OS IMPOSTOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Sumário: 13.1 Impostos federais: 13.1.1 Imposto sobre a Importação – II; 13.1.2 Imposto de Exportação – IE; 13.1.3 Imposto de Renda – IR; 13.1.4 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; 13.1.5 Imposto sobre Operações Financeiras – IOF; 13.1.6 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR; 13.1.7 Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF – 13.2 Impostos estaduais: 13.2.1 Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD; 13.2.2 Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços – ICMS; 13.2.3 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA – 13.3 Impostos municipais: 13.3.1 Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU; 13.3.2 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI; 13.3.3 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
A União possui competência ordinária para instituir os sete impostos previstos no art. 153 da CF, quais sejam: o imposto sobre importação – II; o imposto sobre a exportação – IE; o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza – IR; o imposto sobre produtos industrializados – IPI; o imposto sobre operações financeiras – IOF; o imposto sobre a propriedade territorial rural – ITR; e o imposto sobre grandes fortunas – IGF.
De tais competências, a União somente não exerceu a relativa ao imposto sobre grandes fortunas, conforme detalhado a seguir (item 13.1.7).
É relevante recordar que, além das competências ordinárias, a União possui as competências residual e extraordinária, previstas nos incisos I e II do art. 154 da CF, conforme analisado no item 1.4.2 do Capítulo 1.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se à análise dos elementos básicos de cada imposto inserido na competência ordinária da União.
O imposto sobre a importação de produtos estrangeiros, previsto no art. 153, I, da CF, é tributo de função marcantemente extrafiscal, uma vez que seu principal objetivo não é carrear recursos para os cofres públicos federais, mas sim servir como mecanismo de controle sobre as importações, podendo ser utilizado, por exemplo, como instrumento de proteção de determinado setor da indústria nacional que esteja sofrendo dificuldades em face da concorrência de produtos similares estrangeiros.
Conforme já estudado, foi justamente como decorrência da finalidade extrafiscal do tributo que o legislador constituinte, pensando em conferir celeridade às decisões que o governo tomar com relação ao imposto, livrou-o das amarras da legalidade estrita quanto à alteração de alíquotas, desde que obedecidos os limites legais (CF/1988, art. 153, § 1.º), e dos princípios da anterioridade e noventena, de forma que os aumentos do imposto podem gerar efeitos imediatos (CF, art. 150, § 1.º).
O fato gerador do tributo é definido pelo art. 19 do Código Tributário Nacional nos seguintes termos:
“Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional”.
O Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759, de 5 de fevereiro de 2009), em seu art. 72, afirma que o fato gerador do imposto de importação é a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro.
Como o território aduaneiro compreende todo o território nacional (RA, art. 2.º), a disposição regulamentar se encontra perfeitamente dentro dos limites legais.
Importar, portanto, e ao contrário do que muitos pensam, não é comprar mercadoria estrangeira. É fazê-la entrar no território nacional. Não é relevante a que título uma mercadoria alienígena entrou no território aduaneiro; o que é relevante é que tenha efetivamente entrado.
Assim, todas as vezes em que o “circo da Fórmula 1” vem ao Brasil, ocorre o fato gerador do imposto de importação, pois várias mercadorias estrangeiras adentram no território nacional (aduaneiro). Ocorre que existe um regime aduaneiro especial (admissão temporária) que dispensa o pagamento do tributo caso a mercadoria retorne ao exterior no prazo fixado (existem outras formas de encerrar o regime).
Da mesma forma, muitos contribuintes se surpreendem quando presentes lhes são enviados do exterior por via postal e a Secretaria da Receita Federal os notifica, cobrando o imposto de importação.
Perceba-se que nem no caso do circo da “Fórmula 1” nem no da remessa postal internacional ocorre compra de mercadoria estrangeira, mas o imposto de importação incide, em face da entrada de mercadorias estrangeiras no território nacional.
Usando a terminologia adotada pelo CTN, é correto afirmar que o fato gerador do II é, pelo exposto, uma situação de fato, e tem-se por ocorrido “desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios” (CTN, art. 116, I). As circunstâncias materiais aqui se resumem, tão somente, à entrada da mercadoria estrangeira no território nacional.
Assim, se não há relevância sobre se a mercadoria foi ou não objeto de contrato de compra e venda, também não haverá relevância na data da celebração de tal contrato, se houver.
O que se está a afirmar é algo que já foi objeto de muita discussão judicial em situações como a que se passa a exemplificar.
Imagine-se que determinada indústria esteja interessada em importar da Alemanha uma máquina para incrementar sua produtividade. Para não ser surpreendida com uma transação que, ao final, se revele antieconômica, contrata uma assessoria que lhe informa a carga tributária a que estaria sujeita no caso de concretizar a importação. Fazendo os cálculos, o contribuinte decide pela realização da operação e fecha contrato com o exportador. Quando a mercadoria se encontra cruzando o Oceano Atlântico, o Poder Executivo Federal aumenta a alíquota do imposto de importação, de forma que a mercadoria, ao desembarcar no Brasil, está sujeita a uma alíquota muito superior, que, se conhecida previamente pelo importador, resultaria na não realização do negócio.
O contribuinte procura o Poder Judiciário alegando agressão ao princípio da irretroatividade, visto que já adquirira a mercadoria quando da majoração da alíquota. Entretanto, conforme já analisado, no momento da ocorrência do fato gerador do imposto (entrada da mercadoria no território nacional), a alíquota já era outra, não havendo qualquer arranhão à irretroatividade.
Há de se ressaltar, entretanto, que o art. 73 do Regulamento Aduaneiro prevê que, para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo. A disposição toma por base o art. 23 do Decreto-lei 37/1966, ainda em vigor.
A doutrina costuma, em face da diferenciação, falar em fato gerador material ou espacial (entrada da mercadoria estrangeira no território nacional) e fato gerador temporal (registro da respectiva declaração de importação).
Na prática, a diferenciação não servirá de socorro ao importador da máquina no exemplo citado, visto que, em situações normais, a declaração de importação só é registrada após a entrada da mercadoria no território brasileiro.
Há, contudo, casos bastante específicos em que a legislação prevê a possibilidade em que a declaração de importação relativa à mercadoria que proceda diretamente do exterior poderá ser registrada antes da sua descarga na unidade da SRF de despacho. As hipóteses estão previstas no art. 17 da Instrução Normativa 680/2006 da Secretaria da Receita Federal, conforme abaixo relacionadas:
I – mercadoria transportada a granel, cuja descarga deva se realizar diretamente para terminais de oleodutos, silos ou depósitos próprios, ou veículos apropriados;
II – mercadoria inflamável, corrosiva, radioativa ou que apresente características de periculosidade;
III – plantas e animais vivos, frutas frescas e outros produtos facilmente perecíveis ou suscetíveis de danos causados por agentes exteriores;
IV – papel para impressão de livros, jornais e periódicos;
V – órgão da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal, inclusive autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas; e
VI – mercadoria transportada por via terrestre, fluvial ou lacustre.
O parágrafo único do mesmo art. 17 da IN SRF 680/2006 autoriza a possibilidade de registro antecipado da declaração de importação em outras hipóteses estabelecidas por normas específicas, ou, em casos justificados, mediante prévia autorização do chefe da unidade da SRF de despacho.
O Judiciário não considera incompatíveis as disposições que estipulam um fato gerador material e um temporal para o imposto de importação, visto que se tem entendido que o Decreto-lei 37/1966 veio simplesmente a explicitar o momento em que o fato gerador se tem por ocorrido.
Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça afirma que, “não obstante o fato gerador do imposto de importação se dê com a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional, torna-se necessária a fixação de um critério temporal a que se atribua a exatidão e certeza para se considerar inteiro o desenho do fato gerador. Assim, embora o fato gerador do tributo se dê com a entrada da mercadoria estrangeira no território nacional (...) ele apenas se aperfeiçoa como registro da Declaração de Importação no regime comum” (STJ, 1.ª T., REsp 362.910/PR, Rel. Min. José Delgado, j. 16.04.2002, DJ 13.05.2002, p. 161).
Registre-se que a incorporação judicial do entendimento doutrinário segundo o qual o fato gerador do imposto de importação somente se aperfeiçoa com o registro da declaração de importação no regime comum faz com que alguns passem a entender que a hipótese de incidência do tributo não mais seja a mera situação de fato “entrada da mercadoria estrangeira no território aduaneiro”, uma vez que seria necessária a verificação do título jurídico que fundamentou a entrada, somente ocorrendo o fato gerador se houve importação submetida ao despacho para consumo.
A tese ora exposta contraria o posicionamento explanado no início deste tópico, mas já foi adotada em alguns julgados do Poder Judiciário e, no concurso para Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, com provas realizadas em 2009, foi encampado pela ESAF, que considerou correta a seguinte assertiva, relativa ao imposto de importação: “A simples entrada em território nacional de um quadro para exposição temporária num museu ou de uma máquina para exposição em feira, destinados a retornar ao país de origem, não configuram importação, e, por conseguinte não constituem fato gerador”.
Ora, se adotado o entendimento de que a hipótese de incidência do imposto de importação é a situação de fato consistente na entrada da mercadoria estrangeira no território nacional (CTN, art. 19), os casos propostos na questão seriam indiscutivelmente fatos geradores do tributo. Contudo, se considerado necessário que a importação tenha sido realizada para consumo, realmente não haveria fato gerador, pois as situações se enquadram na definição do regime aduaneiro especial de Admissão Temporária, previsto no art. 353 do Regulamento Aduaneiro.
Apesar do que foi afirmado, mesmo adotando o entendimento de que nos regimes suspensivos de tributação não ocorre o fato gerador do imposto, a ESAF deveria ter considerado o item errado, pois é equívoco afirmar que as situações propostas “não configuram importação”, quando o próprio Regulamento Aduaneiro assevera no mesmo art. 353 que “o regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de utilização econômica...” (grifo não consta do original).
Detalhes ínfimos a parte, fica o registro de que a ESAF não considera ocorrido o fato gerador do imposto de importação nos casos em que a entrada da mercadoria se dá em regime suspensivo de tributação.
A título argumentativo para eventuais questões subjetivas em provas de concurso público, é possível afirmar que a diferenciação apontada parece adotar a conceituação de mercadoria exposta no item 13.2.2.1 desta obra. Assim, se o bem é importado para consumo, ocorreria o fato gerador do tributo tendo em vista a inequívoca entrada de “mercadoria” no País. Já na admissão temporária, não havendo circulação econômica ou jurídica do bem importado, este não se enquadraria no conceito de mercadoria, não se verificando o fato gerador do imposto de importação definido no art. 19 do Código Tributário Nacional.
Seguindo a definição constante do art. 20 do Código Tributário Nacional, a base de cálculo do imposto de importação é:
“I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;
II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País;
III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação”.
A alíquota ad valorem é aquela que incide sobre o valor, ou seja, é aquele percentual a ser multiplicado por uma grandeza especificada em moeda corrente (base de cálculo em reais) para a obtenção do montante do tributo a ser pago. É, portanto, o que normalmente se imagina ao deparar com o vocábulo alíquota, ou seja, um percentual a ser aplicado sobre o valor do bem, ou da renda, ou do negócio jurídico etc.
A alíquota específica é aquela definida por uma quantia determinada de dinheiro por unidade de quantificação dos bens importados (reais por metro, tonelada, litro ou qualquer outra unidade de medida do produto).
Como exemplo, pode-se imaginar uma alíquota de imposto de importação de uma determinada mercadoria com o valor de R$ 100/tonelada (cem reais por tonelada). Nesta situação, a base de cálculo não pode ser fixada em moeda, mas sim em toneladas (mesma unidade de medida usada na definição da alíquota). Portanto, na importação de dez toneladas de tal mercadoria, o tributo a ser pago seria de mil reais (R$ 100/ton × 10 ton).
Dessa forma, conforme afirmam os arts. 20, I, do CTN (acima transcrito) e 75, II, do Regulamento Aduaneiro, se a alíquota é específica, a base de cálculo será a quantidade de mercadoria expressa na unidade de medida adotada pela lei tributária.
Já para os casos em que a alíquota estipulada pela legislação é ad valorem, o CTN tenta estipular uma base de cálculo que diminua a possibilidade de o importador apresentar à autoridade fiscal um valor irreal para a mercadoria, apenas “para efeito de tributação”.
Assim, ao falar no “preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência” quis o legislador permitir a tributação pelo valor real da mercadoria, que a rigor não dependeria do que foi declarado à Alfândega.
Hoje em dia, seguindo a redação que o Decreto-lei 2.472, de 1.º.09.1988, deu ao Decreto-lei 37/1966, o Regulamento Aduaneiro prevê que a base de cálculo do imposto, quando a alíquota for ad valorem, é o valor aduaneiro apurado segundo as normas do art. 7.º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT.
Segundo o art. 22 do CTN, contribuinte do imposto de importação é:
“I – o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados”.
Já o art. 104 do Regulamento Aduaneiro, também seguindo a redação mais moderna que o Decreto-lei 2.472, de 1.º.09.1988, deu ao Decreto-lei 37/1966, prevê como contribuinte do imposto:
“I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro;
II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; e
III – o adquirente de mercadoria entrepostada”.
O imposto de importação é, em regra, lançado por homologação, pois são de competência do importador o cálculo do montante do imposto devido e o seu recolhimento antecipado. Para o cálculo, o importador elabora a declaração de importação – DI e a registra no SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior). No momento do registro, o próprio sistema informatizado se encarrega de retirar da conta corrente do importador o montante do imposto devido.
Posteriormente, caberá a um Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil homologar o procedimento do contribuinte, praticando o ato denominado “desembaraço aduaneiro” da mercadoria importada.
No caso de importação de bens que se enquadrem no conceito de bagagem acompanhada, mas ultrapassem o limite de isenção, o lançamento do imposto será feito com base em declaração formulada pelo viajante (DBA – Declaração de Bagagem Acompanhada). Em tal hipótese, pode-se afirmar que o imposto é lançado por declaração.
Registre-se que, como todo tributo, o imposto de importação pode vir a ser lançado de ofício quando, por exemplo, a autoridade administrativa perceber que o sujeito passivo não antecipou o valor correto do tributo devido, sempre respeitado o prazo decadencial.
As regras até aqui analisadas se referem predominantemente ao denominado regime aduaneiro comum, definido como o conjunto de normas que estabelece o tratamento tributário e administrativo das mercadorias submetidas a importação em caráter definitivo (nacionalização) e consumo no território nacional.
Existem casos, contudo, em que a legislação, visando a permitir o ingresso temporário de mercadoria em território nacional ou a conceder benefícios fiscais que estimulem determinadas atividades, estabelece exceções ao regime aduaneiro comum, submetendo a mercadoria importada a um regramento suspensivo da tributação. Trata-se dos regimes “aduaneiros especiais” e dos “regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais”, disciplinados na legislação específica dos impostos de importação e exportação.
O prazo de suspensão dos tributos é disciplinado nos arts. 307 e 263 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), sendo a regra o lapso de até um ano, prorrogável, a juízo da autoridade aduaneira, por período não superior, no total, a cinco anos. A título excepcional, em casos devidamente justificados, o prazo poderá ser prorrogado por período superior a cinco anos, observada a regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda.
Quando o regime aduaneiro especial for aplicado a mercadoria vinculada a contrato de prestação de serviço por prazo certo, de relevante interesse nacional, o prazo será o previsto no contrato, prorrogável na mesma medida deste. Nesta hipótese, o prazo contratual prevalece sobre aqueles referidos no Regulamento Aduaneiro.
A seguir, tomando por base as disposições do Regulamento Aduaneiro, será apresentada a conceituação dos regimes aduaneiros especiais aplicáveis na importação. Também serão apontados os dispositivos regulamentares que disciplinam cada regime. Aconselha-se ao candidato a concursos em que a legislação aduaneira seja parte do programa a leitura atenta de tais dispositivos.
Por fim, apresenta-se a seguir a conceituação e as referências legislativas relativas aos regimes aduaneiros aplicados em áreas especiais:
Regime |
Conceito |
Disposições Regulamentares |
Zona Franca de Manaus – ZFM |
É uma área de livre comércio de importação e de exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário, dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância a que se encontram os centros consumidores de seus produtos. |
RA, arts. 504 a 523 |
Áreas de Livre Comércio – ALC |
São aquelas estabelecidas com a finalidade de promover o desenvolvimento de áreas fronteiriças específicas da Região Norte do País e de incrementar as relações bilaterais com os países vizinhos, segundo a política de integração latino-americana. |
RA, arts. 524 a 533 |
Zonas de Processamento de Exportação – ZPE |
São áreas de livre comércio de importação e de exportação, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, objetivando a redução de desequilíbrios regionais, o fortalecimento do balanço de pagamentos e a promoção da difusão tecnológica e do desenvolvimento econômico e social do País. |
RA, arts. 534 a 541 |
|
Imposto sobre importação – II |
Função predominante |
Extrafiscal (instrumento regulador do comércio exterior) |
Princípio da legalidade |
Admite exceção: alteração da alíquota pelo Executivo (Decreto ou Portaria do Ministro da Fazenda) |
Princípio da anterioridade |
Não se sujeita |
Princípio da noventena |
Não se sujeita |
Fato gerador |
A entrada de produtos estrangeiros no território nacional (ou a data do registro da declaração de importação de mercadoria submetida a despacho para consumo) |
Base de cálculo |
I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País; III – quando se trate de produto apreendido ou abandonado, levado a leilão, o preço da arrematação. |
Contribuintes |
I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro; II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; e III – o adquirente de mercadoria entrepostada. |
Lançamento |
Por homologação, salvo o incidente sobre bagagem, lançado por declaração |
Cumulação de impostos |
Na importação podem incidir três impostos: II, IPI e ICMS |
O imposto de exportação é também um tributo com finalidade marcantemente extrafiscal, que serve como instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior.
Como consequência, tomando por base os mesmos fundamentos que justificaram o tratamento dado ao imposto de importação, o legislador constituinte optou por excluir o IE da legalidade estrita quanto à alteração de alíquotas, desde que obedecidos os limites legais (CF/1988, art. 153, § 1.º), e dos princípios da anterioridade e noventena, de forma que os aumentos do imposto podem gerar efeitos imediatos (CF, art. 150, § 1.º).
A Constituição Federal denomina o tributo de imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados.
A aparente redundância da expressão “exportação para o exterior” decorre da vontade do legislador constituinte de aclarar a impossibilidade de cobrança de imposto de exportação quando produtos produzidos em um estado-membro da federação eram vendidos a destinatários situados em outro estado-membro.
A situação hoje é tida por absurda, mas parecia razoável à época em que o sistema tributário nacional era tão irracional a ponto de o imposto de exportação ser estadual, o que justificava a cobrança do tributo nas chamadas importações internas, exatamente aquelas em que a operação era realizada entre contratantes domiciliados em estados-membros diferentes.
Segundo o art. 23 do CTN, o imposto, de competência da União, sobre a exportação para o estrangeiro de produtos nacionais ou nacionalizados tem como fato gerador a saída destes do território nacional.
Entretanto, da mesma forma que o imposto de importação, a legislação tributária optou por considerar, para efeito de cálculo, um outro momento como fato gerador do tributo, qual seja a data do registro da exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Segue-se a transcrição do art. 213 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759, de 5 de fevereiro de 2009):
“Art. 213. O imposto de exportação tem como fato gerador a saída da mercadoria do território aduaneiro (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 1.º).
Parágrafo único. Para efeito de cálculo do imposto, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro de exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 1.º, § 1.º)”.
Aqui também vale o raciocínio de que não importa quando o negócio é fechado, pois o tributo será calculado com base na legislação vigente na data do registro das exportações, mesmo que, na data da efetiva saída da mercadoria do território nacional, tenha havido alguma alteração relevante em tal legislação.
Nessa linha é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme demonstra o excerto abaixo transcrito:
“Exportação. Registro no sistema integrado de comércio exterior – SISCOMEX. Fato gerador. Ocorrência antes da edição das Resoluções 2.112/94 e 2.136/94, que majoraram a alíquota do tributo. Impossível a retroatividade desses diplomas normativos para alcançar as operações de exportação já registradas” (STF, 2.ª T., RE-AgR-ED 234.954/AL, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 03.06.2003, DJ 24.10.2003, p. 26).
Segundo o art. 24 do CTN, a base de cálculo do imposto é:
“I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária;
II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência.
Parágrafo único. Para os efeitos do inciso II, considera-se a entrega como efetuada no porto ou lugar da saída do produto, deduzidos os tributos diretamente incidentes sobre a operação de exportação e, nas vendas efetuadas a prazo superior aos correntes no mercado internacional o custo do financiamento”.
O Regulamento Aduaneiro trata da base de cálculo do IE em seu art. 214, nos seguintes termos:
“Art. 214. A base de cálculo do imposto é o preço normal que a mercadoria, ou sua similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência no mercado internacional, observadas as normas expedidas pela Câmara de Comércio Exterior (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 2.º, com a redação dada pela Medida Provisória 2.158-35, de 2001, art. 51).
§ 1.º Quando o preço da mercadoria for de difícil apuração ou for suscetível de oscilações bruscas no mercado internacional, a Câmara de Comércio Exterior fixará critérios específicos ou estabelecerá pauta de valor mínimo, para apuração da base de cálculo (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 2.º, § 2.º, com a redação dada pela Medida Provisória 2.158-35, de 2001, art. 51).
§ 2.º Para efeito de determinação da base de cálculo do imposto, o preço de venda das mercadorias exportadas não poderá ser inferior ao seu custo de aquisição ou de produção, acrescido dos impostos e das contribuições incidentes e da margem de lucro de quinze por cento sobre a soma dos custos, mais impostos e contribuições (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 2.º, § 3.º, com a redação dada pela Lei 9.716, de 1998, art. 1.º)”.
Segundo o art. 27 do CTN, contribuinte do imposto é o exportador ou quem a lei a ele se equiparar.
Já o RA, em seu art. 217, assim diz:
“Art. 217. É contribuinte do imposto o exportador, assim considerada qualquer pessoa que promova a saída de mercadoria do território aduaneiro (Decreto-lei 1.578, de 1977, art. 5.º)”.
Nas raríssimas hipóteses em que há a incidência de imposto de exportação com alíquota diferente de zero, o tributo é lançado por homologação, conforme se passa a demonstrar.
Cabe ao exportador elaborar e registrar no SISCOMEX (Sistema Integrado de Comércio Exterior) a declaração de exportação, bem como fornecer à Alfândega os documentos necessários à instrução do despacho, entre eles, na hipótese de haver crédito de IE, o Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF comprovando o recolhimento antecipado do tributo.
Posteriormente, caberá a um Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil verificar a exatidão dos dados declarados pelo exportador em relação às mercadorias, aos documentos apresentados e à legislação específica, com vistas a seu desembaraço e a sua saída para o exterior. O ato de desembaraço corresponde, portanto, à homologação expressa do procedimento do contribuinte, o que caracteriza a modalidade de lançamento do imposto de exportação.
Como ocorre em todo tributo, percebida a ilegal ausência de pagamento ou o pagamento a menor, os valores devidos devem ser objeto de lançamento de ofício, respeitado o prazo decadencial.
Além dos regimes aduaneiros especiais relativos à importação, que, em boa parte dos casos, trazem regras que também submetem as exportações a um regime jurídico especial, existem regimes aduaneiros especialmente voltados à exportação. São eles:
Conceito |
Disposições Regulamentares |
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Exportação Temporária |
Permite a saída do País com suspensão do pagamento do imposto de exportação, de mercadoria nacional ou nacionalizada, condicionada à reimportação em prazo determinado, no mesmo estado em que foi exportada. |
RA, arts. 431 a 448 |
Exportação Temporária para Aperfeiçoamento Passivo |
Permite a saída do País, por tempo determinado, de mercadoria nacional ou nacionalizada, para ser submetida a operação de transformação, elaboração, beneficiamento ou montagem, no exterior, e a posterior reimportação, sob a forma do produto resultante, com pagamento dos tributos sobre o valor agregado. |
RA, arts. 449 a 457 |
Entreposto Aduaneiro na Exportação |
Permite a armazenagem de mercadoria destinada a exportação. |
RA, arts. 410 a 419 |
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Imposto sobre Exportação – IE |
Função predominante |
Extrafiscal (instrumento regulador do comércio exterior) |
Princípio da legalidade |
Admite exceção: alteração da alíquota pelo Executivo (Decreto ou Portaria do Ministro da Fazenda) |
Princípio da anterioridade |
Não se sujeita |
Princípio da noventena |
Não se sujeita |
Fato gerador |
A saída de produtos nacionais ou nacionalizados do território nacional (ou a data do registro da exportação no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX) |
Base de cálculo |
I – quando a alíquota seja específica, a unidade de medida adotada pela lei tributária; II – quando a alíquota seja ad valorem, o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da exportação, em uma venda em condições de livre concorrência. |
Contribuintes |
Qualquer pessoa que promova a saída de mercadoria do território aduaneiro |
Lançamento |
Por homologação |
Cumulação de impostos |
Não incide IPI sobre os produtos industrializados destinados ao exterior nem ICMS sobre as mercadorias com o mesmo destino |
O denominado Imposto de Renda é tributo com finalidade marcantemente fiscal, constituindo-se no maior arrecadador entre os impostos federais.
Como a incidência do imposto é mais gravosa sobre os maiores rendimentos (progressividade detalhada adiante), obtém-se o efeito de redistribuição de renda, pois aqueles que menos (ou nada) contribuem são, em regra, os que mais utilizam alguns serviços públicos (saúde e educação, por exemplo).
Nos termos constitucionais, o “imposto de renda” não incide apenas sobre a renda, mas também sobre os proventos de qualquer natureza (CF, art. 153, III).
O conceito de renda compreende o produto do capital (como os rendimentos obtidos com uma aplicação financeira), do trabalho (como o salário recebido pelo empregado) ou da combinação de ambos (como o lucro).
Já o conceito de proventos é definido por exclusão, compreendendo todos os acréscimos patrimoniais não enquadráveis no conceito legal de renda. A título de exemplo, podem-se citar os acréscimos patrimoniais decorrentes de atividade criminosa.
O inciso I do § 2.º do mesmo do art. 153 da CF/1988 impõe que o IR obedeça aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei.
A determinação constitucional decorre dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, pois é a necessidade de se tratar de maneira semelhante as pessoas que se encontrem em situação equivalente (sentido horizontal da isonomia), de forma a impor que todas as pessoas (generalidade) e todas as rendas e proventos (universalidade) estejam sujeitos à incidência do IR. Da mesma forma, é a exigência de tratar de maneira diferenciada as pessoas que se encontrem em situações desiguais, na proporção das desigualdades entre elas havidas (sentido vertical da isonomia), impondo que as alíquotas do imposto sejam maiores para os rendimentos ou proventos mais elevados (progressividade).
É importante ressaltar que não existe uniformidade sobre a diferença entre universalidade e generalidade, pois, se para alguns autores a generalidade se refere à tributação de todos os rendimentos e proventos, e a universalidade impõe a tributação de todas as pessoas, para outros os conceitos são exatamente opostos. A conclusão, todavia, não muda: generalidade e universalidade impõem a tributação de todas as pessoas titulares da disponibilidade econômica ou jurídica (salvo as imunes) de quaisquer rendas ou proventos.
Não obstante a celeuma, o CESPE, na prova do 136.º Exame da OAB – SP, considerou correta a seguinte assertiva “É correto afirmar que o critério da generalidade impõe a sujeição de todos os indivíduos à tributação do imposto de renda, independentemente de quaisquer características do contribuinte”. Na mesma questão foi considerado incorreto item em que se afirmava que o mesmo princípio “determina que a totalidade da renda do sujeito passivo deve sujeitar-se à tributação, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos”. Pode-se afirmar, portanto, que há precedente do CESPE demonstrando que a banca correlaciona generalidade às pessoas e universalidade aos rendimentos e proventos.
Apesar de a definição legal de renda ficar ao prudente arbítrio do legislador, a jurisprudência do STF entende que não se pode subverter a ordem natural das coisas e definir na lei, como renda ou provento, algo que não represente, de fato, acréscimo patrimonial, sob pena de tributar o patrimônio e invadir competência alheia (IPVA, IPTU).
Assim, as verbas de natureza indenizatória, por servirem apenas para recompor o patrimônio jurídico dos beneficiários, não o aumentando, não estão sujeitas ao imposto.
Por fim, relembre-se que o IR não está sujeito ao princípio da noventena, de forma que sua majoração pode gerar efeitos a partir do primeiro dia do exercício subsequente, independente de qualquer prazo mínimo.
A definição legal do fato gerador do imposto de renda consta do art. 43 do Código Tributário Nacional, conforme abaixo transcrito:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1.º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2.º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo”.
São praticamente intermináveis as divergências doutrinarias acerca dos conceitos de disponibilidade econômica e jurídica das rendas e proventos de qualquer natureza, para efeito da definição dos contornos legais do fato gerador do popularmente denominado “Imposto de Renda”.
Nas primeiras edições desta obra foi adotada a corrente doutrinária que se baseia na juridicidade ou não da conduta que resultou no recebimento dos rendimentos. Conforme foi analisado no item 1.3.3 do Capítulo 1, a licitude do fato de que resulta o recebimento dos rendimentos é irrelevante para efeito de incidência do imposto (princípio do “pecunia non olet”). Assim, quer a disponibilidade tenha decorrido de uma conduta consonante com o direito (jurídica), quer seja resultado de uma conduta dissonante do direito (hipótese em que a disponibilidade seria meramente econômica), se houve aumento patrimonial, houve fato gerador do imposto de renda.
No entanto, são sedutores os argumentos dos que alegam que, para a compreensão da definição legal do fato gerador do imposto de renda, o que precisa ser qualificado como econômico ou jurídico é a disponibilidade do rendimento, e não sua causa, como se fazia na tese anteriormente abraçada.
Nessa linha, saber quando há a disponibilidade é saber em que momento o patrimônio do contribuinte pode ser considerado efetivamente acrescido, o que pode acontecer com a efetiva possibilidade concreta de gozar do aumento patrimonial ou pela obtenção de um abstrato direito a crédito, passível de imediata conversão em moeda. No primeiro caso, tem-se a disponibilidade econômica; no segundo, a jurídica. Há uma tendência apontada pela corrente doutrinária que segue essa tese, de se abolir a diferenciação, uma vez que tais hipóteses de disponibilidade tendem a se confundir, pois, se a denominada disponibilidade jurídica é conversível em disponibilidade econômica, ela, no fundo, também é econômica. Nesse ponto, é conveniente ressaltar que todos os impostos incidem sobre manifestações de riqueza, fatos essencialmente econômicos.
Não obstante a manifesta tendência de abandono da classificação, ela ainda consta do CTN e deve ser conhecida pelos que se preparam para as provas de concurso público. Para esses objetivos, a diferenciação que parece mais consentânea com a tese ora esposada é aquela que foi vencedora em votação plenária no XI Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Estudos de Extensão Universitária – CEEU, lavrada nos termos abaixo transcritos:
– Aquisição de disponibilidade jurídica é a obtenção de direitos de créditos, não sujeitos a condição suspensiva;
– Aquisição de disponibilidade econômica é a obtenção da faculdade de usar, gozar e dispor de dinheiro ou coisas nele conversíveis, entrados para o patrimônio do adquirente por ato ou fato jurídico.
Como exemplo de disponibilidade jurídica, tem-se o recebimento de um cheque (ordem de pagamento à vista); como hipótese de disponibilidade econômica, tem-se o recebimento de um pagamento em dinheiro. A exemplificação demonstra com clareza o quanto a diferenciação carece de relevância prática.
Registre-se que a diferenciação proposta pelo CEEU tem sido utilizada pela ESAF nos manuais dos seus cursos de formação (que consistem na segunda etapa da maioria dos concursos promovidos pela instituição).
Com relação aos rendimentos obtidos no exterior, a regulamentação reclamada pelo § 2.º acima transcrito consta da Medida Provisória 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, que, em seu art. 74, assim dispôs:
“Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.
Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor”.
O dispositivo é objeto de uma das maiores controvérsias tributárias já instauradas perante o STF.
A grande questão é que, conforme visto, o fato gerador do imposto de renda depende da disponibilidade dos rendimentos, sendo bastante discutível a possibilidade de a lei definir o momento em que os lucros são considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil, independentemente da efetiva distribuição econômica ou da deliberação dos respectivos órgãos de direção.
A situação é ainda mais discutível no que concerne às coligadas, pois uma contribuinte brasileira não tem poder de mando sobre suas coligadas, não se podendo afirmar que a distribuição dos lucros fica ao arbítrio (disponibilidade) da empresa nacional.
A Fazenda Pública considera a regra essencial para evitar que as controladas e coligadas no exterior sirvam como meros mecanismos destinados a subtrair vultosos lucros da tributação nacional. Além disso, a Fazenda alega que as empresas nacionais investidoras se submetem ao Método da Equivalência Patrimonial – MEP, em que o investimento em controladas e coligadas é avaliado e atualizado mediante a aplicação do percentual que a investidora tem de participação controlada ou coligada sobre o valor do Patrimônio Líquido de cada uma destas. O resultado desse cálculo é então comparado com o custo de aquisição. Dessa forma, a apuração dos lucros no exterior, por aumentar o patrimônio líquido da controlada ou coligada, repercutiria como aumento patrimonial (lucro) da investidora brasileira.
De qualquer maneira, o problema principal remanesce: pode essa mera apuração de lucro no exterior ser considerada disponibilização de renda no Brasil?
O Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão no julgamento da ADI 2.588/DF. Conforme consta na própria ementa do Acórdão proferido, os Ministros se dividiram em quatro diferentes correntes que podem ser assim sintetizadas:
“1.1. Inconstitucionalidade incondicional, já que o dia 31 de dezembro de cada ano está dissociado de qualquer ato jurídico ou econômico necessário ao pagamento de participação nos lucros;
1.2. Constitucionalidade incondicional, seja em razão do caráter antielisivo (impedir ‘planejamento tributário’) ou antievasivo (impedir sonegação) da normatização, ou devido à submissão obrigatória das empresas nacionais investidoras ao Método de Equivalência Patrimonial – MEP, previsto na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976, art. 248);
1.3. Inconstitucionalidade condicional, afastada a aplicabilidade dos textos impugnados apenas em relação às empresas coligadas, porquanto as empresas nacionais controladoras teriam plena disponibilidade jurídica e econômica dos lucros auferidos pela empresa estrangeira controlada;
1.4. Inconstitucionalidade condicional, afastada a aplicabilidade do texto impugnado para as empresas controladas ou coligadas sediadas em países de tributação normal, com o objetivo de preservar a função antievasiva da normatização”.
A Corte Suprema foi sensível ao argumento relativo ao combate à elisão e à evasão fiscal, mas não permitiu que a tentativa de fuga à tributação fosse presumida. Nas palavras marcantes do Ministro Joaquim Barbosa, a regra não autoriza que se “atalhe o devido processo legal”. Como há no Brasil uma lista dos “paraísos fiscais” (Instrução Normativa SRF 1.037/2010), ou seja, dos países com tributação favorecida, ou que não imponham controles e registros societários rígidos, o STF somente aceitou a aplicação das regras ora estudadas para as controladas e sediadas em tais países.
No caso de a coligada ou controlada não se situar em “paraíso fiscal”, cabe à autoridade fiscal comprovar a existência de evasão ou elisão, não sendo cabível lançamento com base em mera presunção de que tais comportamentos estão caracterizados.
Assim, não obstante as sonoras divergências entre os Ministros, ao se somar votos que eram comuns nas opiniões prevalentes, após cerca de dez anos de julgamento, o STF reconheceu (grifos não constam do original):
“2.1. A inaplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais coligadas a pessoas jurídicas sediadas em países sem tributação favorecida, ou que não sejam ‘paraísos fiscais’;
2.2. A aplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas nacionais controladoras de pessoas jurídicas sediadas em países de tributação favorecida, ou desprovidos de controles societários e fiscais adequados (‘paraísos fiscais’, assim definidos em lei);
2.3. A inconstitucionalidade do art. 74, par. ún., da MP 2.158-35/2001, de modo que o texto impugnado não pode ser aplicado em relação aos lucros apurados até 31 de dezembro de 2001.
Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada parcialmente procedente, para dar interpretação conforme ao art. 74 da MP 2.158-35/2001, bem como para declarar a inconstitucionalidade da cláusula de retroatividade prevista no art. 74, par. ún., da MP 2.158/2001”.
Pode parecer estranho o fato de que a aplicabilidade somente foi declarada para as controladas em paraíso fiscal e a inaplicabilidade, para as coligadas fora de paraíso fiscal; não havendo decisão para as controladas fora de paraíso fiscal nem para as coligadas em paraíso fiscal. Tal situação ocorreu porque a Corte se dividiu, com quatro Ministros votando pela inconstitucionalidade total do dispositivo e quatro pela constitucionalidade total; o Ministro Gilmar Mendes foi considerado impedido por ter atuado no processo quando Advogado-Geral da União; o Ministro Joaquim Barbosa votou pela aplicação da regra apenas para os casos de controlada ou coligada em paraísos fiscais; a ministra Ellen Gracie votou pela aplicação apenas às controladas (e não às coligadas) onde quer que sejam suas sedes. Combinando os votos de Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, os ministros entenderam que ambos concordam com a aplicação da regra para controladas em paraíso fiscal e com a não aplicação para as coligadas fora de paraíso fiscal.
Os dois votos que sustentam a primeira conclusão (aplicação a controladas em paraíso fiscal) foram somados aos quatro que defendem a aplicação da norma a todos os casos, completando os seis votos necessários ao efeito vinculante; já os dois que adotam a segunda conclusão (não aplicação às coligadas fora de paraíso fiscal) foram somados aos quatro que esposam a total inconstitucionalidade da norma, completando os seis votos necessários ao efeito vinculante neste sentido.
Em virtude das notórias lacunas na decisão e da composição renovada da Corte, há de se esperar por novo julgamento apto a sanar as dúvidas ainda remanescentes.
Por fim, registre-se que o dispositivo ora estudado tem data de validade, pois o art. 99, IX, da MP 627/2013 previu sua revogação com produção de efeitos a partir de 01.01.2015. Tal revogação, no entanto, não diminui a imensa probabilidade de cobrança do tema nas provas de concurso público.
A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis (art. 44, CTN).
Na sistemática do lucro real, o contribuinte efetivamente calcula seu lucro, abatendo do faturamento as despesas legalmente autorizadas.
Nos termos regulamentares, o lucro real é definido como o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto (RIR/99, art. 247).
No lucro presumido (opção possível para alguns contribuintes), o sujeito passivo aplica um percentual legal sobre o valor de sua receita bruta, obtendo como resultado um montante que se presume ser seu lucro.
A sistemática do lucro arbitrado é aplicada quando não é possível o cálculo preciso do lucro real e o contribuinte não cumpre os requisitos para a tributação com base no lucro presumido (o detalhamento das hipóteses se encontra no art. 530 do RIR/99).
A situação se verifica principalmente quando o sujeito passivo não cumpre regularmente sua obrigação acessória de escriturar livros fiscais. Não se trata de uma punição, mas de uma maneira de se chegar a um valor razoável para servir de base de cálculo para o tributo (arbitramento). A base de cálculo do imposto, nesse caso, é determinada conforme diversos critérios previstos na legislação, sendo regra a aplicação de percentual sobre a receita bruta. Quando esta é desconhecida, são utilizados outros parâmetros objetivos para o arbitramento do lucro.
É de grande relevância saber, principalmente no caso de preparação para concursos públicos, que é possível o arbitramento por iniciativa do contribuinte, desde que conhecida a receita bruta e caracterizada uma das hipóteses de arbitramento. A previsão consta do art. 531 do RIR/99.
No que concerne ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas – IRPF, a determinação da base de cálculo é feita por meio da regra constante no art. 83 do RIR/99. Em síntese, a base de cálculo será a diferença positiva entre as seguintes somas:
a) todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação definitiva;
b) as deduções legalmente previstas (despesas com saúde, educação, previdência social oficial e privada, livro caixa, pensão alimentícia e valor padrão por dependente).
A definição dos contribuintes do imposto de renda se encontra no art. 45 do Código Tributário Nacional, conforme abaixo transcrito:
“Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam”.
Muita confusão se faz em torno da modalidade de lançamento a que está sujeito o imposto de renda.
O motivo da celeuma é que a mais famosa declaração tributária existente no direito tributário brasileiro é, exatamente, a declaração de imposto de renda (principalmente a das pessoas físicas). O fato fez com que muitos autores, apressadamente, afirmassem que o tributo seria lançado por declaração.
Na sistemática de lançamento do IR, entretanto, a formulação de declaração pelo sujeito passivo é mera obrigação acessória que auxilia no cálculo, pelo próprio sujeito passivo, do tributo porventura devido. Caso haja imposto a pagar, o próprio declarante deve antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, tudo em perfeita subsunção com a regra contida no art. 150 do Código Tributário Nacional, sede da definição do lançamento por homologação.
Assim, não obstante as manifestações em sentido contrário, a regra, no imposto de renda é, insofismavelmente, o lançamento por homologação.
Na esteira deste entendimento, o CESPE, no Exame de Ordem da OAB – Seccionais do Nordeste, prova de 2006.1, considerou correta a seguinte assertiva: “O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é tributo sujeito ao lançamento por homologação, procedimento em que o contribuinte antecipa o pagamento do tributo, e a autoridade tributária, posteriormente, o homologa”.
Constatada a ausência ou insuficiência de pagamento de acordo com o fato gerador ocorrido, o crédito correspondente deve ser constituído de ofício, respeitado o prazo decadencial.
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Imposto de Renda – IR |
Função predominante |
Fiscal |
Princípio da legalidade |
Está sujeito |
Princípio da anterioridade |
Está sujeito |
Não se sujeita |
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Fato gerador |
A aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. |
Base de cálculo |
É o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis |
Contribuintes |
É o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. |
Lançamento |
Por homologação |
Durante muito tempo, a doutrina se referiu ao IPI como um tributo de finalidade precipuamente extrafiscal.
Na esteira deste entendimento, da mesma forma que o II, o IE e o IOF, o legislador constituinte originário optou por possibilitar ao Poder Executivo alterar as alíquotas do IPI, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, sem necessidade de obediência ao princípio da anterioridade para a cobrança, em havendo majoração.
No entanto, a arrecadação do IPI é a segunda entre os impostos federais (só é menor que a do IR), o que demonstra que a finalidade fiscal ganhou grande relevância, justificando o pleito de que se estendesse ao tributo alguma garantia que protegesse o contribuinte contra a elevação repentina da carga do imposto.
Ao editar a Emenda Constitucional 42/2003, o legislador constituinte derivado atendeu aos pleitos dos contribuintes, estendendo a noventena aos tributos em geral e não excetuando o IPI.
Em síntese, no que concerne ao princípio da não surpresa, o IPI é exceção à anterioridade do exercício financeiro, embora seja submetido à noventena, conforme predispõe o art. 150, § 1.º, da CF/1988.
O imposto sobre produtos industrializados é necessariamente seletivo, de forma que suas alíquotas devem ser fixadas de acordo com a essencialidade do produto, sendo menores para os gêneros considerados essenciais e maiores para os supérfluos (CF, art. 153, § 3.º, I).
O objetivo final do princípio é conseguir, de maneira indireta, graduar a carga tributária do imposto de acordo com a capacidade contributiva dos consumidores, uma vez que os produtos essenciais são consumidos por todas as classes sociais, devendo, justamente por isso, estar sujeitos a uma suave ou inexistente carga tributária. Já os gêneros supérfluos são presumidamente consumidos apenas (ou, ao menos, principalmente) pelas pessoas das classes sociais mais privilegiadas, devendo ser tributados de uma maneira mais gravosa.
Outro princípio a ser obrigatoriamente obedecido pelo IPI é o da não cumulatividade, permitindo-se a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (CF, art. 153, § 3.º, II).
A não cumulatividade é técnica que tem por objetivo limitar a incidência tributária nas cadeias de produção e circulação mais extensas, fazendo com que, a cada etapa da cadeia, o imposto somente incida sobre o valor adicionado nessa etapa. Assim, ao final da cadeia, o tributo cobrado jamais será maior que o valor da maior alíquota, multiplicado pelo valor final da mercadoria.
É justamente por isso que na maioria dos países do mundo o imposto é chamado de IVA, imposto sobre o valor agregado (ou adicionado). No Brasil, numa atécnica tentativa de dividir renda, o IVA foi dividido em três pedaços, criando-se o IPI federal, o ICMS estadual e o ISS municipal. Nos casos de incidência sobre circulação de bens (ICMS e IPI), a Constituição Federal determinou a não cumulatividade.
No Código Tributário Nacional, a não cumulatividade do IPI está disciplinada no art. 49, nos seguintes termos:
“Art. 49. O imposto é não cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados”.
A sistemática, portanto, funciona mediante o sistema de débitos e créditos a seguir explicado. Ressalte-se que a terminologia a ser utilizada na explanação é a jurídica e não a contábil, visto que os bens e direitos em contabilidade são registrados como “débitos”, e as obrigações como “créditos”, sentido exatamente contrário ao que é aqui adotado.
A cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como crédito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte, consistente na possibilidade de recuperar o valor incidente nas operações subsequentes (é o “IPI a recuperar”).
A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos federais ou compensá-lo com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do “IPI a recolher”).
Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.
Perceba-se que se o insumo adquirido for isento, não tributável ou sujeito à alíquota zero, aparentemente não haveria direito a crédito do adquirente. Quando este aliena um produto, o valor incidente teria de ser integralmente recolhido aos cofres públicos, dada a inexistência de créditos para efeito de compensação.
Nesta situação o benefício da isenção seria praticamente anulado, de forma a tornar inócuo o incentivo que a lei provavelmente tentou dar à cadeia produtiva daquele produto.
Entendendo dessa forma, o Supremo Tribunal Federal inicialmente decidia pela existência do direito a crédito do IPI, mesmo quando os insumos adquiridos tinham sido beneficiados por isenção ou alíquota zero, conforme demonstra o pedagógico excerto abaixo transcrito:
“O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu, em favor da empresa contribuinte, a existência do direito ao creditamento do IPI, na hipótese em que a aquisição de matérias-primas, insumos e produtos intermediários tenha sido beneficiada por regime jurídico de exoneração tributária (regime de isenção ou regime de alíquota zero), inocorrendo, em qualquer desses casos, situação de ofensa ao postulado constitucional da não cumulatividade. Precedentes” (STF, 2.ª T., RE-AgR 293.511/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 11.02.2003, DJ 21.03.2003 p. 63).
Entretanto, em sessão realizada no dia 15 de fevereiro de 2007, a Corte, por seis votos contra cinco, mudou seu entendimento e decidiu pela impossibilidade de compensação de créditos de IPI relativos à aquisição de matéria-prima não tributada ou sujeita à alíquota zero.
Após a declaração do resultado do julgamento, o Ministro Ricardo Lewandowski submeteu questão de ordem ao Plenário sobre a possibilidade de “concessão de efeitos prospectivos à decisão proferida”. Posteriormente, o Tribunal decidiu que a situação concreta não autorizaria a manipulação de efeitos da decisão, haja vista que a lei impeditiva do creditamento havia sido declarada constitucional, não sendo possível afirmar que uma norma é constitucional a partir de determinada data (a atribuição de efeitos prospectivos somente seria viável nas decisões que declaram a inconstitucionalidade de norma). Nas palavras da Corte “a fixação de um termo inicial de vigência do entendimento do Plenário resultaria em mitigação da Constituição Federal e injustiça, porquanto os contribuintes que ingressaram em juízo obteriam o direito ao crédito retroativamente aos 5 anos anteriores ao ajuizamento da ação, enquanto que os que assim não procederam restariam prejudicados, considerada a incidência dos institutos da prescrição e da decadência” (STF, Tribunal Pleno, RE 370.682/SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 25.06.2007, DJ 19.12.2007, p. 24; e RE 353.657).
Ao final, a Ementa dos julgados foi lavrada da seguinte forma:
“Recurso extraordinário. Tributário. 2. IPI. Crédito Presumido. Insumos sujeitos à alíquota zero ou não tributados. Inexistência. 3. Os princípios da não cumulatividade e da seletividade não ensejam direito de crédito presumido de IPI para o contribuinte adquirente de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero. 4. Recurso extraordinário provido.”
Assim, havendo aquisição de insumo não tributado ou sujeito a alíquota zero, indiscutivelmente não existe o direito a crédito. Já a questão relativa à aquisição de insumos isentos, ainda é objeto de severas controvérsias, havendo quem defenda a existência de direito a crédito sob o argumento de que, se o legislador optou por desonerar a cadeia produtiva de determinado bem, concedendo isenção na aquisição dos respectivos insumos, seria um despautério transformar tal intento num mero diferimento do pagamento do tributo, o que inevitavelmente aconteceria caso não se reconhecesse a possibilidade de creditamento na hipótese de aquisição de matéria-prima isenta.
No entanto, a tendência atual parece ser no sentido de que o tratamento de todas as hipóteses de aquisições desoneradas (isenção, não incidência e alíquota-zero) devem se submeter ao mesmo regramento, de forma que, não havendo pagamento do tributo relativo à operação de entrada, não há direito a crédito por parte do adquirente. Há julgados do Supremo Tribunal Federal que adotam expressamente a tese, como se pode ver do seguinte excerto (2.ª T., RE 372005-AgR, rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2008):
“A expressão utilizada pelo constituinte originário – montante ‘cobrado’ na operação anterior – afasta a possibilidade de admitir-se o crédito de IPI nas operações de que se trata, visto que nada teria sido ‘cobrado’ na operação de entrada de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero”.
Do voto vencedor do Ministro Eros Grau (relator), consta uma passagem bastante clara equiparando as hipóteses de desoneração tributária:
“No que respeita ao direito de crédito presumido relativo à entrada de matéria-prima e demais insumos isentos, não obstante tratar-se de instituto diverso da não tributação (produto não compreendido na esfera material de incidência do tributo) e da incidência de alíquota zero (redução de alíquota ao fator zero), a consideração do princípio da não cumulatividade conduz à aplicação ao caso, da mesma orientação fixada nos precedentes”.
É importante repisar que a matéria ainda é bastante controversa, de forma que o CESPE, no concurso para Advogado da União, com provas aplicadas em 1º.02.2009, considerou incorreta a seguinte assertiva: “De acordo com o STF, reputa-se inconstitucional o ato do contribuinte do IPI que se credita do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção”.
No entanto, parecendo se curvar à tendência dos posicionamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, o mesmo CESPE, no concurso para provimento de cargos de Juiz Federal do TRF da 5.ª Região, realizado no mesmo ano de 2009, mas em data posterior (21.06.2009), formulou a seguinte afirmativa (formada pelo enunciado da questão seguido da alternativa que corretamente a completa de acordo com o gabarito oficial):
“Determinada empresa industrial que produz um único tipo de produto tributado com IPI e com ICMS adquire, para sua produção, dois tipos de insumos industrializados: um deles é isento de IPI e o outro, imune à tributação do referido imposto. Considerando os dispositivos constitucionais e a jurisprudência do STF aplicável ao caso e a inexistência de qualquer norma infraconstitucional a respeito dessa matéria, é correto afirmar que, na aplicação do mecanismo de não cumulatividade, a referida empresa não pode deduzir qualquer crédito presumido, seja relativo ao insumo isento ou ao imune” (grifos não constam do original).
Em suma, a controvérsia em torno do tema deveria impedir sua cobrança em provas de concurso, mas, no caso de questões sobre o assunto, aconselha-se ao candidato equiparar os institutos que importam desoneração da operação de entrada de insumos isentos, de forma a não se admitir direito a crédito por parte do adquirente.
Situação completamente distinta da analisada até aqui se verifica quando os insumos são adquiridos com cobrança do IPI, mas os produtos resultantes da industrialização de tais insumos são alienados sem a cobrança do tributo (não incidência, isenção ou alíquota zero). Repise-se: até agora foram analisados casos de entradas desoneradas com saída oneradas. O que se passa analisar são casos de entradas oneradas com saídas desoneradas.
Também nesse caso, o STF deu a mesma solução prevista expressamente para o ICMS (CF, art. 155, § 2.º, II, b), qual seja, deve-se cancelar o crédito relativo às operações anteriores. No entender do Supremo, como o art. 153, § 3.º, II, da CF/1988 afirma que o IPI “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”, somente se pode usar crédito decorrente de operação anterior com a exclusiva finalidade de compensar os débitos da operação subsequente, salvo se a legislação infraconstitucional resolver conceder o direito à utilização de tal crédito de outra forma.
Atualmente está em vigor o art. 11 da Lei 9.779/1999, autorizando a manutenção e utilização dos créditos de IPI mesmo diante de saídas desoneradas. Entretanto, é fundamental entender que tal benefício somente se aplica àqueles insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado a partir de 1.º de janeiro de 1999.
Em suma, o direito à manutenção e ao aproveitamento de créditos de IPI relativos a aquisições tributadas de insumos utilizados na industrialização de produtos desonerados do imposto depende de expressa previsão em lei, e tal previsão somente passou a existir com o advento da Lei 9.779/1999 (STF, Pleno, RE 475.551, rel. Min. Cesar Peluso, rel. para acórdão Min. Cármen Lúcia, j. 06.05.2009, DJe 13.11.2009).
A conjugação das duas decisões analisadas acima demonstra que tanto para o IPI quanto para o ICMS vale a tese da dupla incidência (ou, de maneira mais técnica, “dupla oneração”), de forma que o direito a crédito decorrente da não cumulatividade destes tributos somente decorre diretamente da Constituição Federal (independendo de previsão legal) quando houver entrada onerada e saída onerada. Se a entrada é desonerada, não há direito a crédito; se a saída é desonerada, devem ser cancelados (estornados) os créditos relativos às operações ou prestações anteriores. Tudo, obviamente, salvo disposição legal em sentido contrário.
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que, nos casos em que a lei concede ou mantém crédito da forma acima descrita, está presente o benefício do “crédito presumido”. A terminologia, por demais discutível, acaba por atrair a incidência do art. 150, § 6.º, da Constituição Federal, que exige lei específica para a concessão dos benefícios lá enumerados, entre eles o “crédito presumido”. Este é mais um forte argumento para fundamentar a tese da dupla incidência, pois, reafirme-se, diante da ausência de lei específica em sentido contrário, não há crédito presumido do adquirente/alienante de insumos/produtos desonerados.
Por fim, é também entendimento do STF que, tendo em vista a semelhança entre o ICMS e o IPI, aplica-se a este o precedente segundo o qual, diante da inexistência de previsão legal, não há direito à correção monetária dos créditos escriturais (2.ª T., RE 410.795-AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 29.09.2009, DJe 29.10.2009 – a análise da matéria, quanto ao ICMS, é feita no final do item 13.2.2.4). Entretanto, no entender do STJ, há o direito à correção monetária quando legítimo direito ao creditamento é obstado em virtude de resistência oposta por ilegítimo ato administrativo ou normativo do Fisco, somente vindo a ser exercido mediante a submissão da matéria ao Judiciário (STJ, 1.ª Seção, REsp 1.035.847, rel. Min. Luiz Fux, j. 24.06.2009, DJe 03.08.2009).
Como é de amplo conhecimento, a política é exportar mercadorias, não impostos.
Seguindo a máxima, o legislador constituinte resolveu imunizar as exportações de produtos industrializados à incidência do IPI (CF, art. 153, § 3.º, III).
Por força de outros dispositivos constitucionais, são também imunes ao IPI os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (CF, art. 150, VI, d); o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial (CF, art. 153, § 5.º); energia elétrica, derivados de petróleo, combustíveis e minerais no País (CF, art. 155, § 3.º).
Com o advento da EC 42/2003, passou-se a prever que o IPI terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.
O objetivo do benefício foi incentivar a aquisição de bens de capital (primordialmente as máquinas) por parte do industrial, principal contribuinte do imposto.
Os destinatários são aqueles que têm dúvidas entre manter seus recursos investidos no sistema financeiro ou aplicá-los na chamada “economia real”. O que se tenta é estimulá-los a decidir por seguir a segunda opção, fomentando o desenvolvimento.
O fato gerador do IPI está disciplinado pelo art. 46 do CTN, abaixo transcrito:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.
O Decreto 7.212/2010 (Regulamento do IPI – RIPI) define o fato gerador do IPI da seguinte forma:
“Art. 35. Fato gerador do imposto é (Lei n.º 4.502, de 1964, art. 2.º):
I – o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira; ou
II – a saída de produto do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial”.
O mesmo Decreto ainda traz definições importantes sobre a incidência do imposto, conforme se transcreve abaixo:
“Art. 2.º O imposto incide sobre produtos industrializados, nacionais e estrangeiros, obedecidas as especificações constantes da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI (Lei n.º 4.502, de 30 de novembro de 1964, art. 1.º, e Decreto-Lei n.º 34, de 18 de novembro de 1966, art. 1.º).
Parágrafo único. O campo de incidência do imposto abrange todos os produtos com alíquota, ainda que zero, relacionados na TIPI, observadas as disposições contidas nas respectivas notas complementares, excluídos aqueles a que corresponde a notação ‘NT’ (não tributado) (Lei n.º 10.451, de 10 de maio de 2002, art. 6.º).
Art. 3.º Produto industrializado é o resultante de qualquer operação definida neste Regulamento como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária (Lei n.º 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei n.º 4.502, de 1964, art. 3.º).
Art. 4.º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei n.º 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único, e Lei n.º 4.502, de 1964, art. 3.º, parágrafo único):
I – a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);
II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);
III – a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);
IV – a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou
V – a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).
Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados”.
De acordo com o art. 47 do CTN, a base de cálculo do imposto é:
I – no caso de produto procedente do exterior, o preço normal que o mesmo, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País, acrescido do montante:
a) do imposto sobre a importação;
b) das taxas exigidas para entrada do produto no País;
c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis;
II – no caso de saída de mercadoria do estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante:
a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria;
b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente;
III – no caso de arrematação de produto apreendido ou abandonado e levado a leilão, o preço da arrematação”.
O CTN traz o seguinte rol de contribuintes do IPI:
“Art. 51. Contribuinte do imposto é:
I – o importador ou quem a lei a ele equiparar;
II – o industrial ou quem a lei a ele equiparar;
III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior;
IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se contribuinte autônomo qualquer estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante”.
O IPI é lançado por homologação, pois é o próprio sujeito passivo que, a cada período de tempo determinado na lei, respeitando a sistemática de débitos e créditos, calcula o valor do imposto devido e antecipa o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo a esta verificar a correção do procedimento e, se for o caso, homologá-lo, podendo, ainda, lançar de ofício as diferenças porventura devidas.
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Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI |
Função predominante |
Extrafiscal (divergência) |
Princípio da legalidade |
Admite exceção: alteração da alíquota pelo Executivo (Decreto) |
Princípio da anterioridade |
Não se sujeita |
Princípio da noventena |
Está sujeito |
Fato gerador |
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do art. 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. |
Base de cálculo |
I – no caso de produto procedente do exterior, o preço normal que o mesmo, ou seu similar, alcançaria, ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou lugar de entrada do produto no País, acrescido do montante: a) do imposto sobre a importação; b) das taxas exigidas para entrada do produto no País; c) dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; II – no caso de saída de mercadoria do estabelecimento de importador, industrial, comerciante ou arrematante: a) o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria; b) na falta do valor a que se refere a alínea anterior, o preço corrente da mercadoria, ou sua similar, no mercado atacadista da praça do remetente; III – no caso de arrematação de produto apreendido ou abandonado e levado a leilão, o preço da arrematação. |
I – o importador ou quem a lei a ele se equiparar; II – o industrial ou quem a lei a ele se equiparar; III – o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça aos contribuintes definidos no inciso anterior; IV – o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. |
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Lançamento |
Por homologação |
Cumulação de impostos |
Não incide nos produtos destinados ao exterior, mas pode ser cobrado em conjunto com o ICMS e com o II |
Características principais |
Seletividade, não cumulatividade (ambas de observância obrigatória) |
A Constituição Federal, no seu art. 153, V, atribui à União competência para instituir o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. Trata-se do famoso IOF, assim denominado em virtude de as operações sujeitas à tributação possuírem natureza ineludivelmente financeira.
O imposto possui clara finalidade extrafiscal, pois possibilita à União intervir no funcionamento do mercado financeiro, “aquecendo-o” ou “esfriando-o”, de acordo com a necessidade.
Se, a título de exemplo, o excesso de demanda está gerando um surto inflacionário, uma das alternativas viáveis é o aumento da alíquota do IOF incidente sobre as operações de crédito. O acesso a financiamentos se tornará mais oneroso, e a tendência passa a ser a desaceleração do consumo, conforme desejado nas circunstâncias.
Percebe-se que é necessário conceder à União agilidade na alteração da alíquota do tributo, o que levou o legislador a, seguindo o regime jurídico do II e do IE, excluir o IOF do princípio da legalidade, no tocante à alteração de alíquotas, e dos princípios da anterioridade e da noventena.
No mundo dos negócios, o ouro é encontrado basicamente de duas formas, quais sejam: a) como mercadoria (uma joia, por exemplo); b) como meio de pagamento (pagamento em barras de ouro, por exemplo).
Quando o ouro é mercadoria, não há qualquer especificidade digna de nota, pois sobre ele incidirão os tributos que ordinariamente incidem sobre as mercadorias (ICMS, IPI, II, IE).
Já nos casos em que o ouro é o próprio meio de pagamento, como se fora moeda, não há que se falar em cobrança de tributos que incidem sobre mercadorias, pois, a título de exemplo, se não incide ICMS sobre a circulação dos reais usados para pagar determinado débito, também não pode incidir sobre o ouro utilizado para quitar débito semelhante.
Nessa linha, o art. 153, § 5.º, da CF/1988 afirma que o ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, se sujeita exclusivamente à incidência do IOF, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos:
“I – trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem;
II – setenta por cento para o Município de origem”.
Como afirma o dispositivo, a incidência do IOF-ouro só é possível na operação de origem, ou seja, na primeira operação, que é o desembaraço aduaneiro, quando oriundo do exterior, ou a aquisição por instituição autorizada, não sendo legítima a tributação das operações subsequentes.
Esse foi o motivo que levou o STF a declarar inconstitucional o inciso II do art. 1.º da Lei 8.033/1990, que previa a incidência do IOF sobre “a transmissão de ouro definido pela legislação como ativo financeiro” (RE 190.363).
Ora, a incidência somente é legítima sobre a primeira operação, não podendo se dar sobre as transmissões posteriores. Perfeita, portanto, a decisão do STF.
Não obstante a decisão do STF ter-se verificado em sede de controle difuso de constitucionalidade, cujos efeitos são apenas entre as partes que integram a lide, o Senado Federal editou a Resolução 52/1999 suspendendo a aplicação do dispositivo em todo o território nacional.
Repise-se que, apesar de o IOF ser um imposto federal, no caso da tributação do ouro ativo financeiro ou instrumento cambial, toda a arrecadação é transferida aos Estados (30%) e Municípios (70%).
Por fim, a imunidade aqui prevista não impedia a cobrança da hoje extinta CPMF, conforme prevê o art. 74, § 2.º, do ADCT. A exclusão é correta, pois a CPMF incidia exatamente sobre a circulação dos meios de pagamento (movimentação financeira).
Art. 63 do CTN:
“Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado;
II – quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este;
III – quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável;
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.
Parágrafo único. A incidência definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto à emissão, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operação de crédito”.
O STF entende que os saques realizados em caderneta de poupança não se equiparam a operação de crédito para efeito de cobrança do IOF, tendo declarado inconstitucional dispositivo legal que previa tal incidência.
O entendimento está hoje cristalizado na Súmula 664 do Tribunal, conforme se pode verificar da transcrição abaixo:
STF – Súmula 664 – “É inconstitucional o inciso V do art. 1.º da Lei 8.033/1990, que instituiu a incidência do imposto nas operações de crédito, câmbio e seguros – IOF sobre saques efetuados em caderneta de poupança”.
Conforme art. 64 do CTN, a base de cálculo do imposto é:
“I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros;
II – quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição;
III – quanto às operações de seguro, o montante do prêmio;
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários:
a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver;
b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei;
c) no pagamento ou resgate, o preço”.
O art. 66 do CTN determina que contribuinte do imposto é quaisquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei.
O IOF é lançado por homologação, pois incumbe ao sujeito passivo antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo a esta verificar a correção do procedimento e, se for o caso, homologá-lo, podendo, ainda, lançar de ofício as diferenças porventura devidas.
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Imposto sobre Operações Financeiras – IOF |
Função predominante |
Extrafiscal (funcionamento do mercado financeiro) |
Princípio da legalidade |
Admite exceção: alteração da alíquota pelo Executivo (Decreto) |
Princípio da anterioridade |
Não se sujeita |
Princípio da noventena |
Não se sujeita |
Fato gerador |
I – quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II – quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III – quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável. |
Base de cálculo |
I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros; II – quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; III – quanto às operações de seguro, o montante do prêmio; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários: a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei; c) no pagamento ou resgate, o preço |
Qualquer das partes na operação tributada |
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Lançamento |
Por homologação |
Cumulação de impostos |
Ouro utilizado como mercadoria: incidem ICMS, IPI, II, IE Ouro como meio de pagamento: só IOF |
O ITR é imposto com finalidade marcantemente extrafiscal, pois, nos termos do art. 153, § 4.º, I, da CF/1988, suas alíquotas serão fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas.
As alíquotas não são fixadas, portanto, de modo a otimizar a arrecadação. O que se quer é tributar de uma maneira mais gravosa as propriedades menos produtivas, de forma a desestimular a manutenção da situação.
Na prática, a legislação do ITR (Lei 9.393/1996, art. 11 e Anexo) cria alíquotas inversamente proporcionais ao grau de utilização de cada imóvel rural, conforme apontado na tabela abaixo:
ÁREA TOTAL DO IMÓVEL (em hectares) |
GRAU DE UTILIZAÇÃO (em %) |
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Maior que 80 |
Maior que 65 até 80 |
Maior que 50 até 65 |
Maior que 30 até 50 |
Até 30 |
Até 50 |
0,03 |
0,20 |
0,40 |
0,70 |
1,00 |
Maior que 50 até 200 |
0,07 |
0,40 |
0,80 |
1,40 |
2,00 |
Maior que 200 até 500 |
0,10 |
0,60 |
1,30 |
2,30 |
3,30 |
Maior que 500 até 1.000 |
0,15 |
0,85 |
1,90 |
3,30 |
4,70 |
Maior que 1.000 até 5.000 |
0,30 |
1,60 |
3,40 |
6,00 |
8,60 |
Acima de 5.000 |
0,45 |
3,00 |
6,40 |
12,00 |
20,00 |
Como a base de cálculo é o valor da terra nua, grandeza que não varia com o aumento do grau de utilização da terra, a consequência é que quem mais produz paga menos, o que é um estímulo ao cumprimento da função social da propriedade.
É importante ressaltar que, apesar da forte nuance extrafiscal, o ITR está sujeito às amarras da legalidade, da noventena, da anterioridade e de todas as demais limitações constitucionais previstas ao poder de tributar, o que demonstra que a extrafiscalidade não traz necessariamente como consectário uma maior liberdade estatal na administração do imposto.
Conforme afirma o mesmo art. 153, § 4.º, I, da CF/1988, o ITR é progressivo. Na prática, o aumento da alíquota toma como critério a área do imóvel.
Conjugando-se a progressividade aqui analisada com a finalidade extrafiscal do ITR, a legislação do tributo criou uma tabela de incidência cuja diretriz é aumentar o tributo proporcionalmente à área do imóvel tributado e de maneira inversamente proporcional ao grau de utilização, de forma que a maior alíquota prevista (20%) é aplicável aos latifúndios improdutivos (área acima de cinco mil hectares e grau de utilização de até 30%) e a menor alíquota (0,03%) é aplicável às pequenas propriedades altamente produtivas (área menor que cinquenta hectares e grau de utilização maior que 80%).
O legislador constituinte originário, em homenagem ao princípio da função social da propriedade, optou por imunizar ao ITR as pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel.
A definição do que é pequena gleba consta da Lei 9.393/1996, da seguinte forma:
“Art. 2.º Nos termos do art. 153, § 4.º, in fine, da Constituição, o imposto não incide sobre pequenas glebas rurais, quando as explore, só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel.
Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, pequenas glebas rurais são os imóveis com área igual ou inferior a:
I – 100 ha, se localizado em município compreendido na Amazônia Ocidental ou no Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense;
II – 50 ha, se localizado em município compreendido no Polígono das Secas ou na Amazônia Oriental;
III – 30 ha, se localizado em qualquer outro município”.
A regra imunizante, bastante justa, excluiu injustamente do benefício os proprietários de mais de um imóvel (só são imunes os proprietários que não possuam outro imóvel) cuja soma das áreas seja inferior à pequena gleba.
Assim, se uma pessoa “A” possui um único imóvel em Goiás com área de 30 hectares, estará livre do ITR, pois seu imóvel se enquadra no conceito de pequena gleba.
Já a pessoa “B”, que possua dois imóveis na mesma região, cada um com 10 hectares, não é imune, pois apesar de se encontrar em situação patrimonial inferior à de “A”, o fato de possuir mais de um imóvel impede a incidência da regra imunizante.
A injustiça foi sanada pela mesma Lei 9.393/1996, que conferiu isenção para os proprietários que possuam imóveis em tal situação, conforme se verifica na transcrição abaixo:
“Art. 3.º São isentos do imposto:
(...).
II – o conjunto de imóveis rurais de um mesmo proprietário, cuja área total observe os limites fixados no parágrafo único do artigo anterior, desde que, cumulativamente, o proprietário:
a) o explore só ou com sua família, admitida ajuda eventual de terceiros;
b) não possua imóvel urbano”.
Perceba-se que os demais requisitos (alíneas a e b) são os mesmos exigidos dos proprietários de imóveis imunes.
A Emenda Constitucional 42/2003 trouxe importante inovação, ao possibilitar que o ITR seja fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.
Caso faça a opção, o Município será o titular de toda a arrecadação do ITR incidente sobre os imóveis situados em seu território; caso contrário, a União repassará à municipalidade metade do valor que arrecadar com a cobrança do tributo sobre os imóveis na mesma situação. A previsão consta do art. 158, II, da CF/1988.
“Art. 158. Pertencem aos Municípios:
(...)
II – cinquenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4.º, III”.
A Lei do ITR é a Lei 9.393/1996. Já seu Regulamento é o Decreto 4.382/2002.
De acordo com o art. 29 do CTN, o ITR tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizada fora da zona urbana do Município.
O art. 79 do Código Civil atual define bem imóvel como o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Não há na lei entretanto a definição de bens imóveis “por natureza”.
O conceito constava do Código Civil de 1916, hoje revogado, mas em vigor quando da edição do CTN. É lícito afirmar, portanto, que o legislador tributário, ao usar a expressão “como definido na lei civil”, quis se referir ao CC/1916, de forma que, não havendo definição no atual diploma civil, é plenamente possível se tomar como parâmetro a definição da lei revogada (incisos do art. 43 do CC/1916).
Assim, são bens imóveis por natureza o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.
São bens imóveis por acessão física tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano.
É interessante perceber que na definição do fato gerador do ITR apenas foram incluídos os bens imóveis por natureza, de forma que o que o homem incorpora permanentemente ao solo – como é o caso das culturas características da exploração das propriedades rurais – não está sujeito ao imposto.
A regra está em consonância com o caráter extrafiscal do tributo, impedindo que a exploração da propriedade viesse a aumentar o montante do imposto devido, em verdadeiro contraestímulo ao cumprimento da função social da propriedade.
Conforme se verificará adiante, o IPTU incide sobre imóveis por natureza ou acessão física, o que está em sintonia com o caráter fiscal do tributo.
A diferenciação tem seu fundamento maior no próprio texto da Constituição Federal, quando esta define o ITR como imposto sobre a propriedade territorial rural (art. 153, VI) e o IPTU como imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (art. 156, I).
O art. 32 do CTN traz as condições para que uma área seja considerada zona urbana:
“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1.º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2.º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior”.
De acordo com o art. 30 do CTN, a base do cálculo do ITR é o valor fundiário.
Todavia, de acordo com a legislação específica (art. 35 do Regulamento do ITR e art. 10, § 1.º, I, da Lei 9.393/1996), o valor fundiário é o valor da terra nua tributável, que é o valor do imóvel excluídos os valores relativos a (art. 10, § 1.º, I, da Lei 9.393/1996):
a) construções, instalações e benfeitorias;
b) culturas permanentes e temporárias;
c) pastagens cultivadas e melhoradas;
d) florestas plantadas;
Contribuinte do ITR é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título (art. 31 do CTN).
Proprietário é quem possui título de domínio devidamente registrado no Cartório de Imóveis.
Titular do domínio útil é quem recebeu do proprietário o direito de usar, gozar e dispor da propriedade, conservando o domínio direto. É o caso do enfiteuta ou foreiro nos casos de constituição de enfiteuses.
Registre-se que o Código Civil atual proibiu a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior (CC, art. 2.038).
Nos termos do art. 1.196 do Código Civil, considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Não obstante o proprietário ser contribuinte do ITR, o STJ considera que, se o imóvel encontra-se invadido (pelo Movimento dos Sem Terra – MST, por exemplo), a propriedade deixa de ser plena, pois fica tolhida de praticamente todos seus elementos: não há mais posse, possibilidade de uso ou fruição do bem. Para o Tribunal, cobrar ITR em situações como esta seria uma iniquidade, pois o Estado estaria tributando um direito que, em virtude falha do próprio Poder Público na prestação do serviço de segurança pública, teve seu exercício impossibilitado (REsp 1.144.982-PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 13.10.2009).
Sobre o entendimento do STJ no sentido de ser impossível considerar contribuinte de imposto sobre a propriedade imobiliária quem exerce a posse sem ânimo definitivo, como é o caso da pessoa que firma contrato de locação, ou comodato, recomenda-se a leitura do tópico relativo ao contribuinte do IPTU (item 13.3.1.6).
À semelhança do imposto de renda, o fato de existir uma famosa declaração de ITR levou alguns autores a afirmar que o tributo seria lançado por declaração.
Entretanto, ao preencher a declaração do ITR, o sujeito passivo, além de prestar informação à autoridade fiscal, também calcula o montante do tributo porventura incidente, devendo antecipar o respectivo pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, cabendo a esta verificar a correção do procedimento e, se for o caso, homologá-lo, podendo, ainda, lançar de ofício as diferenças porventura devidas.
Trata-se de mais um caso de tributo lançado originariamente por homologação.
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Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR |
Função predominante |
Extrafiscal (visa a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas) |
Princípio da legalidade |
Está sujeito |
Princípio da anterioridade |
Está sujeito |
Princípio da noventena |
Está sujeito |
Fato gerador |
A propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizada fora da zona urbana do Município |
Base de cálculo |
O valor fundiário do imóvel (ou seja, é o valor do imóvel excluídos os valores relativos a construções, instalações e benfeitorias; culturas permanentes e temporárias; pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas). |
É o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título |
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Lançamento |
Por homologação |
Características principais |
Progressividade |
O art. 153, VII, da CF/1988 atribui à União a competência para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
A União não utilizou tal competência, de forma que o tributo não foi efetivamente instituído.
Alguns doutrinadores mais críticos afirmam que o tributo não foi criado porque as grandes fortunas estariam muito bem representadas no parlamento federal, de forma a inibir qualquer iniciativa no sentido de exercício da competência.
Entretanto, a criação do tributo também encontra alguns entraves quanto à sua viabilidade, visto que, criado o tributo, as grandes fortunas tenderiam a se retirar do País, tendo assegurados, aliás, 90 dias para tomar tal providência (noventena).
Há uma discussão se a lei complementar reclamada no dispositivo constitucional seria apenas uma norma geral que traria as diretrizes fundamentais do imposto, o qual seria criado efetivamente por lei ordinária, ou se caberia à própria lei complementar efetivamente criar o tributo.
Como as normas gerais relativas a todos os impostos, inclusive seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes devem necessariamente ser disciplinados na via da lei complementar (CF, art. 146, III, a), entende-se que não faria sentido repetir a exigência especificamente no dispositivo que autoriza a criação do IGF, se não fosse para impor que toda a sua regulação se faça mediante lei complementar.
Os Estados têm competência para instituir os três impostos previstos no art. 155 da CF, quais sejam imposto sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD; o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS; e o imposto sobre a propriedade de veículos automotores – IPVA.
Ressalvada a hipótese de Emenda à Constituição, não há qualquer possibilidade de os Estados instituírem outros impostos além dos três que lhes foram deferidos pela Carta Magna. Portanto, ao contrário da União Federal, que possui as competências residual e extraordinária (CF, art. 154, I e II), a lista de impostos estaduais é exaustiva.
Como será detalhado adiante, o Senado Federal possui importantes competências normativas relativas aos impostos estaduais. São situações em que o legislador constituinte quis permitir aos Estados e ao Distrito Federal discutir pontos importantes relativos aos seus tributos, trazendo algum grau de uniformidade na diversidade e minorando os efeitos da guerra fiscal. A escolha do Senado como foro de discussão foi acertada, visto que lá se encontram representados os Estados de maneira paritária.
Assim, compete ao Senado Federal:
a) estabelecer as alíquotas máximas do ITCMD (CF, art. 155, § 1.º, IV);
b) estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis às operações e prestações interestaduais. Nessa situação, a resolução do Senado depende da iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores e da aprovação pela maioria absoluta dos membros daquela Casa Legislativa (CF, art. 155, § 2.º, IV);
c) estabelecer as alíquotas do ICMS aplicáveis nas exportações (CF, art. 155, § 2.º, IV);
d) facultativamente estabelecer as alíquotas mínimas e máximas nas operações e prestações internas. A primeira hipótese exige resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta dos Senadores; a segunda exige resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços dos membros da Casa (CF, art. 155, § 2.º, V, a e b);
e) estabelecer as alíquotas mínimas do IPVA (CF, art. 155, § 6.º, I).
Conforme já analisado (Capítulo 2, item 2.10.3), tem-se entendido que a competência prevista na letra c foi tacitamente revogada pela EC 42/2003, que excluiu da incidência do ICMS todas as exportações de mercadorias para o exterior.
Feitas estas considerações, passa-se à análise dos impostos estaduais.
Segundo o art. 155, I, da CF/1988, os Estados e o Distrito Federal podem instituir imposto sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos.
O tributo possui natureza eminentemente arrecadatória (fiscal) e não incide sobre as transmissões originárias, como por usucapião (art. 1.238 do Código Civil) ou por acessão (art. 1.248 do Código Civil).
O Código Tributário Nacional disciplina o imposto nos arts. 35 a 42 e deve ser interpretado à luz da atual Constituição, visto que a redação do CTN trata de um único imposto de transmissão, de competência estadual, incidente exclusivamente sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.
Com a Constituição Federal de 1988, previu-se a instituição de dois impostos de transmissão, um estadual (ITCMD) e outro municipal (ITBI), sujeitando à incidência do primeiro as transmissões a título gratuito (causa mortis e doação) e do segundo as transmissões a título oneroso.
Conforme já ressaltado, compete ao Senado Federal estabelecer as alíquotas máximas do ITCMD (CF, art. 155, § 1.º, IV).
O Supremo Tribunal Federal entende que não pode o Estado ou o Distrito Federal editar lei afirmando genericamente que a alíquota do seu ITCMD é igual à alíquota máxima fixada pelo Senado, de forma que se este alterar a alíquota máxima, imediatamente a alíquota estadual se tenha por alterada. Assim, se o Estado quer manter sua alíquota no limite máximo fixado pelo Senado, deve, a cada alteração levada a cabo por este, editar nova lei estadual fixando especificamente a alíquota (RE 218.086-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 17.03.2000).
Por meio da Resolução 09/1992, o Senado fixou em 8% a alíquota máxima do tributo.
O art. 2.º da Resolução autorizou a progressividade das alíquotas sobre a transmissão causa mortis, com base no valor do quinhão que cada herdeiro receber.
A constitucionalidade da previsão era bastante duvidosa, pois ela parecia contrariar a jurisprudência consolidada da Corte no sentido de que a progressividade de impostos reais dependeria de expressa autorização constitucional. Não obstante, depois de longas discussões sobre a matéria, em 2013 o Supremo Tribunal Federal, ao analisar lei do Estado do Rio Grande do Sul adotando a técnica autorizada pelo Senado, entendeu que “essa progressividade não é incompatível com a Constituição Federal nem fere o princípio da capacidade contributiva” (n.º 562.045/RS). Para maiores detalhes sobre a evolução jurisprudencial sobre a matéria, remete-se ao leitor para as considerações constantes do item 2.6.3 do Capítulo 2 desta obra.
Como o ITCMD incide sobre a transmissão de quaisquer bens ou direitos, a Constituição Federal criou diferentes regras de fixação de competência, de acordo com a natureza do objeto da transmissão.
Quando a transmissão é de bens imóveis e respectivos direitos, o ITCMD compete ao Estado da situação do bem ou ao Distrito Federal (CF, art. 155, § 1.º, I). A regra é simples porque os imóveis, por sua própria natureza, não podem ter sua localização alterada, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social (Código Civil, arts. 79 e 82).
Assim, se um imóvel está localizado em Caixa-Prego/BA e tem sua propriedade transferida em virtude de sucessão causa mortis ou de doação, não importa onde foi processado o inventário ou arrolamento ou onde estão domiciliados doador e donatário. O ITCMD pertencerá ao Estado da Bahia.
Quando a transmissão é de bens móveis, títulos e créditos, é necessário fazer uma distinção. Se a transmissão é decorrente de sucessão causa mortis, o ITCMD compete ao Estado (ou Distrito Federal) em que se processar o inventário ou arrolamento. Já se a transmissão decorrer de doação, competente será o Estado (ou Distrito Federal) em que tiver domicílio o doador. Ambas as regras decorrem do art. 155, § 1.º, II.
Assim, se alguém falece e tem seu inventário processado em São Paulo, a este Estado caberá o ITCMD, mesmo que relativo a bens móveis localizados em Buenos Aires/PE. Da mesma forma, se alguém domiciliado em Remígio/PB doa títulos e créditos a alguém domiciliado no Rio de Janeiro, o ITCMD pertencerá ao Estado da Paraíba.
Segundo o art. 155, § 1.º, III, da CF/1988, o imposto terá competência para sua instituição regulada por lei complementar se o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. Como a lei complementar reclamada pelo dispositivo ainda não foi editada, os Estados têm se utilizado da autorização do art. 24, § 3.º, da CF/1988 e exercido a competência legislativa plena, disciplinando a situação por lei própria.
A situação é interessante, pois, teoricamente, a lei complementar nacional estipularia regras para evitar conflitos de competência entre os Estados, sendo no mínimo estranho que estes tentem disciplinar a matéria por leis próprias.
Na prática, cada Estado declara-se competente para cobrar o ITCMD quando no seu território residem ou são domiciliados o donatário (caso de doador domiciliado ou residente no exterior) ou os sucessores (caso de inventário ou arrolamento processado no exterior).
Em resumo, a competência é assim definida:
Fazendo-se uma leitura do art. 35 do Código Tributário Nacional à luz da atual Constituição Federal, pode-se afirmar que o fato gerador do ITCMD é a transmissão, por causa mortis ou por doação, de quaisquer bens ou direitos.
Quando a transmissão se dá no âmbito da sucessão causa mortis, deve-se observar que o art. 1.784 do Código Civil afirma que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
Segundo o art. 35, parágrafo único, do CTN, nas transmissões causa mortis ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários. Dessa forma, cada obrigação tributária surgida tem diferente sujeito passivo.
A abertura da sucessão ocorre no exato momento da morte e é este o momento que define a legislação aplicável no tocante ao lançamento do ITCMD. Nesse sentido, a Súmula 112 do STF, abaixo transcrita:
Súmula STF 112 – “O imposto de transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”.
Apesar de o dispositivo se referir apenas à alíquota, por óbvio o raciocínio que presidiu a elaboração da Súmula é bem mais amplo, sendo aplicável ao lançamento a legislação vigente na data do fato gerador (abertura da sucessão), tudo em conformidade com o art. 144 do CTN.
Não obstante a transmissão da propriedade ocorrer com a abertura da sucessão, somente haverá o pagamento do tributo após a avaliação dos bens do espólio, o cálculo do tributo e a homologação deste cálculo (arts. 1.003 a 1.013 do Código do Processo Civil).
Nessa linha, as Súmulas 113 e 114 do STF, definem outros marcos temporais para o cálculo e a exigibilidade do imposto:
Súmula STF 113 – “O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação”.
Súmula STF 114 – “O imposto de transmissão causa mortis não é exigível antes da homologação do cálculo”.
Quando a transmissão ocorre por meio de doação é necessária uma diferenciação no que concerne aos bens móveis e aos imóveis, em virtude de serem diversas as regras relativas ao aperfeiçoamento da transmissão em cada caso.
No direito brasileiro, a transmissão da propriedade imobiliária dá-se, em regra, mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de forma que, antes do registro, o alienante continua na condição de dono do imóvel (CC, art. 1.245, § 1.º).
Entretanto, a maioria das legislações estaduais tem obrigado ao recolhimento do imposto antes do registro no cartório, incumbindo aos tabeliães e serventuários a exigirem no momento do registro a comprovação do pagamento do referido imposto.
No caso dos móveis, a propriedade não se considera transferida pelos negócios jurídicos antes da tradição (CC, art. 1.267). Tradição, segundo Sílvio Venosa, significa entregar, ceder, fazer passar a alguém, transmitir, confiar, dar. Assim, entregue o bem, transferida estará a propriedade e – caso a transferência tenha ocorrido por doação – reputa-se aperfeiçoado o fato gerador do ITCMD.
Também aqui se tornou regra a exigência do pagamento antes da ocorrência do fato gerador, pois as leis estaduais normalmente consideram devido o recolhimento no momento em que se firma o instrumento correspondente (contrato de doação).
Como no ITCMD a transmissão de propriedade ocorre a título gratuito (não ocorrendo pagamento ou qualquer outra contrapartida), não se poderia imaginar que a base de cálculo fosse outra que não o valor de mercado dos bens ou direitos transmitidos. Nessa linha, o art. 38 do CTN dispõe que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Nos termos do art. 42 do Código Tributário Nacional, contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei.
Deve-se entender que o CTN optou por delegar ao legislador estadual a definição legal do contribuinte do ITCMD, desde que a indicação recaia sobre uma das partes da operação, porque, nos termos do art. 121, parágrafo único, I, do CTN, o contribuinte deve possuir relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador da obrigação.
No caso de sucessão causa mortis, parece razoável admitir que a definição do contribuinte deva recair sobre o sucessor (herdeiro ou legatário), pois não parece que o espólio tenha relação pessoal e direta com o fato gerador, podendo, no máximo, ser nomeado responsável.
No caso de doação, fica livre o legislador estadual para definir como contribuinte o doador ou o donatário.
Na sistemática de lançamento do ITCMD, a autoridade administrativa constitui o crédito tributário com base em informações prestadas pelo próprio sujeito passivo (quando este declara o valor do bem transferido) ou por terceiro (quando, por exemplo, é usado o valor decorrente de avaliação judicial).
A hipótese se subsume, com precisão, à definição constante no art. 147 do Código Tributário Nacional, demonstrando que o tributo é lançado por declaração, o que não impede, respeitado o prazo decadencial, o lançamento de ofício de valores não pagos quando, por exemplo, fatos geradores ocorrerem e forem omitidos da autoridade fiscal.
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Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD |
Função predominante |
Fiscal |
Princípio da legalidade |
Está sujeito |
Princípio da anterioridade |
Está sujeito |
Princípio da noventena |
Está sujeito |
Fato gerador |
A transmissão, por causa mortis ou por doação, de quaisquer bens ou direitos |
Base de cálculo |
É o valor venal dos bens ou direitos transmitidos |
Contribuinte |
É quaisquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei (para transmissão causa mortis: herdeiro ou legatário; para transmissão por doação: doador ou donatário, dependendo da legislação estadual) |
Lançamento |
Por declaração |
A Constituição Federal, no seu art. 155, II, atribui aos Estados e ao Distrito Federal competência para instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Trata-se do ICMS, o tributo de maior arrecadação no Brasil.
Antes da Constituição Federal de 1988, o tributo denominava-se ICM, por incidir apenas sobre a circulação de mercadorias. Com a nova Carta Magna, foram acrescidos ao seu campo de incidência dois serviços, o de transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicação. Daí o acréscimo da letra “S” à sigla, de forma que, a partir do advento da nova ordem constitucional, passou a existir o ICMS.
O ICMS tem finalidade indiscutivelmente fiscal, apesar de a Constituição Federal permitir que seja seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (CF, art. 155, § 2.º, III), faculdade que, se utilizada, proporcionaria visíveis notas de extrafiscalidade ao tributo, pois sua incidência seria mais elevada sobre as mercadorias e serviços consumidos pelas pessoas de maior capacidade contributiva, de forma a redistribuir renda.
Em boa parte dos sistemas tributários de outros países, o ICMS se encontra inserido no imposto sobre o valor agregado (ou adicionado) – IVA, sempre nacional.
No Brasil o desejo de dividir o tão importante tributo entre todos os entes federativos fez o legislador constituinte criar três impostos que o mundo reúne em apenas um. Assim, ao lado do ICMS estadual, criaram-se o IPI federal e o ISS municipal.
O IVA nacional já está testado e aprovado em boa parte do mundo. O IPI também não traz muitos problemas, justamente por ser a parte nacional do IVA, não sendo possível, mesmo às mentes mais criativas, imaginar uma guerra fiscal interna relativa a um tributo federal.
Entretanto nas parcelas não nacionais do IVA, a possibilidade de guerra fiscal surge com toda a sua força, principalmente no que se refere ao ICMS, o grande arrecadador nacional.
Não foi por outro motivo que o ICMS foi o tributo mais contemplado com regras estatuídas diretamente no texto constitucional. A esperança do legislador constituinte era justamente conferir algo de uniformidade entre as vinte e sete legislações do tributo (26 Estados e o Distrito Federal) e criar mecanismos para evitar ou solucionar controvérsias entre os sujeitos ativos, minorando os efeitos de uma guerra fiscal anunciada com a promulgação da Constituição Federal.
Também dentro dessa linha de raciocínio, a Constituição Federal delegou à regulação, mediante lei complementar de caráter nacional, grande parte dos pontos mais polêmicos do ICMS (CF, art. 155, § 2.º, XII); previu a celebração de convênios entre os entes federados como ato-condição para a concessão e revogação de incentivos e benefícios fiscais (CF, art. 155, § 2.º, XII, g); delegou ao Senado importantes competências na fixação do regime de alíquotas do tributo, entre outras regras de uniformização e pacificação fiscal.
Por óbvio a criação de um IVA federal, com a extinção do ICMS, do IPI e do ISS resolveria todos esses problemas. Mas a solução tecnicamente perfeita é politicamente impossível, pois mesmo que se garanta o integral repasse dos recursos arrecadados com o sonhado IVA federal, os Estados e o Distrito Federal não vão assentir na perda do poder político que o tributo representa nas negociações para atração de investimentos para os seus territórios.
Como o objetivo desta obra é o estudo do direito tributário posto e não a propositura de um novo sistema tributário nacional, passa-se à análise do complexo conjunto de regras estatuídas na Constituição Federal acerca do ICMS, sem prejuízo de algumas críticas incidentais que colaborem para o entendimento do sistema atual.
De maneira simplificada, o “conjunto das coisas” compreende tudo o que existe no universo, exceto as pessoas. O “conjunto dos bens” é composto por todas as coisas com valor econômico (é subconjunto das coisas). Já o “conjunto das mercadorias” compreende os bens móveis que estão no mundo dos negócios com finalidade comercial.
Nesse sentido, vale a pena a transcrição da lapidar lição de Souto Maior Borges, conceituando mercadoria:
“Mercadoria é o bem móvel, que está sujeito à mercancia, porque foi introduzido no processo circulatório econômico. Tanto que o que caracteriza, sob certos aspectos, a mercadoria é a destinação, porque aquilo que é mercadoria, no momento que se introduz no ativo fixo da empresa, perde esta característica de mercadoria, podendo ser reintroduzido no processo circulatório, voltando a adquirir, consequentemente, essa conotação de mercadoria”.
Houve acirrada discussão sobre a possibilidade de incidência de ICMS sobre os programas de computadores, visto que os Municípios alegavam que a elaboração do programa com posterior licenciamento era serviço, cujo valor preponderaria sobre o suporte material (CD, disquete) entregue ao adquirente.
O STF, resolvendo a controvérsia, fez a separação entre o caso do licenciamento ou cessão do direito de uso de determinado programa e o caso do software produzido em larga escala para comercialização (software de prateleira). No primeiro caso, há predominância do serviço, incidindo o ISS municipal; no segundo, há mercadoria, incidindo o ICMS estadual. Pela relevância, transcrevem-se as palavras da Corte:
“Programa de computador (‘software’): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador’, ‘matéria exclusiva da lide’, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf), os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio” (STF, 1.ª T., RE 176.626/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10.11.1998, DJ 11.12.1998, p. 10).
A mesma linha de raciocínio vale para as gravações em vídeo (videocassete, DVD ou qualquer outro). Assim, diferente é a situação da empresa contratada para filmar um evento (serviço sujeito ao ISS municipal) quando comparada com aquela que vende cópias cinematográficas gravadas em série (comercialização de mercadoria sujeita ao ICMS estadual). A jurisprudência do STF é pacífica nesse sentido (RE 191.732, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), havendo inclusive entendimento Sumulado nos seguintes termos:
STF – Súmula 662 – “É legítima a incidência do ICMS na comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravados em fitas de videocassete”.
Atualmente não mais se pode afirmar que somente estão compreendidos no conceito de mercadoria o bens corpóreos (fisicamente tangíveis), uma vez que o Supremo Tribunal Federal entendeu que o ICMS incide sobre a comercialização de software, mesmo quando a aquisição é feita mediante transferência eletrônica de dados (download pela internet, por exemplo), sem que haja uma base física que caracterize o “corpus mechanicum da criação intelectual” (ADIMC 1.945/MT, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, 26.05.2010). Assim, mesmo se tratando claramente de um bem incorpóreo, a comercialização em larga escala é suficiente para a caracterização do software como mercadoria, quer ele seja entregue ao adquirente gravado em uma base física (CD, DVD), quer seja disponibilizado mediante transferência eletrônica de dados.
Ainda no que concerne à distinção entre mercadoria e serviço, é digna de nota a diferenciação do tratamento tributário do fornecimento de energia elétrica quando comparado ao fornecimento de água encanada. O próprio texto constitucional prevê, de forma expressa, a incidência do ICMS sobre a circulação de energia elétrica, utilidade equiparada à mercadoria para efeito de tributação. O mesmo raciocínio poderia ter sido aplicado pelo legislador constituinte no que concerne ao fornecimento de água encanada. No entanto, diante da inexistência de norma constitucional expressa, o STF entendeu que se tratava da prestação de um serviço público essencial, não podendo ser equiparado à venda de mercadoria, de forma a não ser legítima a incidência do ICMS (ADI 2224/DF). Não obstante, a água embalada para venda (garrafinha de água mineral, por exemplo) é obviamente mercadoria, sujeitando-se ao imposto.
Por fim, ressalte-se que existe um verdadeiro “macete legal” para que se afira presença de finalidade comercial e, por conseguinte, a incidência do ICMS sobre determinada operação. Trata-se do art. 4.º da Lei Complementar 87/1996, que coloca na situação de contribuinte do imposto “qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.
Assim, se determinado estudante decide vender um gravador digital de áudio porque vai adquirir outro mais moderno, o normal é que não haja a incidência do ICMS, uma vez que se trata de uma alienação comum, o que é prontamente verificado pela ausência de habitualidade ou volume que demonstre interesse comercial na operação. No entanto, se o estudante frequentemente faz novas ofertas de gravadores para os colegas, restará configurado o interesse comercial nas operações realizadas, o que é prontamente detectado pela habitualidade com que o hipotético estudante realiza as alienações. Também será possível perceber a finalidade comercial da operação se o estudante, num determinado dia, oferece dezenas de aparelhos gravadores de áudio para seus colegas de escola. Nesta situação, mesmo a oferta sendo realizada num único dia, acaba por ocorrer num volume que demonstra a presença do intuito comercial.
Dessa mesma forma, se determinada empresa que comercializa gêneros alimentícios, visando a atualizar-se tecnologicamente, resolve adquirir novos computadores e alienar os antigos, não haverá incidência do ICMS sobre essa venda esporádica, pois não se trata da atividade-fim da entidade. A empresa se equipara a um alienante comum. Nessa linha é a jurisprudência do STF (RE 196.339).