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AÇÃO DE RESTAURAÇÃO DE AUTOS

Sumário: 78.1. Introdução – 78.2. Legitimidade – 78.3. Competência – 78.4. Procedimento.

78.1. INTRODUÇÃO

Apesar da comum e socialmente aceitável confusão que se faz entre processo e autos, a distinção é nítida: processo é um procedimento animado por uma relação jurídica em contraditório, enquanto autos é o conjunto de escritos que exteriorizam os atos processuais, documentando a existência do processo. A ação com procedimento regulado pelos arts. 1.063 a 1.069 tem como objetivo a restauração dos autos que por algum motivo tenham desaparecido.

São variados os motivos de desaparecimento dos autos: desde fenômenos naturais que deteriorem os autos, tais como incêndios e alagamentos, traças e cupins, até atos humanos, como a perda desmotivada dos autos em arquivos desorganizados, o desvio e/ou destruição dolosa etc. O desaparecimento dos autos resultante de atos de pessoas imbuídas de má-fé deve ser severamente punido, em todas as esferas possíveis:

(a) processualmente devem ser condenadas nas penas de litigância de má-fé (sanção processual aplicável às partes e aos seus patronos);

(b) civilmente serão responsabilizadas pelos danos causados;

(c) penalmente responderão pelo crime de supressão de documento público (art. 305 do CP);

(d) administrativamente serão sancionadas nesse âmbito (como ocorre com serventuários da justiça e/ou advogados).

É claro que sem os autos não há como o processo prosseguir, de forma que a sua restauração tem como objetivo imediato a reconstrução dos escritos que exteriorizam os atos processuais e como objetivo mediato a continuação do processo. Como entende a melhor doutrina, o desaparecimento dos autos é causa de força maior apta a implicar a suspensão do processo (art. 265, V, do CPC), que somente retomará seu regular andamento ao final do processo de restauração de autos.

Nem todo desaparecimento de autos, entretanto, ensejará a ação de restauração de autos ora analisada. Existindo autos suplementares – cada vez mais raros na praxe forense –, não é necessária a restauração de autos, faltando no caso interesse de agir (art. 1.063, parágrafo único, do CPC). Também não terá cabimento a ação de restauração de autos quando os autos da separação judicial tiverem se extraviado, sendo nesse caso instruído o pedido de conversão em divórcio com a certidão da sentença ou de sua averbação no assento de casamento (art. 47 da Lei 6.515/1977). Tornando-se o divórcio a única forma de dissolução do casamento (art. 226, § 6.º, CF), essa situação tende a deixar de existir. Também será dispensada a ação diante da informatização do processo judicial (existência de back-up e inexistência de autos físicos).

78.2. LEGITIMIDADE

Aduz o art. 1.063 do CPC que qualquer das partes poderá ingressar com ação de restauração de autos, naturalmente se referindo às partes do processo que era representado documentalmente pelos autos desaparecidos. As partes na demanda certamente têm legitimidade ativa para a ação de restauração de autos, havendo certa divergência a respeito das partes no processo que não são partes na demanda, notadamente o assistente e o Ministério Público que funciona como fiscal da lei.

Entendo preferível a interpretação ampla, que admite a legitimidade de autor, réu, todos os terceiros intervenientes e do Ministério Público como fiscal da lei1, considerando-se que, se participam do processo, o fazem em razão de algum interesse jurídico que os habilita a tal participação, o que é suficiente para pretenderem a restauração dos autos e a continuidade do processo. Excepcionalmente, até mesmo um terceiro terá legitimidade ativa, qual seja o terceiro juridicamente interessado.

Para parcela majoritária da doutrina, o juiz não terá legitimidade para a instauração do processo, respeitando-se o princípio da inércia da jurisdição, analisado no Capítulo 1, item 1.4.32. Não parece, entretanto, ser esse o melhor entendimento3. Constatado o desaparecimento dos autos e não sendo proposta por qualquer dos interessados a sua restauração, não haverá alternativa ao juiz que não dar início de ofício a restauração dos autos, porque sem estes nem mesmo uma sentença terminativa poderá ser proferida, por ausência de suporte material para tanto. Deve-se recordar que a entrega da prestação jurisdicional depois da provocação do interessado não é de interesse somente das partes, mas também do Estado-juiz, podendo-se entender que o impulso oficial que legitima a instauração de ofício do processo de restauração de autos está amparado não no interesse imediato de criação de novos autos, mas no interesse mediato de dar continuidade ao processo.

No polo passivo são legitimados todos os sujeitos que participam do processo como parte e que não estejam no polo ativo da ação de restauração de autos. Trata-se de litisconsórcio passivo necessário, considerando que a formação de novos autos e a consequente continuidade do processo obrigatoriamente atingirão a todos os seus sujeitos.

78.3. COMPETÊNCIA

A ação de restauração de autos deve ser proposta no mesmo juízo em que tramita o processo cujos autos desapareceram. Apesar da omissão legal, tratando‑se de processo incidental é aplicável o art. 108 do CPC, sendo essa competência absoluta, de natureza funcional, sendo que, se o processo estiver em trâmite, será competente o órgão jurisdicional pelo qual esse tramitava no momento de desaparecimento dos autos4.

Prevê o art. 1.068 do CPC que, ocorrendo o desaparecimento dos autos no tribunal, a ação será distribuída, sempre que possível, ao relator do processo. Como se nota do dispositivo legal nesse caso, estando o processo em grau recursal, a competência não será do juízo de primeiro grau, que ficará limitado a cumprir carta de ordem expedida pelo tribunal para praticar atos materiais que auxiliem na restauração, tais como a repetição de oitiva de testemunha, depoimento pessoal ou prova pericial.

78.4. PROCEDIMENTO

Salvo na excepcional hipótese de o procedimento ser instaurado de ofício pelo juiz, o autor da ação de restauração de autos deverá apresentar a petição inicial nos termos dos arts. 282 e 283 do CPC. Segundo o art. 1.064 do CPC, o autor deverá instruir sua petição inicial com:

(I) certidões de atos constantes do protocolo de audiências do cartório onde haja corrido o processo;

(II) cópia dos requerimentos que dirigiu ao juiz;

(III) quaisquer outros documentos que facilitem a restauração, o que pode significar praticamente a juntada de cópias “capa-a-capa” quando o advogado da parte mantém em seus arquivos cópias ao menos dos atos processuais principais.

Estando em ordem a petição inicial, o juiz determinará a citação do réu, que terá um prazo de cinco dias para contestar o pedido, cabendo a ele exibir as cópias, contrafés e mais as reproduções dos atos e documentos que estiverem em seu poder. Não cabem exceção de incompetência – a competência é absoluta – nem reconvenção – a ação tem natureza dúplice –, sendo cabível o ingresso de exceções de suspeição e impedimento, apesar da raridade com que isso ocorre. Na contestação a matéria alegável se limita a questões processuais e aquelas atinentes à necessidade e adequação da restauração, sendo vedada a alegação de matérias que só interessam ao processo principal5.

Segundo o art. 1.065, §§ 1º. e 2.º, do CPC, se a parte concordar com a restauração, lavrar-se-á o respectivo auto que, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, suprirá os autos desaparecidos (o dispositivo legal prevê equivocadamente o “processo desaparecido”); havendo contestação ou se a concordância for parcial, segue o procedimento do art. 803 do CPC, o que demonstra claramente o objetivo do legislador em sumarizar o procedimento.

O art. 1.066 do CPC prevê determinados aspectos procedimentais da restauração dos autos quando o desaparecimento dos autos ocorrer após a produção de prova no processo principal.

Segundo o art. 1.066, § 1.º, do CPC, serão reinquiridas as mesmas testemunhas, salvo se estas tiverem falecido ou estiverem impossibilitadas de depor, quando será admitida a sua substituição. Registre-se correta opinião doutrinária que defende a dispensa dessa reinquirição sempre que existir cópia da ata de audiência de instrução juntada aos autos do processo de restauração de autos6. O art. 1.066, § 2.º, do CPC é mais racional nesse sentido, prevendo que a realização de nova perícia, desde que isso seja possível, a ser realizada de preferência pelo mesmo perito, depende de não existir certidão ou cópia do laudo. Há, inclusive, decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não aplicar o dispositivo legal na hipótese de existir cópia de sentença em ação de prestação de contas que reproduziu a essencialidade da prova técnica7.

Prevê o art. 1.066, § 3.º, do CPC que, não havendo certidão de documentos, estes serão reconstituídos por meio de cópias, e, no caso de inexistência destas, a prova anteriormente produzida por documentos será feita pelos outros meios de prova, sempre que isso se mostrar possível no caso concreto. Segundo o art. 1.066, § 4.º, do CPC, os serventuários e auxiliares da justiça são obrigados a depor como testemunhas a respeito de atos que tenham praticado ou assistido, naturalmente tratando-se das pessoas que participaram de alguma forma do processo principal. O art. 1.066, § 5.º, do CPC prevê que, se o juiz houver proferido sentença da qual possua cópia, esta será juntada aos autos e terá a mesma autoridade da original.

O processo de restauração de autos deve ser extinto por meio de sentença, e no caso de aparecimento superveniente dos autos originais a extinção deverá ocorrer por meio de sentença terminativa fundada na perda superveniente do interesse de agir, cabendo o processo principal prosseguir nos autos originais, sendo os autos da restauração apensados, nos termos do art. 1.067, § 1.º, do CPC. A sentença de procedência, que em razão da singeleza procedimental não precisa seguir o formalismo do art. 458 do CPC8, tem natureza constitutiva9, criando uma nova situação jurídica decorrente da criação de novos autos e substituição por esses dos autos originais desaparecidos.

Segundo o art. 1.069 do CPC, quem houver dado causa ao desaparecimento dos autos responderá pelas custas da restauração e honorários do advogado, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal em que incorrer. No tocante às verbas de sucumbência, deve-se aplicar a teoria da causalidade, devendo ser responsabilizada pelo pagamento a parte responsável pelo desaparecimento dos autos. Restando inconclusiva tal responsabilidade, cada parte arcará com suas custas processuais, não havendo condenação em honorários advocatícios10.

A única novidade significativa do PLNCPC quanto ao procedimento de restauração de autos vem consagrada no art. 727, caput, ao prever que os autos desaparecidos podem ser eletrônicos e que, além das partes, o Ministério Público tem legitimidade ativa para pedir a restauração dos autos.

1 Nery-Nery, Código, p. 1.232; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 96, p. 231.

2 Theodoro Jr., Curso, n. 1.452, p. 329; Fidélis dos Santos, Procedimentos, n. 436, p. 416; Câmara, Lições, v. 3, p. 438.

3 Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 96, p. 232.

4 Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 95, p. 227.

5 STJ, 1.ª Turma, REsp 676.265/PB, rel. Min. Luiz Fux, j. 17.11.2005, DJ 28.11.2005, p. 203; Theodoro Jr., Curso, n. 1.451, p. 328.

6 Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 99, p. 241; Costa Machado, Código, p. 1.664.

7 STJ, 4.ª Turma, REsp 302.527/RJ, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12.12.2006, DJ 12.02.2007, p. 262.

8 STJ, 2.ª Turma, REsp 322.140/SC, rel. Min. Castro Meira, j. 08.11.2005, DJ 20.02.2006, p. 258.

9 Fidélis dos Santos, Procedimentos, n. 445, p. 420; Câmara, Lições, v. 3, p. 441. Contra, pela natureza declaratória: Marcato, Procedimentos, n. 171, p. 289; Pinheiro Carneiro, Comentários, n. 100, p. 244.

10 STJ, 2.ª Turma, EDcl no REsp 10.883/SP, rel. Min. Franciulli Netto, j. 19.10.2004, DJ 04.04.2005, p. 233.