Katie mantinha as páginas do diário entre os dedos trêmulos. Logo que terminou a leitura ergueu os olhos.
Ed ancorava-se com a palma das mãos apoiadas na superfície polida da penteadeira. Estava de cabeça pendida e o espelho acima refletia uma falha no cocuruto, onde o cabelo começava a rarear. Ele sabia disso, e quando acordava pela manhã embaralhava aquele ponto com os dedos, um gesto que, além de cativar, também deixava Katie feliz, já que se abria uma brecha de fragilidade naquela armadura tão segura de si.
– Você se deitou com minha irmã?
Ed girou o corpo. O rosto empalidecido contrastava com os lábios escuros.
– Eu sinto muito. – Ele passou a mão no queixo. – Aquilo foi um baita erro.
– Como aconteceu? – Agora, ela era um jogador de pôquer sem nada a perder.
– O quê? Eu... – Ele despencou.
Nas seis páginas arrancadas Mia escavava uma peça enterrada na história de Ed, o relato colocava em questão tudo o que Katie pensava conhecer. Acabava de ler que a irmã e o noivo tinham feito sexo no corredor escuro de um bar em Camden, colidindo com um quadro que se espatifou na parede e espalhou cacos de vidro por todos os lados, cortando o tornozelo de Mia.
– Aquilo foi um erro. Você precisa entender que nós estávamos totalmente bêbados.
– Você não me contou.
– Não contei. – Ele repetiu. – Não contei. É que me arrependi tanto daquilo que nunca contei a ninguém. Eu não queria magoar você, Katie.
– Mesmo assim, apareceu no bar onde minha irmã trabalhava, pagou um drinque atrás do outro para ela e depois fez sexo com ela no corredor.
– O que você leu – ele explicou – é a versão dela.
– Diga então a sua. – Ela cruzou os braços para esconder as mãos trêmulas.
Ele respirou fundo.
– Lembra que no aniversário de Freddie eu falei que me reuniria com os rapazes depois do trabalho? Começamos a beber no Embankment e terminamos... só Deus sabe como, numa adega em Camden. Nem passou pela minha cabeça que Mia trabalhava lá; ela não parava de sair de um trabalho para outro; nunca prestei atenção nisso. – Ele sacudiu a mão no ar, um gesto para definir Mia: inconstante e inquieta. – Só reparei nela porque estava usando o seu vestido. Aí me vi forçado a olhar de novo.
Katie se reprimiu para não deixar transparecer que não estava disposta a ouvir o resto da história. Mas continuou ouvindo sem dizer nada.
– E depois que Mia terminou o serviço, eu a convidei para tomar um drinque conosco. Embora possa soar ridículo agora, lembro perfeitamente que pensei: Katie vai ficar feliz quando contar pra ela. Eu sabia que você se incomodava porque não nos dávamos bem.
Nisso ele estava certo. Ed e Mia pertenciam a mundos diferentes, e Katie se sentia com braços curtos para abraçar a ambos. Toda vez que Ed falava de negócios, Mia chamava a atenção de Katie, com uma elaborada mímica onde fingia cochilar e aqui e ali sacudia a cabeça, como se acordando, e lançava um sorrisinho encorajador para ele. Uma vez ele a flagrou no meio da representação e disse: “Será que a conversa ficará mais agradável se na próxima vez eu falar de trabalho em bares e de débito estudantil?” Mia fez um gesto com o dedo para ele e saiu fora.
Ed continuou:
– Eu e os rapazes já estávamos altos quando Mia se juntou a nós. Ela se empenhou em se igualar a nós, e Freddie, como você pode imaginar, encorajou-a. Todos nós bebemos além da conta. Quando o bar fechou me ofereci para colocá-la no táxi porque sabia que você se preocupava quando ela insistia em andar pelas ruas. Não consigo me lembrar claramente do que aconteceu depois, mas antes de pegarmos um táxi, sei lá como, acabamos... – Ele limpou a garganta. – Foi ridículo, sem nenhuma premeditação, sem nenhuma convicção. E me envergonho profundamente de mim mesmo.
Katie havia aprendido algumas coisas sobre o poder da pausa num seminário de negócios. Limitou-se então a esperar que a explicação de Ed se engolfasse em silêncio enquanto ele descruzava as pernas, empertigava-se e enfiava as mãos nos bolsos.
– Que interessante – disse por fim –, o relato de Mia no diário é um pouco diferente. Na pressa em arrancar as páginas, imagino que não tenha tido tempo de lê-lo por inteiro, por isso vou refrescar sua memória com alguns detalhes.
A cor voltou ao pescoço de Ed e subiu até o rosto.
– Segundo o relato no diário, você começou a flertar desde o momento em que Mia se juntou à mesa, e insistiu em pagar um drinque atrás do outro para ela. E quando saiu para colocá-la no táxi – Katie folheou as páginas soltas para encontrar o trecho que queria –, Mia anotou, Ed pôs a mão na base da minha coluna e sussurrou: “Você está tão sexy neste vestido. Mas o que será que está usando debaixo dele?” Estremeci e disse: “Dê uma olhada.” E foi o que ele fez.
Katie parou de ler e olhou para Ed, que enlaçou a nuca com as mãos, deixando os cotovelos abertos no ar.
– Preciso dizer que na verdade essa imagem é maravilhosa para mim. Uma lembrança e tanto.
– O que importa na verdade é o fato; traí sua confiança. A bebedeira não é desculpa. O fato aconteceu e estou fazendo de tudo para consertar as coisas.
Ela abaixou os olhos com as mãos trêmulas e ainda segurando as páginas arrancadas. A posição de jogador de pôquer se desmoronava. Ed era o noivo dela. Ela o amava. Ele era tudo o que restara agora que a mãe e Mia não estavam mais presentes. As lágrimas rolaram pelo seu rosto.
– Querida – disse Ed, caminhando até ela. – Por favor, não chore.
Soaram passos no corredor lá fora, seguidos pelo ruído das rodinhas de uma mala e de uma chave abrindo uma fechadura; ela queria ser aquele hóspede, queria estar em outro quarto, queria uma outra vida.
Ele sentou-se ao lado dela, abaixando o colchão da cama com o peso e deslocando-a de encontro ao corpo dele. Não tocou nela, mas disse baixinho:
– Amo você, mais do que tudo na vida. Já tivemos muitos momentos maravilhosos juntos, e não estou preparado para jogar nosso futuro pela janela por um erro atroz. Minha família toda adora você. Sei muito bem que se estragar tudo, eu serei renegado por eles. Você sabe que a amo demais... Cruzei o mundo para ficar com você... Eu imploro que me perdoe.
Ela não parou de chorar. Será que lhe perdoaria? Ele estava pedindo demais. Claro que eles tinham desfrutado momentos maravilhosos, mas um relacionamento não se reduz a uma tabela de experiências boas versus experiências más. Um relacionamento tem a ver com confiança e honestidade. Mas talvez também tivesse a ver com perdão e compreensão.
– Vou pegar alguns lenços de papel pra você – ele disse.
Enquanto ele se dirigia ao banheiro, ela o observava e evocava a imagem de Mia deitada no piso preto e branco de azulejos do banheiro em Londres, como um peão tombado no tabuleiro de xadrez. Mia estava com o vestido em tom jade da irmã enrolado à cintura. E quando Katie surgiu no umbral da porta, ela ergueu a cabeça e desviou os olhos, sem coragem para encará-la. Tudo tinha acontecido naquela noite.
Ed retornou com uma caixa de lenços.
– Na noite que você transou com Mia – o tom de Katie tornou-se mortalmente sereno –, ela dormiu no piso do nosso banheiro. Encontrei-a na manhã seguinte.
Ed petrificou.
– Ela estava muito bêbada?
– Nós dois estávamos muito bêbados.
Katie olhou para a janela. Não se extasiou nem com a paisagem do lago banhado pelo sol do crepúsculo nem com as prístinas vinhas que se espraiavam ao longe; lembrou-se de algo mais daquele dia. Estava preparando um risoto na cozinha quando Mia entrou em trajes de corrida. Perguntou se Mia estava bem de cabeça e se precisava de um curativo para o ferimento no tornozelo. Foi quando Mia anunciou a viagem.
Ela voltou-se para Ed.
– Depois de ter trepado com você, Mia marcou uma viagem de merda ao redor do mundo só pra ficar longe!
Ele não se espantou com a linguagem; talvez já estivesse se acostumando com a nova Katie, a que saía das lágrimas à raiva com espantosa rapidez.
– Eu o procurei quando soube que Mia sairia de viagem. – Uma panela de cebolas queimadas que deixara esfriando fez o apartamento cheirar a cebolas queimadas durante dias. – Eu estava aborrecida porque ficaria sozinha, e você se lembra do que me disse? Você me disse que “uma mudança de cenário será bom para Mia”. E eu que pensei que você estava sendo compreensivo... A verdade é que estava aliviado por vê-la partir.
– Katie...
Ela já tinha encontrado o próprio ritmo e não estava disposta a mudá-lo.
– Se não fosse por você – disse, elevando a voz aos poucos –, ela nunca partiria daquela maneira. Bem que desconfiei de que houvesse alguma coisa por trás. Até tentei tocar no assunto com você no funeral, mas você me disse que Mia era apenas uma jovem impulsiva e entediada. – A raiva queimou na garganta e a fez trincar os dentes. – Mia nunca viajaria se você não tivesse trepado com ela. Não teria perdido a vida em Bali. Não teria pulado do alto daquele penhasco. Foi sua culpa, Ed. Sua!
– Espere aí! Eu não obriguei Mia a fazer sexo comigo. Assim como não a obriguei a viajar e muito menos a pular de um penhasco.
Katie arregalou os olhos.
– O que foi que você disse?
– Eu disse aquilo que a polícia, o legista e as testemunhas, todos eles, acreditam. Isso é suficiente para mim.
– Era a minha irmã! E quer saber no que eu acredito? Ninguém a conhecia mais do que eu!
– Você nem sabia que ela estava em Bali.
A observação atingiu-a como um soco na boca do estômago.
– Cristo, você não vê que essa sua obsessão se tornou doentia? Você tem corrido de um lado para outro pelo mundo afora, agarrada a um diário como se fosse uma tábua de salvação. Mia está morta. Cometeu suicídio. Sinceramente, sinto muito por isso, de verdade, mas é preciso aceitar os fatos.
Katie agarrou o objeto mais próximo que surgiu à vista: o laptop dele.
– Que diabo está fazendo?
Ela ergueu o laptop acima da cabeça.
– Vai com calma, Katie! Você precisa se acalmar.
O computador pesou nos dedos e nos punhos dela.
– Todos os meus contatos estão nesse computador. Isso é muito importante para mim.
Ela olhou para as páginas do diário espalhadas em cima da cama.
– Da mesma forma que o diário da minha irmã é importante para mim. – Lembrou-se do olhar de surpresa de Ed quando soube que Mia escrevia um diário. E de que flagrara Ed folheando o diário um dia após tê-lo encontrado, só checando para que não haja nada que possa aborrecê-la, ele se justificou. – Você mentiu esse tempo todo na tentativa de apagar as pistas...
– Eu estava protegendo você.
– Me protegendo? – Só então ela se deu conta de que Ed quis pegar o diário de qualquer maneira para ver se Mia o tinha implicado. Mas ela tomara o cuidado de mantê-lo sempre à vista. Até aquele dia. – Você me convenceu a dar um passeio pela cidade só para ficar sozinho com minha bagagem no quarto...
– Eu precisava fazer isso, Katie! Precisava acabar com isso antes que você fizesse algo de que se arrependesse.
Talvez impelida pelo tom dele ou pelo fato de que ela própria não estava no controle, ela inclinou os braços para trás. E depois arremessou o laptop pelo quarto com toda força.
Ouviu quando Ed prendeu o fôlego e quando o computador se espatifou contra a parede, com um delicioso estrondo. Cacos de vidro e de plástico prateado choveram no carpete e a tela separou-se do teclado, deixando para trás uma depressão na pintura.
– Jesus Cristo!
Ela pegou o diário com toda calma e o enfiou na mochila.
Ed olhou fixamente para ela.
– Você não é a mulher por quem já me apaixonei um dia.
Ela se olhou de relance no espelho. Estava com o cabelo solto ao redor do rosto e a maquiagem já tinha ido com o dia. Os olhos dançavam de raiva. A mochila desbotada com alças desgastadas e promessas de aventura já não parecia tão incongruente às costas.
– Você está certo, Ed. Não sou mesmo.
* * *
Katie seguiu os sinais que levavam ao setor de informações turísticas e chegou à frente. Uma funcionária fez um círculo com uma caneta alaranjada em torno de um albergue no mapa e disse.
– É uma caminhada de quinze minutos.
Dez minutos depois Katie estava lá. Foi levada a um dormitório onde três garotas trocavam de roupa. O chão tinha botas de caminhada e meias suadas e o ar cheirava a desodorante. Desesperada para não parar, para não pensar, desandou a falar freneticamente e acabou descobrindo que fazia dez dias que as garotas, duas da Nova Zelândia e uma de Quebec, caminhavam ao ar livre e que elas só tinham feito uma parte da trilha. Também contaram que o litoral era amplo e que os grilos emergiam da terra como fogos de artifício e saltavam para as canelas dos caminhantes.
Meia hora depois elas se encontraram em um bar que servia pizzas gigantescas. As garotas comeram com avidez, mas o estômago de Katie estava fechado para comida, e ela então só bebeu vinho, o líquido desceu garganta abaixo como um raio de sol. No bar seguinte todas beberam e jogaram pôquer, e as garotas disseram que Katie era uma profissional porque as tinha vencido, utilizando truques que elas também utilizavam.
E agora elas chegavam a um bar lotado, onde uma banda de rock tocava num palco improvisado e as fez gritar para se ouvirem. Elas arranjaram um jeito de sentar em volta de uma mesa manchada e riscada. Katie pôs o copo vazio na mesa, sentindo a cabeça leve e remotamente ligada ao corpo.
– Já chequei – disse Jenny, uma das peregrinas de coxas musculosas e sorriso perverso.
– Sem chance, esse cara não é solteiro – retrucou a garota de Quebec, inclinando-se para frente a fim de que todas ouvissem. – Ele faz pelo menos, digamos... dez a vinte expedições por ano? Provavelmente ensacou alguma garota sensual em uma dessas expedições.
– E vai ensacar outra nessa viagem. – Jenny soltou uma piscadela e todas riram.
O anel de noivado de Katie projetou um cardume de luz sobre a mesa, e ela mexeu os dedos e fez a luz sair nadando. E pensar que entrara em êxtase com o brilho que saiu de dentro da caixinha de couro preta quando Ed a presenteou. Era um diamante de lapidação princesa, acoplado em aro de platina. Apaixonara-se pela elegância discreta e o simbolismo do anel.
– Continuará usando? – perguntou Jenny.
– Livre-se desse treco – disse a garota canadense. – Faça uma cerimônia... jogue-o no trilho de um trem... um gesto final de foda-se.
– Nada disso! Vende! – gritou Jenny. – E gaste a grana com alguma coisa que ele odeia. Drogas, bebida, strippers masculinos.
Katie soltou uma risada. Já estava com os lábios anestesiados. Tirou o anel e o enfiou no fundo da bolsa.
– Minha rodada.
As estridentes guitarras da banda ainda soavam quando ela se acotovelou no balcão, agora quatro vezes mais entupido de gente. Uma bartender se debruçou para frente com a mão em concha no ouvido para ouvir o pedido da freguesa, que depois de uma segunda tentativa aos gritos simplesmente apontou para a bebida e ergueu quatro dedos.
Era essa a zoeira na sua adega suja, Mia? Você também se debruçou e se aconchegou em Ed para ser ouvida melhor? Ele notou que você cheirava a jasmim e estava com bafo de álcool? Por acaso você olhou para ele com aqueles olhos duros que tanto o enfureciam? Só que dessa vez você abriu os lábios com um sorriso insinuante e sedutor: “Bem, e então?”
Você estava usando o meu vestido. Você nunca me pediu esse vestido emprestado. Ficava muito curto no seu corpo. Nunca disse para você, mas aquele vestido era vulgar. E talvez por isso Ed tenha gostado. Claro que aquele grupelho de amigos ficou impressionado, uns engravatados embasbacados com uma bartender que olhava como uma patroa e seduzia enquanto dançava.
Talvez você estivesse bêbada... Mais do que estou agora? Mas você sabia o que estava fazendo quando se deixou agarrar pelo meu noivo. Chego a vê-lo abaixando as alças finas do meu vestido nos seus ombros. Ele a beijou em seguida ou foi mais íntimo com você? E você não pensou em mim nem sequer uma vez? Sua irmã! O noivo dela! Não pensou nos meus sentimentos nem sequer por um segundo?
Katie se viu espremida e empurrada por corpos pegajosos e suados, e isso a fez pintar um quadro de Mia e Ed juntinhos: os lábios dele colados no pescoço dela, o piercing no umbigo dela, o vão entre as coxas dela. Será que ele preferia as pernas longas e a barriga sarada de Mia? Será que a achava mais bonita? Ou só queria provar o lado selvagem de Mia, apenas um prato diferente?
Como é que você se tornou o que era, Mia? Sem amarras, sem limites e sem expectativas em relação a você? Uma vez você disse que eu era a irmã solar de cabelos cor de sol que prendia os amigos com laços de margaridas. E definiu a si própria como a de cabelos negros e espírito sombrio que vagava solitária pelas praias. Mas nunca nos vi dessa maneira. Eu a via como a própria liberdade, como um mar aberto. E a invejava por isso.
Katie desabotoou os botões de cima do vestido com dificuldade e ajeitou o sutiã de maneira que os seios se sobressaíssem. Arrumou o cabelo atrás das orelhas e lambeu os lábios.
Um cara de braços bronzeados com uma camiseta de mangas cortadas piscou para ela ao lado. Ela sorriu de olhos entreabertos. Uma pessoa que estava sentada à frente dele se afastou do bar e ele acenou para que ela se sentasse ali. Ela se esgueirou por um vão e logo outros corpos se fecharam em volta enquanto o corpo dele se encostava atrás dela.
– Qual é seu nome? – ele perguntou, soltando um hálito quente na orelha dela.
– Mia – ela respondeu, sentindo que alguma coisa se soltava por dentro dela.
– Você é muito sensual, Mia.
– Quem sabe a gente se encontra mais tarde.
Ela pediu doses duplas para a mesa e levou-as em uma bandeja prateada com bebida derramada. Ela e as garotas entornaram os drinques de uma só vez e bateram os copos sobre a mesa. Em seguida, ajeitaram-se na pista de dança que cheirava a suor e cerveja. Katie saiu rebolando os quadris ao ritmo da banda, pulsando álcool e música pelo corpo todo. As outras garotas riram, trocaram piadinhas e saíram dançando, mas a essa altura Katie já se sentia bem longe dali. As vozes cruzavam o ar e os corpos giravam e se contorciam brilhantes ao redor. Ela também se contorcia com sensualidade e não saiu da pista quando as outras garotas saíram.
Até que ela passou a ser o centro das atenções enquanto dançava de olhos fechados e com as mãos girando no ar. Foi assim que você dançou naquela noite? Foi assim que Ed quis você? Ela incrementou ainda mais os movimentos da dança, sem se preocupar com o que os outros pensavam nem com o fato de que estava bêbada.
O cara de camiseta de mangas cortadas pôs-se à frente e segurou-a pela cintura.
– Olá, Mia.
Ela sorriu ao ouvir o nome da irmã e jogou a cabeça para trás. Uma bola de espelhos que girava lá no alto refletiu a imagem dela em milhares de fragmentos.
Ele empurrou os joelhos por entre as pernas dela. Já de quadris colados, ela o abraçou pela cintura para se equilibrar, e logo sentiu o gosto de sal e uísque de lábios molhados e sedentos nos lábios dela.
Eles saíram dançando; ele a fez girar até que as luzes da pista de dança se tornaram um borrão. Ela suava por baixo do vestido e a cabeça já estava doendo.
– Preciso ir ao banheiro – disse, afastando-se.
– Eu vou com você – ele disse, e ela se deixou pegar pela mão e ser levada ao banheiro. Ele esperou do lado de fora.
O cubículo cheirava a urina e vômito. Ela fechou a porta com dificuldade, tropeçou ao tirar a calcinha e apoiou-se no porta-papel higiênico para não cair.
– Tudo bem aí, querida? – gritou uma mulher no cubículo ao lado.
– Tudo bem – ela respondeu, com a cabeça girando.
Só quando lavava as mãos numa pia entupida de toalhas de papel é que se deu conta de que o cara a esperava. Faria sexo com aquele estranho de braços musculosos e beijos ávidos. Faria isso porque estava muito bêbada para recusar. Faria isso porque não era a mulher por quem Ed se apaixonara. Faria isso porque não estava nem aí para dizer não.
Saiu do banheiro com as mãos ainda molhadas. Foi enlaçada pelo pulso com um aperto forte e, depois, puxada para longe.
Soaram vozes distantes do lugar onde Katie estava deitada. Ela abriu e moveu uma fração de olhos, trazendo o mundo ao foco. Levou a mão à frente do rosto para tapar o sol que entrava no quarto. Onde estava?
Engoliu em seco e sentiu a boca inchada e ressecada. Era a bebida. Reprimiu a imagem de Ed segurando um punhado de páginas. Eles tinham brigado e rompido o noivado. Abaixou os olhos e o anel não estava no dedo.
Levantou-se com muito esforço e os beliches vazios ao lado a fizeram perceber que aquilo era um albergue. As caminhantes. Saíra para beber com as caminhantes. Lembrou-se de um homem aproximando a boca. Saiu da cama nauseada e atordoada. Respirou fundo diversas vezes, com a cabeça latejante.
Que diabo tinha acontecido? Será que tinha feito sexo com aquele cara? Eles tinham ficado juntos no bar, disso estava certa. E tinha dito a ele que se chamava Mia. Mais tarde, eles tinham dançado. E depois tinha ido ao banheiro... Com ele?
Katie se deu conta de que ainda estava com o vestido da noite anterior, enrolado à altura da barriga e com manchas de cerveja por todo lado. O coração bateu descompassado. Ela quis se arrastar pelo chão. É assim então que é ser você?
Desabotoou os botões do vestido e o tirou pela cabeça. Jogou no chão e ficou de calcinha e sutiã. O que foi que eu fiz? Tropeçou numa mesa e derrubou uma garrafa de plástico com água. A garrafa rolou e parou ao lado de um bilhete com o nome dela. Ela o pegou.
Katie,
Achei que você poderia precisar disso. [Duas setas em forma de mão apontavam para a água e para um envelope de comprimidos para dor de cabeça]. Espero que não se importe por ter sido trazida de volta. Ele não fazia o seu tipo!
Com amor, Jenny
P.S. Não se esqueça de vender o anel! Compre uma passagem para Nova Zelândia e aproveite!
Jenny a tinha agarrado pelo braço e a levado para fora do banheiro do pub. Só agora se lembrava do sujeito que protestara com ar ameaçador e uma veia pulsando furiosa no pescoço porque queria levá-la para casa e não conseguia o seu intento.
O alívio a inundou. Logo engoliu dois comprimidos, enrolou-se numa toalha e saiu em direção aos chuveiros. Encontrou um cubículo vazio, pôs o chuveiro no modo quente e entrou debaixo. Com a água escaldante queimando o couro cabeludo e avermelhando a pele do peito, encheu os pulmões com o vapor que a engolfava, lavou o cabelo, passou sabonete pelo corpo e se deixou enxaguar pela água.
As lágrimas rolaram pelo rosto sem avisar. Sacudida por soluços intensos que eram abafados pelo chuveiro, apertou os olhos e a cabeça latejou pela dimensão do ocorrido. O casamento seria cancelado; os convidados seriam avisados, e os contratos, também cancelados. Mas não era só isso. Não era só o noivo que perdia, também perdia uma vida que planejaram juntos – A casa dos sonhos e as brincadeiras dos filhos nessa casa.
Olhe o que você fez comigo, Mia! Estou sozinha na Austrália e soluçando debaixo de um chuveiro de albergue. Meu noivado acabou. E não tenho mais ninguém. Você arruinou tudo! E para quê? Para uma foda apressada naquele corredor?
Com um movimento repentino, passou o chuveiro para o modo frio. Engasgou de olhos arregalados. A água fria escorreu pela cabeça e espinha abaixo. Colocou-se em alerta, com a pele formigando. Fechou o chuveiro, recuperou o fôlego e a raiva desvaneceu.
Enquanto a água fria escorria pelo corpo, Katie evocava o relato de Mia. Você encheu seis páginas com detalhes daquela noite. E no final se perguntou: “Por que fui me meter com ele?”
E respondeu com uma única frase no rodapé da página: “Porque sou uma puta.”
Mas agora posso entendê-la melhor, Mia. Não acho que você era a garota de cabelos negros e espírito sombrio que pensava ser. E sei por que você transou com Ed. Você queria tirar de mim a pessoa mais importante de minha vida.
Da mesma forma que tirei Finn de você.