A Jangada comum, popular e típica, é a seis paus. De fora para dentro, duas mimburas, dois bordos e dois meios.
Os bordos são de madeira mais grossa e fazem marcada saliência em- baixo da embarcação. Os “meios” são os mais delgados. As mimburas, pouco mais encorpadas que os “meios”.
Na Bahia, no tempo em que o almirante Alves Câmara estudou as construções navais indígenas (1888), as mimburas eram chamadas papus.
A jangada não é reta como a balsa quadrangular. As mimburas são bojudas, arqueando-se, num relevo curvo para o exterior, seguindo a convexidade para a proa, estreitando-se para oferecer menor resistência ao embate das ondas.
Há, também popular, a cinco paus. Duas mimburas, dois bordos e um meio. A jangada clássica, habitual nas pescarias do fundo-de-fora, a jangada do alto, veterana das dormidas nas Paredes, é a seis paus.
Na proa enterram dois tornos, de altura mediana, um na mimbura e outro no bordo. Ficam a bombordo. São os “toletes”, tolete da poita que ali é amarrada quando arreiam o tauaçu para fundear.
Tauaçu é uma pedra furada e amarrada a um cabo cujas pontas são cosidas. Diz-se a este cabo chicote da poita porque é ligada a ele. O tauaçu é furado dentro d’água, com o “furador de tauaçu”, devagar, penosamente.
Poita é a corda que, presa ao chicote da poita, prende o tauaçu. Tem muitas braças de extensão. Se o tauaçu é a âncora, a poita é a corrente. Apenas a âncora é de pedra tosca e a corrente é uma corda de macambira ou de carrapixo.
Logo a seguir está o principal aparelho de navegação, o Banco de Vela. Fazem-no de cajueiro, madeira macia e resistente, leve, e que não estraga o mastro pelo atrito. Em cima está uma tábua grossa com um orifício, enora, no meio, onde passa o mastro que é espontado e se mete num dos furos da tábua inferior, a carlinga, carninga como dizem os jangadeiros. Dos lados as “pernas do banco de vela”, de pau ferro ou pau d’arco, atravessando o banco, que é a tábua superior e a carlinga. São as pernas reforçadas e presas pelos ligamentos de cordas fortes e duráveis, os cabrestos.
O mastro único é de gororoba, camassari ou conduru, medindo de cinco e seis metros. Gororoba, camassari e conduru são madeiras recomendáveis pela duração e flexibilidade.
A carlinga, parte inferior do banco de vela, é uma tábua com uma série de furos. No furo do centro, furo de barca ou furo do meio, colocam, encaixado, o mastro na saída da jangada do porto.
A carlinga tem nove ou treze furos. É feita de cajueiro.
Na carlinga de nove furos estes são dispostos na mesma linha, o furo de barca no centro e quatro para cada lado. Denominam-se:
– Furo de barca ou do meio.
– Furo da bolina.
– Primeiro do meio.
– Segundo de dentro.
– Furo da beira.
Na carlinga de treze furos estes ficam em séries de três, seis para cada banda, e postos transversalmente.
– Furo de barca ou do meio.
– Furo da bolina.
– Segundo furo.
– Terceiro de dentro.
– Quarto de dentro.
– Segundo da bolina.
– Terceiro da bolina.
Outrora diziam-nos furo de terral, furo da viração, furo do largo, furo da bolina, etc.
A jangada sai habitualmente no furo de barca ou do meio. Lá fora, o Mestre vai mudando o mastro, experimentando a carreira, de furo em furo, até que a embarcação adquira velocidade. Há preferências misteriosas da própria jangada por determinados furos. Há furos bons e furos ruins. Certos furos dão carreira numa jangada e retardam outra, absolutamente igual.
O furo de barca ou do meio é da saída, furo de vento brando. O furo da bolina é para diminuir a queda, desequilíbrio. Põe o mastro no furo da bolina quando o vento é vivo e puxador.
Jangadas enxugando o pano em Tambaú, praia de João Pessoa, Paraíba
Os outros furos dependem seu uso das condições do vento e, segundo informação dos pescadores ouvidos, das predileções ou ciência do Mestre. Não há regra fixa e cada Mestre tem sua escola que é o resultado de observações da marcha da jangada. Mestre Filó dizia-me: – “A jangada ensina o mestre...”
A vela é latina, triangular, feita de algodãozinho. O almirante Alves Câmara em 1888 descreve uma jangada na Bahia com dois mastros e duas velas, a de vante quadrada e a de ré triangular. Este tipo desapareceu. Todas as jangadas têm unicamente uma vela, sempre triangular. No Ceará chamavam ao mastro “Boré”.
Nas praias do Rio Grande do Norte não pintam habitualmente a vela. Tem uma cor indefinida de muito sol, vento e salsugem do mar. Lá uma vez por outra um jangadeiro, dono de sua jangada, pinta a vela com decocção de mangue, dando coloração avermelhada.
No Ceará, segundo Paulino Nogueira, usa-se limar a vela, “para ficar boa, enchê-la de limo verde, e que se consegue botando-lhe sangue de peixe com água salgada, e deixando-a exposta ao sereno. Uma vela bem limada dura por dois anos, mais ou menos”.
Os vértices da vela são a Guinda, no ângulo superior, o Punho no saliente e a Mura, no inferior.
Da Mura parte uma cordinha com o mesmo nome e é amarrada debaixo da carlinga, esticando a vela para baixo.
Do punho vem a Ligeira, corda que se amarra nos Espeques, segurando e mantendo o jogo, o balanço, o equilíbrio do mastro, regulando as oscilações da madeira flexível, valendo um estai.
Reforçando o bordo da vela, entre a Guinda e o Punho, corre um fio grosso ou cordinha, a Baluma, cozido nela. Evita o desfiamento da vela.
A vela é estendida em sua parte inferior pela Tranca, vara grossa que se apoia, encaixilhando-se, no mastro, pela extremidade em forma de forquilha, a mão da tranca.
Da ponta da Tranca parte a Escota, corda que, passada pelo Calçador em laçada simples, é presa ao cabo do Remo de Governo. A Escota regula a maior ou menor exposição da superfície da vela ao vento, conforme seja puxada (“caçada”) ou não.
Entre os meios, bem no centro da jangada, está a bolina, tábua de pinho de um metro e trinta centímetros por oitenta centímetros de largura, logo depois do Banco da Vela.
Atravessando os meios a bolina mergulha na água uns oitenta centímetros. Vale como uma quilha, equilibrando a embarcação, aguentando-a contra o vento, evitando a caída para sotavento e dificultando a rolada, a jangada virar.
Para que a abertura onde passa a bolina não se alargue, estragando os “meios” onde é metida, há o calço da bolina, reforço de madeira de cajueiro na entrada e saída, por cima e por baixo da embarcação.
Em algumas jangadas vistas na Bahia pelo almirante Alves Câmara em 1888,
“na junção dos paus do centro abrem uma pequena ranhura, a fim de dar passagem à tábua da bolina, que muitas vezes alcança o comprimento de cinco metros, mas com largura de meio apenas, tábua esta que quanto mais comprida mais estreita é. Introduz-se verticalmente, e depois inclina-se a parte superior para vante, a qual descansa sobre o banco do mastro grande, e a ela fica presa pelo esforço da água para ré na parte inferior”.
Essa jangada, com duas velas e bolina de cinco metros, parece-me não mais existir na Bahia. No comum a bolina tem as dimensões que registrei.
Os Espeques ficam depois da saliência da bolina. São três paus atravessados por um outro, a travessa. O do meio, mais saliente, termina em gancho e é denominado a Forquilha. Os espeques são o depósito da jangada. Pendendo deles pelas alças de corda estão os necessários, os indispensáveis, o barril d’água, o tauaçu, a quimanga ou cabaça com a comida, a cuia de vela, o samburá onde leva o peixe, o bicheiro e nos espeques amarra-se a ponta da ligeira que vem do punho da vela.
Ainda nos espeques, estão amarrados os cabos do espeque, cordas, três ou quatro, que servem para os jangadeiros segurarem, derrubando o corpo para o lado contrário ao bordo inclinado da jangada, aguentando a queda, equilibrando a embarcação especialmente quando desenvolve velocidade. É uma visão inesquecível dois ou três jangadeiros pendendo dos cabos da forquilha do espeque, em ângulo agudo com o mar, fazendo a compensação de peso para a estabilidade da jangada.
Entre os espeques e o banco de governo está a Pinambaba, amarrada àqueles por um fio forte. É uma haste de madeira com três ou quatro ganchos onde cada pescador guarda a sua cala de linha de pescar. Na parte superior há um aro de ferro. Aí ficam pendurados os anzóis. Na extremidade da haste há uma saliência de onde parte o fio que segura a Pinambaba ao espeque. No Ceará chamam-na Tupinambaba.
Depois da Pinambaba fica o Banco de governo, simples, onde o Mestre viaja sentado, com o remo de governo na mão e a linha de corso amarrada na altura da coxa.
Na popa estão os Calçadores, dois tornos, os maiores da jangada, fincados paralelamente nos bordos e obliquamente em relação um do outro. A escota é presa a um dos calçadores e entre eles passa o remo de governo.
O remo de governo, feito de tábua de sapucarana, 35 a 40 centímetros de largura, três metros de folha e um metro de cabo. Na folha há uma polegada de espessura e polegada e meia no cabo. É o leme da jangada, preso à mão do Mestre e trabalhando nas fêmeas, apoiado no Banco de Governo, passando entre o último “meio” e o primeiro “bordo”. Aproximando-se da costa o mestre tira o remo das “fêmeas” e vem com ele encostado na mimbura ou no calçador, procurando encalhar na praia. O movimento do remo de governo é quase totalmente vertical, suspenso ou mergulhado, fazendo a jangada orçar ou puxar de arribada, correndo para o norte.
“Fêmeas” são calços ou reforços de madeira postos da popa, defendendo os “meios” do atrito constante do remo de governo.
Cada porção de linha de pescar habitualmente usada por um dos jangadeiros diz-se cala e em serviço normal medirá cinquenta e sessenta braças de comprimento. Havendo necessidade emendam várias calas, obtendo-se linha de mais de duzentas braças.
As linhas sofrem um processo de preparação para o uso. São esfregadas com folhas de mangue-ratinho ou aroeira. Diz-se encascar a linha. Depois de seis a oito dias de pescaria as linhas são postas numa infusão de coipuna ou catanduva para tomar cor e enrijecer. Ficam dispostas nas varas, enxugando ao sol e ao vento. Secas, voltam à infusão, 15 a 20 dias. Fica a linha encascada, resistindo água salgada, impermeável. Tornam-se negras e duram muito tempo. Quando é mal encascada o jangadeiro diz que abuou, apodreceu.
O trabalho de encascar a linha é feito aos domingos, nas folgas.
O anzol divide-se em barbela, a ponta aguda, volta, a curva, e pata, depois da volta até a extremidade.
Os anzóis mais conhecidos dos jangadeiros são o anzol de isca que é o menor; o anzol de biquara, de um e meio centímetros na volta, anzol de guiauba, dois centímetros, anzol de pargo, três centímetros, anzol de corso, três e meio centímetros, meio quinze, quatro centímetros e mais, quinze, cinco a seis centímetros e anzol de vintém, o maior, seis centímetros e mais na volta e dezoito na pata, para peixe grande, guaiuba inteira, guarajuba, tubarão. Depois da volta há o reforço do anzol, fio enrolado ou, tratando-se de pesca de cação ou linha de corso, com arame. Chama-se Impu.
Os jangadeiros pescam a linha. Há duas espécies de linhas. A de bibuia, bobuia, e a de chumbada, além da linha de corso, privativa do Mestre.
A linha de bibuia não tem chumbada e desce pelo peso da isca, dizendo-se ser de bibuia solta, com 50 a 60 braças de fundo. É pesca comum de peixe graúdo, cerigado, arabaiana, cioba, dentão, dourado, serra, bicuda, mero.
De chumbada é linha de pesca com chumbo de meio quilo. Desce imediatamente ao fundo. Leva dois anzóis. É a preferida para a pega das iscas, sapuruna, biquara, mariquita, piraúna, prediletas dos peixes maiores.
A linha de corso o Mestre traz amarrada na coxa quando a jangada navega. Tem o impu de arame e vem sendo arrastada na viagem, de corso, atraindo os peixes que preiam as iscas em movimento. Sentindo que o peixe ferrou, o Mestre desata a linha e entrega ao Proeiro que é o encarregado de puxar. Ganha dez por cento do pescado na linha de corso que somente o Mestre pode usar. Os peixes mais comuns na linha de corso são a cavala, a bicuda, o dourado, albacora, a serra e mesmo o agulhão de vela, etc.
Há a linha de agulha, bem curiosa por não ter anzol nem isca. É própria para a pesca das agulhas (“Belonidae”, “Hermirhamphidas”, etc.). Fazem uma pequenina bolina de fio na ponta da linha e atiram-na na água. A agulha engole-a, voraz.
No Ceará chamam a linha de agulha Goiçana.
Nas jangadas do alto e no comum pescam quatro homens: Mestre, Proeiro, Bico de Proa e Contrabico.
No Ceará a tripulação é composta de Mestre, Proeiro, Rebique e Bico de Proa. Nas jangadas pequeninas há apenas o Mestre e o Ajudante que, na velha Bahia, chamava-se Coringa.
Informa Florival Seraine sobre a equipagem da jangada no Ceará e sua hierarquia:
“Comumente é a seguinte a tripulação de uma jangada; mestre, proeiro, rebique e bico de proa.
O mestre é aquele que governa a embarcação, dirigindo-a para toda parte. Quer em viagem, quer durante as pescarias, fica colocado geralmente entre o banco-de-governo e os espeques. Suas ordens são respeitadas pelos outros tripulantes. Durante as pescarias o proeiro fica localizado próximo ao samburá grande; sustenta a corda da jangada; molha a vela quando vai de terra para o alto-mar.
Rebique é o pescador que se acha colocado na parte mais anterior da jangada durante as pescarias, e o bico-de-proa, aquele que fica atrás do rebique, na bolina; molha a vela, quando a jangada vem do mar para a terra. Em viagem, tanto de ida como de volta, os tripulantes, com exceção do mestre ficam colocados em frente do espeque, cada um com o cabo no braço – os cabos de sair na corda, que são colocados na forquilha do espeque.”
Nas jangadas norte-rio-grandenses o Mestre pesca no seu Banco de Governo, trono venerável. O Proeiro fica adiante, a boreste, perto dos espeques. O Bico de Proa no mesmo lado, no Banco de Vela e o Contrabico na proa, junto dos cabrestos ou mesmo para lá.
Não há pessoa indicada para molhar a vela. Quase sempre é serviço natural do Bico de Proa, mais próximo dela. A ele compete aguar o pano.
Para a marcação do pescado18 há necessidade de sinalação pessoal inconfundível. O peixe pescado pelo Mestre não tem sinal; fica inteiro. O Proeiro corta a ponta da cauda de cada peixe. O Bico de Proa corta as duas pontas. O Contrabico tira um pedaço da cabeça do peixe, riscando-o fortemente, tira uma lapa no focinho. Em terra, reunido o monte (pescado total) fácil é a divisão, separando os lotes para o pagamento das percentagens.
Mestre Filó (Filadelfo Tomás Marinho) dizia-me que antigamente, nas últimas décadas do século XIX, só o Mestre e o Proeiro marcavam, davam sinal, no peixe. O Bico de Proa e o Contrabico recebiam porções de antemão estabelecidas, um peixe em cada dez pequenos, três peixes grandes havendo vinte no monte. Ou dinheiro e apenas peixes para a refeição com a família. O Bico de Proa ganhava, em média geral, três mil-réis e o Contrabico, dois mil-réis. Mestre Filó recordou a alegria quando recebeu, sendo Contrabico, um patacão de prata, prata do Império, pelo seu dia de trabalho no mar, no Raso. Com dois mil-réis estava-se rico. O dólar valia muito menos, 1$500.
Todos da tripulação tinham direito ao peixe da ceia, para o escaldado com a família.
Naquele tempo o Mestre cortava a ponta da cauda e o Proeiro as duas. Mestre Filó achava que o costume era recente, depois da Lei Nova.
Lei Nova era a República.
E antigamente qual seria o número dos tripulantes da jangada?
No mais antigo registo, o de Pero Vaz de Caminha em abril de 1500, indica ele que ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam.
Mas os tupiniquins de Porto Seguro não estavam pescando. Subiam para suas igarapebas como para lugar apropriado para a visão dos portugueses reunidos na praia, depois da missa.
Pero de Magalhães Gandavo, escrevendo certamente antes de 1570, cita a jangada sobre as quais podem ir duas ou três pessoas ou mais se forem os paus.
Henry Koster, em dezembro de 1809, fixa: – “O efeito que produzem essas balsas grosseiras é tanto maior e singular quanto não se percebem, mesmo a pequena distância, senão a vela e os dois homens que as dirigem.”
Tollenare, em novembro de 1816, informa: – Cada jangada é tripulada por dois ou três homens.
O príncipe de Wied-Neuwied vira três homens em 1815.
A senhora Agassiz em 1865 não diz o número mas fala em homens...
Como a jangada nunca foi no Brasil transporte de guerra como a canoa e sempre serviu para pesca, é provável que o número dos pescadores tenha sido inicialmente uns dois e depois, com o uso da vela e da bolina, multiplicando segurança, estabilidade e elementos para aventurar-se mais para o largo do mar, tivesse sido elevado para três e quatro.
O marinheiro é conservador por natureza e tradicionalista por índole. Os quatro homens da tripulação podem, logicamente, ser fixado como o histórico e o comum como ainda permanece em nossos dias pela costa nordeste do Brasil, a região das jangadas.
Mestre Manoel Claudino contou-me que desde seu tempo de menino e mesmo na época de seu pai, remontando possivelmente ao tempo da guerra do Paraguai, 1865 a 1870, as jangadas eram dominadoras nas praias e bote de pesca eram contados a dedo pela sua raridade. A pesca era feita quase exclusivamente pelas jangadas pelo menos na Paraíba, Rio Grande do Norte e o Ceará.
Neste tempo os homens da jangada eram três habitualmente. Quatro não era comum.
E o Mestre, palavra hoje consagrada há tantos anos, competia em uso com o Patrão, Patrão de jangada, posteriormente passado para o Mestre dos botes de pesca.
Ninguém diz mais Patrão. O título justo e conhecido é Mestre de Jangada. Este nome já lhe era dado em fevereiro de 1826.
Nos espeques vão os utensílios jangadeiros. O barril leva água doce indispensável. Uma frase típica de sua importância é o dizer que barril vazando é a desgraça do jangadeiro. O samburá, cesto, guarda o pescado. A cuia de vela é uma concha de pau com que se joga água na vela. Vela molhada recebe mais vento. No sentido de aproveitar a oportunidade diz-se “enquanto há vento, água na vela”.
No espeque está a Cabaça ou Quimanga, contendo o rancho, a alimentação durante a tarefa, farinha de mandioca, carne e peixe assados, bolachas, rapaduras, bananas. Outrora, quando as frutas não eram luxos, a cabaça levava mangas, abacaxis etc. Conduzem as vezes cocos verdes, para beber água adocicada.
Pendura-se também o Bicheiro, anzol grande preso a um cacete para fisgar o peixe maior e ajudá-lo a colocar em cima da jangada. O pescado de volume quando chegar à borda, dando a cabeça, pode romper a linha no esforço de libertar-se ou pelo próprio peso. Entra em ação o Bicheiro. Diz então embicheirar o peixe.
Araçanga é um bastão curto, espécie de casse-tête, com que o jangadeiro mata o peixe ferrado, ferindo-o na cabeça.
A Saçanga é o fio resistente que prende uma chumbada de quatro a cinco quilos. Vale fio de prumo, sonda para verificar a profundeza da água, identificando o pesqueiro procurado. Quando vão arriando a saçanga e catando fundo diz-se ir saçangando.
Salgadeira, grade de paus roliços, coberta de palha de coqueiro e arrimada em posição ligeiramente inclinada nos espeques, presa com amarrado de cordas. Fica em cima dos “bordos”. Nas pescarias longas nas Paredes, pescarias de dormida, há obrigação de tratar o pescado, abrindo-o, retirando as vísceras, salgando-o e arrumando na salgadeira. É trabalho normal durante as safras, pescarias de verão, de novembro a fevereiro. Nas pescarias comuns, de ir e vir no mesmo dia e quando não é de esperar de muito pescado, não há a salgadeira.
Nestas jangadas grandes, jangada-grossa, jangada do alto, levam o reminho de mão, enfiado nos cabrestos e que serve para levar a embarcação às pequenas distâncias.
Nas jornadas compridas, de dias de estada no mar, a jangada conduz um ou pequenos rolos de madeira leve, jangadeira ou mulungu, paus boeiros, que ajudarão a flutuar os homens em caso de naufrágio por tempestade ou choque com navio de vapor.
Nas pescarias de dormida nos pesqueiros longínquos como nas Paredes a jangada leva sua cozinha sumária. É um fogareiro de lata de querosene, a carvão, e tudo dentro de um caixotinho. Uma panela de barro acompanha e, às vezes, tem o nome de “marmita”. Como durante o serviço de pesca no alto-mar retiram o mastro, enrolando a vela, e o colocam apoiado no banco de vela e na forquilha dos espeques, há lugar para o pequeno fogareiro justamente em cima da tábua do banco de vela, fora do alcance dos salpicos das ondas.
Naturalmente não há cozinha nas jangadas que voltam à praia no mesmo dia ou pescam apenas uma noite, ocasionalmente. O arranjo da cozinha já é um índice de trabalho demorado no fundo-de-fora, mais de uma noite, terra escondida e fome perto.
Há luz a bordo. Usam pequeninos lampiões próprios para embarcações, içados no mastro oscilante. Um lampiãozinho dá guarda ao serviço no meio das trevas, a luzinha vermelha e teimosa resistindo às lufadas.
Fundeados, com o tauaçu no fundo do mar, um jangadeiro fica sempre vigiando enquanto, bem raramente, os outros passam por uma madorna. É preciso que alguém não durma e desperte a tripulação para defender-se de um navio que apareça, rumo em cima da jangada, surdo aos possíveis berros e jamais admitindo a possibilidade de pescarias naquelas alturas do mar noturno e deserto.
Mais ou menos em 1940 apareceu no Rio Grande do Norte um novo tipo de jangada que se popularizou depressa. Há um bom número delas pescando e mesmo já estão nas águas do Ceará, Paraíba e Pernambuco.
É a jangada de tábua.
As primeiras foram feitas no Rio do Fogo por José Monteiro, falecido neste 1954, e José da Cruz em Genipabu, a três milhas ao norte de Natal.
Custam de Cr$ 12.000,00 a Cr$ 15.000,00 e até mais. Têm os mesmos aviamentos e preparos da jangada velha e algumas coisas de novidade no uso.
É uma espécie de pontão ou chata, com 30 a 35 centímetros de altura, feito de pinho do Paraná e na sua falta, louro, freijó ou cedro. O pinho é mais recomendado porque fornece tabuado largo. O fundo e o convés sentam sobre cavername de peroba, sucupira, oiti ou mundé. São de 25 a 28 casas de caverna sustentando o bojo da jangada, presas com grampo de ferro galvanizado, 3/8 para as cavernas e 1/4 para prendê-las ao costado. As cavernas têm na parte superior a lata que as completa no plano da arqueadura e são os braços.
No interior, fazendo amarração do cavername, correm as escoas, tiras de tábuas de uma polegada de grossura por três de largura, de popa a proa, pelo lado de dentro das cavernas, reforçando-as.
A jangada de tábua tem as mesmas dimensões das jangadas clássicas, jangadas do alto, de cinco a oito metros de comprimento, um metro e setenta de largura. Usam de bolina talqualmente a jangada. Dos lados, na parte de baixo, passa o sobressame ou forra, saliência de madeira para defender o costado do atrito dos rolos quando no encalhe nas praias, voltando da pescaria.
Em vez do remo de governo já possui um leme que é retirado para o encalhe e a saída. Popa e proa são erguidas em diagonal, facilitando cortar mar e subir para areia da costa. Há uma moldura de madeira, a trincheira, com duas polegadas de altura em roda de todo costado, evitando o escorrego dos pescadores no convés que é abaulado.
Há um mastro com vela latina triangular e, para a proa, uma outra vela, menor, vela do estai. A extremidade da vela do estai é presa na trincheira. A mura do estai é segura num grampo de ferro colocado no convés. Ainda na proa está o frade, peça de madeira de 20 centímetros de altura por 7,1/2 ou 8 de largura, com uma chanfradura onde é posta a carreta de bronze ou de madeira, servindo para puxar a poita.
Entre os espeques e o banco de governo está a boca da escotilha onde guardam roupa e objetos que não querem molhar. No bojo da jangada sacodem o pescado quando da safra do Voador abundantíssimo, recolhido dez vezes mais que a jangada de paus onde não há onde depositar quantidades maiores.
A vela do estai é uma espécie de bujarrona, triangular, presa à guinda, mura e à trincheira da jangada.
A jangada de tábua possui bomba para esgotar água entrada no interior da embarcação.
Quando a jangada vira, a técnica é mergulhar um jangadeiro por baixo e abrir a tampa da escotilha, deixando alagar. A jangada fica boiando, cheia d’água, leve e podendo voltar à posição anterior desde que a tripulação fique toda num só lado, desequilibrando-a. Depois funciona a bomba, ajudada pelas cuias esgotadeiras e tudo se normaliza tranquilamente.
A jangada de tábua é simpatizada pelos pescadores novos mas não tem prestígio para os velhos, os veteranos das jangadas do alto. Disseram-me que a única vantagem era a pescaria mais enxuta. As ondas lavam menos a jangada de tábua. Capacidade maior, durabilidade incontestável, resistência provada, foram esquecidos dotes perfeitamente silenciados.
Nestas jangadas a tripulação é a mesma, Mestre, Proeiro e Bico de Proa. Os processos de pescaria e divisão do pescado, sua marcação, idênticos aos da jangada velha de pau jangadeiro.
18 Luís da Câmara Cascudo, Jangada e Carro de Boi, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 23 de março de 1941.