Segundo uma velha piada judaica, Deus cria o mundo, senta para apreciar sua obra e diz: “Vamos ver se funciona.” No mito de criação adotado pela ciência, nada cria o mundo nem se sabe se ele vai funcionar. O Universo não tinha uma mente até a chegada do cérebro humano, que olhou para sua própria evolução no passado e declarou: “Nada pode ser consciente, só eu. Não há consciência fora nem antes de mim.”
O curioso é que, ao propor um Universo onde não havia consciência durante 13 milhões de anos, a física corta seus próprios alicerces. O mais avançado aspecto da física, a teoria quântica, diz que o mundo do subatômico nos fornece a melhor descrição da natureza – o campo quântico, que mantém unida a realidade. Contudo, os físicos situam esse campo fora de nós: em outras palavras, a consciência humana conhece a si própria, mas não se permite que o campo faça o mesmo. Essa exclusão força a ciência a elaborar algumas alegações tortuosas. Por exemplo, Stephen Hawking declarou publicamente seu apoio à existência de trilhões e mais trilhões de outros Universos (o número exato é um seguido por quinhentos zeros). Nenhum desses Universos alternativos foi visto ou comprovado. Eles atendem à necessidade de haver muitos estepes para jogar fora; pois, se você afirmar, como faz Hawking, que a consciência é o resultado de processos físicos aleatórios, é preciso um bocado de desacertos até que um Universo de sorte – o nosso – receba o grande prêmio.
Contra essa concepção fantástica de trilhões de Universos jogados fora, eu gostaria de citar o Bhagavad Gita, no momento em que o Deus Krishna descreve sua natureza divina: “Eu sou o campo e o conhecedor do campo.” Em breves palavras, ele destaca o lado espiritual do debate. Existe um campo que compreende toda a criação, tanto visível quanto invisível, e está imbuído de uma mente que se conhece. (Embora a física defina “campo” num sentido mais técnico e restrito, o significado antigo refere-se apenas à base da existência.) Quando analisaram a própria consciência, os grandes sábios da antiga Índia descobriram o “Aham Brahmasmi”, que significa “tudo que existe está dentro de mim”, ou, em termos mais simples: “Eu sou o Universo.”
O Aham Brahmasmi afirma uma coisa básica: há consciência em toda parte da natureza. Se você rejeitar essa ideia, a alternativa é quase absurda, porque transforma a consciência num acidente, no resultado aleatório de um DNA borbulhando numa sopa química, nos oceanos da Terra, 2 bilhões de anos atrás. Depois de passar por uma cadeia de eventos igualmente improváveis, a inteligência humana evoluiu até olhar para o cosmo e dizer: “Eu sou a única que pode pensar por aqui. Que sorte, não?” (Uma física que se interessou por um Universo consciente me contou que foi interrogada por físicos seniores durante uma conferência, sendo que um deles gritou: “Volte atrás e comece a fazer boa física outra vez.” Ela percebeu que os colegas mais jovens pareciam interessados, mas se mantiveram em silêncio.)
Como já vimos, o elo mais fraco no atual argumento da ciência é a aleatoriedade. Vamos substituir o Universo visível por uma fábrica de automóveis. A linha de montagem da fábrica produz máquinas muito bem-feitas, intrincadas e eficientes, os projetos mostram imaginação e criatividade. Mas se você for até o local de trabalho e observar de perto, vai encontrar uma nuvem de átomos de ferro, silício e polímeros plásticos girando loucamente enquanto são sugados para a fábrica. Será que se pode mesmo acreditar que essa nuvem de matéria e energia, mais um indeterminado período de tempo, foi por si só suficiente para produzir um automóvel? Essa é a atual tese da ciência sobre como o big bang se desenvolveu até o cérebro humano. O mais incrível é que, quando indagada se o big bang tinha, incorporado nele, o potencial de criatividade e inteligência, a reação convencional da ciência é um tonitruante não. A resposta é que o caos pode produzir essas coisas, dados o devido tempo e trilhões de interações aleatórias.
Importunados com essa criação às cegas, alguns cientistas tentam despertar um pouco – às vezes até bastante – o cosmo. Sir James Jeans, eminente físico britânico da primeira metade do século XX, ponderou: “O Universo parece cada vez mais um grande pensamento, e não uma grande máquina.” Nos nossos dias, sir Roger Penrose, outro renomado físico inglês (e opositor contumaz de Stephen Hawking), propõe que as sementes da consciência estão entranhadas no Universo, no nível mais sutil da natureza, no ponto de esvaecimento da matéria e da energia (tecnicamente conhecida como escala de Planck da geometria do espaço-tempo).
Penrose fala da verdade matemática, por exemplo, como um valor platônico, inspirado no filósofo grego Platão, que propunha que todas as características humanas nasciam de uma característica universal – por exemplo, o amor é um valor platônico por ser inerente à criação, e não algo inventado pelos seres humanos para definir suas emoções. Sentimos amor porque somos parte da criação. Penrose ressalta o fato de que toda a ciência se baseia na matemática, mas vê esta última como algo mais que números a serem calculados. Para alguém que realmente a entenda, a matemática expressa valores que refletem o cosmo, incluindo regularidade, equilíbrio, harmonia, lógica e beleza abstrata. Não é possível desnudar os números e deixar esses valores para trás.
Todos os físicos concordam quanto à importância da matemática, por isso, é difícil ver como a ciência pode seguir rejeitando as qualidades que acompanham o raciocínio matemático. Em outras palavras, se você está em busca da verdade, será que ela não faz parte da estrutura de sua mente? Não fosse assim, como você saberia o que procurar? Quando atribuímos harmonia e lógica à fábrica do cosmo, fica muito mais difícil excluir a consciência. A espiritualidade dá o passo lógico seguinte: tudo que vivenciamos acontece na consciência; portanto, não existe uma realidade “lá fora”, divorciada da consciência. Penrose não vai tão longe, pois já declarou publicamente que abomina a ideia de um Universo subjetivo. Mas a beleza de invocar uma consciência cósmica é que com isso podemos acabar com a guerra entre subjetivo e objetivo. No estado de pré-criação do Universo já existia o potencial para ambos, como sementes no útero.
Outros pensadores respiraram fundo e assimilaram a coisa toda. Em vez de isolar a mente humana do campo da criação – como uma criança faminta com o nariz encostado na vitrine da padaria –, alguns cientistas optaram por romper a barreira entre o Universo e nós mesmos. O falecido John Wheeler, de Princeton, afirmava que o Universo visível só poderia existir se houvesse alguém para observá-lo; sem esse observador, não haveria Universo. Sem a participação de um observador, o Universo ainda estaria em estado puramente potencial. Quando olhamos para as estrelas, é esse ato que faz com que elas apareçam?
Brados de “solipsismo” podem encher o ar, mas não levam a crer, necessariamente, que o Universo esperou os seres humanos para começar a existir. O observador pode ser Deus. (Agora brados de “fé” e “superstição” enchem o ar.) Mas tampouco precisamos de Deus. Só precisamos de um Universo que contenha a consciência como aspecto inseparável de si mesmo. Com isso estabelecido, quaisquer e todos os observadores – divinos, humanos ou de outro tipo – são expressões de autoconsciência. Todos partilham do mesmo status, todos participam da criação. A grande ocasião para a espiritualidade resgatar a ciência da ideia de uma criação cega é permitir que os seres conscientes (nós) participem de um Universo consciente.
O que significa realmente “participar”? Quando um físico como Wheeler argumenta que no início havia somente probabilidades, ele está falando de um conceito muito conhecido na física, o colapso da função de onda. Uma partícula elementar, como um fóton, não existe no tempo e no espaço como uma bolinha brilhante pendurada na árvore de Natal do cosmo. Os fótons transportam a luz em minúsculos pacotes, mas também se comportam como ondas. Estas se estendem em todas as direções, formando o campo eletromagnético que abarca o Universo. Há probabilidade de se encontrar um fóton em qualquer lugar desse campo, porém, assim que um deles é detectado em algum lugar, você não precisa mais da probabilidade. O próprio ato da observação transformou a onda em partícula.
Para mim, o fato de uma partícula poder existir em estado invisível tem enormes implicações (algumas inaceitáveis para os físicos, que lidam com o dia a dia), porém, a mais importante para a espiritualidade é a seguinte: antes do big bang, o estado do Universo tinha todas as possibilidades. Tudo o que existe – ou poderia existir – deriva daquele estado original. Isso não parece ter efeitos práticos na vida diária, mas tem. Considere o uso da linguagem. Antes de escolher qualquer palavra para dizer “elefante”, por exemplo, ela é apenas uma possibilidade. Você pode ou não escolhê-la. Talvez preferisse “paquiderme”, que está ali como outra possibilidade. Mas quando você escolhe uma palavra, ocorreu um evento no Universo físico, e as possibilidades do que poderia ter sido escolhido naquele momento (mas não foi) continuam em estado de puro potencial.
A coisa mais estranha, do ponto de vista lógico, é que não importa quantas possibilidades se tornam realidade, pois seu número continua infinito. O Universo visível é só um pedacinho do que poderia existir. Todas as possibilidades que não se concretizaram ainda estão ali, tão reais quanto as que ocorreram. A consciência funciona da mesma forma. Quando você escolhe a palavra “elefante”, seu vocabulário continua a conter milhares de palavras que você não empregou. As que não foram usadas não são destruídas ou esquecidas, continuam como possibilidades. Aí estamos, você e eu, participando da gênese neste e em todos os momentos. O Deus Krishna diz sobre esse processo: “Curvando-me sobre mim mesmo, eu crio muitas e muitas vezes.”
Se o campo contém tudo que poderia existir, não podemos excluir dele a consciência ou os valores humanos. É aí que a espiritualidade pode enriquecer a física. Os físicos descartam sumariamente a necessidade demasiado humana de um cosmo que seja um lar significativo, um lugar de alimento para amor, verdade, compaixão, esperança, moralidade, beleza e todos os outros valores atribuídos a Deus. Como essas características não têm qualquer valor matemático, a ciência se sente à vontade para descartá-las. Mas, na verdade, nós colhemos esses valores das infinitas possibilidades do Universo, como colhemos palavras do nosso vocabulário.
Roger Penrose – e quase todos os demais estudiosos seniores no campo da ciência – abomina a ideia de um Universo subjetivo, e ela não é imposta a ele. Espiritualidade não quer dizer substituir o objetivo pelo subjetivo. Alguns paranoicos esquizofrênicos estão convencidos de que o mundo vai acabar se eles dormirem, e por isso tentam ficar acordados 24 horas por dia, para o bem da humanidade. Todavia, Buda e os sábios védicos não dizem que isso era necessário. Eles afirmam que há um estado primal abrangendo tanto a subjetividade quanto a objetividade, uma premissa totalmente coerente com a realidade quântica. Quando uma função de onda entra em colapso, há uma divisão entre sujeito e objeto: agora “eu” estou olhando para uma “coisa”. Mas, antes dessa divisão, a realidade é uma entidade infinita. E deve ser assim, para que todas as possibilidades estejam nela contidas.
Há muito mais a dizer sobre a forma como se ligam a mente humana e a mente cósmica. Quando se admite que o Universo pode ser consciente de si mesmo, fica sem sentido especular sobre o mistério de por que nós, seres humanos, somos inteligentes, criativos e conscientes. O Universo está no ar que respiramos; está na vizinhança do lugar onde crescemos. Na verdade, o mundo de infinitas possibilidades sempre foi a coisa mais próxima de nós. Como o poeta místico persa Rumi expressou: “Olhe esses mundos surgirem do nada. Isso faz parte do seu poder.”
O que for que o Universo contenha, inclusive nós, isso deve existir primeiro em potencial. A origem põe etiquetas na criação porque, na verdade, está rotulando a si mesma. Esse é o papel da consciência. E, ao não reconhecer isso, a ciência cega a si mesma. Do ponto de vista espiritual, as ondas de probabilidade da física quântica habitam a mesma dimensão da mente de Deus – que os grandes cientistas, ao longo da história, sempre tiveram a esperança de compreender.
Friedrich Nietzsche escreveu: “Antigamente, buscava-se a sensação de grandeza do homem traçando sua origem divina: este se tornou um caminho proibido, pois em seu portal está o macaco, ao lado de outras feras horríveis, sorrindo, com ar superior, como se dissesse: não há mais nada nesta direção!” Isso foi em 1881, dez anos depois de Darwin ter escrito A descendência do homem, no qual propunha que mesmo os aspectos mais nobres dos homens eram resultado dos processos aleatórios e de seleção natural que produziam o grasnado do pato ou os movimentos da serpente. A teoria da evolução de Darwin vem incomodando as pessoas desde que foi publicada em A origem das espécies. Num encontro anterior, diz a lenda, Samuel Wilberforce, bispo de Oxford, perguntou a T.H. Huxley, firme partidário de Darwin, se ele “achava que sua suposta descendência de um macaco vinha de parte do avô ou da avó?” Dizem que Huxley respondeu, em resumo, que não se aviltava por descender de um macaco, mas se sentiria envergonhado de se relacionar com um homem que argumentasse como Wilberforce. Hoje, ironicamente, o físico Stephen Hawking, homem que muito fez para banir a necessidade de uma origem divina em nosso entendimento da criação, tem sua sala, na Universidade de Cambridge, justamente na Wilberforce Road. Esse espírito de abertura não é universal. Até hoje inúmeros estudiosos, religiosos ou não, sentem necessidade de atribuir a grandeza da humanidade à nossa relação especial com o divino.
Deepak chama a explicação científica sobre como chegamos até aqui de “mito de criação da ciência”. Ao empregar tal terminologia, ele nivela a cuidadosa observação e o trabalho teórico da ciência com lendas e especulações de antigas civilizações, algumas das quais formam a base de suas próprias convicções. Mas essa abordagem do tipo “vale tudo” não é um caminho produtivo para a verdade. Deepak considera detestável um Universo em que a consciência não existia antes da chegada dos seres humanos. Prefere a pintura cor-de-rosa de uma consciência universal já presente desde a criação. No entanto, quando não endossamos essa abordagem do tipo “vale tudo”, a questão não é se um Universo consciente é preferível, mas se um Universo consciente é possível. Excessos de otimismo (whishful thinkings) não deveriam moldar nosso ponto de vista.
O que significaria um Universo consciente? Os cientistas têm dificuldade de atribuir uma definição precisa à “consciência”, ainda que tenhamos uma vaga ideia do significado do termo. Uma das características sempre incluídas na consciência é a autoconsciência. Em comparação, os processos cerebrais, que são automáticos, estão além do nosso controle voluntário e dos quais não temos consciência, são considerados inconscientes. Experimentos com espelhos parecem indicar que chimpanzés, orangotangos e até a pega são conscientes de si mesmos, pois reconhecem a própria imagem no espelho. Supõe-se que os nematódeos e as moscas-das-frutas não façam o mesmo, portanto, a autoconsciência estabelece uma linha entre as espécies. Ainda assim, a autoconsciência por si só é um referencial tosco de classificação, e a maioria de nós gostaria de pensar que os que estão dando as bananas têm um nível pelo menos um pouco maior de consciência do que os que as recebem, por conseguinte, talvez haja níveis de consciência.
A consciência também varia de acordo com o estado da mente. Por exemplo, todos nós temos períodos de não consciência, que ocorrem no que se chama de sono de ondas lentas, ou sono profundo. Se você pedir a uma pessoa acordada para descrever o que estava pensando ou vivenciando um pouco antes, ela vai responder. Isso também é verdade se você acordar alguém durante o sono de movimento rápido dos olhos (ou sono REM), ou enquanto está sonhando, ainda que o sonho logo desapareça da memória. Mas se você acordar alguém durante o sono profundo, ele não terá nada a dizer. A mente será uma folha em branco. Na verdade, os registros da função neural durante o sono profundo mostram apenas atividades associadas aos processos cerebrais inconscientes, automáticos.
Outra complicação de se definir consciência é que nossa mente consciente e a inconsciente são sistemas pareados. Há inúmeras pesquisas recentes sobre o efeito do inconsciente no que vemos como comportamento social consciente e na tomada de decisões. O exemplo mais vívido de atitudes conscientes baseadas em informações que a mente inconsciente desconhece vem de um fenômeno chamado “visão às cegas” (blindsight). Ela é um sintoma resultante de danos numa parte do cérebro chamada córtex visual primário. Pessoas atingidas por essa disfunção não conseguem enxergar conscientemente nada que esteja em parte ou na totalidade de seu campo visual, situação que pode ser confirmada por exames de imagens do cérebro. Mas já sabemos que, nesses casos, as imagens captadas pelo olho são transmitidas para o cérebro, onde influenciam o comportamento consciente, sem chegar no nível da experiência consciente. Por isso, pessoas com visão às cegas podem estender a mão e tocar as coisas, catar objetos que lhes forem lançados, distinguir rostos sorridentes ou zangados e até, em um dos casos, transpor uma pista de obstáculos sem consciência de estar vendo nada.
Nós inferimos a consciência de outros seres humanos ou de animais interagindo com eles. Mas não podemos pôr o Universo diante de um espelho para saber se é vaidoso. Se ele é consciente, como vamos saber? Seria o mesmo que uma célula das paredes estomacais saber que causa dor no indivíduo do qual faz parte quando está inflamada. É tentador acreditar que a consciência (de preferência, uma consciência amorosa e compassiva) desempenha algum papel no Universo físico. Na verdade, durante séculos os filósofos da natureza acreditaram que as leis da física eram análogas às leis humanas, e que os objetos do Universo obedeciam conscientemente essas leis para evitar o castigo dos deuses. Ainda no século XVII, o grande astrônomo e físico Johannes Kepler acreditava que as leis do movimento dos planetas eram assimiladas por suas “mentes”. Mas essa ideia não resultou em consequências observáveis, por isso foi abandonada pela ciência. A noção de uma consciência universal é igualmente estéril. Por isso é melhor também abandoná-la.
Deepak diz que a ciência mostra uma teimosa resistência a outras formas de considerar o cosmo, mas essas “outras maneiras” a que a ciência resiste são afirmações sem evidências de apoio. Deepak lamenta que “deixamos a cosmologia para os especialistas, da mesma forma que deixamos os genes para os geneticistas”. Mas ele concordaria que algumas tarefas precisam do trabalho especializado, e outras, não. Por exemplo, acho que nós dois pensamos que qualquer um pode fazer um sanduíche de pasta de amendoim e geleia, mas, se um de nós fosse passar por uma cirurgia de coração, os dois iríamos querer o melhor cirurgião cardíaco do ramo. Aquilo em que eu pareço discordar de Deepak é que eu vejo a cosmologia mais como cirurgia, e ele a julga mais parecida com fazer um sanduíche.
Deepak também alerta que não se pode dizer “Entrada proibida; você não sabe a matemática necessária.” Concordo que as pessoas devem debater livremente as questões intelectuais que lhes interessam, mas não devemos confundir debate e aprendizado com a criação de uma teoria significativa sobre essas questões. Qualquer um pode especular se o Sol vai continuar brilhando desse jeito para sempre, mas só com a matemática as especulações podem ganhar substância de modo a fornecer detalhes como o de que em 7 bilhões de anos o Sol vai estar 250 vezes maior e engolirá os planetas internos.
Eu reconheço a importância da matemática para a ciência. Ela permite aos cientistas calcular os números e determinar as consequências lógicas de suas afirmações científicas. Também nos ajuda a elaborar definições precisas, sem ambiguidades. É fácil se convencer de ideias dúbias se os argumentos empregados para apoiá-las forem construídos em torno de palavras com significados incorretos, vagos ou múltiplos. Aliás, um dos teoremas da matemática diz que, se você aceitar uma falsa afirmação como verdadeira, pode usá-la para demostrar que outra falsa afirmação também é verdadeira. Por isso, a precisão da linguagem é importante, e as ferramentas da matemática são de grande auxílio para garantir que os conceitos sejam definidos com exatidão.
Concordo quando Deepak diz que a matemática é mais que números a ser calculados. Concordo que a matemática tem a ver com regularidade, equilíbrio, harmonia, lógica e beleza abstrata (embora lide também com aleatoriedade e desordem). Os cientistas não rejeitam os valores de Deepak. Não banimos do nosso pensamento amor, verdade, compaixão, esperança, moralidade e beleza, mas os banimos de nossas teorias. Será que Deepak preferiria que nossas equações dissessem que o Sol se sente tonto quando um belo cometa passa por perto? Será que os físicos deveriam encher a matemática de teoremas sobre o estado emocional de uma nebulosa? Será que podemos apelar para a criatividade do Universo para comprovar o big bang? A subjetividade é uma parte importante da experiência humana, mas não significa que devemos incorporar o amor em nossa teoria sobre a órbita de Mercúrio, nem uma consciência universal em nossa teoria do Universo físico.
O deus Krishna pode ter dito: “Eu sou o campo e o conhecedor do campo”, mas ainda bem que ele não inventou o rádio. Há muito espaço na experiência humana para os ensinamentos do Deus Krishna, mas isso não significa que se ganhe alguma coisa incorporando-os à ciência. A física propõe um Universo em que a consciência tem um lugar entre os seres humanos – entre outros animais da Terra e possivelmente de outros planetas –, mas parece que aí a natureza traça uma linha demarcatória. Stephen Hawking pode teorizar trilhões de trilhões de outros Universos, mas nem por isso vai achar que eles existem Até que nossas observações do cosmo indiquem outro caminho, poucos cientistas estão propensos a considerar o Universo uma entidade consciente.