a citação não possa ser regularmente feita na pessoa de seu patrono. Em respeito ao princípio da economia processual, essa é a melhor solução, amoldando-se a outros casos expressamente previstos pelo Código como a oposição, a reconvenção e a ação declaratória incidental39. Em boa hora esse entendimento foi consagrado pela Lei 12.125/2009, previsão expressa da citação na pessoa do advogado no art. 1.050, § 3.º, do CPC, ao dispor que a citação pessoal depende do embargado não ter advogado constituído na ação principal, o que permite a conclusão da citação na pessoa do advogado quando existir um constituído na ação principal.

O prazo para a resposta do réu é de dez dias, podendo apresentar contestação e as exceções de impedimento e suspeição, não cabendo a reconvenção em razão das diferenças procedimentais40. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, havendo audiência de justificação, aplica-se aos embargos de terceiro a regra do art. 930, parágrafo único, do CPC, de forma que o termo inicial da resposta do réu passa a ser a audiência41.

O embargado poderá alegar toda a matéria de defesa possível, sendo os embargos um processo de cognição plena, à exceção dos embargos ajuizados por credor com garantia real, visto que nesses casos as defesas do embargado estão limitadas pelo art. 1.054 do CPC e pela alegação de fraude à execução, que demanda o ajuizamento de ação pauliana42. Após a apresentação da contestação, o procedimento seguirá o procedimento sumário do processo cautelar (art. 803 do CPC), embora não seja essa a natureza jurídica dos embargos de terceiro43.

Há certo dissenso entre os doutrinadores quanto à natureza jurídica da sentença dos embargos de terceiro. Para alguns a sentença é declaratória, para outros é constitutiva e existem até aqueles que a entendem como condenatória. Há ainda aqueles que defendem a natureza mandamental ou executiva lato sensu. Tudo, na verdade, dependerá da classificação das sentenças, matéria das mais polêmicas travada entre os doutrinadores e já enfrentada no Capítulo 16, item 16.2.1. Para aqueles que defendem a classificação tradicional ternária (ou trinária) das sentenças, a maioria entende ser a sentença de natureza constitutiva negativa, uma vez que desfaz a apreensão judicial44. Já para aqueles que defendem uma classificação quinária das sentenças, tal sentença tem natureza mandamental45.

Apesar das desavenças doutrinárias, sobre um ponto os estudiosos são uníssonos: não existe necessidade para a satisfação do direito do vencedor de um processo autônomo de execução, o que caracteriza os embargos de terceiro como uma ação sincrética. Se a liminar já tiver sido efetivada, a sentença de procedência apenas a torna definitiva, gerando a estabilidade e a imutabilidade da situação fática obtida liminarmente. Caso contrário, o juiz, a requerimento do autor, passa imediatamente a praticar os atos materiais tendentes a entregar o bem a ele, sem nenhuma necessidade de ingresso de ação de execução de dar coisa certa.

A mudança procedimental mais substancial do PLNCPC é o prazo de resposta do réu, que passa a ser de 15 dias, nos termos do art. 694. Também é interessante a novidade prevista no art. 690, parágrafo único: caso seja possível identificar que há terceiro titular de interesse em se opor ao ato, o juiz deverá mandará intimá-lo pessoalmente.

1 Informativo 425/STJ: 1.ª Turma, REsp 1.019.314-RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 02.03.2010.

2 Theodoro Jr., Curso, n. 1.431, p. 303; Nery-Nery, Código, p. 1.219; Cintra Pereira, Embargos, n. 4.2, p. 25.

3 Araken de Assis, Manual, n. 552, p. 1.194.

4 Dinamarco, Intervenção, p. 58-60; Bedaque, Código, p. 165.

5 Theodoro Jr., Curso, n. 1.434, p. 305.

6 Pinheiro Carneiro, Comentários, p. 164.

7 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 911; Theodoro Jr., Curso, n. 1.435, p. 306; Cintra Pereira, Embargos, n. 5.1.2, p. 42; STJ, 3.ª Turma, REsp 578.960/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.10.2004.

8 Theodoro Jr., Curso, n. 1.435, p. 307; Câmara, Lições, p. 425.

9 Araken de Assis, Manual, n. 552, p. 1.194; Dinamarco, Instituições, n. 1.809, p. 743; Câmara, Lições, p. 424; Marinoni-Arenhart, Código, p. 908; Fidélis dos Santos, Manual, n. 1.769, p. 135.

10 Nery-Nery, Código, p. 1.219; Fischmann, Comentários, p. 219-223.

11 Informativo 511/STJ, 4.ª Turma, REsp 834.487-MT, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 13.11.2012.

12 Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 63, p. 151; Nery-Nery, Código, p. 1.219, ao menos no tocante ao assistente simples.

13 Pinheiro Carneiro, Comentários, p. 151.

14 Araken de Assis, Manual, n. 555.1.2, p. 1.200; Cintra Pereira, Dos embargos, n. 4.3.2.2, p. 31; Costa Machado, Código, p. 1.644.

15 STJ, 3.ª Turma, AgRg no Ag 702.569/RS, rel. Min. Vasco Della Giustina, j. 25.08.2009, DJe 09.09.2009.

16 Neves, Reforma, p. 300-304.

17 Informativo 412/STJ: 3.ª Turma, REsp 908.137-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 20.10.2009.

18 Theodoro Jr., Curso, n. 1.436, p. 312.

19 STJ, 3.ª Turma, REsp 282.674/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 03.04.2001; Dinamarco, Instituições, n. 1.810, p. 745; Fischmann, Comentários, p. 244.

20 Marcato, Procedimentos, n. 158, p. 273; Câmara, Lições, p. 427.

21 Súmula 303 do STJ.

22 Nery-Nery, Código, p. 1.225; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 72, p. 178-179.

23 Dinamarco, Instituições, n. 1.810, p. 746.

24 Araken de Assis, Manual, n. 554, p. 1.197-1.198.

25 STJ, 2.ª Seção, CC 93.969/MG, rel. Min. Sidnei Benetti, j. 28.05.2008. Contra: Dinamarco, Instituições, n. 1.811, p. 746.

26 STJ, 1.ª Seção, CC 53.034/GO, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 14.06.2006; STJ, 3.ª Turma, REsp 1.033.333/RS, rel. Massami Uyeda, j. 19.08.2008; Dinamarco, Instituições, n. 1.811, p. 746; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 914; Theodoro Jr., Curso, n. 1.439, p. 314. Informativo 364/STJ, 3.ª T., REsp 1.033.333-RS, rel. Massami Uyeda, 19.08.2008.

27 Araken de Assis, Manual, n. 557, p. 1.205.

28 Theodoro Jr., Curso, n. 1.438, p. 313; Marinoni-Mitidiero, Código, p. 913; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 69, p. 169.

29 Theodoro Jr., Curso, n. 1.438, p. 313; Dinamarco, Instituições, n. 1.812, p. 749.

30 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 912; STJ, 3.ª Turma, REsp 237.581/SP, rel. Humberto Gomes de Barros, j. 19.05.2005.

31 Fischmann, Comentários, p. 253.

32 AgRg na Pet 1.059/CE, 3.ª Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 08.02.2000.

33 Theodoro Jr. Curso, n. 1.438, p. 313.

34 STJ, 2.ª Turma, REsp 362.504/RS, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04.04.2006.

35 Fidélis dos Santos, Manual, n. 1.776, p. 139; Contra: Araken de Assis, Manual, n. 560.1.2, p. 1.212; Costa Machado, Código, p. 1.652; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 74, p. 182-183.

36 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 916; Marcato, Procedimentos, n. 162, p. 275; STJ, 3.ª Turma, REsp 754.895/MG, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 25.09.2006.

37 STJ, 3.ª Turma, REsp 979.441/RJ, rel. Min. Ari Pargendler, j. 03.06.2008. Na doutrina: Nery-Nery, Código, p. 1.227. Contra: Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 75, p. 186.

38 REsp 782.889/SP, 4.ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 12.12.2005; REsp 604.028/SP, 3.ª Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 07.06.2005. Na doutrina: Dinamarco, Instituições, n. 1.816, p. 753; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 76, p. 188-189; Araken de Assis, Manual, n. 560.3, p. 1.213.

39 Theodoro Jr., Curso, n. 1.440, p. 315; Costa Machado, Código, p. 1.652; Câmara, Lições, p. 428.

40 Marinoni-Mitidiero, Código, p. 917; Marcato, Procedimentos, n. 162, p. 275; Araken de Assis, Manual, n. 560.6.2, p. 1.218.

41 STJ, 3.ª Turma, AgRg no Ag 826.509/MT, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 26.08.2008, DJe 11.09.2008.

42 Súmula 195 do STJ: “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”.

43 Theodoro Jr., Curso, n. 1.440, p. 315; Câmara, Lições, p. 429.

44 Dinamarco, Fraude, p. 442.

45 Araken de Assis, Manual, n. 561, p. 1.222.