Capítulo 20
Francesca aceitou a proposta de Marina e, antes de regressar a Córdova, passou uns dias em Genebra. Far-lhe-ia bem a companhia da amiga, que conseguia sempre animá-la.
Com efeito, fez-lhe bem, inclusivamente desabafar com ela e contar-lhe a sua amarga experiência. Chorou nos braços dela como não tinha conseguido fazer quando Al-Saud a deixara. De qualquer modo, a sua alma continuava desfeita. Aterrava-a pensar que no futuro Kamal Al-Saud seria apenas uma recordação, um nome, uma imagem que com o tempo se desvaneceria. Não se resignava. Metia-lhe medo a ideia de voltar à rotina, metia-lhe medo a ideia de sofrer. Perguntava a si própria como suportaria a rotina e o tédio, quando a vida junto dele tinha parecido uma eterna aventura. Como não o ver em cada homem? Como não sentir os seus beijos nos de outros? Procuraria o aroma do seu perfume e o som da sua voz entre a multidão, viveria suspensa do toque do telefone e da chegada do carteiro. Pensaria nele dia e noite. Morreria de amor. «Ninguém morre de amor», tinha-lhe garantido Kamal, mas ela bem sabia que aquela dor ensurdecedora acabaria por matá-la.
– Imagino que que o que te está a acontecer é muito triste – reconheceu Marina. – Mas pelo menos tiveste a felicidade de ter amor e de teres sido amada. Eu, em contrapartida, não sei o que é o amor.
Aquelas palavras ecoaram-lhe na cabeça durante dias e, de certo modo, conseguiram afastá-la do desespero em que tinha caído. Só restava a tristeza, que esquecia de vez em quando, com alguma proposta da amiga. Uma tarde, enquanto saboreavam um gelado nas margens do lago Léman, Marina perguntou-lhe se ainda sentia alguma coisa por Aldo Olazábal. Embora tivesse levado algum tempo a responder, não tinha a menor das dúvidas: não o amava.
– Depois de ter conhecido Kamal Al-Saud, receio não voltar a apaixonar-me por mais nenhum homem.
– E que acontecerá se, ao regressar a Córdova, o Aldo tentar aproximar-se novamente de ti?
– Nem que o Aldo enviuvasse voltaria a estar com ele – respondeu Francesca. – E não digo isto por despeito ou raiva. Digo-o simplesmente porque o meu coração pertence a Kamal. Enganaria qualquer outro homem se decidisse começar agora uma nova relação.
Passadas três semanas, Francesca continuava em Genebra e com pouca vontade de regressar a Córdova, apesar dos pedidos da mãe. Mas as férias de Marina estavam a terminar e não fazia sentido continuar ali.
Acordaria cedo, tomaria um duche e o pequeno-almoço e iria com o tio para o jornal. Apesar de tudo, recomeçar a vida em Córdova não tinha sido tão difícil como esperava. O carinho dos amigos, mas em especial o da mãe e do tio Fredo, tinham operado maravilhas na sua alma ferida. Só a Fredo confessara a história do sequestro e tinham concordado nunca falar disso a Antonina. Sofia ficou desiludida ao saber que o romance entre a amiga e o príncipe saudita tinha acabado em nada, mas admitiu que estava feliz por a ter outra vez por perto.
Francesca não regressou ao palácio Martínez Olazábal, nunca o teria feito mesmo que Aldo e a esposa não vivessem lá. Para ela, essa etapa da sua vida tinha ficado para trás. Era tempo de dar um empurrão à ideia da independência e tinha começado por procurar um apartamento para alugar.
– Não acho bem que alugues – opinou Fredo. – É dinheiro deitado ao lixo. Sabes que a minha casa é tua e podes ficar lá o tempo todo que quiseres. Além disso, no dia em que morrer, esse apartamento será teu. A tua mãe não gostará mesmo nada que vás viver sozinha. Ficaria escandalizada.
– Não conseguirás convencer-me com esses argumentos – informou-o Francesca. – Há muito tempo que perdi o medo à minha mãe. Ficarei a viver contigo até encontrar alguma coisa decente, para depois me mudar. Não quero intrometer-me na tua intimidade, tio. Não me convencerás. Mudar-me-ei dentro em breve.
– Se estás tão decidida – replicou Fredo –, então porque não procuras um apartamento para comprar?
– Porque não tenho dinheiro que chegue para isso.
– Eu dou-to.
– Não posso aceitar.
– Porque não? – aborreceu-se Fredo. – Dou-te esse dinheiro porque és o que há de mais importante para mim. Quero que tenhas o melhor, Francesca. Não me negues esse prazer.
– Está bem – disse Francesca com simplicidade e entrelaçou o braço no do tio.
Esforçava-se por se manter animada e por olhar para a vida com olhos novos; dizia muitas vezes para consigo que viver para recordar era estúpido e uma energia passageira dava-lhe vontade de pensar no futuro, até qualquer insignificância a fazer voltar ao passado e se abismar na sua dor. Consolava-a a ideia de que o tempo curaria a ferida. Mas o tempo passava lentamente, um minuto parecia-lhe uma hora e dedicava a ele cada segundo. Às vezes a pena cedia lugar à raiva e ao ressentimento e, se Kamal estivesse ali à frente dela, tê-lo-ia esbofeteado. Para ela, Kamal tê-la abandonado não tinha outra explicação: era o preço que pagava pelo trono da Arábia; não havia razões para se enganar, sempre tinha sabido: Kamal Al-Saud amava acima de tudo o seu povo. Invariavelmente, a raiva acabava por ceder e então a recordação dos seus beijos ardentes e o frenesi das suas mãos atrevidas confundiam-lhe os sentimentos e as sensações e rebolava-se na cama sem conseguir conciliar o sono.
Sentia-se bem no jornal e gostava do trabalho. A promessa do tio continuava de pé e em breve publicaria o seu primeiro artigo. Fredo tinha-lhe pedido que escrevesse uma coluna sobre a OPEP e havia dias que Francesca investigava e a escrevia à máquina. Perto do meio-dia lembrou-se de que tinha combinado almoçar com Sofia no Dixie, um restaurante na moda, onde, além disso, serviam boa comida. Vestiu o casaco e correu pela Avenida Chacabuco, pois estava atrasada.
– Desculpa – disse quase sem fôlego. – Desculpa chegar tarde.
– Não te preocupes. Também cheguei há pouco – respondeu Sofia. – Vamos pedir, porque estou esfomeada.
Sofia indicou ao empregado os pratos e as bebidas com a jovialidade e o entusiasmo que a tinham caracterizado antes da sua trágica gravidez. Francesca contemplava-a com um sorriso nos lábios, feliz por a ver tão recuperada. Sofia era a sua esperança. Num gesto impensado, pegou-lhe na mão através da mesa e apertou-a. Sofia olhou para ela, desconcertada, e devolveu-lhe um sorriso.
– Vejo-te feliz – exclamou Francesca –, e isso faz-me feliz.
– Estou feliz – garantiu Francesca. – Voltei a encontrar-me com o Nando. – Francesca ficou a olhar para ela. – Voltou por minha causa – exclamou num tom comedido e com olhos cheios de lágrimas e os lábios a tremer. – Disse-me que ainda me ama, que não pode viver sem mim. Que tentou, mas não conseguiu. Oh, Francesca, sou tão feliz!
Pouco comeram. Com a emoção, Sofia sentiu um aperto no estômago e Francesca, em contrapartida, sentiu um aperto por causa da tristeza. Nando demonstrava ser muito mais homem do que Kamal. Regressava a uma cidade que tão mal o tinha tratado, em busca da mulher que amava, consciente dos escolhos que teria de vencer, pois lutar contra a inimizade dos Martínez Olazábal não era pera doce. Por fim, Francesca falou:
– Estou feliz por ti, muito feliz – fez notar. – Sofia, conta com toda a minha ajuda. Se não soube ajudar-te da outra vez, neste momento farei tudo o que estiver ao meu alcance para que o vosso amor se concretize. Tudo – disse e voltou a apertar-lhe a mão.
– Para já, digo que vou passar esta noite contigo na casa do Fredo.
– Está bem! – disse Francesca e não pôde evitar a inveja que a embargou. Também ela desejava passar a noite nos braços do amante.
– Posso sentar-me?
Sofia e Francesca ergueram os olhos e depararam-se com Aldo. De pé, junto da mesa, aguardava uma resposta. Os seus olhos não se afastavam de Francesca. Ela também lhe susteve o olhar, analisando-o com atenção sem se dar conta. Descobriu uma decisão na sua atitude que a surpreendeu, achou-o atraente, bem vestido, o cabelo cuidadosamente penteado, rodeado por aquele aroma de alfazema que tinha usado nos tempos de Arroyo Seco. Este Aldo nada tinha a ver com a imagem alcoolizada e melancólica descrita por Sofia nas suas cartas. Francesca levantou-se decidida e tirou da carteira algumas notas, que pousou na mesa.
– Vemo-nos esta noite em casa do tio Fredo – disse, enquanto vestia o casaco.
– Francesca, por favor – suplicou Aldo. – Não vás já embora. Preciso de falar contigo.
– Não temos nada para falar – respondeu ela firmemente.
– Francesca, por favor – intercedeu Sofia.
– Ao menos – sugeriu Aldo –, deixa-me acompanhar-te até ao jornal.
Voltaram a olhar-se fixamente. Francesca não queria dar a impressão de nutrir por ele maus sentimentos, havia muito tempo que lhe tinha perdoado. Talvez não se tratasse de perdão, mas sim de esquecimento e indiferença. Concordou e saíram juntos.
Durante a primeira parte do percurso nenhum falou. Francesca sentia-se pouco à-vontade porque não tinha nada para dizer. Aldo, pelo contrário, parecia encantado por a ter junto dele. Contemplava-a de soslaio e reprimia a vontade de lhe pegar na mão. Por fim, falou:
– Estás mais bonita do que nunca.
– Obrigada.
– Já há dois meses que regressaste, não foi?
– Sim, há quase dois meses.
– E porque voltaste? – quis saber Aldo e Francesca fitou-o pela primeira vez. – Refiro-me à razão por que regressaste. Não gostavas do trabalho na embaixada?
– Pelo contrário, gostava muito.
– Então?
– Tive de voltar. Tendo em conta as circunstâncias, foi o mais conveniente.
– Circunstâncias?! – repetiu Aldo, mas Francesca ficou calada. – Que tipo de circunstâncias? – insistiu. – Teres-te envolvido com um príncipe da dinastia da Arábia, por exemplo?
– Não exatamente – replicou ela e um tom duro dominou-lhe a voz. – Não por me ter envolvido com um príncipe da dinastia Al-Saud, mas por me ter apaixonado perdidamente por ele.
Percorreram em silêncio os últimos quarteirões. Quase ao chegar ao edifício do jornal, Aldo atreveu-se a declarar:
– Eu não me importo.
– Não te importas com quê?
– Não me importo que tenhas amado outro.
Pararam à entrada do El Principal. Francesca queria despedir-se rapidamente e ver-se livre de Aldo, mas ele continuava ali, parado à frente dela, a olhá-la com tanta ternura que ela não se atreveu a censurá-lo.
– Tenho de voltar ao escritório – disse Francesca.
– Sim, sim, claro – aceitou ele.
Francesca estendeu a mão para se despedir, mas Aldo tomou-a nos braços e sussurrou-lhe junto ao ouvido:
– Continuo a amar-te. Nunca pude esquecer-te. Ainda continuo a amar-te.
– Aldo, larga-me.
– Perdão – disse ele, afastando-se.
Francesca quis entrar no edifício, mas ele reteve-a, agarrando-lhe o pulso.
– Não te deixo ir até prometeres que jantas comigo esta noite.
– Não posso. A tua irmã vem dormir a casa do meu tio Fredo esta noite.
– Amanhã à noite, então.
– Amanhã à noite pode ser – disse Francesca e entrou.
No dia seguinte, mal Francesca chegou ao escritório, tocou o telefone. Nora, a secretária de Fredo, tapou o auscultador com uma mão e murmurou com ar desconcertado:
– É o Aldo Martínez Olazábal.
Francesca saiu do escritório e atendeu a chamada.
– Olá.
– Olá – respondeu ele. Notava-se-lhe na voz que estava nervoso. – Desculpa incomodar-te tão cedo no teu trabalho.
– Tudo bem, não te preocupes.
– Ontem despedimo-nos tão depressa que nem tive tempo de te dizer que passo a buscar-te em casa do teu tio às oito da noite. Já reservei mesa no Luciana, um restaurante italiano que fica em Cerro de las Rosas. Achas bem?
– Sim, muito bem. Às oito estarei pronta. Até logo.
Nora olhou para ela com uma expressão de curiosidade e Francesca encolheu os ombros.
– Não é o que pensas – advertiu.
– Não sei o que pensar – confessou a secretária.
– Se não o enfrentar e esclarecer a situação de uma vez por todas, nunca mais me deixará em paz.
– Nisso tens razão – admitiu Nora e voltou ao trabalho.
Na realidade, o que movia Francesca era o ressentimento. Pensava: «Se Al-Saud se pôde ver livre de mim tão facilmente e esquecer-me como se eu fosse um traste velho, também eu poderei fazê-lo.» Aldo Martínez Olazábal apresentava-se como o meio mais oportuno para conseguir esse intento. Estava-se nas tintas para que fosse casado e que tivesse decidido pavonear-se com ela no Luciana como se fosse sua namorada. Queria pôr-se à prova, experimentar-se, ver até onde chegaria. O rancor tornava-a descarada e, sobretudo, despreocupada. Aldo estava com melhor aspeto do que esperava. Claro que muito diferente de Al-Saud, tão completamente homem. Aldo conservava vestígios da adolescência; as suas feições ainda eram juvenis e os seus olhos de expressão terna davam-lhe a certeza de que, ao contrário do que se passava na sua relação com Kamal, seria ela a dominar e Aldo o dominado.
Como tinha prometido, Aldo passou a buscá-la às oito. Francesca não o convidou a subir e informou-o de que desceria em breve. A Fredo não agradava em nada aquela saída.
– Espero que a tua mãe não saiba que voltaste às andanças com o jovem Aldo Martínez Olazábal.
– Não te preocupes – disse Francesca –, nada do que imaginas acontecerá. Só quero esclarecer devidamente as coisas com ele.
– Faz tudo o que precisas de fazer – disse Fredo. – Evita apenas aquilo que te possa prejudicar.
– Ah! – suspirou Francesca enquanto vestia o casaco. – Como saber quais são as decisões que nos beneficiam e as que nos prejudicam?
– Todos sabemos bem diferenciar umas das outras.
– Tens razão. A questão é dar ouvidos à razão quando o nosso coração nos dita o contrário. Eu sabia que não devia envolver-me com o Aldo e envolvi-me. Sabia que não devia envolver-me com o Al-Saud e envolvi-me. Em ambas as ocasiões saí magoada.
– Mais razão ainda – insistiu Fredo. – Agora já sabes que nem sempre deves dar ouvidos ao teu coração.
– Ah! – voltou a suspirar. – É que é tão bonito, tio.
Fredo beijou-a na testa e Francesca abraçou-o. Aldo esperava-a, encostado ao automóvel. Ao vê-la, dirigiu-lhe um sorriso puro, como de um menino feliz, e Francesca sentiu a mesma ternura e compaixão que ele costumava despertar-lhe no passado. Também lhe sorriu e permitiu-lhe que a beijasse na face. Aldo entregou-lhe um raminho de violetas.
– Disseste-me uma vez que eram as tuas preferidas.
Francesca assentiu, com os olhos postos nas florzinhas, e não se atreveu a dizer que isso tinha sido antes de conhecer as camélias. O aroma era muito agradável. Aldo abriu a porta do passageiro e Francesca entrou no carro.
– Vais gostar do sítio que escolhi para jantar, vais já ver.
– Não te incomoda que nos vejam juntos? – perguntou Francesca com naturalidade.
– De modo nenhum.
Não voltaram a referir-se ao casamento de Aldo, nem direta nem indiretamente. O serão decorreu de maneira agradável, como se se tratasse do reencontro de dois amigos de infância. Francesca falou-lhe da sua vida em Genebra, das idiossincrasias do chefe, da simpatia de Marina, e ele falou do seu trabalho nas quintas dos Martínez Olazábal, da surpresa que tinha sido descobrir como lhe agradava a vida no campo e de quanto a sua relação com o pai tinha melhorado.
– Somos o que nunca tínhamos sido – explicou. – Amigos.
– Fico muito contente – disse Francesca com sinceridade. Ergueu o copo e brindou: – Ao teu pai.
– Ao meu pai.
Aldo pousou o copo na mesa e olhou para Francesca com ar sombrio.
– Tenho uma má notícia para ti – disse. – O meu pai vendeu o Rex.
– Já sei.
– Já sabes? Foi a Sofia que te disse?
– A Sofia ainda não me falou disso. Soube por outra fonte.
– Pagaram uma fortuna por ele, mais do que o que valia. Mas don Cívico disse que o homem se mostrou obstinado e ofereceu uma importância difícil de recusar. Eu só soube depois de o negócio se ter realizado. Caso contrário, tinha-o impedido.
– O Al-Saud comprou-o para mim – disse Francesca, muito displicentemente, e Aldo olhou para ela claramente confuso.
– Percebo que o Al-Saud é o príncipe que conheceste na Arábia.
– Sim, foi ele. Mandou um agente para negociar com o teu pai a compra do Rex simplesmente por eu gostar dele.
– Devia amar-te muito para fazer uma coisa dessas – admitiu Aldo, com ar dececionado.
– Não o suficiente – replicou Francesca e depois acrescentou: – Pedimos a conta?
Já na rua, Aldo encostou-a ao automóvel e beijou-a. Foi um beijo tranquilo e sossegado, desprovido da paixão que os tinha assaltado durante as tardes em Arroyo Seco, mas que de nenhum modo a levou a pensar que aquele homem não seria capaz de a levar ao prazer. Gostou da maneira como ele a beijou; descobriu um novo Aldo, seguro e confiante. Mas não pôde evitar a comparação que surgiu naturalmente enquanto os lábios dele acariciavam os seus e as mãos dele se insinuavam sob o seu casaco e lhe enlaçavam a cintura. Nesse momento Francesca ansiou pelos beijos de Kamal, que sempre tinham conseguido surpreendê-la; em certas ocasiões tinha havido agressividade, noutras, paixão; por vezes, uma ternura mansa. Como em tudo, ele tinha marcado o ritmo e ela seguira-o cegamente.
– Desejo-te – disse Aldo –, quero estar contigo.
– Não estou preparada para isso – confessou Francesca e afastou-se dele.
– Ainda pensas nesse árabe?
– Não – mentiu ela.
– É porque te incomoda que continue casado? Quero que saibas que esta noite disse à Dolores que queria separar-me.
– Não faças isso por minha causa – disse Francesca. – Penso que não voltaria para ti, mesmo que fosses solteiro.
– Ainda pensas nesse homem – insistiu ele e deu um pontapé ao pneu do carro.
– Não se trata dele, não se trata de ti. Trata-se de mim. Preciso de um tempo para mim. Ainda não estou pronta para voltar a entregar-me a outro homem. Sofri de mais, Aldo. Tens de compreender que ainda não estou preparada. Não me sinto segura.
Aldo encostou a sua testa à de Francesca e acariciou-lhe o rosto. Segundos depois, Francesca apercebeu-se de que ele chorava.
– Dá-me uma esperança – suplicou-lhe ele. – Morro de amor por ti e quando penso que poderias ser minha mulher se não fosse a minha cobardia, tenho vontade de me dar um tiro.
– Não digas isso!
– Dá-me uma esperança – repetiu.
– Dá-me tempo – pediu ela por seu turno.
– Dou-te a minha vida.
Foi muito conveniente que Aldo partisse para a quinta de Pergamino alguns dias depois do jantar no Luciana. Francesca culpava os copos de chianti e o ambiente romântico e descontraído pelo comportamento dessa noite; tinha-lhe dado falsas esperanças, quando sempre soubera que entre ela e Aldo nunca nada voltaria a ser como em Arroyo Seco. De qualquer forma, admitia que tinha sido um serão agradável, em que descobrira que o amor se tinha transformado em carinho profundo. A possibilidade de amizade entre eles não precisava de ser uma quimera. A opinião de Sofia era completamente diferente.
– Ele pediu a Dolores a separação, apesar de ter de enfrentar a oposição da minha mãe. E fê-lo porque tu regressaste. Ele não quer amizade contigo, Francesca. Quer-te como mulher dele.
– Isso não pode ser.
– Então peço-te que sejas clara com ele e não lhe dês ilusões. Foi para Pergamino com a certeza de que quando voltar lhe dirás que sim.
– Como vão as coisas com o Nando?
– De vento em popa.
Pelo menos Sofia era feliz. Francesca pensou que talvez não devesse desanimar por completo, talvez a vida fosse mesmo assim, por ciclos, uns felizes, outros amargos. Vivia o seu pior momento, tempos melhores viriam. Às vezes era assaltada pela urgência de abandonar Córdova de novo. O seu espírito inquieto sentia-se prisioneiro num sítio que não tinha muito para lhe oferecer. Os meses no estrangeiro e as experiências que vivera tinham-na tornado exigente. Não se conformava com a tranquilidade e com a vida rotineira de Córdova, achava-a limitada e fastidiosa, colonial e austera, conservadora e cruel. Começou a ponderar seriamente mudar-se para Buenos Aires. Comentou esta ideia com o tio Fredo.
– Pensei que te agradava o teu trabalho no jornal – disse-lhe Fredo, dececionado. – Agora que já publicaste um primeiro artigo e tiveste uma boa crítica, pensei que querias dedicar-te a isto.
– Quero dedicar-me a isto – concordou Francesca –, só que não aqui. Córdova oprime-me, tio. Não me sinto satisfeita.
– É por causa do Aldo, que começou a perseguir-te outra vez, não é verdade?
– Não, de todo. É por mim.
– Não sei o que dirá a tua mãe.
– Tu consegues convencê-la seja do que for – garantiu-lhe Francesca, risonha. – Ninguém tem tanta ascendente sobre ela como tu.
– Que estás a dizer? – respondeu Fredo, incomodado. – Eu, ascendente sobre a tua mãe?!
– Sim. Por acaso não reparaste que tudo o que Alfredo diz é palavra sagrada? Não reparaste na cara de parva que faz quando te vê e na cara de parva com que te ouve falar? Acho que está apaixonada por ti.
– Francesca! – exclamou Visconti, escandalizado.
– É o que acho.
– A sério que achas que ela… bom… que a tua mãe se interessa por mim?
– Só um cego é que não via.