15. O Universo pensa através de nós?
Uma das organizações mais admiradas do mundo são os Médicos Sem Fronteiras, cujos corajosos integrantes viajam para os locais mais conturbados a fim de curar pessoas. Seria inspirador se as fronteiras em disputa no planeta aos poucos se dissolvessem, porém, os limites mais inflamados são os mentais – os primeiros que precisam ser desfeitos. Mesmo as pessoas de espírito mais aberto estão aprisionadas nessas fronteiras.
Digamos que você esteja lendo este capítulo sob uma árvore, num dia ensolarado. Você se recosta no tronco áspero e fresco para pensar. A fim de haver pensamentos, os glóbulos vermelhos precisam circular pela sua corrente sanguínea; é assim que o cérebro obtém a energia para pensar. Você também precisa da luz solar, sem a qual não poderia existir vida. Precisa da árvore, pois, sem a fotossíntese, os animais que respiram oxigênio jamais teriam surgido. Isso não quer dizer que a árvore e o Sol também fazem parte do seu sangue? Os limites que estabelecemos entre mente, corpo e mundo natural são convenientes, claro, e viver dentro desses limites se torna uma segunda natureza quando aprendemos a nos definir como mães, pais, filhos, esposos ou pessoas solteiras, ao voltar para casa. Mas o cosmo esqueceu de se especializar, por isso, apresenta a realidade de uma vez só, num grande e confuso pacote.
Esse fato pode ser avassalador (o que em geral leva as pessoas de volta ao conforto de seus ninhos). Implica que o Universo – todo o Universo, não só nosso cantinho aconchegante – está funcionando através de cada um de nós. Para você inalar sua próxima inspiração, o Universo inteiro teve de colaborar – você é um rebento que cresce no cosmo, uma nova centelha de vida impulsionada por tudo que existe, como a ponta do broto verde de uma sequoia do Pacífico impelida pela floresta e, em última análise, pela Terra toda.
Reúna coragem para se ver dessa forma. Ponha de lado qualquer definição limitada de quem você é, e por um momento sinta-se sem fronteiras. Minha proposta é que não somente o Universo físico atua através de você. Quando você ultrapassa a máscara da matéria, percebe que o Universo também ama, cria e evolui através de você. Essa é uma verdade muito pessoal. Para aceitar a vida espiritual, essa verdade deve ser real para você, pois ela é a conexão com a realidade superior. A ciência vê os seres humanos como manchas isoladas no cosmo, um afloramento da mente numa criação sem mente. Mas a mente é a conexão que torna a espiritualidade real. Como age através de você, o Universo o envolve na mente cósmica.
Como você sabe que tem uma mente? Sem fazer nenhum curso de filosofia, a maioria aceita intuitivamente a máxima de René Descartes: “Penso, logo existo.” Mas ninguém diria o mesmo em relação a uma árvore, uma nuvem, um nêutron ou uma galáxia. As fronteiras são teimosas; as paredes são espessas. Precisamos de mais definições ilimitadas da mente, abrangendo tudo isso.
Em seu intrigante livro Mindsight: a nova ciência da transformação pessoal, o dr. Daniel Siegel, pesquisador e psiquiatra da Universidade da Califórnia, Los Angeles (Ucla), nos fornece exatamente essa definição, e se deu ao trabalho de verificá-la. A princípio, ele tentou definir a mente perguntando a vários colegas (todos supostamente dotados de uma mente), mas ninguém conseguiu dar uma resposta satisfatória. Siegel estava especialmente interessado nas características da mente que não podiam estar circunscritas ao cérebro – e encontrou: a capacidade de observar. A maneira como observamos o mundo é o maior de todos os mistérios. Quando se tenta afirmar que o cérebro é a mesma coisa que a mente, é preciso responder a uma simples pergunta: nenhum dos ingredientes das células cerebrais – proteínas, potássio, sódio ou água – podem observar, mas você pode; então, como esses objetos adquirem tal capacidade?
Vamos ver como um escritor explora esse mistério de forma eloquente: “Sou uma câmera com o obturador fechado, bastante passivo, registrando, não pensando. Registrando o homem que se barbeia na janela em frente, e a mulher de roupão que lava o cabelo. Algum dia todas essas coisas terão de ser reveladas, cuidadosamente impressas, fixadas.” O cenário é a Alemanha nazista. O narrador é o personagem sem nome do fascinante conto “Adeus a Berlim”, de Christopher Isherwood, cujos personagens ficariam famosos no filme musical Cabaré. O narrador é o próprio Isherwood, que queria manter a verdade viva tornando-se um observador objetivo da história, enquanto Hitler mergulhava a Europa nos horrores da Segunda Guerra Mundial. Mas alguns fatos trabalham contra Isherwood: o olho não é uma câmera. O cérebro não tem imagens fotográficas em seu interior. A percepção é uma função da consciência, portanto, a mente vem primeiro, antes de qualquer aparato físico – olhos, ouvidos ou cérebro. É por isso que Isherwood diz “Eu” sou uma câmera.
Nitidamente, a lealdade básica de Leonard é em relação aos mecanismos fixos. Ele oferece atraentes ilusões de ótica para provar que algumas coisas são vistas automaticamente da mesma forma; não importa se você tenta vê-las de outra maneira. Para mim, ilusões de ótica provam exatamente o contrário. Vou dar um exemplo clássico.
O que você vê na Figura 5 – um vaso branco no centro da imagem ou dois rostos em silhuetas pretas olhando um para o outro? As duas são possíveis, e a questão toda é que você tem condições de decidir que imagem deseja ver. Pode passar de uma para outra à vontade. Assim como todos os aspectos do cérebro de um observador, trata-se de um processo mental.
Se a percepção viesse de um mecanismo físico, de uma câmera, não haveria escolhas. O cérebro tiraria um instantâneo, revelaria a imagem e faria a impressão. Na verdade, o cérebro não faz nada disso. Ele só representa a mente que vê, interpreta, seleciona os detalhes, escolhe diferentes perspectivas etc. Diante de uma ilusão de ótica, sua mente tem a capacidade de ver pelo menos dois diferentes pontos de vista. Para um segundo exemplo, olhe para o X na Figura 6.
Se você vir o X mais perto, ele vai estar na frente da caixa. Se vir no fundo, ele vai estar atrás da caixa. É você quem escolhe; seu cérebro não faz isso por você. As ilusões de ótica de Leonard foram selecionadas para nos obrigar a ver de maneira fixa. Mas isso acontece porque o cérebro é um órgão falível. Por exemplo, o córtex visual tem uma região específica para o reconhecimento de rostos, mas não pode fazer esse reconhecimento se os rostos estiverem de cabeça para baixo. Tente fazer isso. Pegue uma foto de uma famosa estrela de cinema e mostre a um amigo, mas de cabeça para baixo. Seu amigo não vai conseguir ver que a foto é de Elizabeth Taylor, ou Robert Redford. Mas a mente sabe como superar essa falibilidade. Ela pode procurar indicações, mesmo numa foto de cabeça para baixo – por exemplo, identificando o cabelo despenteado de Bob Dylan ou o tapa-olho do Capitão Gancho. Depois disso, torna-se possível sobrepujar, ao menos parcialmente, as limitações de um órgão físico.
O cérebro pode limitar a mente, claro. Se por acaso você estiver com uma violenta enxaqueca ou tiver um tumor no cérebro, talvez não consiga ver imagem alguma. Com certeza seu córtex visual não está calibrado para registrar luz ultravioleta ou infravermelha, como fazem as abelhas e as cobras. Por isso, devem-se considerar as limitações físicas. Mas elas sozinhas não fornecem provas do que a mente pode ou não fazer.
Voltando a Daniel Siegel e sua busca por uma definição da mente, ele fez uma boa escolha ao se concentrar em nossa capacidade de observação, em especial na capacidade da mente observar a si mesma. É impossível imaginar um computador que consiga meditar e, sem fazer mais nada, chegar a insights e inovações, e muito menos mudar sua própria fiação. Mas nós podemos fazer tudo isso. Siegel acabou formulando sua própria definição da mente, apresentando-a ao público científico em 1993, sem enfrentar objeções. A mente, diz ele, é um “processo corporificado e relacional que regula o fluxo de energia e informação”. Isso é um bocado, contudo, o que torna forte a definição é que nenhum dos termos pode ser omitido. Vamos analisar uma palavra de cada vez.
Corporificado: A mente se faz conhecer através de um órgão do corpo, o cérebro.
Relacional: Nossa mente reflete o ambiente ao seu redor. Somos constantemente moldados pelas pessoas à nossa volta, respondendo a seus hábitos, discursos, gestos e expressões faciais.
Processo: A mente é atividade. Não é estática, mas dinâmica.
Regular: O monte de dados que o Universo produz seria caótico se não fosse organizado numa realidade coerente. Para manter a realidade intacta, cada parte deve estar regulada de acordo com todas as outras.
Fluxo: Há uma corrente ininterrupta de consciência em paralelo à ininterrupta corrente de eventos externos.
Energia: Manter o fluxo em movimento requer energia em todos os níveis, desde a imensidão do big bang até o micronível dos íons, passando pela membrana de um neurônio.
Informação: Cada quantidade de dados pode ser vista como informação, contendo um bit de significado.
O mais apropriado desses termos é que eles podem ser aplicados a todos os aspectos da natureza. Por mais que nos orgulhemos de sermos humanos, a mente está presente numa ameba, num rato, num neurônio e numa galáxia distante. Informação e energia fluem em toda parte; elas devem ser processadas e distribuídas; suas atividades formam uma teia firme que conecta tudo que existe. Como definição universal da mente, esta é difícil de ser aperfeiçoada.
Agora nós temos uma base para perguntar se o Universo está pensando através de nós, ou, para ser mais pessoal, através de você. A resposta é sim. É uma resposta tão simples que, na minha experiência, quase ninguém resiste a ela. Diante das plateias, eu começo apontando que os objetos sólidos são ilusórios. Na realidade, tudo no Universo é um processo com começo, meio e fim. No que concerne à natureza, “fótons” e “elétrons” não são nomes, são verbos. Em seguida, peço que a plateia olhe para si mesma.
Vocês também são um processo no Universo, com um começo, um meio e um fim? Eles aquiescem.
O seu cérebro é parte do processo? Sim.
A tempestade eletromagnética no seu cérebro está dando origem a pensamentos? Sim, outra vez – e estamos quase lá.
Então o Universo está pensando através de vocês? A maioria não encontra muitos problemas em responder que sim. Se o Universo pode iluminar o céu com irregulares arcos de relâmpagos numa úmida noite de verão, também pode disparar as tempestades de raios que aparecem nas nossas imagens cerebrais. Tudo o que fiz neste capítulo foi definir o “pensamento” como um processo da mente, e não do cérebro, e a maioria das pessoas não se opõe a isso.
Fui criado numa família judia religiosa, por isso fiquei surpreso, um dia, quando minha mãe disse que não acreditava em Deus. Pedi que se explicasse, e ela falou que antes acreditava, mas não conseguiu conciliar Deus com sua experiência de perder a família no Holocausto. Nos meus dias ruins, lembro-me de que sei perfeitamente o que ela quis dizer.
Anos atrás, eu acabara de deixar meu filho Nicolai para seu quarto dia no jardim da infância, e parei a caminho do metrô para conversar com outro pai. Ouvi um som estranho. Olhei para cima e vi um jumbo vindo em minha direção, mas voando tão baixo que parecia uma ilusão. Um ou dois segundos depois, ele passou por cima de mim, parecendo se inclinar um pouco, e entrou em silêncio no nonagésimo nono andar da Torre Norte do World Trade Center, a pouca distância dali. Os andares superiores cuspiram fogo quase de imediato. O estrondo da colisão chegou meio segundo depois, como se houvesse caído um raio. A rua se transformou num caos, o ar se encheu de gritos e de uma chuva de fragmentos em chamas. O que mais me obceca é pensar nas 92 pessoas que eu vi serem dizimadas naquele momento – meu involuntário sentimento de conexão com aquelas pessoas, que eu não conhecia, mas cujos últimos momentos eu não conseguia deixar de imaginar, olhando aterrorizadas pelas janelas. Nicolai, com seu rostinho de cinco anos de idade encostado à grande janela na sala de aula da escola, ali perto, viu tudo também, inclusive os que pularam do telhado para não morrer queimados.
Deepak escreveu que nós seres humanos somos como um rebento “que cresce no cosmo, uma nova centelha de vida impulsionada por tudo que existe”, e que o Universo está amando e criando através de nós. Diz que, “para aceitar uma verdadeira vida espiritual”, essa verdade deve ser real para nós. Ao assumir o ponto de vista da ciência, e ao rejeitar a versão de espiritualidade de Deepak, às vezes me vejo como o calejado e barbado Humphrey Bogart mandando a linda Ingrid Bergman embora no fim do filme Casablanca. É como se eu apresentasse minha fria e calculada avaliação de que os problemas dos simples mortais – e nossos sentimentos – não chegam a ser um montinho de feijões nesse Universo louco. Mas se Deepak estiver certo sobre a consciência universal, ao dizer que o Universo está amando através de nós, então ele deve também estar odiando através de nós, matando e destruindo através de nós, fazendo todas as coisas que os seres humanos fazem além de amar, inclusive os atos que implodiram a fé que minha mãe tinha em Deus. Deepak evita falar sobre esse lado escuro, porém, se o Universo está trabalhando através de cada um de nós, essa conexão universal deve ser uma faca de dois gumes.
Ainda que eu não acredite no Deus da Bíblia nem no mundo imaterial que Deepak defende, não concordo quando ele diz que adotar um ponto de vista científico é o mesmo que virar as costas para a espiritualidade. O grande físico Richard Feynman perdeu sua namorada de infância e “grande amor” da sua vida para a tuberculose, quando os dois tinham vinte e poucos anos, logo depois de terem se casado. Uma vez ele me disse que não se sentia revoltado com isso, pois “não se pode ficar revoltado com uma bactéria”. Que afirmação racional e científica, lembro-me de ter pensado. Mas depois fiquei sabendo que Feynman escreveu uma carta à esposa – mais de um ano depois da morte dela:
Querida Arline,
Eu adoro você, querida. … Faz tanto tempo desde que lhe escrevi pela última vez – quase dois anos, mas sei que vai me desculpar porque entende como eu sou, teimoso e realista; e achei que não fazia sentido escrever. Mas agora eu sei, querida esposa, que está certo fazer o que tenho adiado, e que tanto fiz no passado. Eu quero dizer que amo você.
Acho difícil entender na minha mente o que significa amar você depois de morta – mas ainda quero confortá-la e cuidar de você. E quero que me ame e cuide de mim.
Richard Feynman não foi somente um dos maiores físicos da história, ele também ficou famoso entre os físicos por sua apaixonada insistência em que todas as teorias deveriam estar intimamente ligadas às observações experimentais. Feynman considerava uma sorte ter encontrado sua alma gêmea, mesmo sabendo que o que sentiam um pelo outro poderia ser reduzido a processos físicos – assim como a morte de sua amada podia ser reduzida a uma bactéria. E mesmo ciente de que ela não estava realmente ali com ele, continuou sentindo o espírito de Arline pelas décadas seguintes, até o dia em que também morreu. Não diminuiu em nada a intensidade dos sentimentos de Feynman, nem o tornou menos espiritual em sua abordagem da vida, o fato de que esse amor fosse um fenômeno mental regido pelas leis da natureza que ele estudava. Isso também não fez com que ele não soubesse o que significava o amor por Arline; nem desejar que ela o amasse depois da morte fez com que ele negasse esse amor. Feynman sabia que o empenho para entender os mistérios da natureza, da nossa mente e da nossa existência não o poria em conflito com o que sentia em seu coração. Na verdade, penetrar esses mistérios é um dos triunfos máximos entre as características que nos tornam humanos.
Como diz Deepak, a ciência traça fronteiras: os cientistas acreditam que isso é feito por uma boa razão – excluir de nossa visão de mundo o que não é a verdade. Mas existe muito espaço no interior dessas fronteiras para as emoções, o significado e a espiritualidade. Uma vida científica pode coexistir com uma vida espiritual.
O Universo está pensando através de nós? Os cientistas são cautelosos até nas especulações. Queremos ver nossas ideias citadas em publicações como Physical Review e Nature, não na Encyclopedia of the Wrong. Como costuma acontecer quando as questões são expressas em palavras, e não em matemática precisa, a resposta científica depende da definição dos termos. No Capítulo 14, descrevi a teoria computacional da mente. Se “pensar” significa, como querem alguns, computar, então, sim, o Universo está pensando, pois todos os objetos seguem leis matemáticas e, portanto, seu comportamento incorpora os resultados da computação ditados por essas leis. O físico Seth Lloyd escreveu: “O Universo é um computador quântico”, e nós somos parte dele. Nesse sentido, eu poderia concordar com Deepak: somos parte de uma mente universal e o Universo pensa através de nós.
Todavia, ao argumentar que o Universo pensa através de nós, Deepak está dizendo mais que isso. Ele nos vê a todos conectados por uma consciência universal imbuída de maravilhosas características como o amor, mas também, presumivelmente, o ódio. Embutida nessa consciência, de alguma forma, está nossa mente imaterial, que controla e se expressa por meio do nosso cérebro físico. Como prova dessa visão, ele oferece a imagem rostos/vaso, como na Figura 7.
Deepak diz que nossa capacidade de escolher entre enxergar dois rostos em silhuetas negras ou o vaso branco é prova de que a mente não é um mecanismo físico, pois este só pode “tirar um instantâneo, revelar a imagem e fazer a impressão”. Ele afirma que, por outro lado, a mente não física “interpreta, seleciona os detalhes, escolhe diferentes perspectivas etc.”. Mas Deepak está enganado quanto ao nosso grau de controle na ilusão do vaso/rostos. Você não pode escolher ver o vaso ou os rostos. Não há uma mente imaterial que possa sobrepujar a estrutura do cérebro físico.
Tente. Se você prestar bastante atenção, vai perceber que – seja qual for o objeto que focalizar – seu cérebro atropela a escolha e ativa um lapso visual, e agora você vê o outro objeto. Por exemplo, se você focar no vaso, não vai conseguir considerar indefinidamente a extensão ao redor dele como espaço morto, sem interpretá-la como dois rostos. Algumas pessoas com distúrbios de humor apresentam longos períodos de lapso, até de alguns minutos, mas todos acabam mudando o foco de atenção (os pesquisadores não confiaram em relatos para saber disso, as mudanças foram medidas com instrumentos externos).
Sua experiência visual, ao olhar uma imagem “biestável” como essa, depende de muitos fatores, como esforço consciente, exposição prévia à imagem e seus detalhes, tais como o sombreamento, mas depende também das limitações impostas pelo seu cérebro físico. Por exemplo, os cientistas que estudaram as pessoas quando elas observavam a imagem focalizando os rostos, e não o vaso, verificaram que elas ativavam uma parte do lóbulo temporal especializado em reconhecimento facial – a região especializada mencionada por Deepak. Essa área, chamada de área fusiforme da face, depende de o rosto estar numa orientação normal; e, como disse Deepak, sua eficácia diminui muito ao olhar um rosto de cabeça para baixo, por exemplo. Inverta o sentido do rosto, e a hipotética mente imaterial não se deixa enganar, mas o cérebro físico se comporta de forma diferente. Então, vamos a um teste: observe os rostos invertidos e o vaso na Figura 8 (p.258). Como seu cérebro está no comando, você vai considerar os rostos menos óbvios que antes, mas continua alterando o ponto de vista.
Em outro exemplo, Deepak diz que, se você olhar o X no cubo da Figura 9 (p.258), estará fazendo a escolha entre ver o X na frente ou atrás da caixa. Eu discordo. Vamos considerar um desafio mais simples. Sabendo conscientemente que a imagem da Figura 9 não é realmente um cubo, mas apenas algumas linhas em uma página plana, ordene que sua mente imaterial assuma o controle de seu cérebro físico. Tente se concentrar no seu conhecimento de que são apenas linhas sem significado numa página, nada mais que isso. Você consegue olhar para a Figura 9 e não ver um cubo? Se o cérebro é um simples servo da mente, como diz Deepak, uma câmera ou instrumento que a mente usa enquanto você – a sua mente – faz a escolha, você deveria ser capaz de olhar a figura e não ver o cubo. Mas isso é impossível.
Deepak recorre a esses exemplos quando acha que eles podem apoiar sua argumentação, e os descarta quando não fazem isso, explicando que acontecem porque a mente é expressa por meio de um “órgão falível”. Mas é exatamente esse o problema: os cientistas conseguiram mostrar que todos os aspectos do pensamento e do comportamento humanos já estudados são expressos através desse órgão físico falível.
Para onde quer que olhemos, detectamos evidências de que a mente é um fenômeno do cérebro. Daniel Siegel, professor de psiquiatria na Ucla, cujo livro Mindsight: a nova ciência da transformação pessoal Deepak tenta usar como prova do contrário, abre sua narrativa com uma história que ilustra muito bem a base física do que chamamos de “mente”. O caso diz respeito a uma família em que a mãe, Barbara, antes uma presença cálida e amorosa, sofre um acidente automobilístico que danifica gravemente a parte do córtex pré-frontal responsável pela “criação de empatia, insight, consciência moral e intuição”. Resultado: agora ela era uma pessoa que, embora sã, racional e suficientemente funcional, não sentia emoções em relação à família. Como ela própria definiu a diferença que sentia em sua nova maneira de ser: “Acho que eu poderia dizer que perdi minha alma.”
Siegel foi chamado a trabalhar com a família, pois os filhos foram muito afetados pela mudança de comportamento da mãe. Ele mostrou para a família um mapeamento do cérebro de Barbara e indicou onde estava a lesão, para que todos entendessem que o “cérebro dela estava machucado”, como definiu depois um dos filhos. Mas a outra filha, não satisfeita com a explicação, contestou: “Eu pensei que o amor vinha do coração.” Siegel respondeu que ela estava certa, que a rede de células ao redor do coração e ao longo de todo o corpo se comunica diretamente com a parte social do nosso cérebro e “envia esses sentimentos do coração para as áreas pré-frontais médias”. Com essa parte do cérebro danificada, Barbara não conseguia mais receber os sinais. Com o passar do tempo, a família começou a reagir melhor, mas Barbara nunca se recuperou. Siegel escreveu que “a lesão na parte frontal do cérebro era grave demais, e ela não mostrava sinais de recuperação relativos à maneira de se sentir mais conectada”. O cérebro estava machucado, assim como a mente.
Uma vez perguntaram ao famoso filósofo do século XX, Bertrand Russell, o que ele diria se morresse e fosse confrontado por Deus, exigindo saber por que Russel tinha sido ateu. A famosa resposta foi que era culpa de Deus. “Não há provas suficientes, Deus! Não há provas suficientes”, teria dito Russell.
Deepak retrata a insistência científica nos dados como algo frio e impessoal. Eu seria desonesto se o contestasse quando ele declara que a ciência vê os seres humanos como “manchas isoladas no cosmo, um afloramento da mente numa criação sem mente”. Há muita coisa na humanidade que merece ser reconhecida, mas negar que somos manchas isoladas no cosmo está mais para fugir da verdade do que para levá-la em conta. Deepak disse que é preciso coragem para nos vermos do modo como ele sugere, mas pinta um quadro cor-de-rosa, que, como na citação mencionada, gosta de contrastar com o ponto de vista da ciência. O que exige muita bravura é aceitar a realidade como nós a observamos, sem se importar se ela é uma imagem rósea ou estéril. É preciso coragem para envelhecer, ver os amigos morrerem, os aviões caírem, continuar experimentando amor e perda sem a reconfortante ilusão de um Universo vivo e pensante, imbuído de uma essência divina.
Ao mesmo tempo, eu prefiro mesmo uma visão mais estéril. Para mim, ainda que os seres humanos sejam manchas isoladas num afloramento acidental da mente, o importante é que temos uma mente, que sentimos emoções e somos capazes de apreciar a arte, a beleza e a alegria. Somos feitos de química e física, mas não somos “apenas” frutos delas. Somos mais que a soma de nossos componentes e mais que apenas seres vivos. Somos átomos e moléculas indiferentes que se reuniram para cuidar uns dos outros, para sentir amor – e infelizmente ódio, também –, bem como muitas outras emoções, algumas exaltadas, outras não. Eu me sinto conectado. Sendo essa pequena mancha no vasto cosmo, sinto familiaridade com todas as outras pequenas manchas e me sinto grato por meu breve momento de existência como fenômeno físico, conectado a todos os outros fenômenos na natureza. Eu me alegro em ser somente uma pequena parte de um Universo não pensante, porém maravilhoso e em constante transformação.