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Mesmo ficando no outro lado de Rosewood, Lottie conseguiu chegar à sua primeira aula 15 minutos mais cedo. Olhou pesarosamente para o seu novo uniforme. Com toda a correria, o seu avental roxo Ivy tinha ficado bastante amarrotado e com um pouco de brilhantes do acidente no armário de materiais de arte.

Ellie chegou mesmo em cima do toque e ocupou um lugar na secretária ao lado de Lottie. Optara por umas calças justas de xadrez, suspensórios e uma t-shirt por baixo que apresentava o emblema do veado de Ivy no bolso. Só precisava de um corte pente zero e pareceria um skinhead dos anos 60.

As duas primeiras aulas de Lottie passaram sem grande esforço. Inglês era uma das suas disciplinas preferidas e ter ajudado a Sra. Kuma nessa manhã tinha-a colocado na posição de aluna preferida. Só na aula antes de almoço sentiu o peso da intensidade que as aulas de Rosewood podiam ter.

Matemática nunca fora o ponto forte de Lottie. Tivera de trabalhar arduamente nesta disciplina na sua candidatura a Rosewood. Apesar de dar o seu melhor para se concentrar, rapidamente se distraiu pensando em como conseguiria acabar com o boato quando se encontrasse com Anastacia e com os outros para almoçar. Como abordaria o assunto? Deveria dizer-lhes que ouvira a conversa e que estavam completamente enganadas?

– Oh, olá, miúdas! Eu estava a espiar-vos de manhã na casa de banho das raparigas, depois de ter seguido uma nuvem mágica de brilhantes por uma passagem secreta, e acho que vocês devem saber que não sou nenhuma princesa, mas obrigada pelo elogio. Adoro-vos.

Pois… não lhe parecia que a coisa fosse correr muito bem. Para se distrair do assunto, começou a desenhar tiaras e vestidos no seu caderno, pensando como seria a princesa de Maradova.

– Menina Pumpkin, pode, por favor, descer à terra e terminar a equação?

Lottie piscou os olhos ao ouvir o seu nome e olhou em redor: toda a turma estava de olhos postos nela. Instintivamente, voltou-se para Ellie, que se revelara um prodígio em Matemática. Já tinha despachado todo o livro de estudo e provavelmente seria transferida em breve para uma aula mais avançada, o que fez com que Lottie se sentisse inferior ao seu lado. Fez um olhar de súplica a Ellie, mas foi correspondida com um sorriso amarelo.

O Sr. Trigwell não era claramente o tipo de professor que deixasse passar ao lado o sonhar acordado e ela não teria planeado pior a primeira interação. Era alto e magro de uma maneira quase desumana, como se os membros fossem demasiado longos para o corpo. O seu nariz era ligeiramente curvado e a sua constituição física, juntamente com a roupa que vestia, lembravam Lottie da lenda urbana do Slender Man, que tinha lido online.

Num bom dia, conseguia lidar com a Matemática, mas com a sua mente distraída e o seu medo instintivo do Sr. Slender-Man-Trigwell, a sua incapacidade em pensar logicamente com números atingiu um nível embaraçoso. A aula terminou com «trabalho de casa extra para Lottie Pumpkin», porque a sua «mente distraída necessita de algo para preencher o espaço vazio». Lottie ficou mortificada: recusava-se a ficar para trás em qualquer disciplina e tinha de dar provas de si mesma, mas não sabia como conseguiria avançar em Matemática sem aulas de apoio.

– Posso dar-te explicações, se quiseres – ofereceu-se Ellie, enquanto arrumavam as mochilas.

– A sério? – Lottie sentiu um enorme alívio encher-lhe o peito. – Isso seria maravilhoso! E se houver alguma coisa em que precises de ajuda, diz-me para eu poder agradecer-te.

Ellie mostrou um sorriso amarelo.

– Lembro-me de algumas coisas… – disse maliciosamente. – Olha, vais fazer alguma coisa depois das aulas? – perguntou inesperadamente. Lottie estava prestes a responder quando Ellie prosseguiu. – Na verdade, não interessa. Só não voltes antes das 17h30. Tenho uma surpresa para ti.

Antes de Lottie poder responder, Ellie colocou a mochila sobre o ombro e saiu pela porta, gritando:

– Lembra-te, nunca antes das 17h30!

Lottie piscou os olhos por um segundo, perguntando-se que raio teria a sua companheira de quarto planeado.

Assumira que comeria o seu primeiro almoço em Rosewood no refeitório principal, que tinha vista para o lago, junto à estufa, com os seus novos amigos, aproveitando esse tempo para se conhecerem melhor.

Em vez disso, acabou sozinha numa mesa no terraço, comendo sopa de alcachofra e uma estranha espécie de vegetal em picle que não reconheceu. Tinha pensado em procurar as pessoas que tinha conhecido na noite anterior, mas ainda não fazia ideia de como lidar com o ridículo rumor e tinha-lhe ocorrido um pensamento ainda mais sinistro: E se foi um deles que deixou o presente aterrador?

Desejava que a sua mãe ainda estivesse por perto para lhe pedir conselhos – mas estava por sua conta. Não queria chatear Ellie com o seu problema e Ollie não podia ajudar. Mexeu a sopa com a cabeça noutro lado.

Enquanto olhava para o lago, uma delicada libelinha poisou numa folha de nenúfar para descansar as asas, mas acabou por ser engolida inteira por um enorme sapo. Lottie estremeceu enquanto observava a indefesa criatura ser devorada.

– Lottie! – Deu um salto quando ouviu um rapaz a chamá-la. – Andámos à tua procura por todo o lado.

Antes de ter tempo de assimilar o que se passava, reparou que a sua mesa vazia estava agora cheia com Lola e Micky, Anastacia e Raphael.

– Eu estava… a almoçar – disse Lottie estupidamente, querendo bater-se por dizer algo tão óbvio. Não lhe podia dizer que os estava a evitar, porque sabia que eles pensavam que ela era uma princesa.

Todos colocaram os pratos na mesa e Lola inclinou-se, colocando uma fatia de bolo de morangos em frente de Lottie.

– Trouxemos-te isto. Demorámos uma eternidade a encontrar-te – declarou dramaticamente. O almoço só tinha começado há 15 minutos e Lottie sorriu com o exagero.

– Não te podes esconder de nós! – Raphael sorriu ao dizê-lo, mas Lottie franziu o cenho ao ouvi-lo. Lola agitou-se no seu lugar e Anastacia deu a Raphael um pequeno encontrão. – Quer dizer, na escola… não te consegues esconder – corrigiu, atrapalhado.

– Claro – respondeu Lottie, tentando não parecer nervosa. – Que mais poderia ser?

Lola deixou escapar um pequeno guincho e Anastacia dirigiu-lhe um sorriso amarelo. Inesperadamente, Lottie achou divertido brincar com eles.

– Obrigada pelo bolo – continuou, tirando um pouco de chantilly com o dedo. – Adoro morangos. Como é que sabias? – Lambeu o creme tentando agir o mais normalmente possível.

– Oh, sabemos tudo sobre ti – afirmou Raphael, piscando o olho. Ele não é mesmo nada bom a guardar segredos, pois não?

Raphael soltou um pequeno grito quando Anastacia obviamente lhe deu um pontapé debaixo da mesa. Lola guinchou novamente e Anastacia lançou-lhe outro olhar. Isto estava a tornar-se demasiado cansativo para ela e Lottie percebeu o que tinha de fazer. Tinha de conseguir que um deles quebrasse e lhe contasse o que sabiam para que ela pudesse esclarecer tudo.

– Esta comida é toda tão excitante – começou, colocando o máximo de tristeza possível na sua voz. – Nunca comi nada tão elegante na minha vida. – E isso não era nenhuma mentira. Os olhos de Lola abriram-se e, mais uma vez, começou a contorcer-se sem parar. Anastacia tentou manter-se calma, mas o seu lábio tremeu.

– Ah, sim? – disse ela entredentes.

– Sim. E adoro o uniforme, é a coisa mais bonita que alguma vez vesti. – Isto não era bem verdade, mas Lottie não conseguiu evitar dizê-lo. A face de Lola ficou vermelha e parecia estar a morder a língua.

Estava a funcionar!

Lottie só precisava de mais uma coisa para quebrar Lola. Soltou um longo suspiro e pousou o queixo na mão.

– Gostava que a minha vida fosse sempre assim – comentou, sem ter de fingir qualquer sentimento de desejo na sua voz. Voltou o olhar para Lola assim que ela explodiu.

– NÃO AGUENTO MAIS!

Bingo! Lottie teve de disfarçar o seu sorriso.

– Sabemos-que-és-a-princesa-secreta-de-Maradova-e-sabemos-que-estás-a-fingir-ser-outra-pessoa-e-juramos-que-não-contámos-a-ninguém-e-que-só-nós-Binah-e-Saskia-sabemos-e não-vamos-dizer-a-ninguém-PROMETEMOS!

– Lola! – Anastacia gritou, mas obviamente era tarde de mais. Um silêncio tenso encheu o ar. Era óbvio que Raphael estava a fazer um enorme esforço para não começar a rir e Lottie sentia algo semelhante.

Totalmente alheio à tensão, Micky inclinou-se e comeu o morango do prato de Lottie, o que teria aborrecido a maioria das pessoas, mas Lottie sentiu que só aumentava a piada da situação.

– Interessante… – disse Lottie lentamente, permanecendo calma quando o que realmente queria era desatar a rir e dizer-lhes o quão parva aquela ideia –, mas acho que têm a pessoa errada.

Anastacia voltou o seu olhar para Lottie e esta sentiu um frio perpassar-lhe pelos ossos.

– Sinto-me honrada, a sério, mas não sei porque acham isso.

– Porque… – começou Lola, indignada, formando um beicinho.

– É óbvio! – interrompeu Anastacia, com ar aborrecido. – Não te podes esconder de nós! És igual à tua mãe… e o teu nome é, francamente, ridículo. – Au! – E já deixaste escapar que vens de outro país, mas assim que te fizemos perguntas sobre isso, gelaste.

É hora de esclarecer tudo, pensou Lottie. Não podia deixá-los pensar isso, mesmo que significasse que não quereriam continuar a ser seus amigos.

– Em relação a isso… – começou. – Não sou de outro país, foi um mal-entendido. – Sorriu para eles, esperando que ajudasse. – Venho da Cornualha e o meu nome… é mesmo Lottie Pumpkin.

Ficaram todos em silêncio, os olhos de Anastacia piscavam enquanto a observavam, até que Raphael finalmente rebentou. Soltou um gemido da garganta e começou a rir. Anastacia deitou-lhe um olhar aborrecido, mas ele ignorou-a.

– Lottie ou lá o que queres que te chamemos – Raphael fez uma pausa para recuperar o fôlego entre risadas –, és absolutamente a pior mentirosa que já conheci.

Hum?!

Raphael continuou:

– Se quiseres manter a tua identidade como princesa secreta vais precisar muito da nossa ajuda.

Oh, por favor! A cabeça de Lottie estava preste a explodir.

– Mas… eu não estou a mentir. Sou mesmo a Lottie Pumpkin.

Isto só fez com que Raphael se risse ainda mais e, desta vez, Lola e Micky juntaram-se a ele.

– Para, por favor, não consigo respirar!

Lottie gemeu. Tinha tentado esclarecer tudo e fora o mais honesta possível, mas parecia que o que quer que dissesse, eles não acreditariam. Gemeu novamente, desta vez alto, e enfiou a cabeça nos braços sobre a mesa.

– Prometemos não contar a ninguém – reiterou Lola. – O teu segredo está seguro connosco.

Lottie manteve a cabeça na mesa.

– Obrigada.

Não fora isto que planeara para o primeiro dia de escola.