À medida que o estranhamente quente mês de setembro se aproximava do fim, as raparigas acordaram numa sexta-feira de manhã com uma tempestade inesperada. Os relâmpagos iluminavam o seu quarto através das cortinas de chiffon. Ellie atirou a roupa para trás e correu para as portas de vidro, abrindo-as de par em par e correndo para a varanda para receber a chuva torrencial. O seu pijama do Star Wars rapidamente ficou encharcado e colado ao corpo, mas Ellie continuou a dançar com os braços bem abertos, agradecendo ao céu. Fixou as mãos na parede e soltou um uivo em perfeito uníssono com o rebentar de um trovão. Lottie observou, impressionada com a sua afinidade com tempestades e, por um momento, acreditou que o trovão chamava Ellie num uivo profundo através do céu da madrugada: Solta o teu cabelo.
A eletricidade no ar fez com que todo o dormitório Ivy estivesse meio aturdido durante o pequeno-almoço dessa manhã e, pela primeira vez em semanas, o burburinho não era sobre Lottie. Ellie e Lottie ocuparam os seus lugares habituais no refeitório, junto à janela com vista para o pequeno lago com a estátua de Ryley. Ter um espaço no refeitório basicamente reservado para elas era definitivamente uma das vantagens de as pessoas pensarem que ela era uma princesa.
A chuva ainda caía lá fora, fazendo um ruído alto quando batia na janela. Todo o mundo exterior era um borrão molhado através das grandes janelas de vidraças duplas.
– Este tempo é de loucos! – exclamou Ellie, enfiando um garfo num enorme pedaço de presunto assado com mel e levando tudo à boca. Lottie fez uma careta para dentro. Já estava habituada à extravagante alimentação em Rosewood, mas como orgulhosa vegetariana que era desde os cinco anos, a visão de carne deixava-a enjoada. Comer animais não parecia muito principesco. Como é que podia esperar que os pequenos bichinhos do bosque a ajudassem nas tarefas diárias se ia acabar por comê-los?
– Estou mais preocupada com apanhares uma constipação por andares debaixo de chuva – disse Lottie seriamente. Ellie respondeu-lhe como um sorriso.
– Não consigo evitar. As tempestades fazem as pessoas atuar de maneira estranha – fez um gesto para abarcar toda a sala. – Olha.
Lottie seguiu o olhar dela pela sala. Ellie tinha-se apercebido de um estranho burburinho que parecia tomar conta de todos os alunos. Havia mais risinhos, sussurros e murmúrios do que o habitual. Algo tinha causado agitação.
– Provavelmente é por causa das mudanças extremas da pressão do ar.
Ellie e Binah deram um salto e voltaram-se para se deparar com Binah ao lado da mesa, a pingar, com um sorriso excitado no rosto. Como é que ela entrou aqui?
– Bom dia, Ellie. Bom dia, Lottie.
– Binah, oh meu Deus, senta-te, deves estar gelada.
Lottie rapidamente despiu o seu casaco roxo Ivy e colocou-o sobre os ombros de Binah. Os seus grandes óculos redondos estavam quase embaciados por completo e era um mistério como é que conseguia ver alguma coisa. Porque teriam estas miúdas a mania de correr no meio de tempestades?
– Parece que a pressão do ar também te apanhou, Binah – provocou Ellie, com aquele habitual sorriso malicioso a surgir no seu rosto.
Binah resmungou em resposta, agitando a mão com se a afastar o comentário.
– Oh, por favor, é preciso mais do que uma formação de cúmulo-nimbos para afetar as minhas capacidades cognitivas… mas, por outro lado… – pousou o queixo sobre as mãos com um grande sorriso a surgir nos lábios. – Como estão a avançar com o enigma?
Ellie afastou o olhar irritada e Binah riu. Gentilmente, tocou na mão de Ellie.
– Tenta resolver com as respostas e não com as equações.
Ellie estava prestes a questionar Binah sobre isso quando ela a interrompeu, de repente, com um brilho nos olhos.
– Preciso que me façam um favor as duas.
Ellie e Lottie entreolharam-se. Normalmente, era Binah que fazia favores aos outros, não os pedia.
– Há um aluno novo no nosso ano e na vossa companhia.
Lottie olhou em redor do refeitório e percebeu que aquele devia ser o motivo por que estava toda a gente tão excitada.
– Ninguém sabe nada sobre ele e, como sabem, gosto de saber tudo para poder ajudar toda a gente.
Lottie sorriu ao ouvir isto, recordando-se de quanto Binah fora prestável no seu primeiro dia.
– Então, o que queres que façamos?
– Quero que descubram tudo o que puderem sobre ele, claro.
Ellie hesitou por um momento, franzindo o cenho.
– Fazes isto com todos os alunos? – perguntou, com a voz ligeiramente alterada.
– Apenas com os misteriosos. Porque é que perguntas?
Lottie susteve a respiração. Poderia Binah ter investigado Ellie? Para seu alívio, Ellie manteve-se tranquila.
– Apenas por curiosidade – respondeu, sorrindo.
– E qual é o nome dela? – perguntou Lottie, mudando rapidamente de assunto.
– Ela? Não é uma rapariga, é um rapaz. – Os olhos de Binah voltaram-se para o relógio na frente do refeitório. – Oh, meu Deus! É melhor ir-me embora ou vou chegar tarde à aula. – Pegou na mochila encharcada e colocou-a sobre o ombro, com os seus caracóis a pingarem pelo chão enquanto se voltava.
– Até logo.
Delicadamente, saiu antes de terem hipótese de responder, indiferente à confusão que deixara atrás de si. Lottie expirou lentamente.
– Um rapaz novo…
É por isso que está toda a gente tão excitada? Questionou-se se haveria algo de especial em relação ao rapaz para que todos estivessem tão agitados e, antes de perceber, a sua mente começou a colocar um milhão de perguntas. Porque é que ele chegava duas semanas depois do início do período? Como é que ele era? Tinha trazido a tempestade consigo? Perguntou-se se era alguma espécie de Príncipe Encantado. A última vez que toda a gente tinha estado tão excitada fora quando tinham assumido que ela era uma princesa.
– Lottie?
Lottie foi despertada do seu sonho acordado para ver Ellie de pé muito nervosa.
– Estou a chamar-te há séculos. O que se passa contigo?
Lottie não conseguiu deixar de se sentir envergonhada. Não tinha a certeza se por ter ignorado Ellie sem intenção ou pelo pensamento absurdo de que ela talvez pudesse adivinhar o que tinha estado a fantasiar.
– Desculpa, estava apenas…
A ser um clichê, pensou para si. Ellie nem sequer esperou que ela terminasse, pegando furiosamente nas suas coisas e voltando-se para sair.
– Vamos. Não quero estar aqui mais tempo. Estão todos a comportar-se como idiotas por causa de um estúpido rapaz novo – Agarrou noutro bolo e enfiou-o na boca. – Que há de tão especial num rapaz, afinal? – Ellie estava muito maldisposta e a tensão na sua voz fez Lottie sentir-se um pouco nervosa.
– Certamente… – Lottie sentiu a voz fugir-lhe. Não fazia ideia de porque é que esta informação estava a perturbar tanto Ellie e não sabia o que dizer para a fazer sentir-se melhor. Seguiu-a quando Ellie saiu disparada do refeitório.
– Tenho a certeza de que este rapaz novo é apenas um miúdo chato que não terá rigorosamente impacto nenhum nas nossas vidas – disse Lottie com convicção.
Não ficou surpreendida quando Ellie ignorou as suas palavras de encorajamento. O que quer que fosse que a incomodava estava claramente fora do controlo de Lottie.