Vocabulário da Jangada

ALIMENTAÇÃO. Conduzem na quimanga ou cabaça carne seca, peixe assado, banana, rapadura, bolacha e a indispensável farinha de mandioca. Para beber, água do barril. Nas jangadas do alto, em pescaria de dormida nas Paredes, levam um fogareiro de lata de querosene com carvão. Colocam­-no diante dos espeques ou em cima do banco de vela. Durante a pescaria o mastro é retirado, a vela enrolada, dando espaço para a improvisada e sumária cozinha. O primeiro peixe vai para a panela, nágua e sal, destinado ao cozinhado, com farinha solta ou pirão escaldado no molho. Diz­-se então comer peixe vivo a esta refeição que, mais das vezes, inicia o serviço duro da pescaria até o sol pender, hora em que se trata do pescado. Grandes bebedores de cachaça em terra, os jangadeiros são sóbrios im riba das águas do mar, temendo as afoitezas que o álcool provoca.

AMURA ou MURA. Extremidade inferior da vela. Corda que partindo daí é amarrada debaixo da carlinga. Estica a vela para baixo.

ANZOL. Dividem em “barbela”, a ponta aguda; “Volta”, a curva, e “Pata”, depois da Volta até a extremidade. Os anzóis mais conhecidos dos jangadeiros são “anzol de isca”, o menor, “anzol de Biquara” de um e meio centímetros na Volta, “anzol de Guaiuba”, dois centímetros, “anzol de pargo”, três centímetros, “anzol de corso”, três e meio centímetros, “meio quinze”, quatro centímetros e mais, “quinze”, cinco a seis centímetros, “anzol de vintém”, o maior, seis centímetros e mais na Volta 18 na Pata, para peixe grande, guaiuba inteira, quarajuba, tubarão. Usam com linha de espera ou de Bibuia, grossa de 3/8 de grossura. Depois da Volta há o reforço do anzol, enrolado ou, tratando­-se de pesca de cação ou linha de corso, com arame. Este reforço é o IMPU.

ARAÇANGA. Bastão curto ou cacete com que o jangadeiro mata o peixe ferrado ao apro­ximar­-se da jangada, quando “dá a cabeça”. Arrasta­-se depois para cima da embarcação.

BALUMA. Cordinha cosida ao lado da Vela, entre a Guinda e o Punho, reforçando­-a.

BANCO DE GOVERNO. Banco de Mestre, banco à popa da jangada onde o mestre está sentado, com a linha de corso amarrada na coxa e o Remo de Governo na mão.

BANCO DE VELA. Banco à proa da jangada, servindo para sustentar o mastro e neste a única vela da jangada. O Banco é o conjunto e também a parte superior onde está o orifício por onde passa o mastro. Seguram­-no as duas “Pernas do Banco”, atravessando a tábua do Banco e a Carlinga que é a parte inferior. A tábua do Banco e as Pernas são reforçadas e presas pelos “cabrestos”, ligamentos com cordas fortes e resistentes.

BARRIL. Barrilote que contém água para os jangadeiros na pescaria. Vai suspenso nos espeques. A desgraça do jangadeiro é um barril vazando...

BATER ISCA. Bater engodo. Em certos pesqueiros, quando o peixe demora, batem isca, dando com a araçanga na cabeça dos peixes menores levados para o anzol. Atiram depois ao mar a isca triturada e o sangue e vísceras se espalham nágua, atraindo o pescado tardio. Dizem que os peixes “vêm no faro”...

BIBUIA. Bubuia, linha de pescar sem chumbada, descendo pelo peso da isca. Chama­-se a esta pescaria de bibuia solta, com 50 a 60 braças de fundo. É comumente pesca graúda, de cerigado, arabaiana, cioba, dentão, dourado, serra, bicudo, mero.

BICHEIRO. Anzol grande preso a um cacete para fisgar o peixe maior e ajudá­-lo a colocar na jangada. O pescado de volume quando chega perto da borda, “dando a cabeça”, é embicheirado, evitando que a linha se rompa. Bicheira.

BICO DE PROA. Terceira pessoa na jangada. Substitui o Proeiro. Marca o peixe que lhe é destinado cortando as duas pontas da cauda. Compete­-lhe “aguar o pano”, jogando água na Vela.

BOLINA. Tábua de pinho, comumente de um metro e trinta por oitenta centímetros de lar­gura. Colocam­-na bem no meio da jangada, logo após o Banco de vela, atravessando e mergulhando oitenta centímetros nágua. Equilibra a embarcação e aguenta­-a contra o vento, evitando a caída para sotavento e dificulta a virada, a jangada rolar. Para que a abertura onde passa a Bolina não se alargue, estragando os “meios” onde é metida, há o Calço da Bolina, reforço de madeira de cajueiro na entrada e saída, em cima e por baixo da jangada.

BORDOS. Os dois segundos paus na jangada, entre os “meios” do centro e as “mimburas” ou “memburas”, exteriores. São os mais grossos e fazem marcada saliência debaixo da embarcação.

BOTE. Jangada de três metros e pouco mais, oitenta centímetros a um metro de largura. Não tem vela e apenas o remo de governo. Comporta dois homens na pescaria. Pesca habitualmente no Taci e com vento brando até as Corubas. Chamam­-na também Catraia quando serve para transportar pessoas das barcaças para terra e vice­-versa. A Catraia, neste caso, fica a bordo da embarcação a que serve.

BÚZIO. Búzio era outrora empregado pelos jangadeiros, chamando os fregueses, anunciando peixe fresco, quando as jangadas chegavam à praia. Continua usadíssimo em quase todas as praias do Rio Grande do Norte para avisar a aproximação de jangadas ou canoas durante a noite. O som prolongado e rouco atrai infalivelmente os pesca­dores que ajudam a encalhar a jangada ou receber encomenda ou recado urgente trazido pela canoa. No Ceará denominava­-se “Atapu”.

CABAÇA. O mesmo que Quimanga. No Rio Grande do Norte raramente ouve­-se Quimanga. Usualmente diz­-se Cabaça. “Veja aí na cabaça se tem farinha...”

CABOS DO ESPEQUE. Cabos da Forquilha do Espeque. Três ou quatro cabos de corda forte amarrado à forquilha do espeque. Servem para os jangadeiros segurarem pendendo o corpo para o lado contrário ao bordo inclinado da jangada, “aguentando a queda”, equilibrando a embarcação especialmente em viagem.

CABRESTOS. Voltas de linha ou corda fina e resistente passadas nos extremos do Banco de vela para as cavilhas atravessadas nos paus da jangada como reforço de segurança.

CAÇOEIRA. Jangada pequena, comumente sem vela, para a pesca com caçoeira. Esta é uma rede de malhas largas, medindo um total de 25 a 30 braças. Fica estendida, flutuando sem tocar fundo, suspensa por uma série de pequenas boias de cortiça e esticada por uma chumbada de pouco peso. Presa a uma poita cuja tauaçu mergulhou, na outra ponta está uma corda, denominada “bolandeira”, que pode ficar na mão do mestre ou amarrada a uma boia maior que serve de sinalação. Os peixes engalham na Caçoeira estendida e aí ficam, malhando. Habitualmente a toninha, o cação sicuri ou tintureira, o espadarte, o mero, a serra, enrodilham­-se nas malhas e vão ao fundo sendo retirados mortos ou exaustos. É pescaria noturna e sem luar porque a claridade afugenta o pescado que vê a rede. A jangadinha que leva a caçoeira ficou com o mesmo nome.

CALA DE LINHA. Porção de linha que o pescador emprega em serviço normal, 50 a 60 braças. Havendo necessidade emendam várias calas indo a linha a mais de 200 braças. As calas de linha vão no gancho da pinambaba e o anzol em volta dela.

CALÇADORES. Dois tornos, os maiores da jangada, postos paralelamente na popa. São fincados obliquamente em relação um para o outro. A escota é presa num dos calçadores e entre eles passa o remo do governo. O registro comum é CAÇADORES mas os jangadeiros dizem, unanimemente, CALÇADORES. Idêntica observação fez Florival Seraine no Ceará.

CARLINGA. Tábua com uma série de furos e que é a parte inferior do Banco de vela e aí pousa o mastro cujo pé espontado vai sendo sucessivamente mudado de furo em furo conforme a necessidade da navegação. Há carlingas de nove e treze furos. Na primeira, dispostos na mesma linha, e são: – “furo de barca ou do meio”, “da bolina”, “primeiro do meio”, “segundo de dentro”, e “furo da beira”. Na segunda, os furos são postos em séries de três e transversalmente, seis para cada lado. Chamam­-se “furo de barca ou do meio”, o central, e os demais, “da bolina”, “segundo furo”, “terceiro de dentro”, “quarto de dentro”, segundo da bolina” e “terceiro da bolina”. Outrora eram “furo do terral”, “da viração”, “do largo”, “da bolina”, etc. A jangada sai comumente no Furo de Barca e lá fora o mestre vai experimentando a carreira, mudando até que a embarcação adquira velocidade. Há preferência. Furos bons e furos ruins de acordo com a jangada.

CARREIRA DAS PEDRAS. Terceiro pesqueiro, em distância e fundura, 10 a 12 milhas da costa, com 25 a 30 metros dágua. Pescam guaiúba, dentão, cangulo, sapuruna, biquara, mariquita, piraúna, pirambu, xira, cambuba, etc.

CONTRABICO. A quarta e última pessoa na jangada. Pesca na proa e marca o peixe cortando uma parte da cabeça.

CUIA DE VELA. Concha de madeira com que se joga água na vela. Vela molhada “pega mais vento”. No sentido de aproveitar a oportunidade diz­-se “enquanto há vento, água na vela”.

CURUBAS. Na relação de distância e profundidade é o segundo pesqueiro geral, com 18 a 20 metros d’água e oito milhas da terra. Pescam o coró amarelo, cangulinho, xira, piraúna, etc.

DAR DE VELA. Voltar da pescaria. É a ordem de “largar”, findando o trabalho.

ENCALHAR. Quando a jangada toca terra mete­-se um dos rolos debaixo da embarcação, na altura do banco de vela e o Mestre caça a escota, puxando­-a, para encher o pano, ajudando o encalhe. Os tripulantes pulam para dentro dágua empurrando­-a pelos calçadores. Logo que a jangada dá a primeira rolada, coloca­-se o segundo rolo também no mesmo ponto do primeiro que já está saindo e é reposto para substituir o segundo em movimento. A ponta da poita é retirada, passando por baixo do banco de vela, fazendo uma volta no tolete e atirada para quem queira puxar. Durante a noite o mestre anuncia sua vinda com um prolongado toque de búzio. Há sempre gente auxiliando a encalhar e todos têm direito a um ou dois peixes, tirados do monte da pescaria e já destinados a satisfação deste compromisso. Botar p’ra cima.

ENVERGUE. Corda resistente cosida à vela e enrolada no mastro.

ESCOTA. Corda amarrada da ponta da Tranca para um dos Calçadores. Guia a vela, dando maior superfície ao vento, aumentando ou diminuindo a marcha da jangada. A escota passa, enrolada em laçada simples, num calçador mas a ponta é amarrada ao remo de governo, ambos à mão do mestre para a manobra.

ESPEQUES. Três paus, presos diante do Banco do governo ou do Mestre, e atravessados por um outro, a “travessa”. É o depósito da jangada. O terceiro pau é a Forquilha, mais saliente, e os dois menores dizem comumente “espeques”. Na Forquilha e Espeques colocam o barril dágua, o tauaçu, a quimanga ou cabaça, a cuia de vela, o samburá, o bicheiro e amarra­-se a ponta da Ligeira que vem do punho da vela.

FATEIXA. Fateixa de pau, Fateixa de jangada, substitui o tauaçu. É uma armação segurando por meio de travessas uma pedra arredondada. As extremidades dos paus se fixam no fundo dágua e a pedra reforça a pressão quase imobilizando a jangada. O tauaçu é mais ou menos arrastado pela correnteza e a Fateixa agarra mais o fundo na areia, nas pescarias pela costa.

FÊMEAS. Calço de madeira na popa defendendo os “meios” do atrito constante do remo de governo. Macho e Fêmea.

FORRAS. Tábuas de duas polegadas de espessura por três de largura postas nos dois “bordos” por baixo da jangada, protegendo os mesmos contra o desgaste provocado pelo atrito dos rolos empregados para lançar a embarcação nágua e encalhá­-la de regresso, botar pr’a cima.

FUNDO. Na linguagem dos jangadeiros tem duas acepções. Na primeira é saçangar, arriando a saçanga como fio de prumo ou sonda para verificar a profundidade e então se diz dar fundo. Na segunda significa o abismo, não havendo ponto onde o atuaçu toque ou a linha de chumbada encontre firmeza. Deu fundo com trinta braças ou, depois das Paredes é o fundo, são frases que fixam as duas imagens.

IMPU. Reforço no anzol logo depois da Volta. É de linha ou fio no comum mas usam arame quando se trata de pesca de cação ou linha de corso, IPU no Ceará.

LIGEIRA. Corda vinda do “punho” da vela e amarrada nos espeques, segurando e mantendo a vela.

LINHA DE AGULHA. Linha de bibuia, solta, sem anzol e às vezes sem isca, própria para a pesca das agulhas (“Belonidae, Hemirhamphidae”, etc.). Fazem uma pequenina bolinha de fio na ponta da linha e a agulha engole, voraz. No Ceará dizem Goiçana e Goiçama.

LINHA DE CHUMBADA. Linha de pesca com chumbo de meio quilo. Desce imediatamente ao fundo. Leva dois anzóis. É a preferida para a pega das iscas, sapuruna, biquara, mariquita, piraúna, predileta dos peixes grandes.

LINHA DE CORSO. Linha que o Mestre traz amarrada na coxa quando a jangada navega. Tem o impu de arame e vem sendo arrastada na viagem, de corso, atraindo os pei­xes que pream as iscas em movimento. Sentindo que o peixe ferrou, o Mestre desata a linha e entrega ao Proeiro que é encarregado de puxar, ganhando 10% do pescado na linha de corso que só o Mestre pode usar. Os peixes mais comumente apanhados nesta linha são cavala, bicuda, dourado, albacora, agulhão­-de­-vela, serra, etc.

MASTRO. O único mastro é feito de gororoba, camaçari ou conduru e mede de cinco a seis metros. São estas as madeiras recomendáveis pela resistência e flexibilidade. Durante a pescaria, largado o tauaçu, enrola­-se a vela no mastro, retirando­-o completamente. Deitam­-no apoiado no banco de vela e na forquilha dos espeques. Boré no Ceará.

MEIOS. Os paus do centro da jangada; um nas embarcações de cinco paus e dois nas jangadas de seis paus. São os mais finos.

MESTRE. Piloto da jangada e o primeiro pescador. Tem a responsabilidade da navegação, escolha dos pesqueiros, duração da tarefa. Leva o Remo de Governo na mão e a linha de corso amarrada na coxa, sentado no Banco de Governo ou de Mestre. É a autoridade real na jangada. Mestre é para mandar. O Mestre deve saber.

MIMBURAS. Memburas. São os dois paus exteriores, os primeiros. Na Bahia, segundo o almirante Alves Câmara, denominavam PAPUS. São aproximadamente um terço mais finos do que os “bordos” e mais grossos que os “meios”. Os tornos que atravessam as mimburas atingem apenas aos “bordos”, não alcançando os “meios”. Em caso de virar a jangada no alto­-mar um dos supremos recursos é arrancar as mimburas, tornando a embarcação mais leve e própria para voltar à posição normal.

PAQUETE. Jangada de 6 a 7 metros, com 1,20 de largura. Tem todos os aviamentos da jangada grande ou jangada do alto. Com tempo bom, vento brando, vai pescar até nas Paredes.

PAREDES. Sétimo e último pesqueiro em distância e fundura. Fica a 45,50 e mais milhas da costa, tendo 120 metros comuns de profundidade. É pescaria do alto, no fundo de fora e, em certas épocas de verão, de dormida voltando no dia seguinte. Depois das Paredes não há pescaria. Não há fundo para o tauaçu ou fateixa nem as chumbadas encontram apoio. Quem pesca nas Paredes faz careta ao Diabo.

PAU­-DE­-JANGADA. Jangadeira Tiliácea, Apeiba tibourbou, Aubl. Gabriel Soares de Souza em 1587 foi o primeiro a descrever o Pau­-de­-Jangada: “Apeiba é uma árvore comprida muito direita, tem a casca muito verde e lisa, a qual árvore se corta de dois golpes de machado, por ser muito mole; cuja madeira é muito branca, é a que se esfola a casca muito bem; e é tão leve, esta madeira, que trás um índio do mato às costas três paus destes de vinte e cinco palmos de comprido e de grossura da sua coxa, para fazer delas uma jangada para pescar no mar à linha; as quais árvores se não dão senão em terra muito boa”. Apeiba, construção de a­-pé­-iba, significa “árvore de flutuar” e tibourbou semelhantemente pau que flutua ou bubuia (Pirajá da Silva, notas, a Notícias do Brasil, 2o, 70). O Pau­-de­-Jangada é exportado pelo Pará e por Alagoas, vindo do município de São Miguel dos Campos, considerado o melhor, boeiro, que boia, e certas partidas paraenses são acusadas de madeira alagada. O professor Vasconcelos Sobrinho (“Ligeiras apreciações sobre o Pau­-de­-Jangada”, Boletim da S. A. I. C. Recife, 1948) divulga a classificação seguinte: – Família das Tiliáceas. Gênero, Apeiba. Espécie, tibourbou. Nomes vulgares, Pau­-de­-Jangada, Pente­-de­-macaco, Embira Branca, Caracteres: – Estames numerosos, monadelfos. Flores hermafroditas. Árvores de folhas longo­-pecioladas, estipuladas, oblongas, serreadas, tomentosas, de 20 X 11 centímetros mais ou menos. Flores em panículas opostas às folhas. Cápsula cariácea, larga como o Ovário com muitas lojas. Fruto, palma de uma mão, achatada, eriçada de pontas moles esverdeadas. Época de floração em Pernambuco, julho a agosto. Frutificação plena em outubro. Frutos maduros em dezembro. Madeira, branco pardacento, muito leve. Densidade, 0,18 a 0,26. Flutua facilmente. Para papel, comprimento das fibras 1,32. Diâmetro das fibras, 0,018. Hábitat, do México ao Estado de São Paulo.

O Pau­-de­-Jangada poderá contribuir largamente para a indústria da celulose, mesmo não tendo fibras do tipo ideal dará material básico para os tipos mais ordinários da pasta celulósica, justamente os de maior consumo. “Tendo em vista seu crescimento extraordinariamente rápido, sua grande facilidade de reprodução, pode facilmente constituir­-se em matéria­-prima suficientemente capaz de sustentar entre nós uma poderosa indústria celulósica.”

PEDRAS MARCADAS. Cabeços ou pedras submersas que são pesqueiros, típicos e tradicionais, privativos de certos pescadores, sabidos apenas por um ou dois o caminho e a posição e segredo guardado religiosamente. O velho Silvestre, famoso pescador de jangada, trazia do mar o peixe que queria, conforme lhe fosse encomendado. Ia buscá­-lo nas Pedras Marcadas cuja direção ninguém, exceto ele, conhecia a existência. Algumas Pedras Marcadas eram propriedades de uma família de pescadores e durante anos e anos exploradas unicamente por esta até que um acaso ou uma indiscrição reve­lara a situação geográfica da fartura misteriosa. A Pedra dos Pretos, 24 milhas ao norte de Jacumã, era pesqueiro sabido apenas por Pedro Costa que guardava sigilo total. Um menino levado na jangada, José da Cruz, aprendeu o caminho e levou pescadores amigos para a pedra marcada, acabando com o monopólio. Ainda existem muitas pedras marcadas sem que se saiba a direção. A maioria está descoberta e utilizada nas pescarias comuns, como Pedra dos Pretos, Cabeço de João Besta, Pedra dos Pinhões, Pedra do Dentão, Pedra da Arraia, Pedra do Pinhão do Mar, Pedra dos Meros, Cabeço dos Galos, Pedra do Toco, etc., com quinze braças de fundo e mais.

PEIA. É uma corda que prende a Tranca para que não desça para o Banco de vela. É amarrada pelo mastro.

PESQUEIROS. Zonas onde a determinadas distâncias de terra e profundidade há sempre pescado. Denominam­-se, na relação crescente da lonjura e fundura, Taci, Corubas, Carreira das Pedras, Razinho, Raso, Risca e Paredes.

PINAMBABA. Entre os Espeques e o Banco de Governo está a Pinambaba, amarrada por trás dos espeques. É uma haste de madeira com três ou quatro ganchos. Cada pes­cador tem o seu e aí deixam as calas de linha de pescar. Na parte superior há um aro de ferro onde prendem os anzóis. Na extremidade desta haste há uma cabecinha onde se amarra um fio ao espeque, segurando­-a. Tapinambaba.

POITA. Corda que prende a pedra de fundear a jangada, o Tauaçu. A extremidade da poita amarra­-se ao tauaçu por um pedaço de corda cosida a este, o chicote da poita.

PROEIRO. Segunda pessoa da jangada. É quem puxa o peixe da linha de corso. Substitui o Mestre doente ou impossibilitado do comando. Fica a sua direita nos espeques e aí pesca. O pescado do Proeiro é marcado por uma ponta de cauda cortada.

QUIMANGA. Cabaça onde conduzem os alimentos para o mar, farinha, peixe e carne assada, banana, bolacha, rapadura, etc.

RASO. Quinto pesqueiro na distância e fundo dágua, 35 metros de profundidade e a 24 mi­lhas do litoral. Pescam guaiúba, cerigado, garoupa, dentão, arabaiana, cioba, etc. Vezes o Raso é com terra assentada, escondida no horizonte.

RAZINHO. Quarto pesqueiro em distância e profundidade, 35 metros dágua, com 16 a 18 milhas da terra. Pescam garoupa, pirá, xirão. É lugar de pescaria no inverno quando cai o sudoeste à tarde, puxador, não facilitando o regresso. Ainda há terra à vista.

REMINHO DE MÃO. Nas jangadas do alto há o reminho de mão, metido nos cabrestos do Banco de vela. Serve para lavar a embarcação nas distâncias reduzidas. Fazem­-no de sapucarana.

REMO DE GOVERNO. Feito de tábua de sapucarana, 35 a 40 centímetros de largura, três metros de folha e um metro de cabo. Na folha há uma polegada de espessura e polegada e meia no cabo. É o leme da jangada, preso à mão do Mestre e trabalhando nas “fêmeas” apoiado no Banco de Governo, passando entre o último “meio” e o primeiro “bordo”. Aproximando­-se da costa o Mestre tira o remo das “fêmeas” e vem com ele encostado na mimbura ou no calçador, procurando encalhar na praia. O movimento é quase totalmente na linha vertical, suspendendo ou mergulhando, fazendo a jangada orçar ou puxar de arribada, correndo para o norte.

RISCA. Sexto pesqueiro na relação de distância e fundo dágua. Tem a medida de 50 me­tros e mais de profundidade e fica a 30 milhas da costa. Pescam cangulo, guaiúba, dentão, cioba, garoupa, cerigado, arabaiana, guarajuba, etc. Há pedras submersas.

ROLOS. Duas toras do tronco de coqueiro que servem de deslizadores para a jangada cair nágua ou encalhar, na ida e volta da pescaria. Os rolos ficam na praia. Ver Encalhar.

SAGANÇA. Fio resistente a que está preso uma chumbada de quatro a cinco quilos, valen­do fio de prumo, sonda para verificar a profundeza da água. O processo comum para identificar um pesqueiro é ir saçangando.

SALGADEIRA: grade de paus roliços, coberta de palha de coqueiros e arrimada em posição ligeiramente inclinada nos espeques, presa com amarrado de cordas. Fica em cima dos “bordos”. Nas pescarias longas nas Paredes, de dormida, tratam do pescado, abrindo­-o e retirando as vísceras, salgando­-o e arrumando­-o na salgadeira. É processo habi­tual durante as safras, pescarias de verão, de novembro a fevereiro. Nas pescarias comuns, de ir e vir, não há Salgadeira.

SAMBURÁ. Cesto de boca estreita onde o pescado é recolhido.

SERRADOR. Jangadinha para deitar a corda da rede de agulhas.

TACI. Pesqueiro ou zona de maior afluência de pescado. É a mais próxima de terra, quatro milhas, tendo 15 a 16 metros de fundo. Pescam ariocó, biquara, cangulo, peixe­-pene, piraúna, sapurana, etc.

TAMANCA. Tábuas ou forros para aguentar as pernas do Espeque, Banco de Governo e Calçadores. Fazem­-na de cajueiro, macio e resistente.

TAUAÇU. Pedra furada servindo de âncora nas jangadas. É preparado dentro d’água, com o “furador de tauaçu”. Pelo orifício passa­-se um pedaço de corda, amarrando­-se bem e cosendo­-se. Esta cordinha é o chicote da Poita que se prende a ele. Ver Poita. O tauaçu é mais usado nas pescarias do alto e a Fateixa nos fundos de areia pela costa.

TERRAL. Vento sueste, soprando de terra para o mar. É grande auxílio para a viagem de ida porque empurra para o largo. Chegou o terral! Vamos pro mar! Para a volta o terral não ajuda e sim dificulta. Por isso o versinho jangadeiro é verídico:

Minha jangada de vela

Que vento queres levar?

– De dia, vento de terra,

– De noite, vento do mar!

De dia o terral leva para a pescaria, mas o regresso será com o vento do mar, trazendo a jangada para a praia.

TOLETES. Dois pequenos tornos na proa, postos um na mimbura e outro no “bordo”. Ficam a bombordo. Nos toletes amarra­-se a Poita. Tolete da Poita.

TRANCA. Vara forte que mantém a vela aberta na parte inferior. Apoia­-se no mastro pela extremidade em forma de forquilha, mão da tranca. Na outra ponta prende­-se a Escota. Retranca nas canoas.

VELA. As jangadas usam uma única vela, triangular, latina, de algodãozinho. Os indígenas tupis chamavam­-na “língua branca”, cu­-tinga, pela sugestão de sua forma. O almirante Alves Câmara encontrou em 1888 na Bahia, jangadas com duas velas e dois mastros; uma quadrangular, maior, e outra pequena e triangular (num mastro de mezena inclinado para vante e escorado ou amarrado no aracambuz (Espeques). O tamanho da vela é relativo à altura do mastro. Os Mestres põem o mastro no solo e riscam a futura vela, marcando o desenho com fios e cobrindo o espaço com faixas de pano que vai sendo cortado e cosido dentro das dimensões fixadas. O trabalho mais sério é entalhar ou palombar a vela. Consiste em cosê­-la com fio encerado em cera de abe­lha, e que se chama coberta, enfiado na agulha de palombar, a uma corda de macambira, carrapixo ou cabo de manilha, de 3/4. A corda, que se denomina Envergue, sofreu um processo de prova, exposta 24 horas ao sol, esticada entre coqueiros e com um tauaçu pendente, para que não encolha, fazendo a vela ficar sacuda, com sacos, bolsos, diminuindo a superfície de exposição ao vento.

A vela fica cosida com pontos de duas polegadas de distância um do outro. Depois de entralhada é levada para envergar no mastro.

Dizem testa a parte superior da vela e o restante corpo. Os grandes Mestres de jangada de outrora governavam apenas olhando a vibração do vento na testa da vela. Os vértices são guinda, o superior, punho, o mais saliente, e mura, o inferior. No bordo da vela, reforçando­-a contra o desfiamento, corre da guinda ao punho uma cordinha fina e resistente, a baluma (“valuma”).

O serviço de entralhar ou palombar é confiado aos raros sabedores do ofício, dependendo a boa vela do trabalho impecável destes técnicos. O segredo da jangada corredeira está no entralho da vela.

XIMBELO. Paquetinho, jangada de cinco metros se tanto, com um metro de largura. Vai até as Curubas e com vento bom ao Razinho e mesmo à Carreira das Pedras. Tem os mesmos aviamentos de uma jangada comum mas não inspira muita confiança. Sinônimo de jangada inferior, velha, semi­-imprestável. “Era jangada boa mas agora virou ximbelo.”