No mundo, existem locais onde parece mais provável acontecerem coisas mágicas e maravilhosas do que em quaisquer outros. Conseguimos reconhecê-los, porque eles estão envoltos numa atmosfera que parece fora de tempo e de sítio em relação à realidade. Às vezes são naturais, como cascatas em sítios recônditos ou prados secretos repletos de flores selvagens. Outras são artificiais, como parques infantis desertos ao pôr do Sol ou lojas de antiguidades repletas de histórias. Mas, de vez em quando, ainda que raramente, estes lugares existem num certo tipo de pessoas. Poderás já ter encontrado alguém assim. À primeira vista, podem não parecer especialmente carismáticas ou particularmente intelectuais, mas, quanto mais tempo passamos com elas, mais parecem ter o poder de conseguir mudar qualquer coisa…
A princesa Eleanor Prudence Wolfson, herdeira única do rei Alexander Wolfson e a seguinte na sucessão ao trono de Maradova não vivia em nenhum desses lugares nem era uma dessas pessoas, mas precisava desesperadamente de ambos.
– Vou para esta escola! – Eleanor atirou uma brochura para cima da mesa, fazendo estremer as chávenas de chá sobre os pires. Alexander Wolfson nem levantou os olhos do jornal para lhe responder.
– Não – disse perentoriamente.
– Sou a próxima a subir ao trono de Maradova. Acho que sou capaz de tomar, pelo menos, a insignificante decisão da escola que vou frequentar.
Alexander olhou para a mulher, a rainha Matilde, que estava sentada do outro lado da mesa, mesmo à sua frente. A rainha encolheu os ombros.
– Ela tem uma certa razão, Alex – disse em tom amistoso, deitando com delicadeza um cubo de açúcar na sua chávena de chá e mexendo lentamente, enquanto esboçava um sorriso. Não era o tipo de solidariedade parental que o rei Alexandre esperava.
– Vês? – disse Eleanor. – Até a mãe concorda comigo.
Alexander continuou de olhos fixos no jornal, mantendo uma postura firme e deu um gole no chá.
– Edwina – acenou para a criada –, pode, por favor, levar os pratos vazios para a cozinha?
– Com certeza, Majestade. – Eficientemente, com a sua experiência e cuidado, Edwina empilhou os tabuleiros cheios de migalhas e saiu da sala de jantar sem praticamente fazer barulho sobre o chão de carvalho. A grande porta dupla fechou-se atrás dela com um estalido.
Quando Alexander teve a certeza de que Edwina estava a uma distância razoável, ao fundo do corredor, suficientemente longe para não ouvir uma discussão familiar, olhou novamente para o jornal e disse:
– A minha resposta é não.
Eleanor fez um gemido exasperado e bateu com o pé.
– Podias, pelo menos, olhar para a brochura! – Arrancou o jornal dos dedos do pai forçando-o a olhar para ela.
Eleanor sempre fora uma criança desafiadora. Era tudo menos uma típica princesa: embrenhava-se em acesas discussões políticas e preferia fugir para concertos barulhentos do que ter uma qualquer conversa amena e educada. Acima de tudo, desprezava as elaboradas funções formais – ou pelo menos assim o assumira, tendo recusado estar presente em todas. Mas era inteligente, confiante e apaixonada e, para Alexander, isso era muito mais importante do que qualquer um dos valores tradicionais que se esperavam dela. Apesar de, por vezes, desejar que ela tivesse mais cuidado com a linguagem quando estava junto dos avós.
Por muito que quisesse que Eleanor fosse feliz e levasse uma vida livre dos compromissos da realeza, a verdade é que ela, um dia, seria rainha e teria de aceitar essa responsabilidade. Alexander estava determinado a encontrar uma forma de fazer a filha perceber que podia gostar das suas obrigações reais; algo que ele próprio tivera de aprender quando era novo.
– Vais para Aston Court, como todos os governantes de Maradova nos últimos cem anos e vais gostar quer queiras quer não.
Matilde deu um pequeno sorriso do outro lado da mesa enquanto bebia o seu chá.
– Não – Eleanor replicou o tom grave do pai. – Vou para Rosewood Hall, em Inglaterra.
A voz de Eleanor nem tremeu. Estava determinada. Espernearia e gritaria se fosse preciso, mas não atravessaria os portões de Aston Court.
Alexander suspirou.
Para Eleanor, frequentar Aston Court não se tratava apenas de «não fazer o que queria», como é o caso de muitos adolescentes. Seria o fim da sua liberdade como realeza não assumida. Teria de se apresentar oficialmente em público como herdeira do trono maraviano; deixaria de poder escapulir-se ou de recusar-se a participar em eventos reais; teria de deixar de pintar o cabelo e passar a vestir-se mais adequadamente. As suas responsabilidades começariam e nunca mais teria hipótese de levar uma vida normal.
Alexander pegou no jornal e dobrou-o cuidadosamente. Preparou-se para a gritaria que se seguiria, algo habitual desde que Eleanor entrara na adolescência.
– Por favor, pai.
Alexander foi apanhado completamente desprevenido, já que raramente a filha implorava; era demasiado teimosa. Olhou para cima, na esperança de ver a sua usual pose indomável mas, em vez disso, deparou-se com um olhar de verdadeiro desespero. Por uns segundos, esqueceu-se da razão por que estava tão determinado em recusar, mas rapidamente se lembrou de que Aston Court era a única escola que poderia garantir a segurança de Eleanor assim que ela fosse apresentada ao público como princesa. Lá estaria sobre vigilância especializada; estaria segura e seria perfeitamente preparada para o seu futuro. Seria Aston Court ou nada. Ainda assim, apesar de toda a sua certeza, viu-se a estender cuidadosamente a mão para que Eleanor lhe entregasse a brochura de Rosewood.
Eleanor envolveu a mão do pai nas suas e apertou-a levemente.
– Só tens de a ler, é só o que te peço.
No outro lado da mesa, a rainha Matilde deu outro leve gole no chá antes de pousar delicadamente a chávena no pires.
– Sabes, pode ser só o chá a falar, mas eu sempre gostei de Inglaterra. Tu não, Alexander? – perguntou ao marido, olhando-o nos olhos, com uma expressão despreocupada.
O rei maraviano manteve o olhar no dela durante o que lhe pareceram os segundos mais longos da sua vida. Matilde tinha esse efeito nele. Deu um longo suspiro antes de finalmente acabar por ceder.
– Está bem, vou ler a brochura, mas só isso.
Eleanor soltou um guinchinho de satisfação e alívio.
– Boa! Obrigada, obrigada, obrigada! Sei que vais gostar, pai, prometo. – Enfiou um croissant na boca e fugiu antes de ele ter tempo de se aperceber do que acabara de acontecer.
A porta bateu atrás de Eleanor, deixando Alexander e Matilde com o som do seu eco. Alexander olhou novamente para a mulher, enquanto o som se desvanecia. Matilde sorriu-lhe docemente.
– Ela não pode ir – disse ele. – É demasiado perigoso deixar a única herdeira do trono maraviano à solta num qualquer colégio interno inglês, quando devia estar a aprender tudo o que precisa para um dia governar.
Matilde ficou novamente séria, arrumando cuidadosamente os talheres à sua frente de modo a que todos os garfos, facas e colheres ficassem perfeitamente alinhados. Quando olhou para cima, Alexander estava completamente ciente do fogo que brilhava nos seus olhos.
– Sabes tão bem quanto eu que Rosewood não é uma escola normal e, em segundo lugar – fez uma pausa, forçando-o a olhá-la diretamente nos olhos –, tal como já disseste, ela ainda não foi formalmente apresentada. Ninguém sabe que ela é a princesa. Esta pode ser a melhor forma de ela viver os seus últimos anos como adolescente despreocupada antes de assumir os seus deveres reais. E eu sei bem que tu gostavas de ter tido essa hipótese.
Alexander foi momentaneamente surpreendido. A sua mulher estava mesmo a sugerir o que ele pensava?
– Queres que ela vá para esta escola incógnita? – perguntou.
Matilde voltou a sorrir de imediato, deixando cair a intensidade do momento de forma tão simples como pôr e tirar um chapéu.
– Por enquanto, a única coisa que tens de fazer é ler a brochura. – Matilde levou a chávena à boca, pousou-a e acrescentou: – Além disso, se as coisas se complicarem podemos sempre enviar o Jamie.
Alexander olhou para a mulher com surpresa e adoração e sorriu para si. Algo lhe dizia que ler a brochura de Rosewood não seria o fim do assunto.