4. O Universo evolui?

 

DEEPAK

A evolução é o porrete que a ciência criou para vergastar a religião. Sempre que ideias religiosas ameaçam ganhar vida nova, a ciência corre para golpeá-la mais uma vez. Essas ideias incluem, em primeiro lugar e principalmente, a perfeição de Deus. De acordo com a religião, a divindade não precisa ficar mais inteligente, pois Deus é onisciente. Ela não precisa se expandir para novos lugares, pois Deus é onipresente; nem aumentar seu poder, pois Deus é onipotente. Tendo declarado que o criador é perfeito, a religião não poderia chamar de imperfeita a sua criação: portanto, o Universo tampouco precisa evoluir. Mas é inegável a ascensão da vida inteligente a partir de formas de vida primitivas. A física provou que o Universo está em expansão, que a energia se aglomera em grandes massas conhecidas como estrelas e galáxias, mais organizadas que a poeira interestelar. A derrota do perfeccionismo parece totalmente justificada. Vivemos num Universo em evolução.

Por isso, a espiritualidade não pode voltar ao jogo nos mesmos termos que a religião. Ela precisa acrescentar algo novo ao conceito de Universo em evolução. E acho que pode fazer isso. Se a consciência subjaz a tudo na natureza, ela é a força que orienta a evolução. Se não, a evolução se torna, como tudo mais, resultado de uma cega atividade aleatória. A física escolheu a segunda suposição, que tem levado a algumas falsas conclusões.

Primeiro, a ciência se concentra na expansão física como premissa básica da evolução. No instante do big bang, o Universo conhecido era bilhões de vezes menor que o ponto no fim desta frase. Agora está espalhado por bilhões de anos-luz. Mas esse expandir-se é uma evolução tanto quanto a explosão de uma casa por dinamite. Com certeza a casa vai se expandir, se for explodida, espalhando fragmentos em todas as direções, mais ou menos como fez o big bang com o Universo, quando uma inimaginável rajada de energia disseminou partículas elementares em todas as direções. Porém, por trás da máscara da matéria, algo mais misterioso estava acontecendo.

Para chegar a esse mistério, vamos seguir o caminho que um átomo de hidrogênio poderia percorrer nesses 13 bilhões de anos desde a criação. Primeiro ele flutua pelo espaço de forma desorganizada e aleatória, pairando como uma pluma infinitesimal no vento cósmico. Alguns átomos continuam a fazer isso até formar nuvens de poeira interestelar. Mas esse átomo cai num campo gravitacional mais forte e se torna uma das unidades estruturais de uma estrela, que absorve átomos primitivos como o hidrogênio e o hélio, transformando-os em elementos mais pesados e complexos. Por uma série de reações nucleares, nosso átomo de hidrogênio específico se torna parte do elemento conhecido como ferro, o metal mais pesado a se formar no interior das estrelas.

O ciclo de vida dessa estrela chega ao fim no dramático espasmo mortal conhecido como supernova, uma enorme explosão que espalha átomos de ferro pelas regiões próximas do cosmo. Nosso átomo original de hidrogênio não existe mais enquanto tal, mas seus componentes são atraídos em direção a outra estrela centenas de vezes menor: o Sol.

A essa altura da história do Universo, o Sol já projetou muita matéria durante as dores do parto, formando anéis de poeira na sua órbita. Essa poeira se aglomera em planetas, e nosso átomo de ferro, atraído pela gravidade, integra-se ao planeta Terra. Calcula-se que o núcleo da Terra contenha até 70% de ferro fundido, mas nosso átomo chega depois e se estabelece na superfície, que contém cerca de 10% de ferro.

Agora já se passaram 10 bilhões de anos. Muitos átomos de ferro passaram por interações aleatórias com diversas substâncias químicas, mas o nosso continua intacto. Passa-se mais tempo, e esse átomo é absorvido por uma folha de espinafre, que é ingerida por um ser humano. Então nosso átomo de ferro torna-se parte de uma molécula milhares de vezes mais complexa que ele, com condição de absorver e expelir oxigênio à vontade: a hemoglobina. A capacidade de a hemoglobina fazer esse truque torna-se crucial, porque outra molécula, milhões de vezes mais complexa ainda, conseguiu criar a vida. Isso é conhecido como DNA, que reúne ao seu redor os componentes básicos da vida conhecidos como substâncias químicas orgânicas, entre as quais a hemoglobina é uma das mais necessárias, pois sem ela os animais não podem converter oxigênio em célula.

Na nossa história, um átomo primal de hidrogênio passou por uma incrível transformação até chegar a ponto de contribuir com a vida na Terra, e cada passo do caminho envolve uma evolução. Como todo o ferro da Terra já foi parte de uma supernova (mais algum ferro foi depositado no planeta quando os meteoritos colidiram com a Terra, em seus primórdios), a jornada desde o big bang pode ser observada e medida. Mas o nosso ferro ainda deve sofrer outra transformação. Agora ele entrou na corrente sanguínea de um ser humano – você ou eu, talvez – para se tornar parte de uma criatura pensante e sensível, capaz de olhar para o passado, para sua própria evolução. Aliás, foi essa criatura sensitiva que criou a ideia de evolução para explicar a si mesma. De alguma forma, um átomo primal se tornou pensante.

Dei-me ao trabalho de seguir um só átomo por 13,7 bilhões de anos porque os passos que ele deu para chegar ao meu corpo ou ao seu, permitindo-me escrever esta sentença, e a você, lê-la, abrange as características invisíveis de que trata a espiritualidade: criatividade, saltos quânticos de transformação, emergência de propriedades inesperadas e, acima de tudo, uma enorme demonstração de inteligência. Como criaturas evoluídas, atribuímos todas essas qualidades a nós mesmos. Mas de onde elas vieram? A física afirma que tiveram origem em processos físicos aleatórios, mas a resposta não faz sentido. A cada passo de sua jornada, o nosso átomo de hidrogênio resistiu à aleatoriedade. Tornou-se mais complexo; contribuiu para aumentar a energia; finalmente, deu o salto para a inteligência humana. O ferro, que permite que você e eu estejamos vivos e sejamos dotados de sentidos, não é diferente do ferro num cano de esgoto enferrujado ou na poeira estelar. Mas a evolução tinha em mente um destino diverso para o nosso átomo, e a espiritualidade afirma que seu destino foi orientado pela consciência.

A evolução direcionada pela consciência não implica evocar um Deus criador. Ao contrário, introduz uma propriedade inerente ao cosmo: a autoconsciência. A beleza dessa propriedade é que ela pode incluir o aleatório; não há necessidade de uma escolha do tipo e/ou. Se tomarmos uma molécula altamente organizada como a hemoglobina, que contém milhares de átomos perfeitamente arranjados, como milhares de gotas de orvalho numa teia de aranha, poderemos examiná-la em níveis cada vez mais detalhados. Quando se chega ao plano quântico, os átomos são considerados nuvens de probabilidade. As gotas de orvalho evaporaram e se transformaram em névoa. Por ser reducionista, a ciência afirma que elétrons aleatórios, emergindo de ondas de probabilidade, fornecem a explicação última para o Universo visível; diz que esses átomos têm base no acaso e são guiados por forças elementares, como o eletromagnetismo.

Em termos espirituais, essa é uma explicação confusa. É muito difícil chegar à vida na Terra começando do caos total – bem mais difícil que agitar uma proveta de células-tronco, sair um pouco e depois voltar para encontrar Leonardo da Vinci. Por que não explicar a criação pelo que ela realiza, e não por seus componentes? A grande pirâmide de Quéops pode ser vista como um monte de diferentes tipos de poeira, mas isso não a explica, assim como reduzir o corpo humano a partículas subatômicas não explica quem somos. Como argumenta o conhecido físico inglês David Bohm: “Em certo sentido o homem é um microcosmo do Universo; portanto, o homem é uma pista para o Universo.” A música de Bach pode ser reduzida a ondas sonoras, mas, quando se chega a essa matéria bruta, perde-se Bach. Sua genialidade foi reduzida ao mesmo nível de informação que o ruído de um trovão ou o estrondo de um terremoto.

O grande furo do reducionismo é afastar os aspectos invisíveis da criação, pensando que assim aumenta nossa compreensão sobre ela. Fazer o contrário e dizer que os dados são na verdade melhores que a bagunça da coisa sempre em mudança que chamamos de experiência é um desatino total. Como explica o grande pioneiro da física quântica, Niels Bohr:

“Tudo que chamamos de real é feito de coisas que não podem ser consideradas reais.” Para alguém que insiste em que os objetos sólidos são as únicas coisas reais no Universo, isso é um golpe fatal.

A evolução não chega a ser Deus. Ela está mais próxima da tendência de o Universo se desenvolver em estágios cada vez mais inteligentes. Resta um enorme campo aberto para experimentações, viagens colaterais, desvios e saltos repentinos. Essa realidade efervescente, incerta e fermentada tem estado conosco desde o início do tempo.

A espiritualidade vai vencer a corrida para o futuro ao resgatar a consciência do reino da evolução. O passo seguinte depende de nós. Se quiserem continuar a evoluir, os seres humanos precisam romper com o materialismo. Como espécie, podemos transcender sozinhos a biologia. Na verdade, esse processo está em andamento. Já atravessamos a linha divisória crucial. A ciência é a prova de que assumimos o controle consciente da nossa evolução, e isso é espiritualidade. A mão condutora nos soltou, deixando-nos cada vez mais livres. Quando aceitarmos isso, nossa participação no Universo terá um salto quântico: nós nos tornaremos realmente cocriadores da realidade. A evolução não é toda fruto da mente de Deus. É apenas um aspecto, aquele que vamos assumir como nosso.

 

LEONARD

Uma das maneiras rápidas de transformar ciência em ficção científica é brincar com o significado dos termos. Quando uma astrônoma diz que o céu está vivo de estrelas, ela não quer dizer que você vai poder trocar receitas com o céu. Por isso, quando afirmamos, de maneira bem capciosa, que “a evolução é o porrete que a ciência criou para vergastar a religião”, e depois perguntamos se o Universo está evoluindo, é melhor esclarecer bem o significado de “evolução”. No senso comum, evolução é “qualquer processo de formação ou mudança progressiva”. Em biologia (o campo que ostensivamente usou a evolução para vergastar a religião), ela significa “um processo que produz mudanças no acervo genético de um grupo – via mecanismos como mutação e seleção natural – transmitidas de uma geração à outra”. Há duas diferenças nessas definições. Primeiro, o significado científico de evolução se refere a uma mudança específica, uma alteração nos genes de um grupo de organismos. Segundo, ele especifica o mecanismo de mudança. A seleção natural é um processo no qual organismos mas aptos para lidar com o meio ambiente tendem a ser mais férteis, dando origem a uma nova geração que, em média, terá mais características favoráveis para sobreviver e se reproduzir que a anterior.

A seleção natural é o que torna a evolução mais que um processo aleatório. Se isso for ignorado, a teoria da evolução pode parecer absurda e fantasiosa. Como, por exemplo, quando Deepak escreve que “criação sem consciência é como a fábula do quarto cheio de macacos teclando aleatoriamente uma máquina de escrever até que por fim produzem as obras completas de Shakespeare, milhões de anos depois”. Ou quando fala de “um pesquisador que chegou a criar um gerador de números aleatórios (um macaco atualizado) para cuspir letras e ver se surgiam algumas palavras coerentes”. Como foram necessárias incontáveis tentativas para formar uma única frase simples, e como o DNA humano é milhares de vezes mais complexo em sua estrutura que as letras que formam as palavras de Shakespeare, Deepak conclui que a teoria da evolução não pode ser responsável pela estrutura do nosso DNA.

O experimento da datilografia aleatória é o tipo de argumento falacioso que surge quando se ignora a seleção natural. Richard Dawkins abordou esse tema no livro O relojoeiro cego. Ele descreve um programa de computador que incluía um mecanismo análogo à seleção natural. Quando começou a rodar o programa, Dawkins esperou para ver quanto tempo levaria até ele chegar à frase de Shakespeare “Acho que parece uma doninha”, digitando palavras de uma forma que imita a evolução. No modelo puramente aleatório descrito por Deepak, a probabilidade de digitar a frase inteira da maneira correta é uma em 10 mil bilhões de bilhões de bilhões de bilhões, por isso, um computador poderia gerar fileiras e mais fileiras de letras aleatórias até o Sol se apagar, e nem assim chegar à frase correta. Mas, ao incorporar a seleção natural em seu programa de digitação aleatória, Dawkins mostrou que a frase podia ser produzida em apenas 44 gerações – um ou dois minutos, num bom computador. Essa é a magnitude do erro que pode surgir quando não nos atemos rigorosamente à definição dos conceitos científicos!

Não se pode aplicar o conceito darwiniano de evolução ao Universo como um todo, porque conceitos como hereditariedade e seleção natural – segundo a qual indivíduos menos aptos para sobreviver em seu meio morrem, e os acervos genéticos dos mais aptos prevalecem – não fazem sentido nesse contexto. Não se pode dizer que uma nuvem que mudou seu formato de um elefante para o rosto de Jesus evoluiu, segundo o sentido biológico da palavra. O mesmo se aplica a uma nuvem de poeira e gás interestelares, que se achata e se condensa numa estrela e seus planetas. Pode-se dizer que esse sistema está evoluindo no sentido comum da linguagem cotidiana, e os físicos às vezes empregam a palavra nessa acepção. Mas essa progressão nada tem a ver com a teoria da evolução que “vergasta a religião”. Então, o Universo está evoluindo? O Universo está passando por uma mudança progressiva, mas não por uma evolução, no sentido da palavra que tornou Darwin famoso.

Agora que trancamos Darwin no porão por um tempo, podemos lidar com a verdadeira questão. Será que o Universo está evoluindo, no sentido coloquial, para uma maior complexidade ou inteligência? E, se for o caso, existe alguma pista de que a tendência seja resultado de uma força diretiva como a consciência? A marcha do cosmo é uma evolução rumo a algo mais elevado? Será que os cientistas deixaram de perceber a existência de uma mudança progressiva importante nesse Universo que é a nossa casa?

A resposta, mais uma vez, é não. Nos próximos capítulos, veremos que nem a evolução biológica precisa ter um ímpeto “inato” em direção à inteligência e à complexidade. Mas, no que diz respeito ao Universo físico, acontece o oposto: o Universo – e lamento muito dizer isso – está se encaminhando para um final simples e sem vida.

Por que é esse o futuro do Universo? Como já expliquei, ele está se expandindo. Essa expansão vai continuar numa velocidade cada vez maior. Como consequência, a matéria e a energia do Universo vão ficar cada vez mais frias e diluídas. As galáxias mais distantes se afastarão tanto que não poderemos mais observá-las. Chegará um tempo em que todo o Universo observável se reduzirá ao nosso grupo local de galáxias, ligado a nós pela gravidade, ainda que tenuemente. Os astrônomos que viverem nessa época poderão concluir que nossa galáxia e talvez algumas outras próximas de nós são tudo que existe ou já existiu no Universo. Talvez eles não tenham como saber da rica história que os precedeu.

Infelizmente, esses mundos isolados também vão chegar ao fim, pois as estrelas se apagam. Elas podem encerrar seu ciclo de vida de diferentes maneiras: colapsam em buracos negros ou estrelas de nêutrons; esmaecem como brasas incandescentes, tornando-se um tipo de estrela chamado de anã branca; ou explodem como supernovas. Neste último caso, novas estrelas e outros sistemas solares podem se formar a partir do gás e dos detritos interestelares, levando a um novo ciclo de vida. Mas, com o tempo, as explosões de supernovas se tornarão cada vez mais raras até acabar, e o reservatório de gás interestelar irá se diluindo até “secar”. Quando isso acontecer, o Universo consistirá apenas em corpos de estrelas mortas: anãs brancas, buracos negros (que no fim vão “evaporar”) e estrelas de nêutrons. Nada disso pode sustentar a vida, por isso o Universo estará inapelavelmente morto. Se os físicos que acreditam na instabilidade do próton estiverem certos, até esses corpos vão se romper e se dissipar, deixando um Universo que nada será além de um tênue gás de partículas flutuando num grande vazio. Essa imagem pode parecer deprimente. Mas, como disse minha mãe quando eu tinha três anos e soube que as pessoas morrem: não se preocupe, a morte do Universo ainda está muito longe: talvez uns 10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 de anos.

Se Deepak estiver certo, e o Universo estiver propositalmente se tornando cada vez mais complexo, o retrato que acabei de pintar é incorreto, e alguns dos princípios mais fundamentais e bem comprovados da física também estão errados. Mas, se a imagem estiver correta, se o desenvolvimento do Universo não obedece a um projeto e não evolui para uma complexidade ainda maior, como interpretar a história de Deepak sobre o núcleo de hidrogênio solitário, nascido nos primórdios do Universo e subindo na vida ao se tornar parte desse esplêndido metal, o ferro, e chegar até a consciência humana? Como um evento tão improvável poderia ocorrer? Será que isso seria realmente possível num processo aleatório?

O tempo todo objetos lindos e regulares surgem a partir de leis da natureza sem propósito algum, de arco-íris a flocos de neve. Mas os seres humanos tendem a procurar padrões e, assim que os encontram, a pressupor que eles nasceram por alguma causa. Em O andar do bêbado eu escrevi sobre o caso de um corretor de fundos de investimento chamado William Miller, famoso por gerenciar uma carteira que rendeu mais que o índice da Standard and Poor durante quinze anos. Milhares de corretores como ele tentaram realizar a mesma façanha ao longo de décadas, mas só ele conseguiu. Mesmo para os inúmeros que consideram o mercado de ações algo na melhor das hipóteses periférico, parecia que a proeza só poderia ser praticada por quem tivesse um incansável e brilhante talento para prever o futuro das ações individuais e investir a partir disso. Mas a matemática da probabilidade gera um resultado surpreendente: se você substituir esses milhares de corretores por jogadores que atiram uma moeda para o ar, uma vez por ano, com o objetivo de obter cara, vai perceber que também são muito altas as probabilidades de esses jogadores conseguirem quinze anos ou mais de acerto. A tão alardeada façanha de William Miller pode ter sido resultado apenas da aleatoriedade.

A história do átomo de hidrogênio que “evolui” é parecida: nossa admiração diante da improbabilidade de um feito raro pode ser neutralizada pelo conhecimento do grande número de oportunidades para que esse feito ocorra. As supernovas, por exemplo, são eventos extremamente improváveis. Se tomarmos uma galáxia típica, digamos, de 100 bilhões de estrelas, seria preciso olhar para ela durante um século, em média, para ver uma das estrelas explodir. Mas se você estender o braço e bloquear o céu com o polegar, há tantas galáxias nessa porção de espaço que se torna possível ver dez supernovas por noite, caso esteja munido de um telescópio com a potência certa. Eventos raros acontecem o tempo todo.

No caso do próton, são 1080 deles carambolando pelo Universo observável, e apenas uma minúscula fração acaba como engrenagem em alguma forma de vida. Aliás, há na Terra algo em torno de 1042 prótons na biomassa. Então, mesmo se imaginarmos que cada estrela no Universo observável tem sua própria Terra propícia à vida – e o mais provável é que poucas o tenham –, podemos ver que, para cada próton que encontra caminho para um organismo vivo, haverá pelo menos 10.000.000.000.000.000 de prótons saracoteando por aí, sem chegar a tanto. Assim como só em raras ocasiões uma moeda pode dar cara quinze vezes seguidas, sem a intervenção de qualquer força consciente, um próton também pode acabar dentro de uma coisa viva, e não numa estrela ou no espaço interestelar. A ciência não diz que a natureza sacudiu uma proveta de células-tronco, deu uma saída e voltou para encontrar Leonardo da Vinci. Ela diz que a natureza mandou matéria para 1 bilhão de trilhões de sistemas estelares, deixou fermentar durante 13,7 bilhões de anos e só depois produziu um Leonardo da Vinci. A primeira hipótese é realmente fantasiosa; a segunda é uma linda consequência das forças desgovernadas e sem sentido da natureza.

Quando os cientistas afirmam que o Universo funciona por meio de leis que atuam sem um projeto, não é apenas para se opor a um Universo intencional: é porque o Universo em que vivemos não parece ser assim. Talvez soe inspirador acreditar que ele está evoluindo no sentido de uma maior complexidade e inteligência, dirigido por uma consciência universal. Mas, para os cientistas, essas elucubrações não estão no fim das observações; elas estão no começo. Deepak ataca o reducionismo da ciência como abordagem para entender o Universo, mas os cientistas não estão comprometidos com um método só. Quando um fenômeno pode ser facilmente explicado pela redução a seus elementos mais simples, os cientistas fazem isso. Quando não pode, e ele depende das interações coletivas de grande número de componentes, nós também reconhecemos isso. Assim, ao estudar as propriedades da água, os químicos analisam seus componentes moleculares. Mas quando os oceanógrafos estudam as marés, eles não estão interessados nos constituintes mais sutis da água. A ciência tem teorias sobre as moléculas da água e teorias sobre os movimentos da água, e uma não exclui a outra. Uma investigação chega ao fim quando conseguimos encontrar evidências para provar se a teoria está certa ou errada, independentemente da simpatia que se tenha por uma ideia.

Se o Universo estiver evoluindo segundo as leis da física, sem uma direção, um projeto ou uma consciência, será que isso nega o valor da humanidade ou tira o sentido da nossa vida? Será que a visão científica da vida não tem coração? Minha mãe, agora com quase noventa anos, uma vez me contou sobre um dia frio, quando ela tinha uns dezessete anos e a guerra devastava a Europa. A cidade em que ela morava, na Polônia, estava ocupada pelos nazistas. Nesse dia, um desses nazistas mandou uma dúzia de judeus da cidade, incluindo minha mãe, ficar em fila e se ajoelhar na neve. O homem percorreu a fila, e, a cada tantos passos, se inclinava, encostava a arma na cabeça de alguém e disparava. A visão espiritual diz que a sobrevivência de minha mãe não foi obra do acaso. Diz que minha mãe escapou por alguma razão. Será que isso também implica a existência de uma razão cósmica para a chacina dos que não escaparam? Como a maior parte de minha família morreu no Holocausto, para mim, a explicação “espiritual” parece mais fria e sem coração.

A ciência oferece um ponto de vista diferente: o animal humano evoluiu até ter discernimento para ser bom ou mau, e faz muito das duas coisas. Mas não há um propósito universal ou uma consciência ocultos por trás do que fazemos; só há a nossa consciência, os nossos propósitos. Cada um de nós pode escolher entre o amor e o ódio; nós damos e recebemos; deixamos nossa marca em nossa família, nos amigos e na sociedade. Não precisamos de um Universo eterno e consciente para dar significado à nossa vida. Somos nós que damos significado a ela.