O mapa

Oxford, 2000

— Olá! — gritou uma voz atrás deles, segundos depois de terem chegado à entrada da residência universitária, onde os esperava uma aluna do segundo ano designada para lhes fazer uma visita guiada.

Virando-se para trás, viram uma rapariga alta, com porte de sultana, um papel que poderia ter desempenhado noutro tempo, noutra terra. Vestia uma saia da mesma cor do merengue de água de rosas que Peri adorava em menina. O cabelo negro caía-lhe aos caracóis pelas costas abaixo, que ela mantinha muito direitas. Pintara os lábios de carmim reluzente e pusera blush nas faces. Mas eram os olhos, escuros e muito afastados, debruados a lápis roxo e acentuados com sombra turquesa-forte que mais davam nas vistas. A maquilhagem era como a bandeira de um país instável, declarando não só a sua independência, mas também a sua imprevisibilidade.

— Bem-vindos a Oxford — disse ela, com um sorriso, esticando uma mão de unhas muito bem arranjadas. — Chamo-me Shirin. — Pronunciou o nome com o máximo de vogais que conseguiu encaixar: Shii-riine.

Embora, com o seu nariz grande e arqueado e um queixo pronunciado, não fosse bonita no sentido convencional, tinha uma aura tão poderosa que podia ser considerada bela. Peri ficou tão impressionada com a aparência dela, que sorriu de orelha a orelha, quando deu um passo na direção da rapariga.

— Olá, eu chamo-me Peri… e estes são os meus pais. — Para si, pensou: «Vamos fingir que somos uma família normal por um dia.»

— Que bom conhecer-vos aos três. Ouvi dizer que são turcos. Eu nasci em Teerão, mas nunca mais lá voltei — disse Shirin, fazendo um aceno descontraído com a mão, como se o Irão ficasse ao virar da esquina e estivesse à espera. — Deve ter sido por isso que me pediram para vos mostrar a universidade. Gostam de nos meter a todos no mesmo saco. Estão prontos para uma visita guiada?

Peri e Mensur fizeram que sim com a cabeça, entusiasmados. Selma olhou com ar reprovador para a saia curta da rapariga, os saltos altos, a maquilhagem carregada. Aos seus olhos, Shirin não parecia uma aluna. E muito menos iraniana.

— Que tipo de aluna é que ela é? — murmurou Selma em turco.

Tomada por um medo irracional de que a rapariga iraniano-britânica compreendesse turco, Peri sibilou:

— Mãe, por favor.

— Vamos! — exclamou Shirin. — Normalmente, começaríamos pela nossa própria faculdade e depois veríamos o resto da cidade. Mas eu nunca faço nada pela ordem certa. Vai contra a minha natureza. Por isso, sigam-me, pessoal!

Dito isto, Shirin lançou-se num longo discurso sobre a história de Oxford. Enquanto papagueava, conduziu-os cada vez mais para o interior das vielas tortuosas da cidade velha. Vivaz e bem-disposta, falava tão depressa que as palavras lhe saíam numa torrente desenfreada, que os Nalbantoğlus tiveram dificuldade em acompanhar, especialmente Selma, que não viu semelhanças entre o inglês antiquado, assente na gramática, que aprendera havia anos na escola — e que esquecera à velocidade da luz — e o arrazoado que ouvia naquele instante. Para a ajudar, Peri assumiu o papel de intérprete, embora tomando bastantes liberdades. Atenuou, reformulou e, nos casos em que foi preciso, censurou tudo o que pudesse irritar a mãe.

Entretanto, Shirin explicou que todas as faculdades de Oxford eram autónomas, fundações independentes que geriam os seus próprios assuntos, um facto que Mensur teve dificuldade em compreender.

— Mas tem de haver um presidente, uma autoridade que governe tudo — protestou no seu inglês macarrónico, e olhou em redor, como se temesse que a cidade mergulhasse na anarquia.

— Não concordo — contrapôs Shirin. — Diz-me a experiência que a autoridade é como o alho: quanto mais o usamos, pior é o cheiro.

Mensur, que passara a maior parte da sua vida de adulto a ansiar por uma autoridade central, forte, sólida e suficientemente secular para impedir a ascensão do fundamentalismo religioso, levantou os olhos, alarmado. A autoridade era, para ele, um elemento aglutinador, a argamassa que mantinha as peças da sociedade unidas e em perfeita ordem. Sem isso, os tijolos cairiam, a estrutura desmoronaria.

— Com certeza que nem toda a autoridade é má — insistiu Mensur. — Então, e os direitos das mulheres, o que dizes de um líder forte que defende as mulheres?

— Digo: muito obrigada, mas sei defender os meus próprios direitos sozinha. Não precisamos de uma autoridade superior para fazer isso por nós!

Ao dizer estas palavras, Shirin olhou para Selma, observando o lenço na cabeça e o casaco comprido e sem formas. Peri, sensível, como sempre, à negatividade das outras pessoas, percebeu que a aversão da sua mãe por Shirin era recíproca. A rapariga iraniano-britânica parecia acalentar desprezo por mulheres que cobriam a cabeça, um desprezo que não sentia necessidade de esconder.

— Venha, mãe. — Peri puxou Selma suavemente pelo braço, o que tinha a cicatriz da queimadura, recordação de um dia de lavagem de tapetes, anos antes. As duas deixaram-se ficar para trás.

Nos degraus da entrada do Museu Ashmoleano, mãe e filha viram um casal a beijar-se apaixonadamente. Peri corou como se tivesse, ela própria, sido apanhada nos braços do rapaz. Pelo canto do olho viu Selma fazer uma carranca. Aquela era a mesma mulher que não lhe ensinara absolutamente nada sobre sexo. Ainda se lembrava quando, em menina, um dia no hamam, perguntara o que era a coisa pendurada entre as pernas de um menino. A resposta de Selma fora dirigir-se intempestivamente à mãe do menino e lançar-lhe uma diatribe que não se ouviu por causa do barulho da água a correr nas fontes de mármore, mas que, a avaliar pelos seus gestos, deve ter sido dura. Peri sentira-se morta de vergonha, e culpada também, por ter tido curiosidade sobre uma coisa que, pelos vistos, não tinha o direito de saber.

Com o tempo, a curiosidade voltara a ser mais forte do que ela. Uma vez, perguntara à mãe se alguma vez pensara em fazer um aborto, dado o longo intervalo entre as suas primeiras gravidezes e a última. Os pais podiam ter pensado que a família já estava completa e decidido não a ter a ela.

«Bom, foi embaraçoso. Eu tinha quarenta e quatro anos quando fiquei grávida de ti», disse Selma.

«Porque é que não abortou?», insistiu Peri.

«Na altura era ilegal, se bem que houvesse outras maneiras de o fazer. Mas é claro que isso teria sido um pecado. Eu disse para mim mesma: o pecado aos olhos de Alá é pior do que a vergonha aos olhos dos vizinhos, por isso levei a gravidez até ao fim.»

Peri nunca dissera à mãe que odiara aquela resposta. Pensara que a mãe diria qualquer coisa mais meiga: «Nunca pensei em pôr fim à gravidez, porque já te adorava», ou «Eu tinha combinado ir ter com uma mulher que me poderia ajudar, mas, na véspera, vi-te num sonho, uma menina de olhos verdes…». Como não foi o caso, Peri concluiu que era um bebé sanduíche, nascido entre o Pecado e a Vergonha: duas camadas de perdição.

Juntos, visitaram a residência universitária onde Peri viveria. O seu quarto ficava num edifício que dava para um pátio da frente, considerado património histórico e que, aos olhos dos Nalbantoğlus, mais parecia um museu do que um dormitório. Embora estivesse impressionada com os tetos altos, os painéis de carvalho e a intemporalidade da tradição, Peri ficou silenciosamente desiludida com o tamanho e a simplicidade do seu quarto. Um lavatório, um guarda-roupa, uma cómoda, uma cama, uma secretária, uma cadeira de braços e um armário. Mais nada — um contraste surpreendente com o exterior espetacular —, mas, enfim, havia a liberdade excitante de viver sozinha pela primeira vez.

Quando desceram as escadas estreitas, chegando-se para o lado para deixar passar outros alunos, Shirin virou-se e piscou o olho a Peri.

— Se quiseres fazer amigos depressa, deixa a porta do teu quarto aberta. Assim, as pessoas entram para te dizer «olá». Uma porta fechada significa: «Afastem-se, não quero que me incomodem.»

— A sério? — sussurrou Peri, para os pais não ouvirem uma só palavra. — Mas como é que uma pessoa consegue estudar com interrupções?

Shirin soltou uma gargalhada, como se a ideia de estudar fosse a coisa mais cómica que tivesse ouvido nesse dia.

Durante o resto da tarde, Shirin mostrou aos Nalbantoğlus o edifício redondo da Câmara de Radcliffe, o Teatro Sheldoniano e o Museu de História da Ciência, com os seus instrumentos científicos antigos. A paragem seguinte era a Biblioteca Bodleiana. Shirin explicou que «a Bod», como os alunos e os professores lhe chamavam, tinha mais de 160 quilómetros de prateleiras subterrâneas. Em tempos, os alunos tinham de fazer a promessa solene de não roubar os livros. Nas bibliotecas de algumas das faculdades, ainda havia livros acorrentados, como na época medieval.

Mensur apontou para uma inscrição no brasão da parede.

— O que é que isto quer dizer?

Dominus illuminatio mea, «O Senhor é a minha Luz» — disse Shirin, virando os olhos para o céu; Peri não conseguiu perceber se o fez sem querer ou se numa atitude trocista.

Reconhecendo mais o gesto do que propriamente as palavras, Selma deu uma cotovelada nas costelas do marido.

— Vês? Se uma universidade turca tivesse um letreiro igual a este, na parede, sobre Alá, ficarias furioso. Dirias que era um antro de fanáticos! Um campo de terroristas para bombistas suicidas! Mas, aqui, não tens nada contra as inscrições religiosas!

— Porque, na Europa, a religião tem um cunho diferente — respondeu Mensur em tom de menosprezo.

— Em que sentido? — ripostou Selma. — Religião é religião.

— Não é verdade. Algumas são mais… religiosas — disse Mensur, parecendo, até aos seus próprios ouvidos, uma criança amuada. — Olha, na Europa a religião não tenta dominar tudo e todos. A ciência é livre!

— A ciência floresceu no al-Andalus — retorquiu Selma. — O Üzümbaz Efendi explicou-nos isso, que Alá o abençoe. Quem é que achas que inventou a álgebra? E o moinho? E a escova de dentes? E o café? E as vacinas? E o champô? Os Muçulmanos! Quando os Europeus ainda mal se sabiam lavar, já nós tínhamos hamams maravilhosos, perfumados com água de rosas. Fomos nós que ensinámos a higiene aos ocidentais e agora eles querem-nos vendê-la de volta.

— O que é que interessa quem inventou o quê há mil anos? — argumentou Mensur. — Pergunta a ti própria, mulher, quem é que tem feito mais pela ciência!

— Mãe, pai, chega — murmurou Peri, morta de vergonha por uma desconhecida estar a assistir à discussão entre os seus pais.

Shirin, ou porque sentiu a tensão e quis deitar achas na fogueira, ou por pura coincidência, explicou que muitas das faculdades mais antigas de Oxford tinham nascido de fundações monásticas cristãs. Peri não traduziu nada disso para turco.

Enquanto subiam as escadas da Biblioteca Bodleiana, Peri deteve-se para ler os nomes dos mecenas inscritos num quadro de latão. Desde tempos imemoriais, sem interrupções, os ricos e os poderosos apoiavam aquela magnífica coleção. Entristeceu-a pensar que, se aquela biblioteca tivesse sido construída em Istambul, por volta da mesma época, teria sido destruída, provavelmente mais do que uma vez, e reconstruída em cada ocasião com um estilo arquitetónico diferente e um novo nome, dependendo da ideologia dominante na época… até que, um dia, teria sido transformada em caserna militar e, depois, muito provavelmente, em centro comercial. Suspirou.

— Estás bem? — perguntou Shirin, postando-se mesmo ao seu lado.

— Sim, só gostava que houvesse bibliotecas tão bonitas como esta na Turquia — explicou Peri.

— Isso querias tu! A Europa imprime livros desde a Idade Média. Não sei ao certo quando é que o Médio Oriente começou a fazê-lo, mas sei, com toda a certeza, que estamos todos condenados… o Irão, a Turquia, o Egito. Tudo bem, têm uma cultura muito rica, música boa, ótima comida. Mas os livros são conhecimento e o conhecimento é poder, certo? Como é que se pode colmatar essa lacuna?

— Duzentos e oitenta e sete anos — disse Peri baixinho.

— O quê?

— Desculpa — disse Peri. — A imprensa de Gutenberg data de cerca de 1440. Uns quantos livros árabes foram publicados em Itália, no século XVI. Mas foi com Müteferrika, no Império Otomano, que os muçulmanos começaram a imprimir livros, sob uma censura muito pesada, clara. Seja como for, a diferença é de aproximadamente duzentos e oitenta e sete anos.

— És mesmo esquisita — comentou Shirin. — Não tenho dúvidas de que vais sobreviver em Oxford.

— Achas? — perguntou Peri, sorrindo.

Como tinham sede, pararam para tomar café no Mercado Coberto, ali perto. Enquanto Peri e Shirin procuravam uma mesa, Mensur e Selma foram em busca da casa de banho, caminhando afastados um do outro.

— Por falar em lacunas, pelos vistos há uma bem grande entre os teus pais — disse Shirin, de repente. — O teu pai é todo de esquerda, certo? E a tua mãe…

— Eu não diria que ele é todo de esquerda, mas sim, é secularista… Kemalista, para quem sabe umas coisas sobre a Turquia. E a minha mãe é… — Tal como Shirin, também ela deixou a frase em suspenso. Lentamente, Peri catou um pedaço invisível de borboto da manga e rolou-o entre os dedos. Nunca conhecera ninguém tão direto e intrusivo, mas não se sentia tão ofendida como achou que se deveria sentir. Ainda assim, mudou de assunto. — Quer dizer que nasceste em Teerão?

— Sim, sou a mais velha de quatro raparigas. Coitado do Baba! Queria desesperadamente um rapaz, mas o Diabo enfiou-se à socapa na cama dele. O Baba fumava como uma chaminé, comia como um passarinho. «Está a matar-me», dizia ele. Referia-se ao regime e não a nós. Por fim, arranjou uma escapatória. A Madarjan não se queria ir embora, mas, por amor, aceitou. Fugimos para a Suíça. Já alguma vez lá foste?

— Não, é a primeira vez que saio de Istambul — disse Peri.

— A Suíça é agradável, demasiado agradável, aquele tipo de agradável xaroposo como caramelo derretido, se é que me entendes. Quatro anos da minha vida na pasmaceira de Sião. Podes não acreditar, mas uma vez ouvi uma rapariga queixar-se ao pai de que o supermercado não tinha os frutos silvestres preferidos dela! O mundo estava em polvorosa, pá, o Muro de Berlim tinha caído e ela para ali a falar de frutos silvestres?! Embora eu fosse uma miúda, até eu percebia que havia qualquer coisa de excitante no ar. Adoro quando caem muros, paredes. Tudo bem, a vida na Suíça era boa, mas demasiado lenta para o meu gosto. Desde então, tenho andado a todo o gás para compensar o tempo perdido.

Peri ouviu-a com uma expressão que mudou de curiosidade para deleite.

— Depois disso, fomos para Portugal. Eu gostei, mas o Baba, não. Sempre fumando, queixando-se. Dois anos em Lisboa e, quando eu já tinha aprendido português suficiente, zás! Façam as malas, meninos, vamos para Inglaterra, a Rainha espera-nos! Eu tinha catorze anos, pelo amor de Deus. Aos catorze anos, devíamos estar a lidar com os nossos dramas e não com os dramas da família. Seja como for, no ano em que chegámos, o Baba morreu. O médico disse que os pulmões se tinham transformado em carvão. Não achas estranho um médico usar uma metáfora? Tem a mania que é poeta ou quê? — Shirin tamborilou os dedos na mesa e examinou a manicure. — Inglaterra era um sonho do Baba e não meu, e aqui estou eu, tão britânica como uma tarte de melaço, mas tão deslocada como um bolo de tâmaras!

— Para ti, qual é a tua terra? — perguntou Peri.

— A minha terra? — Shirin chupou os dentes, em sinal de reprovação. — Deixa-me dizer-te uma regra universal: a nossa terra é onde estiver a nossa avó.

Peri sorriu.

— Gosto dessa ideia. Onde está a tua?

— Sete palmos debaixo da terra. Morreu há cinco anos. Adorava-me, fui a primeira neta. Os vizinhos disseram que até ao último minuto de vida ela esperou que voltássemos para casa. É essa a minha casa! Enterrada com a Mamani em Teerão. Por isso, tecnicamente, não tenho casa.

— Hum… lamento… — disse Peri, pressentindo na sua própria hesitação uma incapacidade de acompanhar os extrovertidos, grupo ao qual Shirin pertencia claramente.

— Sabes como chamam ao cemitério de lá? O Paraíso de Zahra. É fixe, não é? Todos os cemitérios se deviam chamar «paraíso». É escusado incomodar o Todo-Poderoso com o Dia do Juízo Final e caldeirões a ferver e pontes fininhas e o diabo a quatro. Uma pessoa morre, vai para o paraíso e assunto encerrado!

Peri ficou imóvel, tão encantada quanto desconcertada. Teve a sensação de que a sua nova amiga, embora fosse da mesma idade, tinha vivido o dobro de si e visto mais do mundo do que a sua família toda. Peri nunca ouvira ninguém falar daquela maneira sobre a vida depois da morte. Nem sequer o pai, que frequentemente exprimia a sua aversão por todas as questões relacionadas com a fé.

Mensur e Selma iam-se embora daí a pouco. Por essa altura, já o casal tinha finalmente encontrado um ponto de concórdia: Shirin. Por motivos diferentes, mas com igual intensidade, a rapariga desagradara a ambos. Em separado, planeavam dizer à filha para se manter longe da rapariga iraniano-britânica. De certeza que seria uma má influência.

Cerca de uma hora depois, tendo dado voltas e voltas desnorteantes, acabaram a visita à frente da associação Oxford Union. Antes de se ir embora, Shirin deu um abraço a Peri, como se fossem velhas amigas que não se vissem há muito tempo. Usava um perfume tão inebriante e almiscarado, e tão intenso, que por um instante Peri se sentiu tonta, com a cabeça à roda.

Shirin explicou que os Ingleses, embora delicados e bem-educados, podiam ser demasiado reservados e cautelosos para um estrangeiro solitário num país novo, e Peri faria melhor em dar-se com outros estudantes internacionais ou com alunos com um background cultural misto, como ela.

— Nesse caso, vemo-nos por aí? — perguntou Peri.

O seu desejo era sincero. Embora se sentisse ligeiramente intimidada pela personalidade de Shirin, não podia deixar de admirar o seu tagarelar constante, a sua autoconfiança e audácia. Ansiamos sempre pelo que nos falta.

— Se nos vemos por aí? — ecoou Shirin, dando dois beijinhos a Selma e a Mensur, embora eles estivessem hirtos. — Podes crer que vemos! Esqueci-me de te dizer que estamos no mesmo edifício da residência universitária.

— A sério? — perguntou Peri.

— Sim. — Shirin sorriu de orelha a orelha. — Aliás, estás no quarto mesmo à frente do meu. E se te atreveres a fazer barulho, eu faço um escarcéu… estou a brincar. A Turquia e o Irão, vizinhos, tal como no mapa. Vamos ser grandes amigas. Ou grandes inimigas. Às tantas, ainda começamos uma guerra. A Terceira Guerra Mundial! Porque sabes que é isso que vai acontecer, não sabes? Vai haver outra guerra de merda, porque o Médio Oriente está completamente lixado… ups, desculpem o meu linguajar.

Depois, virando-se para os pais de Peri, alarmados, e deturpando-lhes o nome, Shirin anunciou:

— Senhor e senhora Naubaumetlu, não se preocupem com a vossa filha. Ela está em boas mãos. A partir de agora, vou encarregar-me de ficar de olho nela.