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RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

Sumário: 6.1 Considerações iniciais6.2 Modalidades de responsabilidade6.3 Responsabilidade por transferência6.4 Responsabilidade por substituição: 6.4.1 Substituição tributária regressiva; 6.4.2 Substituição tributária progressiva6.5 Disciplina legal da responsabilidade por sucessão: 6.5.1 A responsabilidade do adquirente de bens imóveis; 6.5.2 A responsabilidade do adquirente ou remitente de bens móveis; 6.5.3 A responsabilidade na sucessão causa mortis; 6.5.4 A responsabilidade na sucessão empresarial6.6 Responsabilidade de terceiros: 6.6.1 Responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação regular; 6.6.2 Responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação irregular6.7 Responsabilidade por infrações: 6.7.1 Responsabilidade pessoal do agente; 6.7.2 Denúncia espontânea de infrações.

6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conforme visto no Capítulo anterior, o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser um contribuinte ou um responsável. Será contribuinte quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; caso contrário, será denominado responsável. Em ambos os casos, a sujeição passiva depende de expressa previsão legal.

Assim, o responsável integra a relação jurídico-tributária como devedor de um tributo, sem possuir relação pessoal e direta com o respectivo fato gerador. A terminologia adotada pelo Código parece autorizar que a lei tributária aponte qualquer pessoa como responsável pelo pagamento de tributo, independentemente de qualquer relação com o fato gerador.

O raciocínio, entretanto, não é correto. Não é lícito ao legislador definir arbitrariamente como sujeito passivo pessoa totalmente alheia à situação definida em lei como fato gerador do tributo. Para perceber isto, basta uma leitura atenta do art. 128 do CTN, abaixo transcrito:

“Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação” (grifou-se).

Como decorrência do dispositivo, a pessoa a quem o legislador atribui a responsabilidade deve ser vinculada ao fato gerador da obrigação. Aqui se deve ter uma noção de intensidade do vínculo, que necessariamente deve existir, mas não pode configurar relação pessoal e direta com o fato gerador, afinal, se tal situação se caracterizar, o sujeito passivo será contribuinte, e não responsável.

O transportador da mercadoria possui um vínculo com os fatos geradores do imposto de importação (entrada de mercadoria no território nacional) e do ICMS (saída da mercadoria do estabelecimento comercial), e pode, por isso, ser considerado, por disposição expressa de lei, responsável pelo pagamento do tributo em determinadas circunstâncias.

Não é suficiente, contudo, um raciocínio lógico para definir determinada pessoa como responsável pelo pagamento de um tributo. Sempre é necessária expressa disposição legal atribuindo a alguém tal condição, pois, nunca é demais recordar, ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Desse entendimento – pacífico na lei, na doutrina e na jurisprudência – decorre o seguinte excerto de acórdão, da lavra do Superior Tribunal de Justiça:

“Tributário – Imposto de importação – Mercadoria a granel – Transporte marítimo – Quebra – Responsabilidade tributária do agente marítimo – Inocorrência – Súmula 192 do ex-TFR – Termo de responsabilidade – Princípio da reserva legal – CTN, 121, II – Precedentes do STJ.

– O agente marítimo não é considerado responsável pelos tributos devidos pelo transportador, nos termos da Súmula 192 do ex-TFR.

O termo de compromisso firmado por agente marítimo não tem o condão de atribuir-lhe responsabilidade tributária, em face do princípio da reserva legal previsto no art. 121, II, do CTN” (STJ, 2.ª T., REsp 25.2457/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 04.06.2002, DJ 09.09.2002, p. 188) (grifou-se).

Relembre-se, por oportuno, que, se o agente marítimo firmou termo de responsabilidade com o sujeito passivo de direito (contribuinte ou responsável), é obrigado a cumpri-lo, segundo a lei civil, mas a avença não possui o condão de mudar a definição legal do devedor, tudo em consonância com o já analisado art. 123 do CTN.

6.2 MODALIDADES DE RESPONSABILIDADE

Segundo lição doutrinária, de acordo com o momento em que surge o vínculo jurídico entre a pessoa designada por lei como responsável e o sujeito ativo do tributo, a responsabilidade tributária pode ser classificada como “por substituição” ou “por transferência”.

Em apertada síntese (os conceitos serão aprofundados nos itens a seguir), na responsabilidade “por substituição”, a sujeição passiva do responsável surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador. Já na responsabilidade “por transferência”, no momento do surgimento da obrigação, determinada pessoa figura como sujeito passivo, contudo, num momento posterior, um evento definido em lei causa a modificação da pessoa que ocupa o polo passivo da obrigação, surgindo, assim, a figura do responsável, conforme definida em lei.

Segundo a doutrina, a responsabilidade “por transferência” abrange os casos de responsabilidade “por sucessão”, “por solidariedade” e “de terceiros”, conforme esquematizado a seguir:

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O CTN não sistematiza a matéria da forma esposada pela doutrina. A responsabilidade por solidariedade é tratada nas disposições relativas à obrigação tributária (CTN, art. 124), encontrando-se a disciplina legal das responsabilidades “por sucessão” (CTN, arts. 130 a 133) e “de terceiros” (CTN, art. 134) nas disposições relativas à responsabilidade.

Não obstante a lição doutrinária, agiu bem o legislador tributário ao tratar da solidariedade fora das regras sobre responsabilidade, uma vez que os devedores solidários possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal (CTN, art. 124, I). Tal interesse manifesta-se, por exemplo, quando duas pessoas são coproprietárias de imóvel na área urbana do Município, sendo, por isso, devedoras solidárias. Perceba-se que ambas têm relação pessoal e direta com o fato gerador, enquadrando-se, portanto, na definição legal de contribuinte, e não na de responsável. Poder-se-ia imaginar a possibilidade de a lei nomear como devedoras solidárias pessoas sem relação pessoal e direta com o fato gerador da obrigação, com fundamento no art. 124, II, do CTN, mas, didaticamente a sistematização legal de institutos jurídicos deve levar em consideração prioritariamente as regras e não as possíveis exceções.

Os casos de solidariedade disciplinados pelo CTN serão estudados, nesta obra, seguindo a sistematização utilizada pelo próprio Código, sem prejuízo da análise mais detalhada da essência de cada instituto.

Nessa linha, é importante registrar que o Código Tributário Nacional divide as hipóteses de responsabilidade em três modalidades, a saber:

a) Responsabilidade dos sucessores (art. 129 a 133);

b) Responsabilidade de terceiros (arts. 134 e 135);

c) Responsabilidade por infrações (arts. 136 a 138).

Se merece elogio a exclusão da solidariedade das hipóteses de responsabilidade por transferência, não se pode dizer a mesma coisa dos casos relativos à responsabilidade por infrações (letra “c”), porque, conforme se verá adiante, o Código acaba por cometer o disparate de chamar de responsável a pessoa que praticou a infração, tendo relação pessoal e direta com o fato gerador da respectiva penalidade.

Nos tópicos a seguir, serão aprofundados os conceitos relativos à responsabilidade “por transferência” e “por substituição”, bem como a sistematização das modalidades adotadas pelo CTN, conforme apontado acima.

6.3 RESPONSABILIDADE POR TRANSFERÊNCIA

Como já estudado, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, cujos contribuintes e responsáveis são definidos em lei. Ocorre que o CTN prevê a possibilidade de mudança da pessoa que figura no polo passivo da respectiva obrigação como decorrência da verificação de determinados fatos.

Trata-se de casos em que a obrigação nasce tendo, no polo passivo, determinado devedor (contribuinte ou responsável), mas, em virtude de evento descrito com precisão na lei, há a transferência da sujeição passiva a uma outra pessoa, esta na condição de responsável. Verifica-se, portanto, uma modificação subjetiva (dos sujeitos) na obrigação surgida.

A título de exemplo, a cada ano verificam-se novos fatos geradores do IPTU. Os sujeitos passivos são os proprietários dos imóveis, objetos da incidência tributária. Todavia, com a morte do proprietário de um imóvel determinado, a sujeição é transferida para o espólio (conjunto de bens e direitos deixados pelo falecido). Mais à frente, com a partilha dos bens, a responsabilidade é novamente transferida, desta feita para os sucessores e para o cônjuge meeiro, conforme determina o art. 131, II e III, do CTN.

Percebe-se, pelo exemplo, que além dos casos de transferência de sujeição passiva de contribuinte para responsável, existem também hipóteses em que a transferência se verifica de responsável para responsável. O inciso II do art. 131 traz um exemplo do primeiro caso; o inciso III do mesmo artigo, um exemplo do segundo.

A responsabilidade, em todos estes casos, é denominada “por transferência”, uma vez que, devido a evento posterior à ocorrência do fato gerador, a responsabilidade é transferida para algum(ns) sucessor(es).

6.4 RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO

Nos casos de responsabilidade por substituição, desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo. Em nenhum momento, o dever de pagar o tributo recai sobre a figura do contribuinte, não havendo qualquer mudança subjetiva na obrigação.

O exemplo mais conhecido é o da responsabilidade que a lei faz recair sobre a fonte pagadora dos rendimentos, no caso do imposto de renda das pessoas físicas. Nesse caso, no momento em que a fonte disponibiliza os rendimentos ou proventos, nasce a obrigação tributária relativa ao IRPF. O sujeito passivo já é a fonte pagadora, que possui o dever legal de efetuar a retenção e recolher o imposto devido aos cofres públicos federais.

Assim, a fonte pagadora substitui, no polo passivo da obrigação tributária, a pessoa que naturalmente figuraria em tal relação jurídica na condição de contribuinte (o beneficiário do pagamento), daí a designação da hipótese como responsabilidade “por substituição”.

Existem dois casos de responsabilidade por substituição que merecem uma análise mais detida. São os casos da substituição tributária regressiva (“para trás”, antecedente) e da substituição tributária progressiva (“para frente”, subsequente), estudadas a seguir.

6.4.1 Substituição tributária regressiva

A substituição tributária para trás, regressiva ou antecedente ocorre nos casos em que as pessoas ocupantes das posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores nessas mesmas cadeias.

Para entender melhor a definição, imagine-se a seguinte cadeia de produção e circulação:

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Suponha-se que as pessoas indicadas pela letra “A” sejam produtores rurais de leite; a pessoa “B” seja uma grande indústria de laticínios; e as pessoas indicadas pela letra “C” sejam supermercados varejistas.

Percebe-se que “B” adquire sua matéria-prima de fornecedores diversos. A cadeia, neste ponto, é caracterizada pela concentração, pois a produção de diversos fornecedores é concentrada em um adquirente único.

Em situações como esta, percebe-se que seria bem mais fácil para a Administração Tributária exigir de “B” todos os tributos incidentes sobre as operações realizadas pelos seus vários fornecedores (“A”). O argumento é reforçado pelo fato de a decisão facilitar a vida de pequenos produtores rurais sem condições de manter uma logística contábil-financeira para providenciar o recolhimento do tributo.

Por tudo, é comum que a lei tributária preveja que “B” substitua os seus fornecedores como devedor dos tributos incidentes sobre as alienações feitas ao próprio “B”. Nesta hipótese, “B” será sujeito passivo tanto com relação às aquisições feitas de “A” (operações entre “A” e “B”), quanto no tocante às vendas que realizar para “C” (operações entre “B” e “C”). No primeiro caso (compras), “B” é responsável, pois, apesar de não possuir relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador (não é o alienante), possui vínculo com tal situação (é o adquirente), e sua obrigação decorre de expressa disposição de lei. No segundo caso (vendas), “B” será contribuinte, pois possui relação pessoal e direta com o fato gerador do tributo (é o alienante).

Numa análise apressada, pode parecer que “B” é duplamente onerado pela incidência tributária. Entretanto, isso não acontece, pois o ônus econômico do ICMS (tributo incidente nas operações) atinge normalmente o adquirente, que inclui o valor do tributo no pagamento ao alienante. Por conseguinte, “B” tem a vantagem de não precisar desembolsar o tributo na compra da mercadoria feita a “A”. “A” possui a vantagem de não precisar criar logística para recolher o tributo sobre suas operações. O Fisco, apesar de receber o tributo em momento posterior (por isso se fala que na substituição regressiva há diferimento do pagamento), tem a grande vantagem de otimizar a utilização da mão de obra fiscal, pois lhe é possível concentrar seus esforços fiscalizatórios numa quantidade bem menor de empresas e, assim, diminuir a evasão fiscal.

Como a regra é que esta técnica de tributação resulte em benefícios para a maioria dos potenciais integrantes das relações jurídico-tributárias sujeitas à sistemática, não existem controvérsias judiciais relevantes relativas à matéria.

Por fim, perceba-se que as pessoas que ficaram “para trás” nas cadeias de produção e circulação são substituídas por aquelas que estão mais à frente nessa cadeia. Vale dizer, a terminologia consagrada qualifica a substituição tributária como “para frente” ou “para trás” sob a ótica do substituído, e não do substituto.

6.4.2 Substituição tributária progressiva

A substituição tributária para frente, progressiva ou subsequente ocorre nos casos em que as pessoas ocupantes das posições posteriores das cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições anteriores nessas mesmas cadeias.

Da mesma forma que feito na análise da substituição regressiva, para a análise da definição da substituição progressiva, imagine-se a seguinte cadeia de produção e circulação:

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Desta feita, suponha-se que “A” é uma refinaria de combustíveis que vende gasolina para diversos distribuidores (“B”), que, por sua vez, vendem o combustível para milhares de postos (“C”), que, por fim, fazem a venda aos consumidores finais.

Nesta situação, torna-se mais fácil e eficiente para o Estado cobrar de “A” todo o tributo incidente na cadeia produtiva, mesmo no que concerne aos fatos geradores a serem praticados em momento futuro.

Assim, “A” será sujeito passivo do tributo incidente sobre as seguintes operações:

a) venda de combustível feita de “A” para “B”;

b) venda de combustível de “B” para “C”;

c) venda de combustível feita por “C” aos consumidores.

Com relação ao primeiro caso, “A” é contribuinte, pois é ele quem pratica o ato definido em lei como fato gerador do ICMS, tendo com ele relação pessoal e direta (promove a saída da mercadoria do estabelecimento comercial). Com relação aos dois últimos casos, “A” é responsável, pois sua obrigação decorre de expressa determinação legal, apesar de não possuir relação pessoal e direta com a saída da mercadoria do estabelecimento comercial.

Todo o tributo da cadeia produtiva é pago, mesmo somente tendo se verificado o primeiro fato gerador. O cálculo do recolhimento total é realizado sobre o valor pelo qual se presume que a mercadoria será vendida ao consumidor. Tal montante é definido mediante a aplicação do regime de valor agregado estabelecido no art. 8.º da LC 87/1996, levando em consideração os dados concretos de cada caso.

Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça considera a técnica de cobrança do ICMS antecipado sobre uma base de cálculo fixada segundo os ditames do regime de valor agregado (exposta acima) absolutamente distinta da cobrança com base em “pautas fiscais”, considerada ilegítima pelo Tribunal (STJ, 2.ª T., REsp 1.041.216-AM, rel. Min. Eliana Calmon, j. 20.11.2008, DJe 17.12.2008), conforme detalhado no item 7.2.2.2 desta obra.

Digno de nota o fato de alguns doutrinadores não incluírem o caso da substituição tributária progressiva no mesmo tópico dos demais casos de substituição. O motivo seria porque, na substituição progressiva, o vínculo de responsabilidade não nasce no momento da ocorrência do fato gerador, mas antes dele, visto que há uma antecipação do pagamento do tributo.

Para uma melhor sistematização da matéria, opta-se, nesta obra, pela reunião dos casos de substituição numa única rubrica, sem prejuízo do reconhecimento das peculiaridades de cada caso.

6.4.2.1 A constitucionalidade da sistemática da substituição progressiva

Boa parte da doutrina considera que a previsão na lei da antecipação do pagamento de tributo cujo fato gerador ainda não se verificou configura agressão a vários princípios tributários, entre eles o da tipicidade, o da capacidade contributiva e o do não confisco.

A agressão à tipicidade decorreria do fato de que a situação abstratamente prevista em lei como fato gerador do tributo (hipótese de incidência ou, em analogia com o direito penal, tipo tributário) não teria se verificado no mundo, daí decorrendo a impossibilidade da cobrança.

A técnica utilizada em direito penal para tipificar condutas como crimes é muito semelhante àquela adotada em direito tributário para definir as hipóteses de incidência dos tributos. Em ambos os casos, se define algo abstrato que, verificado no mundo, terá as consequências abstratamente previstas em lei.

O art. 121 do Código Penal atribui para o ato de “matar alguém” a consequência da aplicação de uma pena de reclusão de seis a vinte anos. As leis tributárias de vários Estados, usando técnica semelhante, estabelecem para o ato de promover a saída da mercadoria de estabelecimento comercial a consequência de pagar ICMS no valor de 17% do valor da mercadoria.

A técnica é praticamente a mesma. Então, se não é possível aplicar uma pena de reclusão de seis a vinte anos com base na presunção de que alguém vai matar, também não seria possível cobrar ICMS fundado na presunção de que uma mercadoria vai ser vendida por determinado valor.

Sobre este ponto, numa decisão que mais parece um jogo de palavras, o STJ afirmou que “com o pagamento antecipado não ocorre recolhimento do imposto antes da ocorrência do fato gerador. O momento da incidência do tributo fixado por lei não se confunde com a cobrança do tributo, pelo que o sistema de substituição tributária não agride o ordenamento jurídico tributário” (STJ, 2.ª T., REsp 89.630/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 08.06.1999, DJ 01.07.1999, p. 161).

Portanto, apesar das críticas que podem ser feitas ao entendimento, em provas de concurso público, deve-se adotar o posicionamento segundo o qual, na substituição tributária para frente, não ocorre o recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação, mas tão somente o pagamento antecipado. Noutros termos, não há a antecipação da incidência tributária, pois esta somente se verifica com a concretização do fato gerador, apenas se antecipa o pagamento.

O raciocínio aqui esposado foi expressamente seguido pela ESAF, no concurso para Auditor-Fiscal da Receita Federal, realizado em 2009, tendo sido considerada correta a seguinte assertiva: “na substituição tributária para frente não há recolhimento de imposto ou contribuição antes da ocorrência do fato gerador, mas apenas a antecipação de seu pagamento por responsável definido por lei”.

Afirmando a mesma coisa numa redação mais elaborada, o STF já decidiu que “a cobrança antecipada do ICMS por meio de estimativa ‘constitui simples recolhimento cautelar enquanto não há o negócio jurídico de circulação, em que a regra jurídica, quanto ao imposto, incide’” (RE 194.382).

Noutra linha, há quem afirme que a substituição progressiva agride os princípios da capacidade contributiva e do não confisco, alegando que o ICMS é um tributo tecnicamente concebido para permitir a transferência do encargo econômico-financeiro ao adquirente da mercadoria, de forma que o alienante só poderia ser chamado a recolher o montante correspondente ao tributo após recebê-lo do adquirente.

Relembre-se o exemplo citado no início deste item, em que uma refinaria “A” vende gasolina para uma distribuidora “B”, que a vende para o Posto “C”, que, por sua vez, aliena o combustível para o consumidor.

Como o tributo é cobrado integralmente de “A”, sendo calculado sobre o valor presumido da futura venda ao consumidor, “B” inclui no valor da aquisição o valor do ICMS relativo à compra que está fazendo (o que é o natural, não se falando em substituição) e o ICMS relativo às futuras vendas (de “B” para “C” e de “C” para o consumidor). Quanto a estes casos, “B” sofre o impacto econômico do tributo, pois não recebeu os valores do consumidor. “B” precisa utilizar de patrimônio próprio para incluir, no valor pago a “A”, o ICMS a incidir sobre fatos geradores futuros. Como isso não é característico do ICMS, estaria havendo confisco e agressão à capacidade contributiva de “B”.

Este argumento é superado pelo fato de o impacto econômico da cobrança antecipada ser apenas provisório, pois, quando da ocorrência da venda de “B” para “C”, “B” recupera o valor do ICMS que o atingiu antecipadamente. Quando “C” vende a mercadoria ao consumidor, todo o ônus da cadeia de produção/circulação é repassado ao adquirente, resolvendo-se o problema.

Hoje, a substituição tributária para frente é objeto de expressa previsão constitucional. Ressalte-se, entretanto, que a autorização ganhou status constitucional com o advento da EC 3/1993, o que possibilita a análise da constitucionalidade da própria Emenda e das regras sobre substituição instituídas antes do seu advento.

Aqui é fundamental saber que, julgando casos relativos a fatos geradores ocorridos em momentos anteriores ao advento da Emenda, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a substituição para frente (RE 213.396), de forma que o raciocínio que mais guarda consonância com a jurisprudência da Corte Suprema é o que afirma que o § 7.º do art. 150 da CF, incluído no texto constitucional pela EC 3/1993, apenas veio a declarar como possível aquilo que já o era. Seguindo com precisão esse entendimento, o STJ já afirmou que “continua, assim, em vigor a legislação infraconstitucional, reguladora da chamada ‘substituição tributária para a frente’, hoje com endosso da Emenda Constitucional 3/1993” (STJ, 2.ª T., REsp 89.630/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 08.06.1999, DJ 01.07.1999, p. 161). Por oportuno, transcreve-se o dispositivo incluído pela Emenda:

“Art. 150. (...)

§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de impostos ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Da redação do dispositivo extrai-se que a possibilidade de adoção da sistemática de substituição existe exclusivamente no que concerne aos impostos e contribuições. A restrição é bastante lógica, visto que os tributos constitucionalmente vinculados (taxas e contribuições de melhoria)têm sua cobrança dependente de uma atividade estatal especificamente voltada para o contribuinte, não parecendo razoável a exigência de pagamento antes da realização de tal atividade.

6.4.2.2 A questão da restituição

Pacificada no Judiciário a constitucionalidade da sistemática da substituição progressiva, a celeuma concentrou-se na possibilidade de restituição dos valores recolhidos antecipadamente nos casos de não ocorrência do fato gerador presumido e de ocorrência em valores menores que os presumidos.

A primeira situação é resolvida pela literalidade do próprio art. 150, § 7.º, da CF/1988, visto que este termina assegurando a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. Assim, se a cerveja perde o prazo de validade e não é vendida no bar, o tributo antecipadamente pago pela distribuidora deve ser devolvido imediata e preferencialmente.

No caso de o fato gerador ocorrer, mas com um valor diverso do que foi presumido, a Constituição não prevê solução expressa e, por conseguinte, reina a controvérsia, conforme se passa a explicar.

Suponha-se, a título de exemplo, que se presumiu, como preço de venda da gasolina na bomba, o valor de R$ 2,70 por litro, sendo o tributo antecipadamente cobrado na saída da refinaria com base nesse montante. Admita-se que, em virtude de condições de mercado, determinado posto tenha vendido todo o combustível adquirido ao valor de R$ 2,60. Ora, o ICMS sobre a diferença (R$ 0,10) foi recolhido a maior, devendo, na opinião de doutrina majoritária, proceder-se à devolução da diferença.

O Fisco fundamenta entendimento contrário em dois argumentos, um de fato e outro de direito.

O argumento de fato é que se forem obrigatórios ajustes nos casos em que haja diferença entre os valores recolhidos antecipadamente e aqueles teoricamente devidos quando da verificação do fato gerador presumido, a sistemática da substituição progressiva perderá boa parte de sua utilidade prática, pois a Administração precisará voltar a fiscalizar a parte final da cadeia produtiva (no caso citado, os postos).

O argumento de direito é que o legislador constituinte derivado, ao prever expressamente a restituição nos casos de não ocorrência do fato gerador e silenciar quanto aos casos de ocorrência em valor diferente do previsto, quisera afirmar a impossibilidade de ajustes no segundo caso. Seguindo essa linha, seria possível afirmar que a presunção de ocorrência do fato gerador é relativa (admitindo prova em sentido contrário), mas, ocorrido o fato, a presunção de valor seria absoluta (não admitindo prova em contrário). Por conseguinte, em caso de recolhimento a maior, não haveria restituição; em caso de recolhimento a menor, não haveria cobrança suplementar.

Visando a uniformizar nacionalmente o entendimento, 23 dos 27 entes que cobram ICMS firmaram o Convênio ICMS 13/97 (ficaram de fora somente Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina e Paraná), adotando o posicionamento mais favorável para o Fisco, o da não restituição dos valores recolhidos aparentemente a maior e não cobrança dos valores recolhidos aparentemente a menor. Transcrevem-se as regras do convênio:

Cláusula primeira. A restituição do ICMS, quando cobrado sob a modalidade da substituição tributária, se efetivará quando não ocorrer operação ou prestação subsequentes à cobrança do mencionado imposto, ou forem as mesmas não tributadas ou não alcançadas pela substituição tributária.

Cláusula segunda. Não caberá a restituição ou cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no art. 8.º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996”.

Posteriormente, o Governador do Estado de Alagoas – um dos Estados conveniados – ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra o Convênio. O Supremo Tribunal Federal, em decisão que parecia por um ponto final na discussão, declarou constitucional o convênio em decisão pedagógica, cujos principais termos são abaixo transcritos:

“O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação” (STF, Tribunal Pleno, ADI 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 08.05.2002, DJ 22.11.2002, p. 55 – grifou-se).

A decisão foi proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tendo, teoricamente, eficácia para todos (erga omnes) e vinculante, o que incentivou os Estados de Pernambuco e São Paulo – não signatários do Convênio ICMS 13/87 – a propor ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 2.675/PE e 2.777/SP) contra suas leis internas que previam a restituição também na hipótese de ocorrência do fato gerador com base de cálculo menor que a presumida. Até o fechamento desta edição, o julgamento das ações estava empatado (5 x 5), ficando a decisão dependente exclusivamente do Voto do Ministro Carlos Britto. É importante manter-se atento ao resultado a ser proferido em breve.

Ressalte-se, todavia, que o Supremo Tribunal Federal não reconhece absoluta identidade entre a matéria discutida na ADI 1.851/AL (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 10.05.2007, DJ 15.06.2007) e nas ADI 2.675/PE e 2.777/SP. Segundo a Corte, no caso já julgado, a adoção da sistemática da substituição tributária para frente é opcional, consistindo requisito para fruição de benefício fiscal pelo contribuinte. Já nos casos dos Estados de Pernambuco e São Paulo, a sistemática seria obrigatória, configurando técnica de arrecadação do ICMS, o que poderia levar a decisões diferentes. A esse respeito, transcreve-se trecho de notícia veiculada no Informativo STF 440:

“Asseverou-se que, na ADI 1.851/AL, a substituição tributária, baseada no Convênio ICMS 13/97, é facultativa e consiste em benefício fiscal aos optantes, enquanto que a substituição tributária analisada nas outras ações diretas mencionadas é obrigatória e caracterizada como técnica de arrecadação do ICMS. Por isso, não haveria possibilidade de haver interpretações colidentes, no caso de prevalecer o entendimento dos votos proferidos nas últimas, mas fixação ou revelação de regra geral, no sentido de que o art. 150, § 7.º, da CF impõe a devolução da diferença a maior entre o valor devido e o efetivamente recolhido pela técnica de substituição, mesmo quando o fato gerador seja de valor inferior ao presumido (ADI 2.777/SP e 2.675/PE), e subsistência de regra específica, qual seja a de ser constitucional a não devolução da diferença quando facultativa a substituição tributária e atrelada a figura de benefício fiscal (ADI 1.851/AL)” (STF, Tribunal Pleno Rcl-AgR 2.600/SE, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 14.09.2006, DJ 03.08.2007, p. 31 – Informativo 440).

Pode parecer estranho que o STF tenha afirmado que a substituição baseada no Convênio ICMS 13/1997 é facultativa. Entretanto, analisando os votos que fundamentaram a decisão da ADI 1.851, verifica-se que a análise da matéria também foi feita às luzes do Convênio ICMS 129/1997, que autorizou os Estados a concederem redução na base de cálculo do imposto, de forma a reduzir a carga a montante nunca inferior a 12%. Condicionou-se o gozo do benefício à manifestação expressa do contribuinte substituído (opção) pela adoção do regime de substituição tributária, mediante celebração de Termo de Acordo com o Fisco. Todos os Estados e o Distrito Federal foram signatários do convênio, como, aliás, deve sempre acontecer na autorização de concessão de benefícios fiscais do ICMS, por força do art. 155, § 2.º, XII, g, da CF.

Daí, no entendimento da Corte, a possibilidade de tratamento diferenciado no que concerne aos casos dos Estados de Pernambuco e São Paulo.

Em se tratando de provas de concurso público, devem ser adotados os seguintes posicionamentos:

a) a sistemática da substituição tributária para frente é constitucional, mesmo com relação aos fatos anteriores à Emenda Constitucional 3/1993;

b) não ocorrido o fato gerador presumido, nasce o direito à restituição imediata e preferencial da quantia paga;

c) é constitucional a decisão tomada pela maioria dos Estados da Federação e pelo Distrito Federal no sentido de não restituir nem cobrar diferenças nos casos de ocorrência do fato gerador com base de cálculo diferente da presumida (Convênio ICMS 13/1997);

d) estão pendentes no STF os julgamentos de duas ADI em que se discute a constitucionalidade de leis estaduais que determinam a restituição do valor pago a maior em decorrência de o fato gerador do ICMS ocorrer com base de cálculo menor que a presumida;

e) o STF entende que não há absoluta coincidência na sistemática de substituição dos itens c e d anteriores. No primeiro, a substituição seria exigência para a fruição de benefício fiscal (opcional); no segundo, apenas uma técnica de tributação, o que poderia justificar tratamento diferenciado.

6.5 DISCIPLINA LEGAL DA RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO

O confuso art. 129 do CTN estatui a seguinte regra:

“Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data”.

O dispositivo inaugura uma Seção denominada “Responsabilidade dos sucessores” e, portanto, disciplina a aplicabilidade no tempo das normas sobre responsabilidade por sucessão.

Como já estudado, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, que possui como sujeito passivo um contribuinte legalmente definido. Posteriormente, ocorre um evento que transfere a sujeição passiva a um responsável expressamente designado por lei. Tem-se a sucessão, pois o responsável sucede o contribuinte como sujeito passivo do tributo.

O marco temporal da transferência de responsabilidade é a data da ocorrência dos eventos previstos em lei como aptos a gerar a sucessão. Seria bem mais simples afirmar que as regras sobre sucessão tributária se aplicam às obrigações tributárias surgidas até a data dos atos legalmente definidos como geradores de sucessão tributária. O CTN, contudo, trilhou por uma redação mais complexa, definindo o fenômeno com base na constituição do crédito (lançamento), momento irrelevante na perquirição da aplicabilidade das regras sobre sucessão.

Explique-se melhor. O Código afirma que as regras sobre responsabilidade dos sucessores são aplicáveis “aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos”. Ora, o legislador tributário acabou por asseverar que as regras se aplicam ao antes, ao durante e ao depois. É lícito afirmar, portanto, que o momento da constituição do crédito tributário (lançamento) é dado absolutamente irrelevante para definir a aplicabilidade da legislação sobre sucessão, pois o que realmente importa é a data do surgimento da obrigação (ocorrência do fato gerador), como inequivocamente aponta a cláusula final do confuso dispositivo (“desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data”).

6.5.1 A responsabilidade do adquirente de bens imóveis

Segundo o art. 130 do CTN, os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

O primeiro ponto relevante é que o dispositivo somente se aplica à aquisição de imóveis, pois fala em impostos sobre imóveis, em taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, e em contribuições de melhoria (estas, por definição, são cobradas quando há valorização imobiliária decorrente de obra pública).

Conforme deflui do texto legal, a sub-rogação verificada na aquisição de bens é pessoal, ou seja, há uma mudança do sujeito passivo da obrigação, de forma que o adquirente passa a ser responsável por todo o crédito tributário relativo ao imóvel, não importando o montante, mesmo que ultrapasse o valor do próprio bem.

No que concerne aos créditos tributários relativos as taxas, o CTN restringiu a regra aos casos em que o fato gerador é a prestação de serviços referentes ao imóvel, não sendo possível a responsabilização do adquirente nos casos de taxas decorrentes do exercício do poder de polícia, ainda que relativos ao imóvel. Seguindo este raciocínio, o CESPE, no concurso para provimento de cargos de Advogado da União, com provas aplicadas em 2012, considerou incorreta a seguinte assertiva: “As taxas de prestação de serviços, tais como as cobradas em razão do poder de polícia, devidas pelo alienante até a data da aquisição do imóvel, são de responsabilidade do adquirente do imóvel”.

Perceba-se que a afirmativa além de misturar os fatos geradores das taxas, considerando incorretamente o exercício do poder de polícia como exemplo de prestação de serviço, também apresentou o problema de não restringir a regra de responsabilidade aos casos em que os serviços prestados são referentes ao próprio imóvel alienado. A título de exemplo, obviamente não é transferida para o adquirente de imóvel a responsabilidade pelo pagamento de custas judiciais (taxa judiciária) devidas pelo alienante em virtude do serviço jurisdicional que lhe tenha sido prestado, uma vez que tal serviço não é relativo ao imóvel.

O Código Tributário Nacional estipula duas expressas exceções à regra ora estudada. Assim, não ocorre a sub-rogação pessoal prevista no art. 130 nos seguintes casos:

a) Quando conste do título de transferência de propriedade a prova da quitação dos tributos (parte final do caput do art. 130 do CTN);

b) No caso de arrematação em hasta pública, caso em que a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço (CTN, art. 130, parágrafo único).

Registre-se que ambas as exceções se aplicam exclusivamente aos bens imóveis, porque, conforme ressaltado, as disposições do art. 130 referem-se exclusivamente a tais bens. Apesar de alguns defenderem a aplicação da segunda exceção também para bens móveis, esse raciocínio não é condizente com o CTN, tendo em vista que as disposições de um parágrafo devem ser interpretadas no contexto do artigo. Em provas de concurso público, o entendimento tem sido aplicado de maneira pacífica, conforme demonstra a seguinte assertiva considerada errada pela ESAF, na prova do concurso para provimento de cargos de Auditor-Fiscal do Tesouro Municipal de Natal-RN, realizado em 2008: “No caso de arrematação de bem móvel em hasta pública pelo credor, o arrematante adquire o bem livre de quaisquer ônus, não se investindo na figura de responsável pelo pagamento de tributos cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da aquisição”.

Há, contudo, precedente do STJ afirmando que “o credor que arremata veículo em relação ao qual pendia débito de IPVA não responde pelo tributo em atraso. O crédito proveniente do IPVA sub-roga-se no preço pago pelo arrematante” (REsp 905.208/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, 3.ª T., julgado em 18/10/2007, DJ 31/10/2007, p. 332).

Em provas objetivas de concurso público, a tendência, conforme demonstra a questão ESAF acima transcrita, é considerar a literalidade do Código. Não obstante, se invocado o posicionamento do STJ, deve ser adotado o citado precedente.

Passa-se à análise das exceções.

6.5.1.1 O caso da apresentação de certidão negativa

É relevante ressaltar que a transferência da propriedade de imóveis somente ocorre com o registro do ato no cartório de registro de imóveis. Nesse momento, o oficial de registro deve exigir a apresentação de certidões que comprovem a inexistência de registro de crédito tributário vencido e não quitado relativo ao imóvel objeto da transferência. Apresentados os comprovantes da quitação dos tributos, o adquirente não pode ser responsabilizado por obrigações porventura existentes.

Neste ponto, vale uma observação. Pode parecer estranho falar em obtenção de certidão negativa e aparecimento posterior de débito. Entretanto, a situação é plausível, pois a certidão é como uma fotografia, relatando uma situação de momento. É possível que o contribuinte obtenha uma certidão negativa e dois minutos depois seja cientificado da lavratura de um auto de infração cobrando tributo relativo a fato ocorrido há três anos (o limite é o prazo decadencial, a ser estudado em momento oportuno). Assim, no momento em que se requer uma certidão, o servidor competente para emissão normalmente consulta um sistema informatizado. Não havendo débito registrado, a certidão é expedida, sem prejuízo da possibilidade de posterior constituição de crédito relativo a período passado, sempre obedecido o prazo decadencial.

Em resumo, o adquirente de boa-fé imagina que, se lhe foi apresentada a certidão, não há débito quanto ao passado. Caso haja alguma pendência, a Administração pode lançar o tributo, todavia a cobrança irá recair sobre o anterior proprietário (contribuinte), não se colocando o adquirente na posição de responsável tributário.

6.5.1.2 O caso da arrematação em hasta pública

A arrematação em hasta pública ocorre no processo de execução, no qual o Estado-juiz adentra no patrimônio do devedor, apreendendo um bem e alienando-o em praça pública. Neste caso, o arrematante (aquele que ofereceu o maior lance) adquire o imóvel livre de quaisquer ônus.

A sub-rogação ocorre sobre o preço, de forma que o adquirente não se coloca como responsável por quaisquer tributos devidos até a data da alienação. Os débitos existentes devem ser quitados com o produto da arrematação. Caso o valor alcançado pelo imóvel seja insuficiente para a quitação do tributo, o Fisco não poderá exigir do adquirente – nem do alienante – qualquer excedente, visto que a sub-rogação, neste caso, é real e não pessoal.

Nessa linha, transcrevem-se as pedagógicas palavras do Superior Tribunal de Justiça, constantes do acórdão proferido no julgamento do REsp 166.975/SP:

“Processo civil. Arrematação. Falência. Tributo predial incidente sobre o imóvel arrematado. Matéria concernente ao processo falimentar. Negativa de vigência ao art. 130, parágrafo único, CTN. Precedentes. Doutrina. Recurso especial provido. I – Na hipótese de arrematação em hasta pública, dispõe o parágrafo único do art. 130 do Código Tributário Nacional que a sub-rogação do crédito tributário, decorrente de impostos cujo fato gerador seja a propriedade do imóvel, ocorre sobre o respectivo preço, que por eles responde. Esses créditos, até então assegurados pelo bem, passam a ser garantidos pelo referido preço da arrematação, recebendo o adquirente o imóvel desonerado dos ônus tributários devidos até a data da realização da hasta. II – Se o preço alcançado na arrematação em hasta pública não for suficiente para cobrir o débito tributário, não fica o arrematante responsável pelo eventual saldo devedor. A arrematação tem o efeito de extinguir os ônus que incidem sobre o bem imóvel arrematado, passando este ao arrematante livre e desembaraçado dos encargos tributários” (STJ, 4.ª T., REsp 166.975/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 24.08.1999, DJ 04.10.1999, p. 60).

6.5.2 A responsabilidade do adquirente ou remitente de bens móveis

A regra relativa à aquisição de bens móveis é basicamente a mesma aplicada à aquisição de imóveis, de forma que a única diferença que merece nota é a inaplicabilidade das exceções estudadas nos itens anteriores (ver comentários finais do item 6.5.1 em que é citado precedente da 3.ª Turma do STJ em sentido oposto).

A transferência da propriedade de bens móveis ocorre com o que os civilistas denominam de “tradição”, ou seja, com a entrega do bem ao adquirente. No caso de aquisição de veículo, quando o adquirente procura o Detran para o registro da transferência, esta já está aperfeiçoada, assim como a sucessão tributária. Não há exceção ao caso, de forma que o pagamento do IPVA pendente deve ser efetuado pelo adquirente, mesmo que na aquisição tenha sido apresentada certidão afirmando a inexistência de débito.

O fundamento legal para a transferência de sujeição passiva para o adquirente de bens móveis é o art. 131, I, do CTN, segundo o qual “são pessoalmente responsáveis o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos”.

A maneira como o dispositivo foi redigido poderia levar à conclusão de que a regra é aplicável tanto a móveis quanto a imóveis. Entretanto, como a disciplina relativa à responsabilidade do adquirente de bens imóveis consta do art. 130, o entendimento mais razoável é no sentido de que o art. 131, I, aplica-se exclusivamente a móveis. Interpretação contrária tornaria o art. 130 despiciendo, o que contrariaria a regra hermenêutica segundo a qual a lei não deve conter palavras desnecessárias ou inúteis, devendo o intérprete buscar a essência de cada dispositivo legal, conferindo-lhe aplicabilidade e eficácia.

A regra objeto de análise se refere ao adquirente e ao remitente. Remitente é a pessoa que pratica a remição (com “ç”), instituto diferente da remissão (com “ss”).

A remissão, como será detalhado em momento oportuno, é o perdão concedido por lei, que extingue o crédito tributário. Já a remição não extingue crédito algum, consistindo, pelo contrário, em caso de transferência da sujeição passiva.

Tradicionalmente, a remição era exercida quando o cônjuge, o ascendente ou o descendente resgatava bens que, num processo de execução, haviam sido levados à hasta pública, depositando o preço pelo qual tais bens foram alienados ou adjudicados. O instituto era disciplinado pelos arts. 787 e 788 do CPC, hoje revogados.

Atualmente, a primeira opção para a alienação do bem expropriado do devedor na execução é a adjudicação pelo exequente (credor), concorrendo com este o cônjuge, os ascendentes e os descendentes (potenciais remitentes).

Em suma, de acordo com a nova disciplina legal, ocorrerá remição quando o cônjuge, o ascendente ou o descendente exercer a preferência na adjudicação de bem do devedor expropriado num processo de execução (CPC art. 685-A, §§ 2.º e 3.º, acrescentados pela Lei 11.382, de 6 de dezembro de 2006).

De qualquer forma, se o remitente adquire o bem, passa a ser devedor dos tributos sobre ele incidentes. Pode-se afirmar, portanto, que o remitente é, na realidade, espécie de adquirente e, da mesma forma que este, põe-se na condição de responsável pelos tributos incidentes sobre o bem adquirido, desde que relativos aos fatos geradores ocorridos anteriormente à aquisição. Com relação às obrigações tributárias surgidas posteriormente, o adquirente e o remitente passam a ser contribuintes.

6.5.3 A responsabilidade na sucessão causa mortis

Com a morte, ocorre a abertura da sucessão. Segundo o direito das sucessões, a transferência do patrimônio do de cujus (falecido) ocorre imediatamente com tal fato.

A formalização da transferência da responsabilidade para os sucessores, contudo, depende da conclusão do processo de inventário (ou arrolamento), com a consequente partilha dos bens.

Durante o período de tempo iniciado com a abertura da sucessão (morte) e concluído com o término do processo de inventário (partilha dos bens), a responsabilidade pelos tributos devidos pelo de cujus, até a data de sua morte, é do espólio.

O espólio é o conjunto de bens e direitos deixados pelo de cujus, atuando no mundo jurídico por meio do inventariante.

O espólio não é pessoa, consistindo tão somente numa universalidade de bens e direitos.A decorrência teórica desta afirmação seria a impossibilidade de o espólio ser sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica. Assim, não seria possível ao espólio figurar como devedor (sujeito passivo) em qualquer relação jurídica (os débitos porventura existentes seriam dos sucessores, que, em teoria, imediatamente passam a ser proprietários dos bens, titulares dos direitos e sujeitos passivos das obrigações).

Entretanto, conforme já visto, ao estipular as regras sobre capacidade tributária passiva, o CTN desconsidera por completo as regras civilistas sobre capacidade.

Em mais uma manifestação dessa autonomia das regras tributárias, o Código afirma, no seu art. 131, III, que o espólio é pessoalmente responsável pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão. Perceba-se que o CTN acabou por afirmar que algo que não é pessoa é pessoalmente responsável por algo.

Alguns intérpretes mais apressados atestam que o espólio somente é responsável até a data da abertura da sucessão, o que é absurdo. Na realidade, a responsabilidade do espólio se inicia com a abertura da sucessão, pois antes desta data, o falecido estava vivo e era o sujeito passivo da obrigação (contribuinte).

Dessa forma, a expressão “até a data da abertura da sucessão” refere-se aos tributos não pagos pelo de cujus (até tal data). Não se estipula, por óbvio, um momento a partir do qual o espólio deixa de ser responsável.

Com a prolação da sentença de partilha ou adjudicação, a responsabilidade por todo o período passado (respeitado o prazo decadencial) passa a ser dos sucessores a qualquer título e do cônjuge meeiro, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação (CTN, art. 131, II).

Portanto, se o de cujus deixou créditos tributários em aberto, o espólio deve fazer o pagamento (é responsável). Caso o pagamento não tenha sido feito e, mesmo assim, os bens tenham sido partilhados, os sucessores a qualquer título e o cônjuge meeiro deverão fazer o pagamento (são responsáveis).

As situações descritas podem ser visualizadas por intermédio do seguinte esquema:

image

No esquema, as três linhas cheias demonstram o seguinte:

a) até sua morte (abertura da sucessão), o de cujus era sujeito passivo na modalidade contribuinte;

b) após a morte, os novos fatos geradores terão como contribuinte o espólio, e tal situação durará até data da partilha ou adjudicação;

c) após a partilha ou adjudicação, os novos fatos geradores terão como contribuintes os sucessores a qualquer título e o cônjuge meeiro.

Já as duas linhas tracejadas demonstram o seguinte:

a) o espólio é pessoalmente responsável pelos tributos devidos pelo de cujus até a data de abertura da sucessão (o que corresponde com exatidão à previsão do art. 131, III, do CTN)

Ressalte-se que o espólio surge com a morte do de cujus, e existe até a data da partilha ou adjudicação. A linha cheia demonstra, portanto, o período de vida do espólio. Quanto aos fatos geradores ocorridos durante tal período, o espólio será contribuinte (letra “a” da enumeração anterior). A linha tracejada demonstra que, no tocante às obrigações surgidas durante o período correspondente e não quitadas pelo contribuinte, o espólio, após o seu surgimento, será sujeito passivo na modalidade responsável.

Em resumo, o espólio só existe no mundo jurídico durante o período indicado no gráfico pela respectiva linha cheia, mas neste intervalo de tempo, é responsável pelas obrigações surgidas no período passado (quando o de cujus era contribuinte).

b) o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro são pessoalmente responsáveis pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, tendo como limite do débito o montante do quinhão, do legado ou da meação recebidos (o que corresponde, com exatidão, à previsão do art. 131, II, do CTN)

Aqui vale o mesmo raciocínio. Se o tributo não foi pago pelo de cujus, a responsabilidade passa para o espólio; se este não quita o tributo de que era sujeito passivo, seja como responsável (linha tracejada), seja como contribuinte (linha cheia), o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro serão responsáveis por todo o período, tendo como limite o montante do quinhão, do legado ou da meação recebidos.

Note-se que, para tornar o Código mais inteligível, o legislador do CTN deveria ter invertido a ordem dos incisos II e III, pois este último se refere a algo que surge em primeiro lugar na ordem natural dos fatos (responsabilidade do espólio) quando comparado com a situação descrita no “inciso II” (responsabilidade dos sucessores e do cônjuge meeiro).

Por fim, para o completo entendimento do sentido da última regra citada (art. 131, II), é necessário o esclarecimento de alguns conceitos oriundos do direito das sucessões.

Quinhão é uma parcela ideal (fração) do patrimônio deixado pelo de cujus. Assim, quem tem direito a 1/3 de uma herança de 300 mil reais recebe um quinhão de 100 mil reais e só responde por débitos tributários até esse montante. A regra almeja evitar que a existência de débitos superiores aos bens e direitos recebidos impusesse ao sucessor (herdeiro) a utilização de patrimônio próprio para pagar débitos que não gerou.

Existe legado quando, no testamento, o de cujus deixa um bem determinado para pessoa determinada. Assim, se o legatário recebe uma casa no valor de duzentos mil reais, somente responde por débitos até esse montante, pelos mesmos motivos acima explicados.

A meação é a parcela (metade) do patrimônio do casal pertencente a cada cônjuge, que, justamente por isto, é designado meeiro (desde que casados em regime no qual haja comunicação patrimonial). Os cônjuges são partes de uma sociedade, a sociedade conjugal ou matrimonial. Com o falecimento de um deles, o outro tem direito à meação, sendo responsável pelos respectivos tributos.

A regra é, a rigor, desnecessária e atécnica, visto que os bens integrantes da meação (patrimônio comum, de acordo com o regime do casamento) já pertenciam ao cônjuge sobrevivente, mesmo antes da morte do de cujus, de forma que, não havendo qualquer transferência de patrimônio, o meeiro continua sendo contribuinte dos respectivos tributos. O STJ, não obstante reconhecer que o caso não é de sucessão, o trata como hipótese de responsabilidade, já havendo decidido, por exemplo, que “a dívida deve ser cobrada da viúva meeira, como responsável legal, e não como sucessora, na proporção de sua meação” (REsp 212.554).

Não se pode olvidar que com o advento do art. 1.845 do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) o cônjuge passou a ser, também, herdeiro necessário, concorrendo com os demais sucessores na forma estabelecida no próprio dispositivo civilista.

Em provas de concurso, em se tratando de matéria tributária, deve ser adotada a redação literal do CTN, designando-se o cônjuge como verdadeiro responsável tributário, tanto no que concerne à meação quanto no que concerne à sua parcela da herança.

Outra questão relevante é a abrangência da norma estudada quanto à composição do crédito transferido. Apesar de os dispositivos legais se referirem à responsabilidade por tributos, o Superior Tribunal de Justiça entende que também devem se incluir na regra as multas moratórias (REsp 295.222 – no acórdão, são citados diversos outros precedentes).

A ideia em torno do entendimento é que a expressão “patrimônio” abrange um conjunto de bens, direitos e obrigações, de forma que o sucessor não pode receber os bônus (bens e direitos) sem arcar com os respectivos ônus (obrigações – entre elas as multas) integrantes do patrimônio transferido.

Adotando uma linha um pouco diferente, a Fundação Carlos Chagas, no concurso para provimento de cargos do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará, realizado em 2006, formulou questão que, pela relevância, tem seu teor abaixo transcrito:

“Herdeiros de um contribuinte que deixou patrimônio, tendo sido autuado pela prática de sonegação fiscal, sofrem processo de execução fiscal, compreendendo o valor do tributo, acrescido da correção monetária, da multa e dos juros. Essa cobrança é

(a) ilegal apenas quanto à multa;

(b) legal quanto ao tributo e à multa e ilegal quanto aos juros e à correção monetária;

(c) legal quanto ao tributo e todos os seus acréscimos;

(d) ilegal quanto ao tributo e à multa e legal quanto aos juros e à correção monetária;

(e) ilegal quanto ao tributo e todos os seus acréscimos.”

O gabarito oficial apontou como correta a assertiva “a”. Pelas alternativas propostas – todas iniciadas com a palavra “legal” ou a palavra “ilegal” –, parece que a banca tomou o texto literal do CTN como parâmetro único para a resposta, desconsiderando interpretações puramente doutrinárias.

Certamente, o examinador, ao tratar de sonegação fiscal (crime), quis se referir a uma multa de ofício (punitiva) e não a uma multa por atraso (de mora), de forma a haver responsabilidade pessoal do agente nos termos do art. 137, I do Código, dispositivo estudado no item 6.7.1.

Curiosamente, a mesma FCC, no concurso para Auditor do Tribunal de Contas dos Municípios do Amazonas, realizado em 2007, elaborou questão de idênticos enunciado e alternativas, mas apontou como correta a afirmação de que a cobrança era “legal quanto ao tributo e à correção monetária e ilegal quanto à multa e aos juros”.

Após os recursos, a banca anulou a questão, o que foi correto, pois não é razoável que uma questão absolutamente idêntica, palavra por palavra, letra por letra, seja repetida em certames tão próximos. Contudo, se não fosse a anulação, certamente, o posicionamento mais coerente seria o de alteração do gabarito, de forma a considerar correta a alternativa segundo a qual apenas a cobrança da multa padeceria de ilegalidade.

Por tudo, há de se concluir o seguinte:

a) para efeitos de responsabilidade tributária por sucessão causa mortis, devem ser entendidas, dentro do conceito de tributos, as multas moratórias, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça;

b) nos casos de aplicação de multa “de ofício”, cuja responsabilidade seja pessoal do infrator (casos do art. 137 do CTN), a responsabilidade, nos exatos termos legais, não é transferida aos sucessores. Este é o posicionamento mais seguro para se adotar em provas objetivas, conforme demonstra o exemplo acima citado (FCC);

c) nos casos propostos em provas subjetivas, principalmente para provimento de cargos de advocacia pública (em que o candidato deve usar os argumentos disponíveis em defesa do Estado), é possível invocar a tese de que o sucessor também deve responder pelas multas “de ofício”, mesmo nos casos de responsabilidade pessoal do infrator, pois, desaparecendo o devedor (sucessão causa mortis), seu patrimônio (conjunto de bens, direitos e obrigações) seria integralmente transferido para os sucessores. Também é relevante argumentar que quando o CTN quis restringir a responsabilidade de alguém apenas às penalidades de caráter moratório, o fez expressamente, como ocorre no parágrafo único do art. 134.

6.5.4 A responsabilidade na sucessão empresarial

Aqui a expressão “sucessão empresarial” é utilizada em sentido amplo, compreendendo todos os casos de operações entre empresas, como as fusões, cisões, incorporações, alienações de filiais, entre outras.

O raciocínio que orientou a elaboração das regras foi o de que a Administração Tributária deve seguir a manifestação de riqueza dessas entidades, de forma que o “desaparecimento” de uma entidade implicará a responsabilidade daquelas que lhe sucederem.

Assim, pode-se afirmar que a premissa fundamental é a de que a sucessão empresarial gera sucessão tributária.

O CTN, a partir de tal premissa, estipula regras específicas para os casos que serão detalhados a seguir.

Antes, contudo, é relevante analisar a possibilidade de aplicação das regras de responsabilidade por sucessão para os créditos tributários relativos a multas.

Há quem defenda que o fato de a multa ser sanção por ato ilícito teria por consectário a responsabilidade pessoal do infrator, de forma a não ser possível que uma outra pessoa venha a suceder aquele na obrigação de arcar com o encargo punitivo.

O raciocínio, entretanto, não pode prosperar, por dois motivos.

O primeiro é que o CTN, ao estabelecer as regras sobre sucessão empresarial, não diferenciou os créditos relativos a multas e a tributos. Ressalte-se que, quando o Código quis estipular algum tipo de tratamento diferente entre tributo e multa tributária, ele expressamente o fez, como se vê no art. 186, parágrafo único, III.

O segundo e mais importante motivo de a sucessão tributária englobar créditos relativos a tributos e multas decorre do fato de o patrimônio ser definido como um conjunto de bens, direitos e obrigações, de forma que o sucessor não recebe apenas os bônus (bens e direitos), mas também arca com os ônus (obrigações – entre elas as multas) integrantes do patrimônio.

Essa linha de raciocínio é a prevalecente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o seguinte excerto, extraído da Ementa do Acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial 432.049-SC (2002/0049948-2):

2. Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. Portanto, é devida a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo, visto ser ela imposição decorrente do não pagamento do tributo na época do vencimento.

3. Na expressão ‘créditos tributários’ estão incluídas as multas moratórias.

4. A empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo tributo declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da multa moratória.

5. Precedentes das 1.ª e 2.ª Turmas desta Corte Superior e do colendo STF” (STJ, 1.ª T., REsp 432.049/SC, Rel. Min. José Delgado, j. 13.08.2002, DJ 23.09.2002, p. 279).

6.5.4.1 A responsabilidade na fusão, incorporação, transformação, cisão e extinção de pessoas jurídicas

O art. 132 do CTN afirma que a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

A regra objetiva atribuir responsabilidade à pessoa jurídica de direito privado resultante de alterações (fusão, cisão, transformação e incorporação) de outras pessoas jurídicas de direito privado devedoras de tributo. As alterações são aquelas previstas na lei comercial, e serão a seguir explanadas na forma de exemplos em que constarão as respectivas consequências tributárias.

Ocorre fusão quando se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações, inclusive as de natureza tributária.

Assim, quando as empresas Antarctica e Brahma resolveram criar a AmBev, aquelas deixaram de existir como sujeitos de direitos e obrigações, sendo nesses aspectos sucedidas por esta. Todos os tributos devidos pela Antarctica e pela Brahma (contribuintes) na data da fusão (1.º de julho de 1999) passaram a ser de responsabilidade da AmBev. A partir de tal data, a AmBev passou a ser contribuinte com relação às novas obrigações tributárias surgidas.

Se a Brahma houvesse absorvido a Antarctica (imagine-se que a Brahma houvesse “comprado” a Antarctica), ter-se-ia uma incorporação. Nesta situação, a Brahma continuaria existindo como sujeito de direitos e obrigações, sendo, ainda, contribuinte dos seus tributos. Já a Antarctica deixaria de existir como pessoa jurídica e seus tributos passariam a ter como sujeito passivo a Brahma, na condição de responsável.

O legislador do CTN, novamente mostrando profundo desapego à definição técnica dos institutos jurídicos, também citou a transformação como geradora de sucessão tributária. Segundo a definição legal de transformação, esta ocorre quando a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro (Lei 6.404/1976, art. 220).

A título de exemplo, imagine-se que uma empresa por quotas de responsabilidade limitada (Ltda.) transforme-se numa sociedade por ações (S.A.). Nesta situação a empresa não se extingue como sujeito de direitos e obrigações, continuando como contribuinte dos seus respectivos tributos.

Entretanto, sob a ótica do CTN, a sociedade resultante da transformação – no exemplo citado, a S.A. – passa a ser responsável pelos tributos devidos pela sociedade transformada – a Ltda. É assim que o fenômeno deve ser encarado em provas de concurso público.

Por fim, é relevante ressaltar que o Código Tributário Nacional não estabeleceu regra expressa sobre sucessão tributária nos casos de cisão. O motivo da omissão foi que o instituto só veio a ser disciplinado pela Lei 6.404/1976, editada mais de uma década após o advento do CTN.

Segundo a definição legal, cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão (art. 229 da Lei 6.404/1976).

Assim, se a sociedade “A” transfere todo o seu patrimônio para as sociedades “B” e “C”, haverá cisão total, extinguindo-se “A” (cindida). Já se “A” transfere apenas parcela do seu patrimônio para “B” e “C”, haverá cisão parcial, continuando “A” a ser sujeito de direitos e obrigações.

Conforme afirmado, o CTN não tratou da existência de responsabilidade das sociedades recipientes de patrimônio – “B” e “C”, no exemplo citado – pelos tributos devidos pela sociedade cindida – “A”. O fato gerou certa controvérsia doutrinária sobre a possibilidade de aplicação das regras do art. 132 do Código também aos casos de cisão, havendo quem defenda que, em virtude de a atribuição de responsabilidade tributária depender de expressa previsão legal, resta impedida a extensão na via interpretativa.

Majoritariamente, contudo, tem-se entendido por suficiente para atribuição de responsabilidade a previsão constante no art. 233 da Lei 6.404/1976, que estabelece responsabilidade solidária entre:

a) a própria sociedade cindida que continuar a existir (cisão parcial) e as sociedades que receberem seu patrimônio;

b) as sociedades que receberem o patrimônio da sociedade cindida, quando esta deixar de existir (cisão total).

O parágrafo único do mesmo art. 233 prevê que o ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida.

Tratando-se de responsabilidade tributária, parte da doutrina entende que a regra excludente não pode ser aplicada, pois o ato de cisão é uma convenção entre particulares, que, nos termos do já analisado art. 123 do CTN, não teria o condão de se sobrepor às regras legais de atribuição de responsabilidade. Esquece-se tal corrente doutrinária que o próprio art. 123 invocado inicia com a famosa ressalva “salvo disposições de lei em contrário”, o que legitima a possibilidade de estipulação contratual de inexistência de sucessão tributária, prevista na Lei 6.404/1976.

Como se vê, a questão relativa à sucessão tributária nos casos de cisão é por demais controversa, de forma que, em provas objetivas, a tendência é não abordar o tema de maneira detalhada. É apenas necessário que o candidato saiba que o CTN não disciplina a matéria. Em caso de provas subjetivas, sugere-se a adoção da linha acima explanada, além da verificação criteriosa da possibilidade de sujeitar o caso concreto porventura proposto à regra do art. 133 do CTN, analisada mais adiante.

Em suma, os casos de responsabilidade decorrentes das alterações societárias objeto de exame podem ser visualizados da seguinte forma:

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6.5.4.2 Os casos de extinção da sociedade

O parágrafo único do art. 132 do CTN afirma que as regras estipuladas para os casos de fusão, incorporação e transformação aplicam-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Pela literalidade do dispositivo, percebe-se que somente subsistirá responsabilidade caso algum dos sócios remanescentes (ou seu espólio) continue a exploração da mesma atividade a que se dedicava a sociedade extinta.

Não há qualquer relevância na razão social adotada pela entidade sucessora, nem mesmo no fato de a exploração ocorrer por meio de firma individual (empresa individual, segundo a terminologia do Código Civil de 2002). Mesmo que o sócio explore a atividade da sociedade extinta sem regular constituição, haverá sucessão tributária, uma vez que, conforme já estudado, a capacidade tributária passiva independe de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional (CTN, art. 126, III).

Com base neste raciocínio, há amparo legal para que a Administração Tributária cobre tributos nas extinções fraudulentas, ou meramente “de fachada”, em que a sociedade é artificiosamente extinta e os respectivos sócios continuam exercendo a mesma atividade, muitas vezes de maneira informal.

Por último, observe-se que, conforme será detalhado mais à frente, a qualidade de sócio implicará responsabilidade pelos tributos relativos aos atos que tenham praticado e às omissões que lhes sejam imputáveis, no caso de extinção de sociedade de pessoas.

6.5.4.3 A responsabilidade do adquirente de fundo de comércio ou estabelecimento

Dispõe o art. 133 do CTN:

“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.

Mais uma vez, se reafirma a regra fundamental, segundo a qual a sucessão empresarial gera sucessão tributária.

O dispositivo trata da hipótese de alienação de um conjunto de bens materiais (imóvel, mercadorias) ou imateriais (ponto) de uma pessoa jurídica ou empresa individual para outra. Não é a própria empresa que é alienada, mas apenas o conjunto de bens. Tem-se entendido que a alienação apenas da razão social não gera a sucessão tributária prevista no dispositivo.

Pelo texto legal, percebe-se que o adquirente sempre responderá pelos tributos devidos até a data do ato, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido (após a Lei Complementar 118/2005, foram incluídas exceções relativas aos processos de falência e recuperação judicial – antiga concordata –, conforme se analisará adiante). Haverá diferença, contudo, na qualificação da responsabilidade do adquirente, sendo em certos casos subsidiária e em outros integral.

O raciocínio do legislador é bem fácil de ser compreendido. Se a empresa que alienou o fundo ou estabelecimento cessou a exploração do comércio, indústria ou atividade, seria muito difícil para o Fisco dela buscar o pagamento dos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento alienado. A manifestação de riqueza passa a ser exclusiva da adquirente, que responde integralmente pelos citados tributos.

Quando a alienante continua a exploração de atividade econômica, ainda é possível cobrar-lhe os tributos relativos ao fundo ou estabelecimento alienado – sendo esta, inclusive, a solução mais justa. Somente se for infrutífera a cobrança realizada à alienante (contribuinte), é que o Fisco pode redirecionar sua pretensão contra a adquirente, sempre na busca de captar a manifestação de riqueza. Tem-se, portanto, um caso de responsabilidade subsidiária do adquirente, visto que este só é chamado a responder pelo crédito tributário quando comprovado o insucesso na cobrança realizada ao alienante. Neste caso, aparece claramente o denominado “benefício de ordem”.

Como saber, contudo, se o alienante cessou a exploração do comércio, indústria ou atividade ou se apenas ocorreu uma suspensão temporária? A disciplina legal da situação deve ser bastante precisa e clara, sob pena de se abrir espaço para que o alienante suspenda temporariamente suas atividades apenas com o objetivo de transmitir responsabilidade tributária integral ao adquirente, algo que não se coaduna com o intento do legislador.

Na falta de uma solução perfeita, o legislador optou por estabelecer um prazo. Assim, se o alienante iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão, estará na mesma situação daquele que continuou a exploração, de forma que o adquirente responderá apenas subsidiariamente. Completados seis meses, no dia subsequente, o alienante estará livre de qualquer responsabilidade quanto aos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento até a data da alienação.

Em resumo, quem para as atividades e as retoma dentro de seis meses está na mesma situação de quem não parou; quem para e retorna após seis meses está na mesma situação de quem parou em definitivo.

Três pontos merecem atenção especial com relação à regra ora estudada.

Em primeiro lugar, ao contrário da regra do art. 132, parágrafo único, do CTN, a sujeição passiva do alienante existe independentemente da atividade que o mesmo continua a explorar, podendo esta ocorrer em qualquer ramo de comércio, indústria ou profissão.

Em segundo lugar, a responsabilidade do adquirente existe apenas no que concerne aos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido e não, por óbvio, com relação a todos os tributos devidos pelo alienante.

Assim, se foi alienada a filial “A”, o adquirente responderá pelo IPTU sobre a propriedade do imóvel em que está instalada a filial, e pelos tributos incidentes sobre a atividade da filial, que podem ser, por exemplo, IPI e ICMS para uma indústria, ICMS para uma comerciante, ou ISS para uma prestadora de serviços. Não responderá, portanto, pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica alienante.

Em terceiro lugar, quando se fala em fundo de comércio, não se pode adotar o posicionamento radical de que quem porventura veio a se instalar no mesmo prédio em que anteriormente funcionava a empresa devedora passa a ser sucessor tributário, simplesmente por ter eventuais benefícios decorrentes do ponto. Não se tratando de efetiva alienação do fundo de comércio, não haverá responsabilidade do adquirente. O entendimento é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o seguinte excerto, extraído da Ementa do Acórdão proferido no Recurso Especial 108.873/SP:

“Tributário. Responsabilidade por sucessão. Não ocorrência. A responsabilidade prevista no art. 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional; a circunstância de que tenha se instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio a ocupá-lo posteriormente, também por força de locação, em sucessor para os efeitos tributários. Recurso especial não conhecido” (STJ, 2.ª T., REsp 108.873/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 04.03.1999, DJ 12.04.1999, p. 111).

Até o advento da nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005) e da adaptação do CTN às novas regras sobre a matéria (Lei Complementar 118/2005), as normas sobre responsabilidade na aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento eram somente aquelas até aqui estudadas. Não havia exceção à regra de que a sucessão empresarial geraria sucessão tributária (ao menos subsidiária).

A nova lei de falências veio ao mundo num momento em que todos os estudos comparativos entre a legislação de falências e concordatas brasileira e a dos demais países do mundo apontavam graves desvantagens para a sistemática nacional.

A concordata, por exemplo, deveria propiciar condições para que as empresas que passassem por dificuldades se recuperassem, de forma a manter os empregos, a arrecadação tributária e a colaboração com o desenvolvimento nacional. Com perdão pela utilização do desgastado lugar-comum, a ideia da concordata era – ou deveria ser – salvar a “galinha dos ovos de ouro”. Entretanto, o que se viu foi a formação de uma verdadeira indústria da concordata, com o objetivo de lesar credores, além do fato de que a divulgação da notícia segundo a qual uma empresa pediu concordata era equivalente à de que o médico desenganou um paciente cuja morte era certa. Na concordata, a falência era certa.

Quanto à falência, o sistema brasileiro também era sujeito a graves problemas, sendo o principal deles o baixíssimo percentual de quitação de débitos para com os credores. Pouquíssimos credores conseguiam receber algo da empresa cuja falência fora decretada.

Quando uma empresa passa por dificuldades, pode-lhe ser conveniente, por exemplo, alienar uma filial, visando a recuperar algum fôlego financeiro. No outro lado da moeda, a compra pode ser uma excelente oportunidade de uma outra instituição expandir seus negócios, mantendo empregos e arrecadação tributária. Parece algo benéfico para todos: credores, devedores, investidores, empregados e Estado. Da mesma forma, se já houve decretação de falência, a venda de estabelecimento ou fundo de comércio pode também ser útil, pois além de ajudar a manutenção da arrecadação, da produção e dos empregos, colabora para o pagamento dos credores da massa falida.

Todos esses efeitos benéficos, contudo, eram praticamente impedidos pela regra que se acabou de estudar, resumida na frase “sucessão empresarial gera sucessão tributária”. Ora, quem iria optar por comprar uma filial de uma empresa que passava por dificuldades, sabendo que, se a alienante encerrasse suas atividades, o adquirente responderia por todos os tributos relativos à filial comprada? E no caso de instituição com falência já decretada?

Dentro do espírito de possibilitar a efetiva recuperação de empresa que passa por dificuldades e de permitir o pagamento de um percentual maior dos débitos da empresa falida, foram criadas exceções à regra básica, de forma que não mais há responsabilidade do adquirente no caso de alienação realizada em processo de falência ou de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial (CTN, art. 133, § 1.º, I e II).

São claros os nobres objetivos da exceção. Todavia, abre-se uma brecha para a “lavagem” (ou purificação) de empresas podres por meio da venda fraudulenta de cada uma de suas filiais a pessoas físicas ou jurídicas factualmente ligadas aos sócios da empresa problemática ou, até mesmo, da alienação ao próprio sócio da empresa podre, em face da separação patrimonial existente entre as pessoas jurídicas e as pessoas físicas que lhe integram o quadro societário.

Assim, a título de exemplo, uma sociedade “Evasão Ltda.”, cujos sócios sejam “A” e “B”, com um conjunto de pendências tributárias, poderia entrar em processo de recuperação judicial e sair alienando filiais isoladas para os familiares de “A” e “B” ou a estes mesmos, que receberiam as unidades limpas, sem quaisquer ônus tributários, ficando a “Evasão Ltda.” apenas com a parte negativa da equação patrimonial.

Foi justamente para evitar tal espécie de procedimento que a mesma Lei que incluiu o § 1.º no art. 133 do CTN, criando uma exceção à regra de responsabilização dos sucessores empresariais, acrescentou, no mesmo artigo, o § 2.º, que estatui uma “exceção da exceção” (volta-se à regra). Dessa forma, não se aplica a exceção quando, apesar da alienação ser feita em processo de falência ou ter por objeto filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial, o adquirente for:

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4.º (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

Nos dois primeiros casos, a ligação entre o adquirente e a sociedade falida ou em recuperação judicial (antiga concordata) é de fácil comprovação, mediante consulta aos órgãos de registro público. No terceiro caso, a comprovação de que alguém está adquirindo uma filial na condição de agente do falido ou do devedor em recuperação judicial será, na prática, bastante difícil.

Em provas de concurso público, contudo, as questões tendem a ser bastante simples, pois o enunciado deve afirmar, peremptoriamente, a existência ou não de vínculo e de intuito fraudulento.

Como será estudado em momento oportuno, na falência, o crédito tributário deixou de possuir a preferência quase que absoluta prevista antes do advento da LC 118/2005. Em plena consonância com a novidade, a citada Lei Complementar tratou de acrescer um § 3.º ao art. 133 ora analisado, impedindo a utilização do produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada para pagamento de créditos tributários concursais.

Quando se estiver a estudar as garantias e privilégios do crédito tributário, o momento do pagamento dos créditos tributários no processo de falência será detalhadamente analisado. Por hora, transcreve-se o teor do novo dispositivo:

“Art. 133. (...)

(...)

§ 3.º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário”.

6.6 RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS

O Código Tributário Nacional trata da responsabilidade de terceiros em dois diferentes dispositivos. Em ambos os casos, os “terceiros” responsabilizados são pessoas que, em determinadas circunstâncias, falharam no cumprimento de um dever legal de gestão ou vigilância do patrimônio do contribuinte. A grande diferença é que, numa situação os terceiros responsáveis atuaram regularmente, sem agressão à lei, ao contrato social ou aos estatutos (CTN, art. 134); já a outra dispõe sobre a atuação irregular do terceiro (CTN, art. 135). A diferenciação gera, como se passa a detalhar, a submissão dos dois grupos a regimes jurídicos diferenciados.

6.6.1 Responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação regular

Como explanado, os denominados terceiros responsáveis possuem algum vínculo jurídico com a pessoa que deveria ocupar o polo passivo da relação jurídico-tributária na condição de contribuinte. Assim acontece com os pais, com relação aos tributos devidos por seus filhos menores; com os tutores e curadores, no que concerne aos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; com os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; bem como com todas as demais pessoas designadas pelo art. 134 do CTN.

O caput do citado dispositivo enuncia a regra nos seguintes termos:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis.

I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas”.

Pela redação da norma, fica claro que a atribuição de responsabilidade às pessoas exaustivamente enumeradas nas sete alíneas depende da presença dos seguintes requisitos:

a) Impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte

Neste ponto, fica patente mais uma imprecisão terminológica do CTN. Ora, se uma das características da solidariedade é justamente a inexistência do benefício de ordem, não se pode designar “solidária” uma responsabilidade que depende da impossibilidade da exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Seguindo a linha do Código, a Administração Tributária deve inicialmente voltar sua pretensão executória contra a pessoa legalmente definida como contribuinte. Somente no caso de insucesso (a execução fiscal é frustrada pela inexistência de bens suficientes) a cobrança pode ser redirecionada para o responsável, desde que presente o segundo requisito, analisado a seguir.

A rigor, portanto, a responsabilidade das pessoas enumeradas no dispositivo é subsidiária (ou supletiva), estando claramente presente o “benefício de ordem”. Nesse sentido é também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o seguinte excerto:

“Flagrante ausência de tecnicidade legislativa se verifica no artigo 134, do CTN, em que se indica hipótese de responsabilidade solidária ‘nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte’, uma vez cediço que o instituto da solidariedade não se coaduna com o benefício de ordem ou de excussão. Em verdade, o aludido preceito normativo cuida de responsabilidade subsidiária” (EREsp 446.955/SC, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 09.04.2008, DJe 19.05.2008).

Em provas de concurso público, todavia, novamente se aconselha que o candidato considere corretas as assertivas que transcrevam disposições legais. Assim, usando a precária terminologia do CTN, a responsabilidade prevista no art. 134 é solidária, mas somente surge quando não é possível o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Essa é a forma mais segura de o candidato resolver as questões de concurso. Entretanto, dada a insegurança gerada pelo conflito entre o tecnicamente correto e o impreciso texto legal, merece elogios a postura do CESPE que, no concurso para provimento de cargos de Advogado da União, com provas aplicadas em 2012, citando o excerto jurisprudencial acima transcrito, entendeu por anular o seguinte item: “No que se refere à penalidade de caráter moratório, a responsabilidade tributária do espólio e do inventariante é solidária”.

b) Ação ou indevida omissão imputável à pessoa designada como responsável

Mesmo com a impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, somente haverá responsabilidade dos “terceiros” enumerados nas alíneas do art. 134 se estes tiverem participado ativamente da situação que configura fato gerador do tributo ou tenham indevidamente se omitido.

A título de exemplo, o administrador de imóveis pertencentes a terceiros, responsável pelo recebimento dos aluguéis, pode ser também responsabilizado pelo pagamento do respectivo IPTU (mesmo que o contrato de administração traga cláusula em sentido contrário). Para isso, contudo, é necessário que o administrador tenha se omitido no pagamento, quando possuía condições de fazê-lo. Se o imóvel não estava produzindo qualquer rendimento, a sujeição passiva não é transferida.

Da mesma forma, o inventariante só é obrigado a pagar o IPTU relativo ao espólio se este possui recursos para o pagamento, caso no qual a omissão pode ser efetivamente imputada àquele.

Nos casos em que não houver ação ou indevida omissão imputável à pessoa relacionada no art. 134, não surgirá a chamada responsabilidade de terceiro.

Trata-se, portanto, de casos de responsabilidade por transferência ou sucessão, uma vez que, no momento da ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva normalmente recai sobre o contribuinte e, verificados os requisitos acima explicitados, é transferida para um responsável.

Por fim, três incisos do multicitado art. 134 merecem um comentário especial.

O inciso V atribui responsabilidade ao síndico e ao comissário pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário. Hoje, a regra deve ser adaptada à terminologia adotada pela nova Lei de Falências (Lei 11.101/2005). Assim, é responsável o administrador judicial pelos tributos devidos pela massa falida ou pela empresa em processo de recuperação judicial.

O inciso VI atribui responsabilidade aos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício.

Como hoje em dia a maioria dos cargos de escrivão foi transformada em cargos públicos, remunerados pelos cofres públicos, de forma que os atos praticados pelos seus titulares são imputados ao próprio Estado, na prática a regra de responsabilidade tem aplicabilidade basicamente para os tabeliães.

O tabelião (ou notário) é o oficial público responsável por redigir certos documentos públicos e instrumentalizar certos atos jurídicos, conferindo-lhes fé pública e garantindo-lhes a autenticidade. Ele é responsável pelos tributos devidos sobre os atos que pratica ou que perante ele são praticados, desde que atue ou se omita indevidamente com relação a obrigações decorrentes do seu ofício.

A título de exemplo, a transferência da propriedade imobiliária é aperfeiçoada com a inscrição do título aquisitivo no cartório de registro de imóveis. Nesta oportunidade, o tabelião deve exigir a comprovação do pagamento dos impostos incidentes sobre o imóvel. Caso se omita, e não haja sucesso na cobrança ao contribuinte, o tabelião é responsável “solidário”.

Por fim, o caso de maior importância prática e objeto de maiores discussões jurisprudenciais e doutrinárias.

O inciso VII prevê a responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. A simples condição de sócio não importa responsabilidade tributária, pois, conforme já ressaltado, a principal característica da pessoa jurídica é justamente possuir patrimônio (bens, direitos e obrigações) diferente do que pertence a seus sócios.

Assim, a regra é que os sócios não sejam responsabilizados pelas obrigações da pessoa jurídica que integram. Ressalte-se, contudo, que, se o sócio é também gerente da sociedade, passa a responder pelos atos ilícitos que vier a praticar. O motivo disso, no entanto, não é o fato de ser sócio, mas sim o exercício da função de gestão, de administração da instituição. Usando a terminologia mais corriqueira, a previsão é aplicável ao sócio-gerente, não ao sócio-quotista. A responsabilização decorre da previsão constante do art. 135, III, do CTN (detalhado no tópico a seguir).

Nesta linha, com palavras extremamente pedagógicas, o Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão (transcreve-se excerto):

“Tributário e processual civil. Execução fiscal. Responsabilidade de sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes. 1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. 2. Em qualquer espécie de sociedade comercial é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não são responsáveis pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei 6.404/1976). 3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN” (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 276.779/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 20.02.2001, DJ 02.04.2001, p. 260).

O entendimento é pacífico e tem sido cobrado com muita frequência em provas de concurso público.

A título de exemplo, a FCC, no concurso para Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo, com provas aplicadas em 2009, considerou incorreta assertiva em que se afirmava ser responsável tributário “cada um dos sócios por obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto social de empresa, independentemente da qualidade de representante legal”.

Na mesma decisão acima citada, o STJ deixou claro que a simples ausência de pagamento não caracteriza infração legal para o efeito de atribuir responsabilidade ao sócio-gerente. Deve-se sempre analisar cada caso sob a ótica do art. 135, III, do CTN, que torna a responsabilização dependente da comprovação de que o administrador tenha agido com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos. Nas palavras da Corte Superior:

“4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária de ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. 5. Precedentes desta Corte Superior. 6. O fato do sócio ter se retirado da sociedade em data anterior a da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária discutida constitui suporte jurídico para excluí-lo de qualquer responsabilidade. Sem influência para essa caracterização a ocorrência do registro do documento comprobatório da venda das quotas na junta comercial em data posterior. 7. Prova não feita pelo Fisco de que, na época da ocorrência do fato gerador tributável, o recorrido era sócio, da sociedade ter sido dissolvida irregularmente ou de que ele exercia função de sócio-gerente. 8. Acórdão de segundo grau baseado em presunção. 9. Agravo regimental improvido” (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 276.779/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 20.02.2001, DJ 02.04.2001, p. 260).

Atualmente, o entendimento se encontra cristalizado na Súmula STJ 430, cujo teor é o seguinte: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”. A expressão “por si só” foi intercalada na disposição sumular para demonstrar que, apesar de o adimplemento não ser causa isolada de responsabilização do sócio-gerente, pode vir a gerar tal efeito desde que acrescido de outros eventos legalmente previstos (excesso de poderes, agressão à lei, contrato social ou estatutos).

O tema tem sido comumente abordado em provas de concurso público, como demonstra o seguinte item, considerado incorreto pela ESAF, no concurso para Auditor-Fiscal da Receita Federal, com provas realizadas em 2005: “Inadimplemento de obrigações tributárias caracteriza infração legal que justifique redirecionamento da responsabilidade para o sócio-gerente da empresa”.

Conforme também se pode extrair do julgado acima transcrito (AgRg REsp 276.779/SP), o STJ entende configurada hipótese de responsabilização do sócio-gerente quando comprovada a dissolução irregular da sociedade. É pacífico na Corte que tal situação pode ser presumida quando a empresa deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação formal ao fisco acerca do novo local de funcionamento. Em termos bastante claros, o Tribunal sintetizou o posicionamento na sua Súmula 435, cujo teor é o seguinte: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Apesar da clareza do entendimento, a criatividade da Fazenda Pública acabou por encontrar um mecanismo para facilitar a responsabilização do sócio-gerente por débitos de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada. O raciocínio é por demais simples e parte da presunção de liquidez e certeza que o art. 204 do Código Tributário Nacional confere ao crédito tributário inscrito em dívida ativa, conforme detalhado no item 12.3 desta obra.

É verdade que a presunção é relativa (juris tantum), mas somente pode ser afastada por prova a cargo do sujeito passivo ou de terceiro a quem aproveite (CTN, art. 204, parágrafo único). Para o STJ, se uma execução fiscal é ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da certidão de dívida ativa, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” (STJ, 1.ª T., REsp 1.104.900/ES, rel. Min. Denise Arruda, j. 25.03.2009, DJe 01.04.2009).

Na prática, o ônus da prova é invertido, visto que, ao invés de o Estado somente inscrever o sócio-gerente em dívida ativa após comprovar a presença de algum dos casos de responsabilização, a inscrição é feita independentemente de tal comprovação, de forma que, se o sócio quiser se livrar da responsabilização, vai precisar produzir a dificílima prova negativa (prova de que não fez algo).

Se ninguém provar coisa alguma, prevalece a presunção de liquidez e certeza que milita em favor do crédito tributário inscrito em dívida ativa. Registre-se, todavia, que não é lícito à Fazenda Pública trocar a certidão de dívida ativa por outra com o objetivo de incluir o nome do sócio que não constava originariamente do documento. Nesta hipótese, se o Fisco quer cobrar o tributo do sócio-gerente, vai precisar comprovar a configuração de algum dos casos em que o CTN prevê tal responsabilização. Nesse sentido, ganha relevância a parte final da Súmula 392 do STJ, cujo teor é o seguinte (grifo não consta do original):

STJ – Súmula 392 – “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”.

A matéria também tem sido bastante exigida nas provas de concursos públicos, conforme demonstra o seguinte item (correto), proposto pelo CESPE no concurso para provimento de cargos de Advogado da União, com provas realizadas em 2008: “No curso de execução fiscal promovida contra sociedade empresária e seus sócios-gerentes, cabe a estes o ônus da prova para dirimir ou excluir a responsabilidade, via embargos do devedor, porquanto a certidão de dívida ativa goza de presunção juris tantum de liquidez e certeza”.

É também da lavra do STJ o entendimento segundo o qual o fechamento da empresa sem baixa na junta comercial constitui indício de que o estabelecimento comercial encerrou suas atividades de forma irregular, uma vez que o comerciante tem obrigação de atualizar o seu registro cadastral nos órgãos competentes. Ainda segundo a Corte, a situação justifica o redirecionamento da execução nos termos ora analisados (REsp 985.616-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 06.11.2007).

Com o advento da Lei Complementar 128/2008, uma importante exceção foi acrescida ao direito brasileiro. Trata-se do caso em que o sócio ou o administrador da microempresa e da empresa de pequeno porte que se encontre sem movimento há mais de 3 (três) anos solicita a baixa nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos. Segundo o artigo 9.º, § 5.º da LC 123/2006 (acrescido pela LC 128/2008), nesta hipótese haverá responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores do período de ocorrência dos respectivos fatos geradores. A inovação, desta feita, é válida, uma vez que introduzida na via da lei complementar, conforme detalhado no item 15.16 desta obra.

Relembre-se, contudo, que, nos casos das sociedades em que, na forma da lei comercial, é atribuída aos sócios responsabilidade ilimitada pelos débitos da entidade, haverá responsabilidade do sócio “simplesmente por ser sócio”, sendo esse o sentido que o legislador do CTN quis dar à expressão “sociedade de pessoas” constante no art. 134, VII, do Código.

Com relação ao tema responsabilidade de terceiros, um último ponto é digno de nota. Segundo o parágrafo único do art. 134, as regras do caput só se aplicam, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

Doutrinariamente, as multas são divididas em punitivas e moratórias. As multas decorrentes do mero atraso no adimplemento da obrigação tributária (moratórias) são também imputadas aos responsáveis designados no art. 134. Já as multas punitivas (chamadas pelas autoridades fiscais de multas de ofício) decorrem de atos ilícitos e, como se verá a seguir, estarão sujeitas à regra da responsabilização pessoal do respectivo infrator.

6.6.2 Responsabilidade de terceiros decorrentes de atuação irregular

Quando o “terceiro” responsável atua de maneira irregular, violando a lei, o contrato social ou o estatuto, sua responsabilidade será pessoal e não apenas solidária. Sendo assim, o “terceiro” responde sozinho, com todo o seu patrimônio, ficando afastada qualquer possibilidade de atribuição da sujeição passiva à pessoa que, de outra forma, estaria na condição de contribuinte.

O raciocínio acima expendido decorre da interpretação do art. 135 do CTN, abaixo transcrito (grifou-se):

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

Inicialmente, observe-se que a lista de pessoas abrangidas pelo dispositivo é maior que aquela relativa aos terceiros responsabilizados por sua atuação regular (CTN, art. 134), pois o Código inclui, no art. 135, além de todas as pessoas do art. 134 (CTN, art. 135, I), os mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado (CTN, art. 135, II e III).

Neste ponto, faz-se necessário um detalhamento acerca das diferentes hipóteses de responsabilização das pessoas enumeradas no art. 134 do Código.

A título de exemplo, a responsabilidade que pode ser atribuída aos pais com relação a obrigações que, de outra forma, seriam de seus filhos menores é excepcional e, mesmo nos casos em que presente, ocorre em diferentes graus.

Em primeiro lugar, a regra é que, se os tributos são devidos pelos filhos menores, não haja responsabilidade dos pais.

Em contrapartida, caso os pais, representantes dos filhos menores, atuando sem excessos, tenham intervindo em determinado ato ou se omitido indevidamente, verificar-se-á a possibilidade de cobrança do tributo do próprio filho. Sendo esta impossível, os pais responderão solidariamente (como visto, seria mais correto dizer subsidiariamente), tendo em vista o disposto no art. 134, I, do Código.

Havendo atuação irregular dos pais, de forma a ultrapassar o que a lei lhes permite na administração do patrimônio dos filhos menores, a responsabilidade daqueles será pessoal, nos termos do art. 135 do CTN.

Com relação à atuação de dirigente de pessoa jurídica de direito privado, o raciocínio é semelhante. A regra é que os atos praticados pelo dirigente em nome da entidade são a esta imputados, de forma que os respectivos tributos têm a pessoa jurídica como sujeito passivo. Porém, se o dirigente pratica ato extrapolando as atribuições que os estatutos ou contrato social da pessoa jurídica lhe conferem, a responsabilidade pelos tributos daí decorrentes é do próprio agente, que responderá com patrimônio próprio.

Como o surgimento da responsabilidade é contemporâneo ao fato gerador do tributo, não decorrendo de transferência da sujeição passiva surgida em momento anterior, tem-se que o art. 135 do CTN estatui hipótese de responsabilidade por substituição. O raciocínio já foi cobrado em prova, conforme demonstra a assertiva abaixo, extraída do concurso para Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco, realizado pela Fundação Carlos Chagas em 2002 (assertiva VERDADEIRA): “A prática de ato com excesso de poderes ou infração de lei também resulta em responsabilidade por substituição”.

Por fim, não se devem confundir as hipóteses de responsabilidade previstas no art. 135 do CTN com os casos de responsabilidade por infração previstos no art. 137 do mesmo Código.

Apesar de entre os dispositivos haver a semelhança da configuração de ilicitude, há de se perceber que o vício do qual decorre a aplicação do art. 135 está no fato de o agente praticar um ato extrapolando os limites legais, estatutários ou contratuais de sua atuação, de forma que o ato praticado não tem necessariamente conteúdo ilícito, residindo o vício na ausência de legitimação (competência específica) para sua prática.

Assim, o diretor que pratica um ato de gestão que não estava dentro de suas atribuições estatutárias responde pelo excesso e pelo respectivo tributo, mesmo que o ato não tenha conteúdo ilícito. Incide o art. 135, III, do CTN.

Já se o diretor pratica um ato ilícito no conteúdo, com o dolo específico de prejudicar a empresa que dirige, será responsável pela respectiva penalidade pecuniária. Incide nesse caso o art. 137, III, c, do CTN, estudado a seguir.

6.7 RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES

Encerrando as espécies de responsabilidade disciplinadas pelo Código Tributário Nacional, os arts. 136 e 137 tratam da chamada responsabilidade tributária por infrações.

A primeira observação a ser feita é que as pessoas impropriamente designadas como responsáveis por infrações são, na realidade, as pessoas que cometeram tais infrações, tendo com estas relação pessoal e direta. Nessa linha, utilizando literalmente as definições constantes do parágrafo único do art. 121 do CTN, as pessoas aqui denominadas responsáveis seriam, na realidade, contribuintes. Todavia, como soaria estranho designar alguém que cometeu um ato ilícito de “contribuinte da multa”, o CTN optou por impropriamente atribuir-lhe a qualificação de responsável. Assim, a palavra “responsável”, nesses casos, deve ser entendida no seu sentido comum, qual seja aquele a quem é imputada determinada conduta, devendo assumir as respectivas consequências.

Apesar de entender que este é o posicionamento mais consentâneo com as definições de contribuinte e responsável adotadas pelo CTN, é importante registrar que, em provas de concursos públicos, deve-se adotar o entendimento de que os casos de responsabilidade por infrações se enquadram dentro das regras sobre responsabilidade tributária (pois assim fez o Código). Dessa forma, ter-se-iam casos de responsabilidade por substituição, uma vez que já no momento do cometimento da infração o sujeito passivo (da multa) é “responsável”.

Em direito tributário, a consequência mais comum do cometimento de infrações é a aplicação de multas. Por conseguinte, é lícito afirmar que a infração à legislação tributária normalmente é fato gerador da obrigação tributária principal consubstanciada na respectiva penalidade pecuniária. Existem, contudo, outras espécies de sanções aplicáveis aos ilícitos tributários, tais como a pena de perdimento e a proibição de gozo de regimes especiais de tributação, ambas comuns nos tributos aduaneiros (imposto de importação e de exportação).

O art. 136 do Código Tributário Nacional afirma que, salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. Desta disposição se extrai a conclusão, tão famosa em direito tributário, de que a responsabilidade por infrações tributárias é, em regra, objetiva.

Responsabilidade objetiva é justamente aquela que é imputada a determinadas pessoas, independentemente da análise da existência de dolo ou culpa na prática do respectivo ato. Em contrapartida, é subjetiva a responsabilidade cujo surgimento depende da presença de tais elementos.

Nas lições de direito penal, aprende-se que existe dolo quando o agente quer a produção do resultado ou assume o risco de produzi-lo. Existe culpa quando o agente não previu o que era previsível, atuando com negligência, imprudência ou imperícia. Nesse ramo da ciência jurídica, a aplicação da pena só é possível quando o agente operou no mínimo com culpa. Em outras palavras, sempre será necessária a análise, muitas vezes complicada, sobre o que pensou o agente, qual a sua vontade, o que lhe era ou não previsível. A responsabilidade em direito penal é, portanto, sempre subjetiva.

Em se tratando de infrações à legislação tributária, o CTN, ao afirmar que a responsabilidade independe da intenção do agente, acabou por permitir sua punição independentemente da perquirição da presença de elementos subjetivos (dolo ou culpa) na conduta. Assim, se o sujeito passivo da obrigação acessória de entregar declaração de imposto de renda das pessoas físicas, até o último dia útil do mês de abril, não a cumprir, será punido com a respectiva multa. Não haverá relevância na alegação, por exemplo, de que o sujeito estava doente, viajando, ou que contratou um contador para elaborar a declaração e este não cumpriu a avença. Infringida a legislação, a punição se impõe.

É importante perceber que, nos precisos termos do art. 136 do Código, nada impede que o legislador decida por atribuir caráter subjetivo à responsabilidade por determinadas infrações, uma vez que o dispositivo é iniciado com a ressalva “salvo disposição em contrário”. Assim, se o legislador silenciou a respeito da necessidade de comprovação de dolo ou culpa para a atribuição de responsabilidade, esta é objetiva, não dependendo de tal comprovação. Se o legislador quiser que a responsabilização dependa da análise da presença de dolo ou culpa, deve afirmá-lo expressamente, o que não é comum em matéria tributária.

A adoção da responsabilidade objetiva visa a facilitar a punição das infrações à legislação tributária, providência que poderia ser inviabilizada na prática, caso fossem possíveis longas discussões sobre a intenção do infrator. Apesar disso, existem casos em que a lei tributária agrava a punição aplicável, se comprovada a existência de dolo.

Um exemplo ajuda a esclarecer o comentário. O art. 44, I, da Lei 9.430/1996, com a redação dada pela Lei 11.488/2007 (aplicável apenas na esfera federal), prevê a imposição de multa de ofício de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata. Entretanto, o § 1.º do mesmo art. 44 afirma que a multa será duplicada (agravada para 150%), nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei 4.502/1964 (sonegação, fraude e conluio), independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

Assim, se em sua declaração de imposto de renda o contribuinte pessoa física declarou como despesas com educação o gasto com um cursinho preparatório para concurso público porque pensava que tal despesa era dedutível, ele será punido com a multa de 75% sobre o imposto que deixou de pagar, em virtude da inexatidão da declaração. Caso o contribuinte, visando a reduzir o imposto devido, declare como dependentes filhos fictícios, a multa será de 150%, agravada em virtude da prática de ato definido como sonegação fiscal (art. 71, II, da Lei 4.502/1964). Perceba-se que a responsabilidade não deixou, a rigor, de ser objetiva, visto que, havendo ou não dolo, o contribuinte será punido. Entretanto, a presença do intuito fraudulento, caso comprovada, resulta no agravamento da punição aplicada.

Relembre-se, por oportuno, que, em se tratando de infrações à legislação tributária, é aplicável a regra consubstanciada no brocardo in dubio pro reo, de forma que, se houver dúvida sobre a caracterização de sonegação, fraude ou conluio, o contribuinte deve ser punido com a multa mais suave. A base é o já estudado art. 112, I, do CTN, que impõe a interpretação mais favorável em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato. Dessa forma, no primeiro exemplo citado (abatimento da despesa com cursinho), seria possível que o contribuinte efetivamente soubesse que a despesa não poderia ser deduzida e, com intuito fraudulento, a incluísse na declaração. Quando a autoridade fiscal estivesse a analisar a declaração e percebesse o erro, provavelmente ficaria em dúvida sobre a existência ou não de dolo e, por conseguinte, sobre a correta capitulação legal do fato (puramente no inciso I do art. 44 da Lei 9.430/1996 ou na gravosa combinação de tal inciso com o § 1.º do mesmo dispositivo legal). Não havendo como dirimir a dúvida, impor-se-ia a solução mais benéfica para o contribuinte, qual seja a aplicação da menor multa, com a capitulação isolada no inciso I do art. 44 da Lei 9.430/1996.

Não se deve confundir responsabilidade objetiva por infrações à legislação tributária com inexistência do direito à defesa por parte do contribuinte. Apesar de a comprovação da infração gerar, como regra, a punição, independentemente da existência de dolo ou culpa, sempre é necessária a correta fundamentação, apontando os elementos de fato (descrição do que ocorreu no mundo) e de direito (demonstração de que os fatos se enquadram em previsão legal de punição), possibilitando ao contribuinte a formulação de defesa quanto a tais aspectos. Nesse sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê no excerto abaixo transcrito:

“Processo civil e tributário – Responsabilidade objetiva por infração à legislação tributária: Art. 136 do CTN. 1. É dever do contribuinte ou responsável portar a documentação da mercadoria que transporta. 2. Justificada, no processo administrativo, a ausência dos documentos, por razão relevante, não houve oportunidade de o contribuinte provar a alegação. 3. Cerceamento de defesa que afasta a responsabilidade objetiva do art. 136 do CTN. 4. Recurso especial não conhecido” (STJ, 2.ª T., REsp 117.301/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 07.11.2000, DJ 04.12.2000 p. 57).

Por fim, é relevante registrar que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que o comerciante de boa-fé que adquire mercadoria cuja nota fiscal emitida pelo vendedor é posteriormente declarada inidônea não pode ser responsabilizado objetivamente pela infração, nem perde o direito ao aproveitamento do respectivo crédito decorrente da não cumulatividade. É que a verificação da inidoneidade é atribuição do Fisco, de forma que a declaração somente gera efeito a partir de sua publicação. Na hipótese, ainda segundo a inteligência do Tribunal, a responsabilidade objetiva prevista no art. 136 do CTN aplica-se ao alienante e não ao adquirente, que, estando de boa-fé, tem o direito ao aproveitamento do crédito (REsp 1.148.444-MG).

6.7.1 Responsabilidade pessoal do agente

A regra básica sobre responsabilidade por infrações é que as consequências da prática de ato ilícito devem ser atribuídas pessoalmente ao infrator, pois a punição deve atingir direta e exclusivamente a pessoa (física ou jurídica) que agrediu o ordenamento jurídico.

Os atos praticados pelas pessoas jurídicas são exteriorizados por meio de pessoas físicas (administradores, diretores, gerentes, empregados etc.). Nestes casos, poderia haver dúvida acerca da pessoa a ser punida: se a própria pessoa jurídica ou se a pessoa física que praticou concretamente o ato ilícito (agente).

Em direito penal, a regra é raciocinar no sentido de que somente o ser humano pode delinquir, de forma a responsabilizar os agentes (pessoas físicas) pelos crimes que praticaram em nome de pessoas jurídicas (sonegação fiscal, por exemplo), sem prejuízo das punições que possam a estas ser aplicadas, de acordo com sua natureza.

Em direito tributário, a regra é punir a própria pessoa jurídica pelos ilícitos que venha a cometer. Assim, a multa é aplicada contra a pessoa jurídica e não contra o agente (pessoa física) que concretizou, no mundo dos fatos, o ilícito.

Há casos, no entanto, em que o ordenamento jurídico entrevê a necessidade de que o ato punitivo recaia pessoalmente sobre o agente responsável. É nesse sentido que o art. 137 do CTN trata das excepcionais hipóteses de responsabilidade pessoal do agente. Transcreve-se o dispositivo:

“Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no art. 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas”.

O dispositivo enumera situações em que a própria pessoa jurídica sofre os danos causados pela condenável ação daquele que atua em seu nome, de forma que a punição deve ser imposta ao próprio agente, permanecendo a pessoa jurídica na condição de sujeito passivo do tributo, mas não da multa.

O primeiro caso se refere às infrações mais graves, que, além da agressão à legislação tributária, configuram ilícitos penais (crimes ou contravenções). Conforme já analisado, em matéria criminal, a regra é a punição das pessoas físicas (agentes) e não das entidades em nomes das quais atuam. Para manter a coerência do ordenamento jurídico, o CTN seguiu a mesma linha, determinando a responsabilização pessoal do agente.

O Código ressalva os casos em que o agente pratica o crime ou contravenção no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito.

Ora, é muito difícil imaginar, por exemplo, um cargo ou emprego que tenha entre suas funções regulares o cometimento de crimes ou contravenções. Novamente, é necessário um esforço interpretativo para entender o que quis afirmar o legislador.

As pessoas jurídicas possuem órgãos de deliberação que tomam as decisões mais importantes sobre a atuação da entidade no mundo jurídico. Quando o órgão diretivo delibera, os órgãos de execução são incumbidos de transformar em atos concretos as decisões tomadas. Nessa situação, o agente (administrador, mandatário, empregado etc.) é simplesmente um braço executório da vontade de outrem, atuando em exercício regular de administração, mandato, emprego etc., devendo a responsabilidade pela infração à legislação tributária porventura cometida recair sobre a própria pessoa jurídica. Entretanto, o agente será responsável se, por decisão própria, resolver praticar o ilícito, caso em que não estará no exercício regular de suas atribuições.

O segundo caso de responsabilidade pessoal do agente é o das infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar.

São elementares todos os componentes essenciais para a configuração de um delito. Na definição de ilícitos, normalmente é necessária a análise de três elementos (as elementares), quais sejam o objetivo (ou formal), o subjetivo e o normativo (ou valorativo).

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o elemento objetivo ou formal é o que se refere à descrição da conduta, com o respectivo resultado e o liame existente entre os dois (nexo de causalidade). O elemento subjetivo é o que se refere à existência de dolo ou culpa no comportamento do agente. O elemento normativo (nem sempre presente) é aquele que exige um esforço interpretativo para a perquirição do conteúdo de conceitos jurídicos indeterminados, como “segurança nacional”, “mal injusto” etc.

Conforme já analisado, as infrações à legislação tributária são, em regra, objetivas, não dependendo da presença de dolo ou culpa. Entretanto, existem casos em que o legislador insere na definição de determinados ilícitos a presença de um elemento subjetivo do injusto, fazendo que sua configuração dependa da existência de dolo específico.

Como visto, existe dolo quando o agente pratica o ato desejando o resultado ou assumindo o risco de produzi-lo. É o caso de uma pessoa que mata um desafeto. O resultado morte é desejado, havendo dolo (genérico).

Existem casos em que, além da produção do resultado, o agente visa a alcançar uma finalidade específica. É o caso da extorsão mediante sequestro (Código Penal, art. 159), em cuja definição legal já consta o intuito de obter vantagem econômica (dolo específico). Caso não exista tal objetivo, a subtração de pessoa pode configurar outro crime, como o simples sequestro, previsto no art. 148 do Código Penal.

Percebe-se, portanto, que, ao dispor que nas infrações em que o dolo específico do agente é elementar e que a sua responsabilidade é pessoal, o CTN quis afirmar que a presença, na própria definição do delito, de uma finalidade especial impõe a punição pessoal de quem o pratica. Ressalte-se que, a rigor, o inciso II somente se refere às infrações simplesmente administrativas, pois aquelas que também configuram ilícitos penais já se encontram enquadradas no inciso I.

O último caso previsto no dispositivo refere-se às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico de determinadas pessoas contra aquelas em nomes das quais praticam certos atos. A intenção é punir aquele que age com o objetivo específico de prejudicar pessoas cujos interesses deveriam defender. Assim, o normal é que a empresa seja responsável pelos ilícitos praticados pelos seus empregados. Caso se verifique, contudo, que o empregado praticou determinada infração tributária com a finalidade especial (dolo específico) de prejudicar a empresa, a penalidade tributária recairá sobre aquele e não sobre esta. Da mesma forma que nos demais casos previstos no artigo, a responsabilidade do agente é relativa à infração, pois a sujeição passiva quanto ao tributo continua sendo da pessoa jurídica.

6.7.2 Denúncia espontânea de infrações

Sob a inapropriada denominação de “denúncia espontânea de infrações”, o CTN traz medida de política tributária que visa a atrair de volta à legalidade contribuintes que dela se afastaram, oferecendo em troca a garantia de não aplicação de medidas punitivas.

A impropriedade terminológica está no fato de que, a rigor, ninguém denuncia a si mesmo, mas confessa ilícitos cometidos. O instituto é inspirado na “desistência voluntária” e no “arrependimento posterior” do direito penal, que visam a estimular o delinquente a interromper a investida criminosa ou, ao menos, a reparar o dano causado.

Em direito tributário, a regra está prevista no art. 138 do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:

“Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração”.

A título de exemplo, imagine-se que determinado contribuinte omitiu, em sua declaração de imposto de renda, vários rendimentos percebidos no ano-calendário. Suponha-se, também, que começaram a sair os primeiros lotes de restituição do imposto, sem que seu nome constasse das listas. Bate sobre a cabeça do sujeito passivo um medo de que sua declaração “caia na malha fina” e a omissão seja descoberta. É neste momento que se visualiza, em sua maior magnitude, o estímulo legal. Se o contribuinte confessar o fato, corrigindo sua declaração, e pagando a diferença de imposto porventura devida, será beneficiado pelo instituto da denúncia espontânea, não sendo punido.

A configuração da denúncia como espontânea, com o consequente benefício do afastamento da responsabilidade pela infração, depende de que a confissão seja realizada antes que o Fisco tome qualquer providência tendente a lançar o tributo. Assim, se o contribuinte citado no exemplo acima recebeu um pedido de esclarecimentos formulado pela Administração Tributária, não lhe é mais possível obter os benefícios da denúncia espontânea. Aliás, após saber das providências fiscais, nada de espontâneo haverá no procedimento do sujeito passivo.

O afastamento da espontaneidade depende da formal comunicação ao sujeito passivo do início do procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração. Nessa linha, enquanto a autoridade fiscal investiga, faz pesquisas, coleta dados necessários ao lançamento do tributo ou multa, o sujeito passivo ainda tem a possibilidade de se beneficiar do instituto, faculdade que somente cessa com o conhecimento oficial por parte do interessado acerca da existência de procedimento instaurado relativo à respectiva infração.

Assim, o ato que formaliza o início de procedimento relativo à infração deve identificar os períodos objeto de apuração e os tributos a que se refere. Por conseguinte, somente estará o sujeito passivo impedido de obter os benefícios da denúncia espontânea no que concerne a tais tributos e a tais períodos. A título de exemplo, se a Receita Federal inicia formalmente processo de fiscalização relativo ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e contribuições vinculadas (COFINS, PIS, CSLL), não está o fiscalizado impedido de confessar espontaneamente infrações relativas ao IPI, livrando-se das respectivas punições. Da mesma forma, se a fiscalização se refere a fatos geradores ocorridos no transcorrer dos exercícios de 2004 e 2005, nada impede que o contribuinte usufrua dos benefícios da denúncia espontânea relativa a fatos geradores verificados nos exercícios anteriores ou posteriores àqueles fiscalizados.

Tomando como parâmetro a legislação federal, tem-se por iniciado o procedimento de fiscalização e, portanto, ficará afastada a espontaneidade do fiscalizado, com: a) o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; b) a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; c) o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada (Decreto 70.235/1972, art. 7.º). Ressalvada a especificidade da legislação aduaneira (letra c acima), disposições idênticas em conteúdo constam da legislação tributária de muitos, se não de todos, os entes tributantes.

Registre-se que a norma reguladora do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal prevê a exclusão da espontaneidade de todos os envolvidos em uma infração se qualquer deles for cientificado do procedimento administrativo ou medida de fiscalização referente ao ilícito (Decreto 70.235/1972, art. 7.º, § 1.º). Assim, por exemplo, se a Receita Federal do Brasil instaura procedimento fiscal contra contribuinte pessoa física em virtude de ausência de retenção de Imposto de Renda sobre seus rendimentos, não estará configurada a espontaneidade em eventual confissão do ilícito, acompanhada de pagamento por parte da fonte pagadora omissa. A regra é razoável, pois carece de real espontaneidade uma confissão provavelmente motivada pelo conhecimento de que a fiscalização já deflagrou procedimento impositivo contra um dos envolvidos no ilícito.

O Superior Tribunal de Justiça entende que o parcelamento – meio de adimplemento desmembrado da obrigação, apenas suspendendo a exigibilidade do crédito tributário – não pode ser equiparado ao pagamento – forma de extinção imediata do crédito tributário – para efeitos de gozo dos benefícios da denúncia espontânea. Trata-se de uma infeliz interpretação literal do art. 138 do CTN, pois acaba por estimular que os infratores que queiram se livrar dos riscos de uma punição, mas não tenham recursos para adimplir integralmente a obrigação, apostem no acaso, torcendo para que a irregularidade não seja descoberta. Afinal, se a confissão não o livra da multa, pode parecer mais interessante esperar. Se o Fisco descobrir o ilícito, o sujeito passivo parcela e paga o tributo e a multa; se não, o passar do tempo e o instituto da decadência resolverão seu problema.

O excerto abaixo demonstra com clareza como o STJ compreende o instituto da denúncia espontânea de infrações:

“Recurso especial – Alíneas a e c – Tributário – Parcelamento de débito de ICMS declarado e não pago – Exclusão da multa moratória – Impossibilidade – Alínea a – Pretensa violação ao art. 138 do CTN – Inocorrência – Súmula 208 do TFR – § 1.º do art. 155-A do CTN (acrescentado pela LC 104/2001) – Divergência jurisprudencial conhecida, porém não provido o recurso pela alínea c [do art. 105, III, da CF]. O instituto da denúncia espontânea da infração constitui-se num favor legal, uma forma de estímulo ao contribuinte, para que regularize sua situação perante o fisco, procedendo, quando for o caso, ao pagamento do tributo, antes do procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionados com a infração. Nos casos em que há parcelamento do débito tributário, não deve ser aplicado o benefício da denúncia espontânea da infração, visto que o cumprimento da obrigação foi desmembrado, e só será quitada quando satisfeito integralmente o crédito. O parcelamento, pois, não é pagamento, e a este não substitui, mesmo porque não há a presunção de que, pagas algumas parcelas, as demais igualmente serão adimplidas, nos termos do art. 158, I, do mencionado Codex. Esse parece o entendimento mais consentâneo com a sistemática do Código Tributário Nacional, que determina, para afastar a responsabilidade do contribuinte, que haja o pagamento do devido, apto a reparar a delonga do contribuinte. Nesse sentido o enunciado da Súmula 208 do extinto Tribunal Federal de Recursos: ‘a simples confissão de dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea’. A Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001, que acresceu ao Código Tributário Nacional, dentre outras disposições, o art. 155-A, veio em reforço ao entendimento ora esposado, ao estabelecer, em seu § 1.º, que ‘salvo disposição de lei contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas’. Recurso especial não conhecido pela alínea a e conhecido, mas, não provido pela alínea c” (STJ, 1.ª Seção, REsp 284.189/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 17.06.2002, DJ 26.05.2003, p. 254).

Se o valor do crédito tributário relativo a tributo e seus acréscimos não puder ser apurado de plano, o sujeito passivo deverá depositar previamente o valor arbitrado pela autoridade fiscal, sob pena, como visto, de não ser beneficiado pelo afastamento das penalidades, conforme deixa claro o caput do transcrito art. 138 do Código.

É também da lavra do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o instituto da denúncia espontânea de infrações não é aplicável no caso de descumprimento de obrigações meramente formais (acessórias).

Assim, se determinado contribuinte não entregou a declaração de imposto de renda do prazo fixado em lei (obrigação acessória), será multado, mesmo que confesse o ilícito e entregue a declaração antes de qualquer procedimento administrativo formalizado pela Receita Federal.

Perceba-se que, se fosse possível aplicar o benefício para tais espécies de obrigações, os prazos seriam desmoralizados, pois o contribuinte poderia deixar para entregar a declaração na semana seguinte ao termo final, visto que seria praticamente impossível ao Fisco formalizar o início de um procedimento contra todos os contribuintes em atraso.

O fragmento a seguir, retirado da ementa do acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial 322.505-PR, demonstra o pensamento da Corte:

“Mandado de Segurança. Tributário. Imposto de Renda. Atraso na Entrega da Declaração. Multa Moratória. Lei 8.981/1991 (art. 88) – CTN, art. 138.

A responsabilidade acessória autônoma, portanto desvinculada do fato gerador do tributo, não está albergada pelas disposições do art. 138, CTN. A tardia entrega da declaração de Imposto de Renda justifica a aplicação de multa (art. 88, Lei 8.981/1991)” (STJ, 1.ª T. REsp 322.505/PR, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 21.06.2001, DJ 17.06.2002, p. 199).

É também da lavra do STJ o entendimento segundo o qual “o benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo” (Súmula 360). Como será detalhado no momento oportuno (item 7.2.3), na sistemática do lançamento por homologação, é obrigação do sujeito passivo declarar o tributo devido e proceder ao recolhimento. Ora, se não fosse correto o entendimento do STJ, o declarante sempre estaria em situação de espontaneidade no que concerne aos tributos declarados, uma vez que a confissão de débito sempre ocorreria em momento anterior a qualquer procedimento fiscal.

O entendimento mais restritivo do STJ pode ser pedagogicamente resumido nas palavras do Ministro José Delgado, constantes de acórdão proferido em precedente invocado no EAg 573.771: “A denúncia espontânea não foi prevista para que favoreça o atraso do pagamento do tributo. Ela existe como incentivo ao contribuinte para denunciar situações de ocorrência de fatos geradores que foram omitidas, como é o caso de aquisição de mercadorias sem nota fiscal, de venda com preço registrado aquém do real, etc.” (EREsp 629.426/PR).

Seguindo à risca o entendimento, a Fundação Carlos Chagas, no concurso para Procurador do Estado de São Paulo, realizado em 2009, considerou correta a seguinte assertiva: “A norma contida no art. 138 do CTN, que trata da denúncia espontânea da infração, não autoriza o contribuinte do ICMS, que declarou o imposto e não o recolheu tempestivamente, efetuar, após a data do vencimento, o pagamento do tributo, acrescido de juros de mora, mas sem a multa moratória”.

Por último, destaque-se que, apesar de ainda existir muita controvérsia doutrinária sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a denúncia espontânea eficaz (a apresentada antes do procedimento fiscal e acompanhada do pagamento) extingue a punibilidade tanto das multas denominadas punitivas (de ofício), quanto das multas classificadas como administrativas (moratórias, por atraso no pagamento). A título exemplificativo, no julgamento do Recurso Especial 957.036/SP, a Segunda Turma da Corte, ironizando a distinção entre multas punitivas e administrativas, assim se manifestou:

“A expressão ‘multa punitiva’ é até pleonástica, já que toda multa tem por objetivo punir, seja em razão da mora, seja por outra circunstância, desde que prevista em lei. Daí, a jurisprudência deste Superior Tribunal ter-se alinhado no sentido de que a denúncia espontânea exclui a incidência de qualquer espécie de multa, e não só a ‘punitiva’, como quer o recorrente”.

Também no âmbito da 1.ª Turma do STJ, existem julgados esposando a mesma tese (como, por exemplo, o AgRg nos EDcl no Ag 755.008/SC).

Não obstante os julgados, o entendimento prevalente no âmbito administrativo é o de que a denúncia espontânea não tem o condão de impedir a aplicação da multa de mora (administrativa). Na esfera federal, por exemplo, a multa moratória é de 0,33% por dia de atraso, com o limite máximo de 20% (atrasos superiores a 60 dias); já a multa de ofício é de 75% ou 150%, dependendo da configuração ou não do intuito de sonegação, fraude ou conluio. Os percentuais demonstram que, mesmo adotada a tese esposada pela administração, a confissão ainda seria vantajosa para o contribuinte, que ainda dispõe das vias judiciais para a discussão da própria multa moratória.