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Lottie acordou com um peso no peito. Não tinha dormido bem, tentando perceber o que significava o «presente» e de quem seria. Queria perguntar a Ellie se tinha visto alguma coisa, mas a sua companheira de quarto estava a dormir quando Lottie chegou. Uma ideia mais preocupante ocorreu-lhe: talvez Ellie tivesse deixado o presente – ela nem sequer se tinha dado ao trabalho de assistir ao discurso e ao fogo-de-artifício? –, mas afastou essa ideia…

Sentia um horrível aperto no estômago com a sensação de que o presente pudesse ter a ver com o mal-entendido de «ser de outro país» – provavelmente, todos pensavam que era uma horrível mentirosa. Decidiu que a primeira coisa a fazer nessa manhã era ir diretamente a Stratus Side e contar tudo a Binah e aos outros antes da primeira aula.

Quando chegou com Ellie à sala de jantar de Ivy Wood, Lottie pegou numa torrada e murmurou uma desculpa para Ellie, dizendo que tinha «coisas para tratar». Indiferente como sempre, Ellie simplesmente acenou e ofereceu-se para assinar por Lottie se ela quisesse faltar à sua primeira aula.

– O quê? Oh, claro que não. Nunca pensaria em fazer uma coisa dessas. Não poderia faltar à minha primeira aula! – Lottie sentiu-se chocada com a facilidade com que Ellie o sugerira. Ellie sorriu-lhe em resposta, mas não insistiu.

– Bem, vou aproveitar ao máximo o famoso pequeno-almoço de Rosewood. Quando voltares junta-te a mim se terminares os teus «assuntos» mais cedo, senão vemo-nos na aula. – Ellie sorriu para Lottie, enfiando um mirtilo na boca e piscando o olho.

Lottie olhou para a pilha de comida de Ellie com inveja. Daria tudo para ficar para o magnífico bufê de pequeno-almoço, servido com todo o tipo de comida possível de imaginar. Mesas de madeira enchiam o salão de pé alto e enormes janelas com vista para o jardim, sobre o lago e a estátua de Ryley, o veado. Lottie olhou uma última vez antes de enfiar a torrada na boca e sair de Ivy Wood, subindo a colina em direção a Stratus Side.

Para desilusão de Lottie, quando chegou a Stratus Side, descobriu que não tinha acesso. Estava prestes a desistir e a regressar ao pequeno-almoço, quando uma mulher loura surgiu no corredor, carregada com materiais de arte.

– Ups! – A mulher falhou um degrau e deixou cair todo o seu carregamento no chão, revelando a sua cara. Lottie reconheceu-a de imediato da festa de boas-vindas da véspera como a Sra. Kuma, mãe da Status House. Lottie baixou-se imediatamente para apanhar os artigos caídos.

A Sra. Kuma era uma mulher maravilhosamente poética; além de ser mãe da Stratus House, era também chefe do departamento de Inglês e seria professora de Lottie na sua disciplina preferida. Vestia cores fortes, sem medo de padrões arrojados e estava adornada com joias fascinantes. Algo nela parecia sobrenatural, como se fosse capaz de tornar possível o impossível.

– Oh, obrigada…? – Fez uma pausa para que Lottie lhe pudesse dizer o seu nome.

– Lottie – respondeu ela, agarrando no último artigo no chão.

– Obrigada, Lottie. Foste muito amável. Preciso de arrumar isto no armário dos materiais de arte, antes da reunião de pessoal, mas nem sei como vou chegar a horas.

– Eu posso fazê-lo. Dê-me tudo – ofereceu-se Lottie, sem hesitar.

– Oh, isso seria maravilhoso – disse a Sra. Kuma com um timbre melódico na voz e unindo as mãos. – É a pequena porta de madeira que fica depois do corredor, ao fundo das escadas à direita.

Lottie sorriu para a sua nova professora, com cuidado para manter o equilíbrio.

– Não me custa nada!

Não era fácil descer as escadas com os braços cheios e quase passou a porta do armário de materiais de arte, que era muito pequena com uma estranha maçaneta que fazia lembrar uma cara. Parecia pertencer ao País das Maravilhas e não a uma escola.

Abriu a porta e deparou-se com o que não era bem um armário, mas uma pequena divisão coberta de prateleiras, repletas de materiais de arte e móveis com gavetas que cobriam a parede do fundo. Estava a arrumar tudo com cuidado, quando um enorme pote de brilhantes caiu de uma das prateleiras.

– Oh, não! – Lottie resmungou, mas calou-se ao observar, perplexa, a nuvem de brilhantes desvanecer-se no ar, como se tivesse a ser sugada para um dos móveis de gavetas.

Intrigada, afastou as gavetas com toda a sua força e ficou de boca aberta com o que encontrou por detrás delas. Havia uma portinhola na parede, escondida pelas gavetas. E havia um pequeno puxador brilhante que pedia para ser aberto. A curiosidade levou a melhor: Lottie abriu a portinhola e começou a gatinhar pelo pequeno espaço. O interior era quase todo cheio de tábuas de madeira e montes de tecidos velhos. Havia muito espaço para ela rastejar, mas estava demasiado escuro para não ser um pouco assustador. À distância, Lottie conseguia ouvir o som de água a correr e perguntou-se até onde iria o túnel. Podia ver fracos raios de luz a atravessá-lo, talvez vindos de aberturas laterais, e começou a gatinhar apressadamente em direção a eles, ao mesmo tempo que tentava não fazer barulho.

Ao fim de alguns minutos, Lottie ouviu uma risada familiar vinda de uma abertura à sua frente. Era Lola. Lottie gatinhou para a frente e espreitou discretamente pela esquina.

– Ela tem um aspeto que podia ser de uma princesa, acho eu… Sabes, todo aquele cor-de-rosa.

Lottie quase gritou quando se viu cara-a-cara com Lola e Anastacia. Mas elas não a viram; na verdade, Lola continuou a arranjar o cabelo enquanto falava e Lottie percebeu em choque: Estou por detrás de um espelho!

– Bem achei que Pumpkin era um nome um bocado estranho – resmungou Lola. – Achas que ela se transforma ao soar da meia-noite? – Lola começou de imediato a rir com a sua própria piada.

Lottie quase se engasgou. Estavam mesmo a falar dela… e pareciam pensar que ela era uma princesa? Lottie susteve a respiração para ficar o mais silenciosa possível enquanto ouvia.

– É verdade. Ela é a princesa secreta; é a única explicação lógica – retorquiu Anastacia.

Isto apanhou Lottie completamente de surpresa. Tinha ouvido mal ou Anastacia, a pessoa mais séria que já conhecera, sugeria realmente que Lottie era uma princesa secreta? Seria uma piada? Ou significava que havia realmente uma princesa na escola?

O presente!

Aquela estranha mensagem no livro teria a ver com isso? Um arrepio desagradável subiu-lhe pelas costas, quem seria a verdadeira princesa.

– Estás a falar a sério? Como podes ter tanta certeza? – perguntou Lola.

Lottie inclinou-se para a frente, ouvindo atentamente cada palavra.

– Bem – Anastacia fez uma pausa para se aproximar de Lola –, não fui eu que te contei, mas ouvi um rumor de que a princesa não apresentada de Maradova escolheu Rosewood em vez de Aston Court e olha… – Anastacia retirou uma revista da mala e abriu-a numa página que Lottie não conseguia ver – Esta é a rainha de Maradova. Não te parece familiar?

– Santa bolacha de chocolate!

Lottie saltou e teve de tapar a boca com a mão para abafar a gargalhada que deu ao ouvir esta estranha expressão de Lola.

– Xiu, calada – avisou Anastacia. – Não podemos dizer a ninguém; se isto for verdade, ela quererá obviamente manter a sua identidade em sigilo. Que outra razão teria para inventar um nome falso como Lottie Pumpkin?

Lottie sentiu-se um pouco magoada com esta piada sobre o seu nome. Passara toda a vida a defender o seu nome pouco comum e agora era ele que parecia tê-la envolvido numa estranha teoria sobre princesas.

– Além disso – continuou Anastacia –, se ela for a princesa de Maradova, definitivamente quero cair nas suas boas graças.

Lottie quase desatou a rir. O cenário tinha-se tornado demasiado surreal. Questionou-se por um momento se estaria sequer em Rosewood Hall. Talvez tivesse adormecido no comboio e isto fosse um sonho. A ideia de que alguém pudesse sequer pensar que uma pessoa tão simples como ela podia ser uma princesa fê-la sentir-se uma autêntica farsa. Como é que elas não viam o quão ridículo era aquela ideia?

– O boato que corre é que ela quer levar uma vida normal – disse Anastacia.

Lottie pensou na noite anterior e a reação dos outros por ela não saber o que era um partisan.

Devem ter pensado que eu estava a fingir!

– Mas de certeza que as pessoas sabem como é a princesa – argumentou Lola. – Certamente já a viste nalgum evento internacional?

Lottie inclinou-se ainda mais, também curiosa com esta questão.

– Ela nunca vai a nenhum, recusa-se, diz-se que quer ser uma rapariga normal.

Lottie sentiu-se baralhada com a ideia de alguém querer ser normal, especialmente uma princesa. Que tipo de pessoa seria esta princesa de Maradova?

– Micky e eu não vamos dizer nada e Binah é sempre discreta e… Raphael fará o que tu lhe disseres…

– Ainda bem – disse Anastacia, interrompendo-a rapidamente. – Então, fica entre nós os cinco, okay?

Okay – respondeu Lola.

Nem pensar, sussurrou Lottie por detrás do espelho. Tinha de acabar com aquele boato antes que ficasse fora de controlo.