EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Sumário: 9.1 Considerações iniciais: 9.1.1 Pagamento; 9.1.2 Compensação; 9.1.3 Transação; 9.1.4 Remissão; 9.1.5 Decadência; 9.1.6 Prescrição; 9.1.7 Conversão do depósito em renda; 9.1.8 Pagamento antecipado e a homologação do lançamento; 9.1.9 Consignação em pagamento julgada pela procedência; 9.1.10 Decisão administrativa irreformável; 9.1.11 Decisão judicial passada em julgado; 9.1.12 Dação em pagamento em bens imóveis.
As causas de extinção do crédito tributário estão previstas no art. 156 do CTN, cuja redação é a seguinte:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1.º e 4.º;
VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2.º do art. 164;
IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X – a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149”.
É acirrada a discussão doutrinária sobre a configuração da lista acima transcrita como exaustiva ou apenas exemplificativa. Na mesma linha que foi adotada quando da análise das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito, pode-se afirmar que o art. 141 do CTN aponta no sentido da taxatividade da lista, uma vez que afirma expressamente que “o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei”. Observa-se que não se fala que a extinção ocorrerá nos casos previstos em lei – o que permitiria a estipulação legal de outras hipóteses de extinção; assevera-se que os casos são os previstos nesta Lei, ou seja, no CTN, a lei de normas gerais sobre matéria tributária. Perceba-se que, no dispositivo, a palavra “Lei” aparece grafada com a inicial maiúscula, o que, como mandam as regras de gramática, só é cabível no início de uma frase ou – o que é o caso – quando o redator se refere a uma determinada lei. No caso, a Lei referida é o próprio CTN e não qualquer lei editada pelo ente federado.
O problema prático é que o direito tributário, por ser eminentemente obrigacional, extrai muitos de seus conceitos do direito das obrigações (direito civil). Boa parte das hipóteses de extinção do crédito são, ao mesmo tempo, hipóteses de extinção das obrigações, o que leva algumas pessoas a quererem importar para o ramo tributário hipóteses que o direito civil prevê como aptas a extinguir obrigações, sem que haja previsão pelo CTN da possibilidade de extinção do crédito tributário por intermédio do mesmo instituto. Os casos mais relevantes são os da confusão e da novação.
Confusão é a forma de extinção das obrigações que se verifica quando se confundem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor (Código Civil, art. 381).
Suponha-se que “A” possui uma promissória não paga por “B”. Imagine-se também que “A” vem a falecer e que “B” é seu sucessor universal, na qualidade de único herdeiro. Na situação proposta, “B” recebe, entre os demais bens integrantes da herança, uma promissória em que ele próprio consta como devedor. Reuniram-se (confundiram-se) na mesma pessoa (“B”) as qualidades de devedor e credor. A obrigação está extinta.
O Código Tributário Nacional, conforme ressaltado, não prevê a confusão como forma de extinção das obrigações. No mundo prático, todavia, já surgiram casos concretos em que não restou ao Poder Judiciário outra opção senão declarar extintos créditos tributários em virtude de confusão.
Um interessante exemplo desta situação ocorreu quando o Município de Belo Horizonte praticou desapropriação indireta – um verdadeiro esbulho possessório – imitindo-se na posse de imóvel particular. O anterior sujeito passivo estava em tal condição tão somente por ser possuidor do imóvel. Com o esbulho praticado pelo Município, este passou a ser o possuidor e, portanto, o sujeito passivo. Ocorre que o mesmo Município é o sujeito ativo do IPTU. Confundiram-se, na mesma pessoa, credor e devedor. O STJ declarou extinto, por confusão, o crédito tributário. Pela peculiaridade da decisão, transcreve-se a respectiva ementa:
“Tributário. Imposto Predial e Territorial Urbano. Esbulho possessório praticado pelo próprio município que exige o tributo. Os litígios possessórios entre particulares não afetam a obrigação de pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano, resolvendo-se entre eles a indenização acaso devida a esse título; já quem, sendo contribuinte na só condição de possuidor, é esbulhado da posse pelo próprio Município, não está obrigado a recolher o tributo até nela ser reintegrado por sentença judicial, à míngua do fato gerador previsto no art. 32 do Código Tributário Nacional, confundindo-se nesse caso o sujeito ativo e o sujeito passivo do imposto. Agravo Regimental improvido” (2.ª T, AgRg. 117.895/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, v.u., 10.10.1996, DJU 29.10.1996, p. 41.639).
Bastante esclarecedor o seguinte fragmento do voto-condutor do julgamento, da lavra do Ministro Relator Ari Pargendler:
“Na espécie, todavia, o esbulho foi praticado pelo próprio Município de Belo Horizonte, sujeito ativo do tributo, que, imitindo-se na posse, confundiu-se com o sujeito passivo – não se compreendendo que o esbulhado deva recolher imposto indevido, para depois reavê-lo em ação própria sob a forma de indenização, sendo flagrante o fato inibidor da obrigação tributária, vale dizer, a posse pelo próprio Poder Público”.
Em provas objetivas de concurso público, têm-se adotado posicionamentos mais rígidos, sendo consideradas corretas as questões em que se afirma que a confusão não é apta a extinguir créditos tributários. A decisão do STJ deve nortear apenas a resolução de questões em que se suponha situação semelhante à retratada no acórdão ou quando se discorra genericamente sobre ser ou não taxativo o rol das hipóteses de extinção do crédito.
Quanto à novação, o Código Civil prevê sua ocorrência, dentre outras hipóteses, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior (CC, art. 360, I). Trata-se de novação objetiva, em que a nova obrigação mantém os mesmos sujeitos passivos e ativos, mudando-se apenas o objeto. Assim, se o devedor de prestação em dinheiro não possui condições de adimpli-la, seria possível a extinção da obrigação e a substituição por outra em que este se comprometesse a prestar determinados serviços ao credor.
Em direito tributário, não há previsão para providência semelhante. Contudo, existem autores que veem no parcelamento uma espécie de novação em que a obrigação tributária seria extinta e substituída por uma outra com adimplemento parcelado.
Apesar de a tese parecer sedutora, não será aqui adotada, em virtude de sua incompatibilidade com a disciplina específica do CTN. Primeiro, porque vê no parcelamento – forma de suspensão do crédito tributário – uma causa de extinção do crédito, mesmo que na forma de novação. Segundo, porque, conforme já explicitado, o Código afirma que o crédito só se extingue nas hipóteses nele previstas.
Há de se registrar, contudo, que o entendimento mais recente do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que é possível à lei local estipular novas formas de extinção do crédito tributário (STF, Tribunal Pleno, ADI 2405-MC/RS, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06.11.2002, DJ 17.02.2006, p. 54). O raciocínio, com a respectiva fundamentação e um precedente de banca de concurso público, estão explanados no item 1.3.1 desta obra.
Superada a discussão acerca da taxatividade das causas extintivas do crédito tributário, passa-se à análise detalhada de cada hipótese.
O pagamento é a causa mais natural de extinção das obrigações. Tratando-se de matéria tributária, o CTN estatui um conjunto de regras específicas que diferenciam, em alguns aspectos, o regime jurídico a que está sujeito o pagamento como forma de extinção do crédito tributário daquele aplicável ao pagamento como causa extintiva das obrigações em geral. É sobre este conjunto de aspectos distintivos que se passa a discorrer.
Segundo o art. 157 do Código, a imposição de penalidade não ilide o pagamento integral do crédito tributário. Ressalte-se que o legislador utilizou a palavra “ilide” (rebate, refuta) quando objetivava usar “elide” (suprime, elimina).
Por conta da regra, em direito tributário, a multa é sempre cumulativa, jamais substituindo o pagamento do respectivo tributo. Assim, se foi comprovada sonegação de tributos por parte de determinado contribuinte e a autoridade fiscal contra este lançou o tributo e uma multa de 150%, apesar de o valor desta superar o do tributo, ambos deverão ser pagos cumulativamente, não cabendo a alegação de que no valor pago a título de multa já se inclui o montante do tributo.
Registre-se que, após a edição da Lei Complementar 118/2005, na falência, a posição privilegiada do credor tributário com relação aos demais somente existe quanto a crédito tributário relativo a tributo, não se aplicando ao relativo a multas. Se houvesse caráter substitutivo da multa, nos casos de falência, parte dos créditos tributários relativos a tributos acabaria perdendo, por via transversa, o grau de preferência que o legislador quis lhe conferir.
O art. 158, I, do CTN prevê que o pagamento parcial de um crédito não importa presunção de pagamento das prestações em que se decomponha. No pagamento total (art. 158, II, do CTN) também não há a presunção em relação a outros créditos referentes ao mesmo ou a outros tributos. Os dispositivos tornam inaplicáveis em direito tributário a regra civilista, segundo a qual, quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores (Código Civil, art. 322).
Por conseguinte, a comprovação do pagamento da última quota do IPVA não gera a presunção do pagamento das parcelas anteriores. O pagamento do IPTU relativo ao exercício de 2006 não presume a quitação da taxa de lixo do mesmo exercício ou dos créditos de IPTU referentes aos exercícios anteriores.
A consequência prática da inaplicabilidade da tradicional presunção é o dever, por parte do contribuinte, de manutenção dos comprovantes de pagamento de todas as prestações ou quotas, relativos a todos os tributos, até que se verifique a prescrição dos créditos respectivos (CTN, art. 195, parágrafo único).
Na linha do completo afastamento das presunções, o Superior Tribunal de Justiça entende que “a expedição de certificado de registro e licenciamento de veículo, embora condicionada à quitação de tributos incidentes sobre a propriedade de veículo automotor, não é dotada de qualquer eficácia liberatória de obrigação fiscal”. Segundo o Tribunal, se a quitação do tributo se faz mediante documento específico de arrecadação, não se presta para comprovar o pagamento um “certificado lavrado por terceiro estranho à relação tributária, mesmo que órgão público, vinculado ao Estado credor”. No acórdão (STJ, 1.ª T., REsp 511.480/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 24.06.2003, DJ 04.08.2003, p. 244), expressamente se invocou como fundamento o art. 158 do CTN.
Os arts. 159 e 160 do CTN preveem regras meramente supletivas, porque somente aplicáveis no caso de inexistência de norma expressa na legislação do tributo a que se referir. Trata-se de casos em que a omissão legislativa não é sanada pelas técnicas integrativas previstas no art. 108 do Código, mas mediante a aplicação das regras supletivas contidas no próprio CTN.
Assim, não havendo regra específica na legislação tributária, o pagamento é efetuado na repartição competente do domicílio do sujeito passivo.
Assim, se a legislação tributária federal não previsse o local de pagamento do Imposto de Renda, deveria o sujeito passivo procurar uma repartição da Receita Federal no seu domicílio. Dessa forma, o contribuinte domiciliado em Maceió efetuaria o pagamento na repartição fiscal em cuja circunscrição estivesse inserido o seu domicílio, no caso, a Delegacia da Receita Federal na cidade.
A obrigação, portanto, não deixaria de ser portável (o devedor procura o credor até a data do vencimento), até porque não é razoável imaginar uma obrigação de natureza tributária legalmente definida como quesível (quando o credor deve procurar o devedor na data do vencimento).
A norma é, hoje, desprovida de importância prática, pois a generalidade das legislações tributárias prevê expressamente o recolhimento do tributo na rede bancária.
Quanto ao prazo para pagamento, a regra é também a definição pela legislação tributária do ente político competente para a criação do tributo. Na falta de norma expressa, o vencimento do crédito ocorre trinta dias depois da data em que se considera o sujeito passivo notificado do lançamento.
É importante ressaltar que a regra não é aplicável ao lançamento por homologação, pois, nesta modalidade de constituição de crédito, o pagamento deve ser feito antecipadamente, não havendo que se falar em notificação de lançamento. Por conseguinte, é imprescindível que a legislação de cada tributo sujeito a tal sistemática estipule expressamente o prazo para pagamento.
Assim, tem-se:
Absurdamente, o CTN submete à legislação tributária a possibilidade de concessão de desconto pela antecipação do pagamento (art. 160, parágrafo único). O problema é que, diante do princípio da indisponibilidade do patrimônio público, não parece possível que a concessão de quaisquer descontos tenha como veículo normativo algo que não a lei.
Na prática, as concessões de desconto em virtude de pagamento antecipado têm sempre sede legal, como corriqueiramente se verifica nas leis municipais que disciplinam o IPTU.
Está em mora o sujeito passivo que não efetuar o pagamento no tempo, lugar e forma legalmente estabelecidos. O retardamento no adimplemento da obrigação de pagar tributo terá repercussões negativas para o devedor em mora, sendo-lhe imputáveis juros e multas.
Em direito tributário, os efeitos da mora são automáticos (mora ex re), não sendo necessário ao credor tomar qualquer providência para “constituir em mora” o devedor. A conclusão decorre da disposição expressa contida no art. 161 do CTN e abaixo transcrita:
“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.”
Correção monetária é a atualização de um valor em face do fenômeno inflacionário.
Juro é o preço pelo uso do dinheiro alheio.
Multa de mora é a sanção pelo atraso no adimplemento da obrigação.
O uso do dinheiro alheio não traz consigo necessariamente a ocorrência de atraso. O contribuinte que entregou a declaração de imposto de renda de pessoa física em abril e dividiu o imposto a pagar em seis prestações está usando dinheiro alheio (estatal) – devendo pagar juros –, mas não está em atraso – estando livre de multa de mora.
Tratando-se de atraso no pagamento do tributo, entretanto, os dois acréscimos são devidos, conforme previsto na lei do respectivo ente tributante.
A regra constante no § 1.º do art. 161 do CTN é meramente supletiva, de forma que somente se aplica a taxa de juros de 1% ao mês ali prevista caso não haja percentual especificamente previsto na lei tributária.
Atualmente, no âmbito federal, a correção monetária e os juros de mora estão reunidos em único índice, a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC.
A possibilidade da utilização da taxa se encontra pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que entende ser impossível a cumulação da SELIC com qualquer outro índice de correção (REsp 447.690).
Como será objeto de estudo adiante, também na restituição de valor pago a maior ou inteiramente indevido, a correção monetária e os juros de mora estarão reunidos na taxa SELIC. Trata-se de regra bastante justa, pois submete o pagamento e a restituição exatamente aos mesmos índices.
Não obstante ser teoricamente possível a incidência dos juros e multa de mora já no dia seguinte ao do vencimento do débito, as legislações têm previsto que os juros de mora incidem somente a partir do primeiro dia do mês seguinte a tal data. No que concerne à multa de mora, contudo, a previsão tem sido a incidência a partir do dia seguinte ao vencimento.
Conforme se extrai do art. 161, § 2.º, do CTN, enquanto pendente consulta formulada pelo sujeito passivo dentro do prazo para pagamento do crédito, não haverá fluência dos juros, nem aplicação de penalidade.
A regra se refere à possibilidade de o sujeito passivo – diante de dúvida razoável, decorrente de omissão, obscuridade ou contradição na legislação tributária, que repercuta na impossibilidade de certeza sobre o correto adimplemento da obrigação a que se refira – consultar a administração tributária sobre a solução a ser dada.
Enquanto a dúvida não for sanada, ao sujeito passivo não poderão ser impostos os efeitos da mora, pois não se trata de inadimplemento, mas de impossibilidade de cumprimento decorrente da imperfeição da legislação aplicável.
Apesar de as consequências práticas de pendência de solução da consulta serem semelhantes às dos casos de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não se pode afirmar que efetivamente se trata de mais uma hipótese suspensiva, sob pena de contrariar o caráter exaustivo que o CTN almejou atribuir à lista constante do seu art. 151.
Assim, apesar de parecer contraditória a afirmativa, aconselha-se que, em provas de concurso público, seja adotado o entendimento de que a formulação de consulta não suspende a exigibilidade do crédito tributário, mas impede a fluência de juros de mora e aplicação da multa de mora, enquanto pendente a solução.
As regras sobre o processo de consulta constam da legislação específica de cada ente federado. No âmbito federal, aplicam-se as disposições estatuídas pelo Decreto 70.235/1972 e pela Lei 9.430/1996.
Sendo o tributo, por definição, uma prestação pecuniária, o normal é que seu pagamento somente possa ser efetuado em dinheiro, não obstante a cláusula “ou cujo valor nele se possa exprimir” constante do art. 3.º do CTN, analisado no início do curso.
Entretanto, o art. 162 do Código afirma que o pagamento pode ser efetuado em moeda corrente, cheque ou vale postal; e, nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel selado, ou por processo mecânico.
Concretamente, não se deixa de lado a ideia de que o tributo é pago em moeda corrente, pois os demais “meios de pagamento” citados no dispositivo ou configuram meros mecanismos para a transferência do dinheiro para os cofres públicos (cheque e vale postal), ou simples meios de comprovação de que o pagamento – em dinheiro – foi realizado (estampilha, papel selado e por processo mecânico).
O Código Tributário Nacional autorizou em norma de eficácia plena – e, portanto, independentemente de regulamentação – que o pagamento seja feito em moeda corrente, cheque e vale postal. Entretanto, no que concerne ao pagamento em estampilha, em papel selado, ou por processo mecânico, inseriu-se a expressão “nos casos previstos em lei”, o que torna a possibilidade dependente de regulamentação.
Apesar de não prever a necessidade de regulamentação específica para pagamento com cheque, o Código, no art. 162, § 1.º, previu que a legislação tributária pode determinar as garantias exigidas para o pagamento por cheque ou vale postal, desde que não o torne impossível ou mais oneroso que o pagamento em moeda corrente. Assim, não poderia, por exemplo, a legislação tributária exigir que o cheque utilizado para pagamento de tributo fosse visado pelo banco, na hipótese de os bancos cobrarem taxa pela realização de tal procedimento, de forma a tornar mais oneroso o pagamento.
De qualquer forma, o § 2.º do mesmo dispositivo faz a extinção do pagamento feito por cheque depender do posterior resgate deste pelo sacado (compensação bancária). A regra tem o efeito de evitar que o não resgate do cheque pelo banco sacado altere a natureza do crédito tributário para cambiário, o que poderia ocorrer caso se considerasse que o crédito tributário fora extinto pelo pagamento, restando para a Fazenda, tão somente, o crédito representado pelo título cambiário (cheque).
Estampilha e papel selado são espécies de selo com os quais o sujeito passivo comprova o pagamento do tributo, feito em dinheiro, no momento da aquisição. Tais meios foram muito utilizados no passado, principalmente para comprovação de pagamento dos impostos sobre consumo, em que os contribuintes adquiriam os selos e os afixavam nos livros fiscais.
O exemplo mais recente foi o caso do selo-pedágio, que era adquirido pelo proprietário do veículo e afixado no respectivo para-brisa, de forma a comprovar o pagamento do pedágio (neste caso, considerado taxa pelo STF – RE 181.475-6).
Segundo o § 3.º do dispositivo ora analisado, o crédito pagável em estampilha considera-se extinto com a inutilização regular daquela, ressalvada a necessidade de homologação, caso se trate de tributo lançado em tal modalidade. A estampilha se tem por inutilizada quando afixada em local determinado, visto ser teoricamente impossível a sua reutilização. A título de exemplo, não era possível – ao menos na teoria – a retirada do selo-pedágio intacto do para-brisa do veículo após a fixação.
Também consta do CTN regra segundo a qual a perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta modalidade, não dão direito à restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legislação tributária, ou naquelas (sic) em que o erro seja imputável à autoridade administrativa (art. 162, § 4.º).
Por fim, o pagamento “por processo mecânico” nada mais é do que a aposição sobre documento fiscal de chancela oficial comprobatória de pagamento efetuado em moeda corrente, sendo equiparado ao pagamento por estampilha e por papel selado, em virtude de expressa determinação legal (CTN, art. 162, § 5.º).
A imputação em pagamento tem lugar quando se verifica que o mesmo sujeito passivo possui perante o mesmo sujeito ativo mais de um débito e oferece para pagamento montante insuficiente para quitação de tudo o que deve.
O Código Tributário Nacional optou por atribuir à autoridade administrativa a prerrogativa de, seguindo rígida disciplina legal, estabelecer quais os débitos que serão quitados pelo montante oferecido pelo sujeito passivo, dada a impossibilidade de plena quitação.
Hoje em dia, como o pagamento dos tributos é feito na rede bancária, sem supervisão da autoridade administrativa e por meio de documentos em que se indica com precisão o crédito tributário que o sujeito passivo está pagando, é improvável a utilização das regras sobre imputação em pagamento pela autoridade administrativa.
Excepcionalmente, seria possível a utilização do instituto se, em algum dos casos de cobrança coletiva de créditos (falência, por exemplo), ao chegar o momento de pagar os créditos tributários de determinado ente, o montante de recursos disponíveis não for suficiente para a quitação de todos os créditos, restando à autoridade administrativa a incumbência de proceder à imputação, seguindo os parâmetros a seguir estudados.
Dispõe o art. 163 do CTN:
“Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em que enumeradas:
I – em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributária;
II – primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos;
III – na ordem crescente dos prazos de prescrição;
IV – na ordem decrescente dos montantes”.
O primeiro critério a ser seguido para a definição da ordem de imputação é o que dá preferência aos créditos em que o sujeito passivo é devedor na condição de contribuinte – o CTN fala em débitos por obrigação própria –, em detrimento daqueles em que o mesmo comparece na condição de responsável (decorrentes de responsabilidade tributária).
Não resolvida a imputação com base no primeiro critério (por exemplo, se o sujeito passivo possuía dois débitos, ambos na condição de contribuinte), passa-se para o segundo critério, qual seja na ordem inversa do grau de retributividade (do mais retributivo para o menos retributivo).
O mais retributivo dos tributos é a contribuição de melhoria, pois o sujeito passivo obteve uma valorização de seu patrimônio individual, devendo pagar o tributo correspondente, de forma a evitar o enriquecimento sem causa. A contribuição de melhoria é, portanto, a primeira espécie tributária na ordem de imputação em pagamento.
Logo após as contribuições de melhoria, a imputação em pagamento deve ser feita em benefício das taxas. As taxas são também tributos retributivos, pois seus sujeitos passivos foram beneficiados pela prestação de um serviço público específico e divisível a eles diretamente referidos ou foram objeto do exercício do poder de polícia do Estado. Apesar de não parecer vantagem ser “objeto do exercício do poder de polícia”, a situação é absolutamente necessária para o exercício de diversas atividades. De uma forma ou de outra, percebe-se um alto grau de retributividade nas taxas, mas não como o das contribuições de melhoria, cuja cobrança depende da comprovação do aumento do patrimônio individual dos contribuintes. Daí o posicionamento das taxas como segundas colocadas na regra de imputação ora estudada.
Após a imputação em benefício dos tributos constitucionalmente definidos como vinculados, chega-se o momento de quitar os créditos relativos aos impostos, tributos que, conforme definição do art. 16 do CTN, têm por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, não possuindo, portanto, qualquer grau de retributividade.
Não resolvida a imputação pelas duas primeiras regras (imagine-se o sujeito passivo que deve dois créditos tributários relativos a impostos, estando, em ambos os casos, na condição de contribuinte), a imputação deve ser resolvida segundo a ordem crescente do prazo de prescrição.
O motivo da regra é óbvio. Privilegiam-se os créditos com prazo de prescrição mais curto, porque, quanto a estes, o risco de extinção por decurso de prazo é maior.
Por fim, praticamente como critério de desempate, não resolvida a questão com base nas regras anteriores (suponha-se o sujeito passivo que deve dois créditos tributários relativos a impostos, em idêntica situação relativa aos prazos de prescrição, estando, em ambos os casos, na condição de contribuinte), decide-se a imputação em benefício dos créditos de valor mais elevado (ordem decrescente dos montantes).
É cediço em direito que quem pagou o que não era devido possui direito à restituição. O fundamento da regra é princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, pois não é justo que alguém obtenha um aumento patrimonial sem que tenha concorrido para tanto, sendo apenas beneficiário de erro de outrem.
Na esteira deste raciocínio, o art. 165 do CTN afirma:
“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4.º do art. 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória”.
Se um pagamento foi considerado indevido ou maior que o devido, o montante pago indevidamente não corresponde a tributo, mas a algo pago a título de tributo. A pessoa que pagou não é necessariamente sujeito passivo de tributo, possuindo direito à restituição independentemente de prévio protesto. A rigor, a obrigação de restituir não é tributária, mas sim civil, possuindo fundamento, como já explicado, na vedação ao enriquecimento sem causa.
A expressão “independentemente de prévio protesto” tem o objetivo de fazer com que a restituição não dependa do estado de espírito do sujeito passivo quando efetuou o pagamento indevido ou maior que o devido. Afasta-se a possibilidade de aplicação do art. 877 do Código Civil, segundo o qual, “àquele que voluntariamente pagou o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro”.
A regra é, portanto, bastante simples: verificado o recolhimento a maior, há o direito à restituição do montante que não era devido. Não há importância no fato de o sujeito passivo ter espontaneamente pago determinado valor a título de tributo por erroneamente entendê-lo devido; também é irrelevante se foi o Fisco ou o próprio sujeito passivo quem calculou o quantum que veio a ser pago.
A possibilidade de restituição não depende de prévia ressalva de que o pagamento foi realizado “sob protesto”, pois a obrigação tributária tem por única fonte a lei (é ex lege), de forma a tornar irrelevante a vontade dos sujeitos passivo e ativo para o nascimento do dever legal.
Nas hipóteses em que o dispositivo transcrito fala de direito à restituição, sempre há a presença de um pagamento indevido ou maior que o devido, mesmo que o reconhecimento do fato se dê a posteriori, por meio de uma decisão judicial ou administrativa relacionada à situação que resultou no pagamento em discussão.
Conforme analisado no item 1.5.6 do Capítulo 1, quanto à possibilidade de repercussão do encargo econômico financeiro, os tributos podem ser diretos e indiretos.
São indiretos os tributos que, em virtude de sua configuração jurídica, permitem a translação do seu encargo econômico para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo. Por sua vez, são diretos os tributos que não permitem, oficialmente, tal translação.
Naquele ponto do curso, foi discutida a tese adotada pelos economistas, segundo a qual praticamente todo tributo tem a possibilidade de ter seu encargo econômico repassado para o consumidor de bens e serviços, de forma que a classificação dos tributos como diretos ou indiretos seria irrelevante.
Demonstrou-se, contudo, a existência de relevância jurídica na classificação quando se comparam as regras relativas à restituição de tributo direto com aquelas referentes aos tributos indiretos.
Citou-se pacífica jurisprudência do STJ, em que se afirma a inaplicabilidade de critérios econômicos para definição do alcance das regras sobre restituição. Pela profunda importância para a compreensão do ponto ora estudado, transcreve-se o excerto mais relevante da decisão proferida pela Corte ao julgar o REsp 118.488:
“(...) 2 – Nem todos os tributos, por sua própria natureza, comportam transferência do respectivo encargo financeiro. 3 – A identificação dos tributos que não comportam transferência do respectivo encargo financeiro dar-se-á com base em critérios normativos hauridos do ordenamento posto e não em razões de ciência econômica” (STJ, 1.ª T., REsp 118.488/RS, Rel. Min. José Delgado, j. 04.09.1997, DJ 06.10.1997, p. 49.888).
Nos tributos diretos, a regra relativa às restituições já foi estudada e é por demais simples. Quem pagou um valor indevido ou maior que o devido tem direito à restituição.
Nos tributos considerados indiretos, a questão deve ser analisada por outra ótica. Se o contribuinte de direito repassou oficialmente o encargo econômico do tributo para um terceiro e, mais à frente, percebeu-se que tal ônus não correspondia ao previsto na lei, havendo direito à restituição, seria justo restituir o excesso ao primeiro?
Em termos práticos, suponha-se que um comerciante (contribuinte de direito) recolheu aos cofres públicos – a título de ICMS – R$ 1.000,00 incluídos no preço de uma venda feita a consumidor (contribuinte de fato). Admita-se que, mais tarde, seja descoberto que o valor correto do ICMS devido na operação seria de R$ 600,00. Teria o comerciante o direito à restituição do excesso pago?
Perceba-se que, se a pergunta for respondida positivamente, haverá enriquecimento sem causa (do comerciante), pois o mesmo receberá a título de restituição um valor que apenas repassou aos cofres públicos, mas que, na realidade, saiu do bolso do consumidor final.
Durante algum tempo, pautado no argumento de que a restituição geraria enriquecimento sem causa do contribuinte (de direito), o STF entendeu ser impossível a restituição, tendo inclusive editado, em 1963, a Súmula 71, cuja redação afirmava de maneira clara que “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”.
A doutrina teceu severas críticas ao entendimento, argumentando, basicamente, que, sob a desculpa de tentar evitar o enriquecimento sem causa (do contribuinte de direito), o STF acabou por oficializá-lo, porque a negativa de restituição de valor recebido a maior configura enriquecimento sem causa do beneficiário do pagamento (no caso o Estado). Posicionando-se de maneira no mínimo curiosa, o Tribunal afirmava que, se o enriquecimento sem causa fosse inevitável, mal menor seria sua ocorrência em benefício do Estado, pois o privilégio seria repartido por toda a sociedade.
Mais à frente, o Código Tributário Nacional (1966) deu solução mais razoável, consoante se percebe do art. 166, abaixo transcrito:
“Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.
Ao se referir aos tributos que comportem, por sua natureza, a repercussão econômica, o CTN adota a definição de tributo indireto esposada nesta obra. Assim, não basta que seja possível a repercussão econômica, pois, conforme afirmado, tal possibilidade existe praticamente em todo tributo. É necessário que as normas que disciplinam o tributo prevejam a possibilidade oficial de transferência do encargo. Trata-se da repercussão jurídica e não apenas da repercussão econômica.
O mais relevante é que o dispositivo tomou um caminho diferente daquele anteriormente sumulado pelo STF, permitindo a restituição do tributo indireto nas seguintes – e exaustivas – hipóteses:
a) quando o contribuinte de direito comprovar que não transferiu o encargo financeiro do tributo; e
b) quando o contribuinte de direito estiver expressamente autorizado pelo contribuinte de fato a receber a restituição.
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal evoluiu no seu antigo entendimento e editou a Súmula 546, abaixo transcrita:
STF – Súmula 546 – “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.
De uma forma mais clara, não havendo repercussão, o contribuinte de direito (de jure) é na realidade também contribuinte de fato, pois sofre o encargo econômico do tributo, não havendo que se falar em enriquecimento sem causa.
O entendimento é aplicado na prática, não obstante as respeitáveis dissonâncias doutrinárias. Pela relevância pedagógica de demonstrar a) a utilização jurisprudencial da classificação dos tributos como diretos e indiretos; b) a inclusão do ICMS no último grupo; e c) a aplicabilidade do art. 166 do CTN e da Súmula 546 do STF, transcreve-se a seguinte ementa, da lavra do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 440.300-SP):
“Tributário. Compensação. Repetição de indébito. ICMS. Tributo indireto. Transferência de encargo financeiro ao consumidor final. Art. 166 do CTN. Ilegitimidade ativa.
1. ICMS é de natureza indireta, porquanto o contribuinte real é o consumidor da mercadoria objeto da operação (contribuinte de fato) e a empresa (contribuinte de direito) repassa, no preço da mesma, o imposto devido, recolhendo, após, aos cofres públicos o tributo já pago pelo consumidor de seus produtos. Não assumindo, portanto, a carga tributária resultante dessa incidência.
2. Ilegitimidade ativa da empresa em ver restituída a majoração de tributo que não a onerou, por não haver comprovação de que a contribuinte assumiu o encargo sem repasse no preço da mercadoria, como exigido no art. 166 do Código Tributário Nacional. Prova da repercussão. Precedentes.
3. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada.
4. Agravo Regimental desprovido” (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 440.300/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.11.2002, DJ 09.12.2002, p. 302).
Há entendimento doutrinário segundo o qual o art. 166 do CTN, ao facultar a restituição do tributo “a quem prove haver assumido o referido encargo”, possibilitaria que o contribuinte de fato, de posse do documento que comprove ser ele o real atingido pelo ônus do tributo (nota fiscal), estaria legitimado a pleitear a restituição. Esta é a interpretação que mais se coaduna com os ideais de justiça, propiciando àquele que efetivamente foi lesado a possibilidade de reparação direta do seu prejuízo. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de já haver decidido dessa forma, tem adotado em alguns julgados mais recentes o simplório e lamentável entendimento de que o contribuinte de fato, por formalmente não fazer parte da relação jurídico-tributária, não estaria autorizado a pleitear judicialmente a restituição de tributo pago pelo contribuinte de direito, este sim, legitimado a fazê-lo, desde que cumpridas as exigências do art. 166 do CTN.
Assim, o consumidor ilegitimamente atingido por uma errônea cobrança do ICMS, munido de documento em que comprove ter suportado o ônus do tributo, fica absurdamente impossibilitado de obter diretamente a repetição do indébito tributário, passando a depender de uma iniciativa do comerciante (contribuinte de direito), que pode não demonstrar interesse em litigar em busca de um valor para ser repassado a terceiro.
Pela relevância da matéria e a título de exemplo, transcreve-se a Ementa do julgamento proferido no REsp 983.814-MG (Rel. Min. Castro Meira, julgado em 04.12.2007, DJ 17.12.2007):
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ICMS. TRIBUTO INDIRETO. CONSUMIDOR. ‘CONTRIBUINTE DE FATO’. ILEGITIMIDADE ATIVA. APELO PROVIDO.
1. Os consumidores de energia elétrica, de serviços de telecomunicação e os adquirentes de bens não possuem legitimidade ativa para pleitear a repetição de eventual indébito tributário do ICMS incidente sobre essas operações.
2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte.
3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista.
4. Nos termos da Constituição e da LC 86/1997, o consumo não é fato gerador do ICMS.
5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS.
6. Recurso especial provido”.
Por fim, o STJ não aceita que, por ficção, a lei venha a tratar como indiretos tributos que são nitidamente diretos. Assim, o Tribunal decidiu quanto à contribuição previdenciária a cargo da empresa sobre os pagamentos a administradores, autônomos e empregados avulsos. Nas palavras da Corte, “os valores recolhidos a esse título são restituíveis ou compensáveis, independentemente do cumprimento da exigência contida na Lei 9.032/1995 e no art. 166 do CTN, por isso que não se trata de tributo indireto, inocorrendo o fenômeno da repercussão ou repasse” (STJ, 2.ª T., REsp 255.803/ES, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 06.08.2002, DJ 23.09.2002, p. 304).
Os juros de mora e as multas de mora são definidos em lei e calculados sobre o montante do tributo devido. Por conseguinte, havendo pagamento a maior de tributo, os juros e multas de mora porventura devidos serão superestimados e também recolhidos a maior, na mesma proporção. O mesmo raciocínio não vale para as multas referentes a infrações de caráter formal que porventura não sejam prejudicadas pela causa da restituição. Com relação a estas, não há direito à restituição de qualquer parcela.
A título de exemplo, admita-se que determinado contribuinte recolheu, a título de tributo, o valor de dois mil reais. Como o pagamento foi feito em atraso, ele pagou 50% a título de juros e 20% a título de multa moratória. Suponha-se que a legislação preveja uma multa de quinhentos reais pelo atraso na entrega da declaração referente àquele tributo e que o sujeito passivo objeto do exemplo tenha incidido em atraso e recolhido a multa. Na situação proposta, teriam sido recolhidos os seguintes valores:
R$ 1.000,00 – Juros de mora.
R$ 400,00 – Multa de mora.
R$ 500,00 – Multa por atraso na entrega de declaração.
Imagine-se que, posteriormente, seja verificado que o montante do tributo devido era de apenas mil reais. Se o débito relativo a tributo era apenas metade do valor pago e a multa e juros de mora foram calculados sobre tal valor, deve haver restituição de metade do valor do tributo, metade do valor da multa, metade do valor dos juros. Do montante recolhido a título de multa por atraso na entrega de declaração, nada será restituído, uma vez que o respectivo fato gerador não é prejudicado pela causa da restituição, nem foi calculado com base no valor do tributo devido.
Assim, o contribuinte terá direito à restituição das seguintes verbas:
R$ 1.000,00 – Restituição de tributo.
R$ 500,00 – Restituição de juros de mora.
R$ 200,00 – Restituição de multa de mora.
A rigor, não seria correto falar em restituição de tributo, mas sim de restituição de valor pago a título de tributo, pois se trata de montante que o particular achou que seria tributo, mas não o era.
A regra ora estudada decorre do art. 167 do CTN, cuja redação é a seguinte:
“Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição”.
Além da restituição do valor indevidamente recolhido, o sujeito passivo poderá ter direito a juros e correção relativos a tal valor.
Quanto a este aspecto, não se deve confundir a restituição de valor recolhido a título de juros (restituição de juros), analisada no subitem anterior, com o direito a receber juros sobre o valor da restituição (juros sobre restituição), ora analisado. Aqui se está a tratar do montante que o Estado deve pagar ao contribuinte por ter demorado a devolver o valor do tributo, após decisão definitiva determinando a restituição.
Seria injusto sempre determinar ao Estado o pagamento de juros que tivesse por termo inicial o dia do pagamento indevido, visto que, em algumas hipóteses, o recolhimento a maior decorre de erro do próprio devedor, como pode ocorrer, por exemplo, na sistemática do lançamento por homologação, em que o próprio sujeito passivo calcula o tributo devido.
Na esteira desse raciocínio, mas sem atentar para o fato de que há casos em que o recolhimento indevido decorre de erro atribuível ao próprio Estado, o parágrafo único do art. 167 do CTN previu a seguinte regra (grifou-se):
“Art. 167. (...)
Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar”.
Juros não capitalizáveis são os juros simples, não havendo o que popularmente tem sido chamado de incidência de “juros sobre juros” (anatocismo), o que se verifica na sistemática dos juros compostos, somados ao capital (capitalização) a cada incidência (normalmente mensal).
O dispositivo é injusto nos casos em que o recolhimento indevido decorreu de exigência feita pelo próprio Fisco, seja por conta da inconstitucionalidade de uma lei, seja em virtude de equivocadas interpretações oficiais. Nestes casos, a fluência dos juros de mora deveria tomar por termo inicial a data do pagamento indevido. O raciocínio seria inclusive mais isonômico, uma vez que o sujeito passivo sucumbente em disputa judicial contra o Estado é condenado ao pagamento de juros de mora a partir do vencimento do tributo. Entretanto, a aplicabilidade da regra estatuída pelo CTN é pacificamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme entendimento sumulado nos seguintes termos:
STJ – Súmula 188 – “Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença”.
Sumulada a matéria no STJ, algumas dúvidas voltaram a atormentar os estudiosos como decorrência de uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal que culminaram com a edição da Súmula Vinculante 17, abaixo transcrita:
STF – Súmula Vinculante 17 – “Durante o período previsto no parágrafo 1.º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.
O § 1.º do art. 100 da Constituição Federal, citado no texto da Súmula, corresponde ao que hoje diz o § 5.º do art. 100 do mesmo artigo da Magna Carta (com a redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009). Segundo a regra, o pagamento dos débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 1.º de julho será feito até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. Na prática, a entidade devedora possui um prazo de ao menos 18 meses (de julho a dezembro do exercício seguinte) para que a entidade de direito público pague os débitos constantes de precatórios.
Analisando o dispositivo, o Supremo entendeu que, se a entidade devedora realiza o pagamento no prazo constitucional, não há que se falar em mora, não sendo possível a cobrança dos juros de mora, mas tão somente da atualização monetária, conforme previsto no próprio texto constitucional.
Firmado o sentido da Súmula Vinculante 17, parece surgir um conflito do verbete com a analisada Súmula 188 do STJ, quanto ao termo inicial para a fluência dos juros na repetição de indébito tributário (término do prazo para pagamento do precatório – segundo a Súmula Vinculante 17 – e data do trânsito em julgado da decisão condenatória – segundo a Súmula 188 do STJ). Para compreender que o conflito é aparente e que os enunciados tratam de situações diferentes, faz-se necessária uma resumida análise da sistemática dos precatórios, conforme se passa a fazer.
Com o trânsito em julgado de decisão determinando a devolução de valor indevidamente recolhido a título de tributo, é reconhecido de forma teoricamente imutável o direito ao recebimento de determinada quantia pelo vencedor da batalha judicial. A devolução normalmente não é feita de imediato, uma vez que é necessário que exista dotação orçamentária para tanto, devendo-se sempre lembrar que o patrimônio público é inalienável e, consequentemente, impenhorável. É neste ponto que aparece a figura dos precatórios.
Após o trânsito em julgado da decisão, inicia-se a fase de execução. Ao fim desta etapa, o juiz, a requerimento do credor, expede o ofício requisitando ao presidente do tribunal competente a inscrição do precatório neste órgão, obedecendo-se a ordem cronológica da apresentação das diversas ordens (precatórios). Os precatórios apresentados até o dia 1.º de julho têm os respectivos acréscimos legais (juros e correção monetária) computados até tal data e compõem uma lista encaminhada ao Executivo para que este inclua na proposta orçamentária do exercício subsequente a dotação necessária ao pagamento, o que deve ser feito até o final de tal exercício.
Perceba-se que, desde o trânsito em julgado da decisão, já fluem os juros de mora, tendo em vista o parágrafo único do art. 167 do CTN e a Súmula 188 do STJ. Só que, inscrito o precatório até 1.º de julho e encaminhada a lista para o Poder Executivo para efeito de inclusão da dotação no orçamento, entra em cena a Súmula Vinculante 17, cessando a fluência dos juros. Explique-se melhor. Como foi dito acima, o Supremo Tribunal Federal entende que, se o próprio texto constitucional prevê que o pagamento do precatório deve ser realizado até o final do exercício subsequente, não se pode impor ao devedor o pagamento de juros enquanto tal prazo não for ultrapassado. Assim, pago o precatório até o último dia do exercício seguinte ao da inclusão no orçamento, não são acrescidos novos juros; vencido tal prazo, voltam a ser computados os juros de mora.
Em suma, deve-se entender que entre o dia 1.º de julho de determinado exercício e o último dia do exercício subsequente não devem ser computados juros de mora no pagamento dos respectivos precatórios, tendo em vista a Constituição ter concedido este prazo para o pagamento do débito. O raciocínio pode ser visualizado da seguinte forma:
A questão é controversa, mas, demonstrando que o STF adota um entendimento consoante a tese aqui esposada, o Ministro Marco Aurélio, em voto vencido num dos julgados que deram origem à edição da Súmula Vinculante 17 (STF, Tribunal Pleno, RE 298.616-0, Rel Min. Gilmar Mendes, j. 31.10.2002, DJ 03.10.2003, p. 10) asseverou: “O precatório não é uma forma de mitigar o título já formalizado, a sentença. Para mim, surge um paradoxo, ao assentar-se, como agora, que cabem juros da mora até 1.º de julho, mas não no período de 1.º de julho até 31 de dezembro do ano seguinte, e, após 31 de dezembro – já que esse prazo não é respeitado, e ninguém ousa dizer o contrário –, ter-se-á a volta ao inadimplemento e à incidência dos juros da mora” (grifos não constam do original).
O excerto, apesar de consubstanciar uma crítica ao posicionamento vencedor, demonstrando suas consequências negativas, demonstra com clareza que o entendimento prevalente no âmbito do STF está em consonância com o adotado nesta obra.
No que concerne à correção monetária, o raciocínio é diferente, pois os efeitos da desvalorização da moeda são perenes, devendo ser compensados desde o momento do pagamento indevido. O entendimento é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai da Súmula 162, abaixo transcrita:
STJ – Súmula 162 – “Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido”.
A duplicidade dos termos iniciais para juros e correção monetária gerou um problema de ordem prática. Atualmente, os acréscimos legais aplicáveis à restituição de valores pagos indevidamente à Fazenda Pública Federal estão reunidos sobre única taxa, a SELIC, a mesma utilizada quando o sujeito passivo paga um valor em atraso.
Ocorre que, conforme já estudado, a SELIC engloba em único percentual os juros e a correção monetária, o que tornaria impossível sua utilização no lapso de tempo que medeia o pagamento indevido pelo sujeito passivo e o trânsito em julgado da decisão que condena a Fazenda Pública Federal a proceder à restituição, visto que, durante este período, não há incidência de juros.
Inicialmente, o STJ decidiu não ser possível a incidência da SELIC a partir do pagamento indevido, sob pena de agressão ao Código Tributário Nacional. Pela relevância, transcreve-se fragmento da ementa do julgamento (grifou-se):
“O aplicar da Taxa SELIC, in casu, afasta-se dos ditames do Código Tributário Nacional, à medida que impõe à Fazenda o ônus de pagar os juros, os quais sequer são compensatórios, mas remuneratórios, antes do trânsito em julgado da sentença, e em maior percentual do que aquele previsto no art. 161, § 1.º, do CTN.
(...)
Recurso conhecido e provido, observado o limite da causa petendi, para impor a incidência da Taxa SELIC, apenas a partir do trânsito em julgado da sentença, na restituição dos valores recolhidos a título de contribuição sobre a remuneração de autônomos, avulsos e administradores, substituindo-a pela correção monetária plena, entre o lapso temporal iniciado com o pagamento indevido e o respectivo trânsito em julgado” (STJ, 2.a T., REsp 308.797/SC, Rel. Min. Paulo Medina, j. 21.11.2002, DJ 12.05.2003, p. 248).
Contudo, diante de algumas controvérsias ainda remanescentes, continuava-se no aguardo de uma clara manifestação da 1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (que, relembre-se, reúne os Ministros das duas Turmas de direito público da Corte), a ser proferida quando do julgamento do EREsp 321.897/SP, bastante aguardado pela comunidade jurídica.
Finalmente, no dia 13 de setembro de 2006, a Seção proferiu sua decisão nos seguintes termos:
“Nas ações de repetição/compensação de indébito, os juros moratórios são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do parágrafo único do art. 167 do CTN, mesmo nos casos de tributos declarados inconstitucionais. Inteligência da Súmula 188/STJ” (STJ, 1.ª Seção, EREsp 321.897/SP – j. 13.09.2006, DJ 12.03.2007).
Perceba-se que simplesmente foi reafirmada a jurisprudência anterior, ratificando a vigência do parágrafo único do art. 167 do Código Tributário Nacional, cuja inteligência é cristalizada na citada Súmula 188 do próprio STJ.
O problema é que, mesmo nos julgamentos proferidos a partir de tal decisão da Primeira Seção, o STJ continuou afirmando que “os índices de correção monetária aplicáveis na restituição de indébito tributário são: a) desde o recolhimento indevido, o IPC, de jan./1989 a jan./1991; o INPC, de fev./1991 a dez./1991; a Ufir, de jan./1992 a dez./1995; e b) a taxa SELIC, exclusivamente, a partir de jan/1996” (2.ª Turma – j. 19.10.2006).
Ora, se a taxa SELIC fosse tão somente um índice de correção monetária, estariam as diversas decisões subsequentes em perfeita consonância com o precedente da Primeira Seção.
Na prática, ao denominar, contraditoriamente, a SELIC de “índice de correção monetária”, o STJ acabou por permitir a sua utilização desde a realização do pagamento tido por indevido, não levando em consideração o fato de o índice também incluir na sua composição o valor dos juros que, de acordo com o art. 167, parágrafo único, do CTN e com a Súmula 188 do próprio STJ, somente deveriam incidir a partir do trânsito em julgado da decisão.
Em provas de concurso público, aconselha-se que o candidato adote o raciocínio que consta dos acórdãos atuais do STJ, sintetizado no excerto abaixo:
“8. Nos casos de repetição de indébito tributário, a orientação prevalente no âmbito da 1.ª Seção quanto aos juros pode ser sintetizada da seguinte forma: (a) antes do advento da Lei 9.250/1995, incidia a correção monetária desde o pagamento indevido até a restituição ou compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros de mora a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN; (b) após a edição da Lei 9.250/1995, aplica-se a taxa SELIC desde o recolhimento indevido, ou, se for o caso, a partir de 1º.01.1996, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque a SELIC inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa de juros real”.
Registre-se que, no âmbito da Secretaria da Receita Federal, existe norma interna prevendo a incidência da SELIC exatamente nos termos preconizados pelo STJ (IN SRF 600/2005, art. 52, § 1.º).
Por fim, em questões que versem genericamente sobre o termo inicial de fluência dos juros e da correção monetária (sem citar a SELIC), deve ser adotado o posicionamento tradicional (separando-os, como nas Súmulas 162 e 188 do STJ).
Da mesma maneira que a Administração Tributária possui prazo (decadencial) para proceder ao lançamento do tributo que considera devido, o sujeito passivo possui um prazo para pleitear administrativamente a restituição (repetição de indébito) do valor que entende ter recolhido indevidamente. A matéria é disciplinada no art. 168 do CTN, cuja redação é a seguinte:
“Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção do crédito tributário;
II – na hipótese do inciso III do art. 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória”.
Existe controvérsia sobre a natureza do prazo objeto de análise (decadencial ou prescricional). Alguns defendem que, como o direito de obter a restituição depende de uma outra pessoa (o sujeito ativo), não sendo, portanto, potestativo, o prazo seria prescricional. Outros defendem que, como o direito de pleitear restituição não depende de qualquer providência de terceiro, sendo, portanto, potestativo, o prazo seria decadencial.
Apesar de se reconhecer que a tese segundo a qual o prazo seria prescricional seria a mais lógica, de acordo com a teoria dos prazos extintivos, a maneira como o legislador redigiu os arts. 168 e 169 parece apontar na direção de que o primeiro traz um prazo decadencial (para pleitear restituição) e o segundo um prazo prescricional (para buscar no judiciário a anulação de decisão que indefira a restituição). Quis-se estabelecer uma disciplina dual semelhante à dos prazos extintivos aplicáveis à cobrança do tributo (prazo decadencial para lançar e prescricional para buscar no judiciário o adimplemento coativo do crédito).
Em resumo, apesar de não haver motivo técnico para a dualidade, o legislador optou por atribuir natureza decadencial aos direitos potestativos de lançar e de pleitear restituição. Violado o direito que tem o Fisco de receber o valor lançado ou o direito que tem o sujeito passivo de recuperar o valor pago indevidamente, abre-se o prazo prescricional para que as questões sejam submetidas ao Poder Judiciário.
Nesse sentido, parece correta a lição de Luciano Amaro que, analisando os arts. 168 e 169 do Código, afirma: “Mais uma vez aqui o legislador ficou impressionado com os aspectos periféricos da decadência e da prescrição e, aparentemente, deu ao prazo de cinco anos a natureza decadencial, e ao de dois anos o caráter prescricional. Não vemos razão para isso. Não há motivo lógico ou jurídico para a diversidade de tratamento (...)”.
Os casos previstos nos incisos I e II do art. 165 referem-se a todas as hipóteses em que o sujeito passivo tenha recolhido um valor indevido ou maior que o devido em face da legislação aplicável, sem a instauração de um litígio. A conclusão decorre do fato de o inciso III referir-se a situações em que uma anterior decisão condenatória – judicial ou administrativa – é reformada, anulada, revogada ou rescindida.
Os citados incisos I e II do art. 165 são redundantes e prolixos. Na realidade, não importa a causa do recolhimento, se este foi indevido, impõe-se a restituição. Não seria necessário falar em valor indevido ou maior que o devido, pois sempre a restituição incidirá sobre o valor indevido, não importando que este tenha sido recolhido junto a uma parcela considerada devida.
Deixando de lado as intermináveis imprecisões terminológicas do CTN, há de se atentar para o termo inicial legalmente estabelecido para a contagem do prazo de cinco anos disponibilizado para que o contribuinte pleiteie a restituição: a data da extinção do crédito tributário.
Conforme analisado, nos lançamentos de ofício e por declaração, quem calcula o valor do tributo a ser recolhido pelo sujeito passivo é a autoridade fiscal competente, de forma a se presumir que tal valor esteja correto e que o pagamento extingue imediatamente o crédito tributário, não havendo que se falar em necessidade de qualquer providência posterior da Administração Tributária.
No caso do lançamento por homologação, é o sujeito passivo quem calcula o montante do tributo devido e antecipa o respectivo pagamento, extinguindo o crédito tributário sob condição resolutória. Nos termos do art. 150, §§ 1.º e 4.º, bem como do art. 156, VII, todos do CTN, a extinção somente é definitiva com a homologação, que poderá ser expressa ou tácita.
Por conta do raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça, após muita discussão, pacificou o entendimento no sentido de que a extinção do crédito tributário ocorria (AgRg no REsp 601.111 – CE):
a) nos casos de lançamento de ofício ou por declaração, na data do pagamento;
b) nos casos de lançamento por homologação, na data da homologação.
Na prática, como a homologação tácita é regra, o sujeito passivo acabava por possuir um prazo de praticamente dez anos para formular o pedido de restituição.
Em termos mais precisos, efetuado um pagamento que venha a considerar indevido, o sujeito passivo poderia pleitear restituição já no dia seguinte. Apesar disso, o prazo para formular o pedido ainda não começara a fluir, o que viria a ocorrer tão somente na data da homologação. Como tal homologação é, na maioria das vezes, tácita, o comum é que o prazo de cinco anos previsto no art. 168, I, do CTN só começasse a fluir cinco anos após o fato gerador. Assim, o sujeito passivo poderia pleitear a restituição desde a data do pagamento indevido até cinco anos após a homologação. Como a data do pagamento e a do fato gerador são bastante próximas (normalmente com uma diferença de dez a trinta dias), o sujeito passivo teria prazo de praticamente dez anos para pleitear a restituição. Trata-se da famosa teoria dos cinco mais cinco (como será visto adiante, existe uma teoria, com mesma denominação, mas referente ao prazo para o Fisco formular lançamentos complementares na sistemática do lançamento por homologação).
A partir do dia 9 de junho de 2005, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça restou superado pela entrada em vigor da Lei Complementar 118/2005, que previu, no seu art. 3.º, a seguinte regra:
“Art. 3.º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1.º do art. 150 da referida Lei”.
A nova regra, na realidade, muda o prazo para a formulação do pedido de restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação. A mudança decorre de um deslocamento do termo inicial do prazo. Conforme analisado, até o advento da Lei Complementar 118/2005, o STJ entendia que o crédito tributário de tributo sujeito a tal modalidade de lançamento estaria extinto no momento da homologação, sendo esse o termo inicial para a contagem do prazo de cinco anos previsto no art. 168, I, do CTN. Agora, para a definição do termo inicial do prazo, o crédito é considerado extinto desde o momento do pagamento, sendo este o novo termo inicial para a contagem do prazo para pleitear restituição.
De maneira manifestamente abusiva, o art. 4.º da Lei Complementar 118/2005 tentou dar caráter retroativo à nova regra, considerando-a expressamente interpretativa, o que ensejaria a aplicação retroativa da novidade, tendo em vista o disposto no art. 106, I, do CTN.
O STJ bloqueou a pretensão, considerando que a norma trazia não apenas uma interpretação, mas uma alteração material, uma verdadeira inovação no ordenamento jurídico, não podendo retroagir. Considerou-se a tentativa agressiva à separação dos poderes (pois o legislativo tentava infirmar retroativamente posicionamentos do judiciário) e à garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (pela tentativa de conferir à “interpretação” uma retroatividade ilimitada, tendo por termo inicial a data da edição do CTN). Não obstante, a Corte garantiu a aplicação da novidade a partir da data da entrada em vigor dos demais dispositivos da malsinada LC 118/2005 (AI no EREsp 644.736, DJ 27.08.2007).
Em agosto de 2011, o Supremo Tribunal Federal ratificou o entendimento do STJ e definiu, com precisão, os parâmetros para aplicabilidade da nova norma. As decisões com seus fundamentos, sob o ponto de vista do princípio da irretroatividade, foram analisadas no Capítulo 3, item 3.3.3.2.1, concluindo-se que, em face das inovações decorrentes da LC 118/2005 e do entendimento do STF e do STJ a respeito da matéria, é “válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005”.
O art. 168, II, do CTN prevê que o prazo para pleitear a restituição será de cinco anos da “data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória”.
Trata-se de caso em que o sujeito passivo pagou o montante exigido pelo Fisco, após a prolação de uma decisão condenatória que posteriormente veio a ser modificada.
É muito improvável que se verifique a situação prevista no dispositivo em caso de litígio administrativo, pois como as reclamações e recursos no âmbito do processo administrativo têm efeito suspensivo, não parece razoável que o sujeito passivo faça o pagamento após uma decisão não definitiva e contra ela ofereça recurso. Se optar pelo pagamento, provavelmente a Administração Tributária entenderá que o sujeito passivo aceitou a exigência, renunciando ao direito de recorrer.
Também no processo judicial a situação é de difícil – apesar de possível – verificação prática, pois parece ser mais conveniente ao sujeito passivo depositar o montante integral e discutir a dívida judicialmente e, se vencedor ao final, levantar o valor depositado.
De qualquer forma, se porventura for verificada a situação descrita no dispositivo, o sujeito passivo possui o prazo de cinco anos – contados da definitividade da decisão favorável – para pleitear administrativamente a restituição.
Nessa linha, já decidiu o STJ que “recolhido o tributo na pendência de ação judicial que visava a elidi-lo, o direito do contribuinte à repetição do indébito só exsurgiu a partir do acórdão que o reconheceu, não iniciando até aí o prazo de decadência da ação de restituição” (STJ, 2.ª T., AgRg Ag 172.896/RJ, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 19.03.1998, DJ 06.04.1998, p. 94).
Quanto à redação do dispositivo, digno de nota é que, mais uma vez, o legislador do CTN demonstrou desconhecer as características do instituto da “revogação”. Assim como fizera no art. 155, referiu-se à revogação de ato vinculado, algo impossível segundo comezinha lição de direito administrativo. Ora, se a cobrança de tributo é atividade administrativa plenamente vinculada (CTN, art. 3.º), resta impossível qualquer análise de conveniência e oportunidade por parte de autoridade fiscal responsável pela cobrança, não se entremostrando possível a “revogação” de uma decisão que condenou o particular a pagar tributo. Se o montante era indevido, a decisão condenatória pode ser reformada (por conta de um recurso), anulada (por ilegalidade) ou rescindida (por conta da utilização da ação rescisória após o trânsito em julgado). A revogação, contudo, é juridicamente impossível.
Novamente, vale a ressalva para os potenciais candidatos a cargos públicos. Em provas, assertivas que transcrevam os dizeres literais do dispositivo devem ser consideradas corretas.
Um outro ponto bastante relevante se refere à contagem do prazo para formalização do pleito de restituição nos casos em que o Supremo Tribunal Federal declara, em sede de controle concentrado, a inconstitucionalidade de determinado tributo ou que o Senado Federal suspende a execução, no todo ou em parte, de norma instituidora de tributo declarada inconstitucional pelo STF em sede de controle difuso.
Entendia-se anteriormente que, no primeiro caso (controle concentrado de constitucionalidade), o prazo seria contado do trânsito em julgado da decisão do STF. No segundo caso (controle difuso de constitucionalidade), o prazo teria como termo inicial a data da publicação da Resolução do Senado Federal (EREsp 423.994/MG).
A tese encampada criava um problema de ordem prática.
Não há prazo para ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, nem para que o Senado suspenda a execução de norma declarada inconstitucional pelo STF. Por conseguinte, a qualquer momento poderia ser reaberto o prazo para que o sujeito passivo pleiteasse a restituição, de forma a colocar em risco a segurança jurídica.
Na esteira deste raciocínio o Superior Tribunal de Justiça, em julgados recentes, tem entendido ser “irrelevante para o estabelecimento do termo inicial da prescrição da ação de repetição e/ou compensação, a eventual declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo E. STF” (STJ, 1.ª T., AgRg REsp, 615.819/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. 01.06.2004, DJ 28.06.2004, p. 209).
Nos casos em que notoriamente a Fazenda Pública é contrária ao pleito que o contribuinte deseja formular (o que pode ser comprovado por posicionamentos oficiais, indeferimentos em casos semelhantes, outros litígios judiciais, contestação oferecida pela Fazenda etc.), é possível ao sujeito passivo ajuizar a ação de repetição de indébito mesmo sem anterior pleito administrativo, dada a inexistência, no Brasil, do chamado curso administrativo forçado (a exceção indiscutível é o caso da Justiça Desportiva, conforme o art. 217, § 1.º, da CF/1988).
Nos casos em que a administração não se opõe ao pleito do sujeito passivo, não é lícito a este buscar socorro diretamente do Poder Judiciário, uma vez que estará ausente o interesse de agir, uma das condições da ação. Ora, o Judiciário resolve litígios, assim entendidas as pretensões resistidas. Se não há resistência ao pleito formulado pelo sujeito passivo, não há litígio a ser resolvido.
Para submeter a matéria diretamente ao Poder Judiciário, o contribuinte possui o prazo de cinco anos, o mesmo disponível para formular o pleito administrativamente.
Todavia, se optar por formular o pleito inicialmente na via administrativa e o mesmo vier a ser indeferido, haverá a incidência do art. 169 do CTN, de forma que o prazo para buscar, no Judiciário, a anulação da decisão administrativa será de apenas dois anos, como demonstra a transcrição do dispositivo:
“Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada”.
Aqui não há discussão sobre a natureza prescricional do prazo. Primeiro, porque o CTN expressamente asseverou que a ação “prescreve em dois anos”. Segundo, e mais importante, porque claramente se trata do exercício junto ao judiciário de uma pretensão que está sendo obstada por ato de terceiro.
Nos termos do parágrafo único do dispositivo acima transcrito, o prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, ou seja, pela sua distribuição, desde que a citação seja feita nos prazos do art. 219 do Código de Processo Civil. Na prática, a interrupção do prazo prescricional ocorre com a citação válida da Fazenda Pública, que retroage à data da propositura da ação (CPC, art. 219 e seus parágrafos).
De uma forma ou de outra, seguindo as disposições do CTN, o prazo prescricional volta a fluir pela metade a partir da intimação (o correto seria dizer citação) validamente feita ao representante da Fazenda Pública interessada (Procurador da Fazenda, Procurador do Estado ou cargo equivalente).
A regra trata da prescrição intercorrente, que se terá por verificada caso o processo judicial não venha a ser concluído no prazo legalmente fixado. O normal seria que, com a interrupção de um prazo, o mesmo fosse integralmente restituído, voltando a fluir por inteiro, pois normalmente os casos de interrupção se referem a providências do interessado que demonstra não estar inerte, afastando a possibilidade de perecimento do seu direito. Como consequência, é regra quanto à prescrição intercorrente que o prazo para que uma ação venha a ter julgamento definitivo é o mesmo que possui o autor para ajuizá-la. Aqui, novamente criando uma vantagem em benefício da Fazenda Pública, o dispositivo previu que o prazo para a conclusão corresponde apenas à metade do prazo para ajuizamento.
Quem conhece o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro sabe que é praticamente impossível que uma ação judicial venha a ser julgada em caráter definitivo dentro de um ano. O Judiciário tem entendido que a prescrição intercorrente somente pode ser declarada se a demora excessiva for imputável ao próprio autor da ação. Não parece possível a prolação de provimento judicial, declarando o perecimento de qualquer direito em virtude da longa duração de processo causada, em última análise, pela ineficiência e lentidão típicas da própria sistemática jurisdicional brasileira.
Um outro ponto a ser realçado é a impossibilidade de a interrupção de prazo gerar prejuízos para o interessado que a promoveu. Trata-se de regra principiológica, uma vez que, conforme já ressaltado, se o fundamento básico dos prazos extintivos (prescrição e decadência) é o de que “o direito não socorre a quem dorme”, não se pode punir com a diminuição de prazo aquele que agiu, demonstrando que não dorme.
Assim, se a interrupção ocorrer na segunda metade do prazo de dois anos previsto no dispositivo, o prazo voltará a fluir por mais um ano (houve ampliação de prazo). Já se a interrupção ocorrer na primeira metade do prazo original, não poderá se imaginar que o prazo recomeçará seu curso pela metade, pois haveria prejuízo do interessado.
Como exemplo da segunda hipótese, imagine-se que o particular ajuizou a ação anulatória seis meses após a decisão que lhe denegou a restituição. Restavam-lhe dezoito meses para que se operasse a prescrição. Se, com a interrupção, o prazo voltasse a fluir por um ano, o interessado teria “perdido” seis meses do seu prazo, de forma que faltariam apenas mais doze meses para que ocorresse a prescrição (intercorrente). Como nessa situação haveria prejuízo para o particular que agiu, entende-se, de maneira praticamente unânime, que o prazo voltaria a fluir pelo que ainda lhe restava (no caso proposto, dezoito meses).
O entendimento se encontra cristalizado na Súmula 383 do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:
STF – Súmula 383 – “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”.
Apesar da Súmula se referir ao prazo de cinco anos – regra geral relativa ao prazo de prescrição em favor da Fazenda Pública –, o entendimento é aplicável, por perfeita analogia ao prazo de dois anos ora analisado.
Por fim, ressalte-se a impressionante diferença de tratamento que o Código Tributário Nacional proporciona ao particular e à Fazenda Pública. Além da diferença do prazo prescricional – cinco anos para esta, dois anos para aquele –, estatui-se uma outra relativa às consequências da interrupção de prazo (parágrafo único). Mesmo levando em consideração o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, que justifica um tratamento favorecido aos entes estatais, parte da doutrina tem considerado desproporcional – e, portanto, inconstitucional – a discriminação imposta pela norma ora analisada.
Em provas de concurso público, contudo, deve-se seguir a literalidade do dispositivo, aliada às interpretações segundo as quais a interrupção somente ocorre para beneficiar e a prescrição intercorrente somente pode ser decretada contra quem lhe deu causa. Posicionamentos contrários somente devem ser adotados se, em prova prática, as teses contrárias forem as únicas viáveis para que o candidato a cargo de representante judicial da Fazenda Pública defenda seu futuro cliente.
Opera-se a compensação quando “duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra”. A consequência é que as duas obrigações “extinguem-se até onde compensarem” (CC, art. 368).
Assim, se “A” deve a “B” cem reais e “B” deve a “A” setenta reais, as obrigações são passíveis de compensação até setenta reais, de forma que a dívida de “B” estará completamente extinta e a dívida de “A” será parcialmente extinta, restando, tão somente, a parcela não compensada de trinta reais.
Em matéria tributária, a compensação está disciplinada pelo art. 170 do CTN, da seguinte forma:
“Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento”.
O dispositivo deixa claro que, em se tratando de crédito tributário, a compensação sempre depende da existência de lei que estipule as respectivas condições e garantias, ou que delegue à autoridade administrativa o encargo de fazê-lo. Não é suficiente a simples existência de reciprocidade de dívidas para que a compensação se imponha.
Por conseguinte, não são automaticamente aplicáveis à compensação tributária as regras previstas no Código Civil. A título de exemplo, a legislação tributária federal prevê que, em havendo compensação parcial, o valor devido pela União ao contribuinte será amortizado proporcionalmente do principal e dos juros. Para os contribuintes seria mais vantajoso que a imputação fosse feita primeiramente nos juros vencidos e, somente depois, no valor do principal, em termos semelhantes aos previstos no art. 354 do Código Civil. A preferência reside no fato de que, na compensação e na repetição de indébito tributário, os juros não são capitalizáveis (não incidem juros sobre juros), em virtude da regra estatuída no art. 167, parágrafo único, do CTN. Assim, é mais vantajoso manter intacto o principal (que continua rendendo juros) do que fazer uma compensação proporcional.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, além de ressaltar que o invocado art. 354 do Código Civil contém a cláusula “salvo estipulação em contrário”, permitindo o estabelecimento de exceções ao seu comando, reafirmou a aplicabilidade das normas específicas relativas à compensação tributária constantes nos arts. 66 da Lei 8.383/1991 e 74 da Lei 9.430/1996 (aplicáveis na esfera federal). Dentre outras disposições, tais normas delegam à Secretaria da Receita Federal e ao INSS a faculdade de detalhar a compensação tributária no âmbito federal. Relembre-se, por oportuno, que o art. 170 do CTN expressamente permite a delegação à autoridade administrativa do poder de estabelecer as condições para a compensação. Em face de tais autorizações e, no entender do STJ (REsp 960.239/SC), sem exorbitar do poder regulamentar, foi editada a Instrução Normativa SRF 900/2008 que estabeleceu a regra ora estudada.
No âmbito jurisprudencial, a pacificação da matéria deu ensejo à edição da Súmula STJ 464, cujo teor é o seguinte:
STJ – Súmula 464 – “A regra de imputação de pagamentos estabelecida no art. 354 do Código Civil não se aplica às hipóteses de compensação tributária”.
Em direito civil, a compensação depende de que as dívidas recíprocas sejam líquidas (quanto ao valor), certas (quanto à existência), vencidas (quanto à exigibilidade) e fungíveis (quanto ao objeto).
Existe certeza quando não paira dúvida sobre a existência da dívida. Há liquidez quando o seu valor é preciso, determinado. Está vencida a dívida cujo prazo para pagamento expirou. Haverá fungibilidade quando as dívidas se referirem a objetos semelhantes que podem ser determinados pelo seu gênero ou quantidade, sendo substituíveis entre si. Quanto a este último aspecto, por exemplo, não se pode compensar a dívida de entregar determinado cavalo de corrida com a de prestar um serviço, dada a falta de fungibilidade.
Em direito tributário, o valor do crédito que o particular quer compensar com o crédito tributário deve ser líquido, certo e em dinheiro (o que garante a fungibilidade). Todavia, e aqui se percebe uma diferença fundamental: é possível a compensação de crédito ainda não vencido (vincendo).
Repise-se que, em direito civil, se “A” e “B” são devedores recíprocos, mas a dívida de “A” perante “B” está vencida, enquanto a de “B” perante “A” vai vencer cinco dias depois, “A” não poderá opor a compensação, devendo, salvo acordo, pagar o débito vencido e esperar o vencimento da dívida de “B”, para receber o respectivo valor. Já no CTN, é expressamente autorizada a compensação de crédito tributário com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos do sujeito passivo contra a Fazenda Pública. Ressalte-se que somente pode ser vincendo o valor que a Fazenda Pública deve ao sujeito passivo do tributo, jamais o crédito tributário, que deve sempre estar vencido.
No caso de o crédito do particular ser vincendo, é necessário calcular seu valor atual, mediante a aplicação de uma taxa de juros que reduza o montante que deveria ser pago futuramente ao valor que a ele corresponde na data da compensação.
Para evitar que a autorização servisse como pretexto para que o Estado induzisse o particular a aceitar diminuições exageradas nos seus direitos creditórios contra o Estado, o CTN estipulou como teto para o redutor o percentual de 1% ao mês, pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
Muitas vezes, o sujeito passivo que pagou determinado valor a título de tributo e, posteriormente, veio a entendê-lo indevido, opta por pleitear judicialmente a compensação do valor pago com outros créditos tributários, em vez de buscar a restituição. O motivo da opção é que a escolha pela restituição sujeitaria o interessado vencedor à modorrenta sistemática dos precatórios, conforme previsto no art. 100 da Constituição Federal.
Registre-se, por oportuno, que é facultado ao contribuinte optar pela compensação ou pela restituição via precatório, conforme, inclusive, entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
STJ – Súmula 461 – “O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”.
Mesmo optando pela compensação, o contribuinte se sujeita às regras relativas à repetição de indébito, principalmente no que concerne aos prazos extintivos, analisados no tópico relativo a pagamento.
Nessa situação, consoante expressa previsão do art. 170-A do Código, a compensação só pode ser efetivamente realizada com o trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
A regra tem por fundamento a inexistência de certeza relativa ao crédito que ainda é objeto de discussão judicial, não sendo aplicável à compensação verificada no âmbito do lançamento por homologação, uma vez que nessa modalidade, a autoridade administrativa tem o prazo de cinco anos para manifestar sua concordância ou discordância com o procedimento compensatório levado a cabo pelo contribuinte (STJ, 2.ª T., REsp 555.058/PE, Rel. Min. Castro Meira, j. 16.10.2003, DJU de 25.02.2004).
Ressalvada a sistemática do lançamento por homologação, deve-se entender que se a própria decisão de mérito ainda pendente de recurso não é, seguindo a literalidade do Código, suficiente para que se opere a compensação, a providência não pode ser deferida por meio dos provimentos essencialmente provisórios (medidas cautelares e antecipações de tutela).
O entendimento se encontra sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, da seguinte forma:
STJ – Súmula 212 – “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.
É interessante realçar que, até 11 de maio de 2005, a Súmula transcrita proibia o deferimento da compensação mediante medida liminar. Com a nova redação, dada pela Primeira Seção do STJ, a Súmula 212 passou a expressamente proibir o deferimento por medida liminar cautelar ou antecipatória.
O Superior Tribunal de Justiça já repeliu tentativas de evitar a incidência do art. 170-A do CTN por parte de contribuintes que formulam pedido de suspensão do crédito tributário até o montante do valor que entendem ter recolhido indevidamente, relativo ao mesmo ou outro tributo.
Ora, ao contrário da compensação, a suspensão da exigibilidade do crédito mediante ato jurisdicional não depende de trânsito em julgado, podendo ser deferida inclusive mediante medida liminar ou antecipação de tutela. No antigo entendimento da Corte, o contribuinte que tenta disfarçar como suspensão uma verdadeira compensação tributária visa a artificiosamente driblar a regra restritiva do art. 170-A, não merecendo ver prosperar seu pleito. Nesse sentido, fragmento abaixo transcrito:
“Tributário e processual civil. Cautelar. Compensação x suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN). LC 104/2001. Aplicação do art. 170-A do CTN. 1. Apesar de o pedido ter sido formulado como de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, encerra a pretensão verdadeiro pedido de compensação, na medida em que se quer deixar de recolher o PIS e a COFINS até o limite de crédito decorrente do pagamento indevido do FINSOCIAL. 2. Não se há de falar, portanto, em aplicação do art. 151 do CTN e sim do art. 170-A do mesmo diploma, segundo o qual não pode o contribuinte deixar de pagar tributo devido antes do trânsito em julgado da decisão que reconhece a compensabilidade dos créditos. 3. Recurso especial provido” (STJ, 2.ª T., REsp 352.859, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 21.03.2002, DJU 06.05.2002, p. 281).
O problema do posicionamento acima exposto é que ele acabava por negar vigência aos incisos IV e V do art. 151 do CTN, que permitem ao Judiciário a suspensão da exigibilidade do crédito tributário mediante a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada nas diversas ações judiciais. Por conta disso, em decisões mais recentes, a Primeira Turma do Tribunal tem entendido como cabível a suspensão liminar da exigibilidade de créditos tributários a serem, posteriormente, compensados (REsp 575.867-CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 05.02.2004, DJU 25.02.2004, p. 121 e AGA 517.989-DF, Rel. Min. José Delgado, j. 16.10.2003, DJU 15.12.2003, p. 214).
A decisão abre caminho à possibilidade de que o juiz defira liminarmente a suspensão da exigibilidade do tributo, de forma que a situação perdure até o trânsito em julgado da decisão relativa à compensação que, se for favorável ao contribuinte, extinguirá definitivamente o crédito. Assim, tem-se por viável a convivência entre a regra restritiva do art. 170-A do Código Tributário Nacional e o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.
A matéria, por demais controversa, não parece ser plausível de cobrança em provas objetivas de concurso público (salvo a literalidade do art. 170-A do Código e da Súmula 212 do STJ), mas para os candidatos que se submetem aos concursos públicos em que também são aplicadas provas subjetivas, aconselha-se o conhecimento dos dois posicionamentos e a adoção do primeiro nos concursos para provimento de cargos de advocacia pública e do segundo nos demais certames.
O STJ também sumulou entendimento relativo à idoneidade do mandado de segurança como meio para a declaração de direito à compensação tributária. Realce-se que não é legítimo o deferimento da compensação mediante liminar em mandado de segurança – inquestionável providência cautelar – em face da regra restritiva cristalizada na Súmula 212 transcrita acima. Quanto ao uso do mandado de segurança, o teor da Súmula é o seguinte:
STJ – Súmula 213 – “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”.
Curiosamente, apesar de admitir a utilização do mandado de segurança com o objetivo de declarar o direito à compensação tributária, o STJ não aceita a utilização da mesma ação para convalidar a compensação já realizada pelo contribuinte. O Tribunal cristalizou seu entendimento com a edição da Súmula 460, lavrada nos seguintes termos:
STJ – Súmula 460 – “É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte”.
O raciocínio da Corte parte da premissa segundo a qual a convalidação de compensação demandaria dilação probatória, algo incabível em sede de mandado de segurança, ação cujo manejo depende de liquidez e certeza do direito invocado pelo impetrante. Além disso, nos casos concretos que resultaram nos julgados que servem de precedentes para a Súmula, o contribuinte, que já havia efetivado a compensação tributária por sua conta e risco, ajuizava um mandado de segurança pretendendo que o Judiciário convalidasse a compensação, de forma a impedir o fisco de analisar se estavam ou não presentes os requisitos conducentes à homologação do procedimento realizado pelo particular. O Tribunal entendeu que, deferindo tal pretensão, ele estaria substituindo o fisco na sua atividade privativa de lançamento, contexto em que está compreendida a competência para homologar.
Seguindo esta linha de raciocínio, a Ministra Eliana Calmon, em voto vencedor, proferido no julgamento dos EDcl no REsp 1.027.591-SP, afirmou que, “efetuada a compensação, inexiste para o contribuinte direito líquido e certo, uma vez que o Poder Judiciário não pode imiscuir-se ou limitar o poder da Autoridade Fazendária de fiscalizar a existência ou não de créditos, assim como a conformidade do procedimento adotado com os termos da legislação vigente”. No mesmo sentido, o STJ, analisando um dos casos objeto dos julgados que serviram como precedente para a Súmula 460, manifestou-se da seguinte forma (grifos constam do original – REsp 1.040.245-SP):
“(...) verifica-se dos autos que a compensação já foi efetuada pela contribuinte sponte propria, ressoando inconcebível que o Judiciário venha a obstaculizar o Fisco de fiscalizar a existência ou não de créditos a ser compensados, o procedimento e os valores a compensar, e a conformidade do procedimento adotado com os termos da legislação pertinente, sendo inadmissível provimento jurisdicional substitutivo da homologação da autoridade administrativa, que atribua eficácia extintiva, desde logo, à compensação efetuada”.
Em suma, conjugando os dizeres das Súmulas 213 e 460 do Superior Tribunal de Justiça, devemos considerar plausível a utilização do mandado de segurança para declarar o direito à compensação tributária, mas não para convalidar a compensação já realizada pelo sujeito passivo.
Neste contexto, há de se destacar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no que concerne à possibilidade de a autoridade administrativa proceder à compensação de ofício (independentemente de pedido do particular) de valores a ser restituídos ao sujeito passivo com débitos que a Fazenda considera que este tem perante ela.
Em passagem que bem sintetiza o entendimento da Corte, o Ministro Mauro Campbell afirmou que “a restituição ou o ressarcimento de tributos sempre esteve legalmente condicionada à inexistência de débitos certos, líquidos e exigíveis por parte do contribuinte, sendo dever da Secretaria da Receita Federal efetuar de ofício a compensação, sempre que o contribuinte não o fizer voluntariamente” (REsp 1.213.082). Nessa linha, pode-se afirmar que se há débito de quem pede a restituição, a compensação não é apenas uma alternativa, mas um poder-dever a vincular a atuação administrativa. O Tribunal fez questão de ressaltar que ao contribuinte devedor resta a faculdade de decidir sobre quais débitos deseja liquidar, podendo excluir os que pretende contestar judicial ou administrativamente, mas não negar-se genericamente a realizar a compensação. É por este motivo que o Decreto Federal 2.138/1997 prevê que a compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se manifeste sobre o procedimento, no prazo de 15 dias, sendo o seu silêncio considerado como aquiescência. Ainda nos termos regulamentares, no caso de discordância notificada, a unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado.
O raciocínio ora analisado somente é aplicável se o crédito tributário em aberto não estiver com exigibilidade suspensa por alguma das hipóteses previstas no art. 151 do CTN. Obviamente, se o sujeito passivo do tributo objeto de parcelamento desejar abater da dívida um crédito passível de restituição, poderá fazê-lo mediante livre e espontânea manifestação de vontade, mas o Fisco não poderá tomar tal providência sem que ela tenha sido requerida. Neste sentido, o Tribunal considerou ilegal a previsão constante de Instruções Normativas da Receita Federal (IN/SRF 600/2005 e 900/2008), que, exorbitando do poder regulamentar, continham disposições nesse sentido. Ora, se o crédito tributário está parcelado, sua exigibilidade se encontra suspensa, não podendo o Estado cobrá-lo fora dos termos acordados no ato do parcelamento, sendo ainda mais agressivo à lei compensá-lo sem solicitação do contribuinte (REsp 1.130.680-RS).
Por fim, registre-se que tais manifestações do STJ se deram diante de casos envolvendo federais, tendo por pano de fundo a legislação federal sobre compensação. Contudo, como as decisões cuidaram de compatibilizar as previsões normativas com as disposições do CTN, tem-se por possível aplicá-las para as demais esferas, procedidas as devidas adaptações.
Transação é o negócio jurídico em que as partes, mediante concessões mútuas, extinguem obrigações, prevenindo ou terminando litígios (CC, art. 840).
Se foi firmado um contrato para a construção de uma casa e, durante a realização da obra, começam a surgir dúvidas e conflitos sobre a correta execução, os interessados podem fazer um acordo extinguindo as obrigações recíprocas, prevenindo um litígio judicial. Caso já houvesse lide instaurada, seria também possível aos contratantes celebrarem um acordo na esfera judicial, terminando ao litígio. No primeiro caso, haveria a transação preventiva. No segundo, a terminativa.
Em direito tributário, não existe a figura da transação preventiva. Seria bastante perigoso permitir concessões recíprocas entre a Administração Tributária e o particular, sem que houvesse algum processo instaurado. O raciocínio decorre do art. 171 do CTN, cujos dizeres são os seguintes:
“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.
Como sempre ocorre em qualquer caso em que possa haver diminuição do patrimônio público, a transação somente pode ser celebrada com base em lei autorizativa, editada pelo ente competente pela instituição do tributo de que se tratar.
Não há livre manifestação de vontade por parte da autoridade fiscal, pois esta não a possui. Na realidade, a vontade do Estado é manifestada pela lei.
O particular possui a liberdade de transacionar ou não com a Administração, mas não há a possibilidade da negociação fora dos limites da lei. O instituto decorre da ampla liberdade para negociar interesses disponíveis. Como em direito público vige o princípio da indisponibilidade do patrimônio público, a utilização da transação acaba sendo algo bastante restrito.
Na prática, a transação sempre aparece combinada com outros institutos, de forma que somente é extinta pela transação a parte que foi objeto da concessão feita pelo Estado.
A título de exemplo, suponha-se que uma lei seja publicada autorizando que o Estado conceda desconto de 80% das multas moratórias aplicadas contra os contribuintes que desistissem das ações judiciais contestatórias dos créditos relativos a determinado tributo e procedessem ao respectivo pagamento no prazo de 30 dias contados da desistência.
A concessão do Estado seria o valor de 80% das multas, de forma que esta seria a parcela do crédito extinta pela transação. O montante restante seria extinto pelo pagamento, hipótese extintiva já estudada.
Existe discussão sobre a natureza do litígio que poderia ser terminado por meio da transação: os judiciais e administrativos ou somente os judiciais.
Não existe definição clara sobre a matéria e apesar de parecer sedutor o entendimento segundo o qual somente a supervisão jurisdicional seria compatível com os fins do instituto. Registre-se, contudo, que o CTN não fez tal restrição.
Remissão é a dispensa gratuita da dívida, feita pelo credor em benefício do devedor.
Tratando-se de crédito tributário, devido ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público, a remissão somente pode ser concedida com fundamento em lei específica (CF, art. 150, § 6.º).
As regras gerais sobre a remissão, como forma de extinção do crédito tributário, encontram-se no art. 172 do CTN, conforme abaixo transcrito:
“Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I – à situação econômica do sujeito passivo;
II – ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato;
III – à diminuta importância do crédito tributário;
IV – a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;
V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no art. 155”.
O texto legal não restringe a possibilidade de concessão de remissão apenas para créditos relativos a tributos. A redação do dispositivo refere-se à expressão “crédito tributário” que, conforme já ressaltado, abrange valores referentes a tributos e a multas.
Alguns autores entendem que o perdão de multa seria anistia, sendo a remissão aplicável tão somente a tributos. Raciocínios em sentido contrário, alegam, tornariam o CTN redundante, pois não haveria como diferenciar, tecnicamente, a remissão de multa da anistia.
A diferenciação, contudo, é possível. A anistia (sempre referente à multa) será estudada no tópico relativo às formas de exclusão do crédito tributário. Excluir significa impedir o lançamento, evitando o nascimento do crédito. Noutra mão, a remissão é forma de extinção de crédito tributário (referente à multa ou a tributo).
Somente se extingue o que já nasceu. Portanto, se o Estado quer perdoar infrações cujas respectivas multas não foram lançadas, deverá editar lei concedendo anistia, o que impedirá o lançamento e o consequente nascimento de crédito tributário. Se a multa foi lançada, já existindo crédito tributário, o perdão somente pode ser dado na forma de remissão, forma extintiva do crédito.
A título de exemplo, suponha-se que, em face de graves problemas de congestionamento no site da Receita Federal na última semana do prazo de entrega da declaração de imposto de renda, o Congresso Nacional edite lei perdoando da multa aplicável os contribuintes que entregaram suas declarações na semana subsequente ao término do prazo. Na situação proposta, a lei estaria concedendo remissão ou anistia? A resposta depende de uma informação básica, qual seja a referente ao momento da concessão do benefício.
Se a lei foi editada em momento anterior ao lançamento das multas, impedindo autoridades fiscais de fazê-lo, estará concedendo anistia. Se a lei foi editada após as autuações, de forma a perdoar multas já lançadas, trata-se de concessão de remissão.
Em qualquer caso, não importa se a lei afirma estar concedendo remissão ou anistia, pois o nome formalmente atribuído a determinado instituto não determina a natureza do mesmo, que é aferida de acordo com suas características essenciais.
A mesma linha de raciocínio deve ser seguida para diferenciar a isenção (forma de exclusão do crédito tributário relativo a tributo) da remissão de tributo (forma de extinção de crédito tributário já constituído).
O transcrito art. 172 enumera os aspectos que podem justificar a edição de lei que autorize a concessão de remissão. Trata-se de norma destinada ao legislador e não ao aplicador da legislação tributária.
De grande importância é perceber que não há incompatibilidade entre a hipótese prevista no inciso IV – que autoriza a concessão de remissão atendendo “a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso” – e a vedação de que, na atividade de integração da legislação tributária, a utilização da equidade resulte na dispensa do pagamento de tributo devido (vedação constante do art. 108, § 2.º, do CTN).
A diferenciação é bastante simples. A vedação do art. 108, § 2.º, é destinada ao aplicador da legislação tributária, impedindo que, na ausência de norma expressa, se decida por dispensar o pagamento do tributo devido. Já a autorização constante do art. 172, IV, é destinada ao legislador, permitindo-lhe que, diante das características pessoais ou materiais do caso, decida usar da equidade e edite lei concedendo ou autorizando a concessão do benefício.
Registre-se, por último, que o parágrafo único do art. 172 determina que sejam aplicadas à remissão concedida em caráter individual as regras constantes do art. 155 do CTN. Tais normas foram detalhadamente analisadas quando do estudo do instituto da moratória (recomenda-se a leitura atenta da explanação). Em resumo, devem ser obedecidas as seguintes regras:
a) A concessão da remissão em caráter individual não gera direito adquirido e será “revogada” (o correto seria falar anulada) de ofício, sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor.
b) No caso de “revogação”, sempre será cobrado o tributo e os juros de mora.
c) Se o benefício foi obtido com dolo ou simulação do beneficiário, ou de terceiro em favor daquele, haverá cobrança da penalidade pecuniária. Além disso, o tempo decorrido entre a concessão da remissão e sua revogação não será computado para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito.
d) Se não houve dolo ou simulação, não haverá cobrança de penalidade pecuniária e a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o direito à cobrança do crédito.
Consoante já analisado, com a ocorrência do fato gerador, nasce a obrigação tributária. Com o lançamento, a obrigação é tornada líquida e certa, surgindo o crédito tributário. Caso o sujeito passivo não pague o valor relativo ao crédito tributário, violando o direito da Fazenda Pública, esta deverá promover a competente ação de execução fiscal, visando à satisfação do crédito.
O prazo para que a Administração Tributária, por meio da autoridade competente, promova o lançamento é decadencial. O prazo para que se ajuíze a ação de execução fiscal é prescricional.
Até o advento do novo Código Civil brasileiro (2002), houve muita discussão sobre como diferenciar os prazos de decadência e prescrição, pois o Código anterior (1916) denominava-os – todos – prescricionais.
Parte da doutrina tentava distingui-los com base nos efeitos, afirmando que a decadência extinguiria um direito, enquanto a prescrição extinguiria a possibilidade de propor a ação que protegia o direito. A técnica estava mais para um “macete” do que para uma regra e possuía exceções que a tornavam não muito confiável (como exemplo, a ação do mandado de segurança está sujeita ao prazo decadencial de 120 dias). Apesar disso, em direito tributário, a proposta nota distintiva era (e ainda é) plenamente suficiente. Operada a decadência, tem-se por extinto o direito de lançar. Verificada a prescrição, tem-se impossibilitado o manejo da ação de execução fiscal.
Com base na diferenciação aventada, alguns autores defendem que aquele que pagara crédito tributário já “extinto” pela decadência faria jus à restituição, pois o direito da Fazenda Pública não mais existiria no momento do pagamento. Já quem pagasse crédito prescrito não teria sucesso num pedido de restituição, pois a prescrição apenas extinguiria o direito de ação, mantendo intocado o direito material subjacente.
Tratando-se de matéria tributária, a tese não deve ser aplicada, uma vez que o art. 156, V, do CTN afirma que a prescrição e a decadência igualmente extinguem o crédito tributário. Assim, parece mais consoante com o Código afirmar que tanto o sujeito que paga “crédito prescrito” quanto aquele que paga “crédito decaído” possuem direito à restituição, pois, em ambos os casos, o crédito objeto do pagamento já se tinha por extinto.
Nessa linha, Paulo de Barros Carvalho, no seu Curso de Direito Tributário, afirma:
“Outro deplorável equívoco repousa na teoria perante a qual, sendo paga uma dívida caduca, terá cabimento a repetição, porque desaparecera o direito do sujeito ativo (isto é, o crédito). Contudo, tratando-se de débitos prescritos, não caberia a restituição, porquanto, embora houvesse perecido a ação, o sujeito pretensor continuava titular do direito. De qualquer ângulo pelo qual se examinem as duas situações, o nexo obrigacional estará extinto. Até o Código Tributário o reconhece, catalogando o instituto entre as formas extintivas”.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, não obstante a controvérsia, o entendimento aqui defendido já fundamentou diversos acórdãos. A título de exemplo, no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 29.432/RS, consta do voto condutor do Ministro Ari Pargendler a seguinte lição: “a prescrição, no regime de direito civil, inibe a ação sem prejudicar o direito. Já no direito tributário, ela extingue tanto a ação quanto o direito (CTN, art. 156, V)”. Em junho de 2009, a 2.ª Turma do Tribunal proferiu decisão bastante pedagógica que, pela importância, tem sua ementa transcrita abaixo (REsp 646.328-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.06.2009):
“Processual Civil e Tributário. Repetição de Indébito. IPTU. Artigos 156, inciso V, e 165, inciso I, do CTN. Interpretação Conjunta. Pagamento de Débito Prescrito. Restituição Devida.
1. A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1004747/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18.06.2008; REsp 636.495/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02.08.2007)
2. Recurso especial provido”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, a ESAF, na prova do concurso para provimento de cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil aplicada em 2009, considerou incorreto o seguinte item (o enunciado restringia a análise ao tema “extinção do crédito tributário”): “O pagamento de débitos prescritos não gera o direito a sua repetição, na medida em que, embora extinta a pretensão, subsiste o direito material”.
Utilizando um parâmetro mais técnico para diferenciar prescrição e decadência quanto à essência, pode-se afirmar que a prescrição extingue direitos a uma prestação (que podem ser violados pelo sujeito passivo), enquanto a decadência extingue direitos potestativos (invioláveis). Assim, o direito de lançar é potestativo, sendo sujeito à decadência; já o direito de receber o valor lançado é “direito a uma prestação”, estando a ação que o protege sujeita à prescrição.
De qualquer forma, para os objetivos desta obra, a diferenciação é simples e segura, pois o lançamento é exatamente o marco que separa, na linha do tempo, a prescrição da decadência. Assim, antes do lançamento, conta-se o prazo decadencial (que é, em suma, o prazo para que o Fisco exerça o direito de lançar). Quando o lançamento validamente realizado se torna definitivo, não mais se fala em decadência (pois o direito do Estado foi tempestivamente exercido), passando-se a contar o prazo prescricional (para propositura da ação de execução fiscal).
A diferenciação pode ser visualizada da seguinte forma:
Conforme será detalhado adiante, o termo inicial do prazo decadencial não é exatamente a data da ocorrência do fato gerador, mas uma data em torno deste momento (via de regra, o primeiro dia do exercício financeiro subsequente). No caso do lançamento por homologação, contudo, o termo inicial pode coincidir com precisão com a data do fato gerador.
Também é importante ressaltar que, na ilustração proposta, supôs-se que o lançamento realizado não foi impugnado, tornando-se definitivo trinta dias após a notificação feita ao sujeito passivo. No caso de impugnação, o prazo prescricional somente iniciaria sua fluência com o fim do processo administrativo fiscal e do prazo fatal para pagamento do tributo.
Pelo que foi analisado, percebe-se que a fluência do prazo decadencial impede o nascimento do crédito tributário. Estranhamente, contudo, o CTN incluiu a decadência entre as formas de extinção do crédito tributário, de forma a acabar por afirmar que a decadência extingue algo que ela própria impediu que nascesse.
Seguindo a já não muito boa sistemática adotada pelo CTN, seria melhor ter incluído a decadência entre as formas de exclusão do crédito tributário, pois a nota fundamental das hipóteses de exclusão é justamente a impossibilidade de constituição do crédito. Entretanto, adotando a enumeração estatuída pelo Código, tratar-se-á a decadência como verdadeira forma de extinção do crédito tributário.
O prazo é de cinco anos. Entretanto, a definição precisa do termo inicial da decadência é o ponto mais controverso e relevante sobre a matéria, existindo quatro diferentes regras estabelecidas no Código Tributário Nacional, conforme relacionado abaixo:
Passa-se ao exame detalhado de cada regra.
A regra geral está prevista no inciso I do art. 173 do CTN, segundo o qual o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
Imagine-se que determinado tributo sujeito a lançamento de ofício teve fato gerador em 1.º de janeiro de 2007. Teoricamente, já no dia 2 de janeiro do mesmo ano seria possível à autoridade fiscal competente efetuar o lançamento. Como a providência já seria possível em 2007, o direito de a Fazenda Pública tomá-la extingue-se após cinco anos, contados a partir de 1.º de janeiro de 2008. Por conseguinte, a decadência estará consumada em 1.º de janeiro de 2013, de forma que o lançamento somente poderia ser realizado até 31 de dezembro de 2012.
A situação pode ser visualizada da seguinte forma:
Percebe-se que a Administração Tributária acaba tendo mais de cinco anos para exercer o direito de constituir o crédito. No exemplo citado, o prazo chega praticamente a seis anos. A parcela da doutrina que tenta explicar porque o prazo para lançar começar a fluir em momento posterior ao que o direito de lançar se torna exercitável aduz que o legislador do CTN quis conferir um prazo razoável para que o Fisco tomasse conhecimento da ocorrência do fato gerador. A linha mestra de tal teoria é que a decadência somente deve atingir aquele que “dorme”, não se considerando em tal situação quem presumidamente não tomou conhecimento do fato que pede uma providência.
O raciocínio, contudo, não é sempre aplicável. No caso das taxas, por exemplo, o fato gerador depende de uma atividade estatal, não sendo razoável imaginar que a Administração Tributária não tome conhecimento imediato da ocorrência de tal fato. Entretanto, como se perceberá ao longo da análise das demais regras, a justificativa é útil por conseguir explicar o motivo da existência de exceções à regra geral.
O parágrafo único do art. 173 do CTN estatui que o direito de lançar se extingue definitivamente com o decurso do prazo de cinco anos, contados da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.
O dispositivo é aplicável nos casos em que, durante o lapso de tempo compreendido entre o fato gerador e o início da fluência do prazo decadencial, a Administração Tributária adota medida preparatória para o lançamento.
O exemplo mais comum é o caso em que, antes de se chegar o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, a Administração Tributária inicia procedimento de fiscalização relativo ao fato.
O procedimento de fiscalização é formalmente deflagrado por meio da lavratura de termo de início. Na data em que o sujeito passivo toma ciência do termo – e, portanto, do início da fiscalização –, inicia-se a contagem do prazo de decadência. Relembre-se que, se não fosse a adoção da providência preparatória para lançamento, a contagem do prazo só seria iniciada a partir do primeiro dia do exercício seguinte. É por conta disto que a regra traz uma hipótese de antecipação da contagem de prazo decadencial.
É pacífico o entendimento segundo o qual a regra do parágrafo único somente tem o condão de antecipar a contagem de prazo, não gerando qualquer efeito sobre a contagem de prazo que já teve sua fluência iniciada. Assim, como é regra em direito, iniciada a contagem do prazo decadencial, nenhum fato posterior terá efeito sobre seu curso. A única exceção é a constante da terceira regra, estudada a seguir.
Esquematicamente, a situação pode ser visualizada da seguinte forma:
Segundo o art. 173, II, do CTN, o direito de proceder ao lançamento extingue-se em cinco anos contados da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
A regra premia o cometimento de ilegalidades na atividade de lançamento, uma vez que estabelece como consequência para a administração que praticou ato viciado a devolução do prazo para que constitua o crédito.
Há de se perceber que a regra somente é aplicável quando o vício que constar do lançamento for de natureza formal (adjetivo), não aproveitando aos casos de vício material (substantivo).
Assim, se o lançamento foi declarado nulo em virtude de cerceamento de defesa do sujeito passivo ou de a autoridade lançadora carecer de competência legal para exercer a atividade, a regra é aplicável, pois o vício não se refere ao conteúdo do ato, mas sim a um aspecto formal. Já no caso em que o lançamento é anulado porque o órgão julgador entendeu que a situação-base considerada como fato gerador do tributo não se enquadra com precisão na hipótese legal de incidência tributária, não tem lugar a regra, pois o vício é material e não formal. Na segunda hipótese, a fraseologia administrativa costuma afirmar que “lançamento é improcedente”.
A maior discussão sobre a regra refere-se à possibilidade de enquadramento como hipótese de interrupção de fluência do prazo decadencial.
Se o prazo para a constituição do crédito já começara a fluir, em virtude de incidência da regra geral, e o lançamento foi efetivado antes de consumada a decadência, teoricamente, as preocupações se voltariam para o prazo de prescrição. Entretanto, se tal lançamento vier a ser anulado, volta a ter importância a decadência, pois a Administração Tributária não está impedida de fazer novo lançamento com a correção dos vícios que macularam o primeiro.
A solução mais óbvia para a situação seria afirmar que a Administração Tributária deveria efetuar o novo lançamento antes de concluído o lapso temporal de cinco anos cuja fluência começara de acordo com a regra geral do art. 173, I, do CTN.
Seria razoável também uma solução intermediária, segundo a qual o tempo decorrido entre a notificação do lançamento viciado e a sua anulação não seria contado para efeito de decadência (criando-se uma causa de suspensão do prazo).
O CTN, contudo, adotou a solução que mais beneficia a Fazenda Pública: a restituição integral do prazo.
Parte da doutrina entende que a regra estatui hipótese de interrupção de prazo decadencial, porque o prazo começara a fluir, e um evento (anulação de lançamento) fez com que o mesmo fosse devolvido. Uma outra corrente doutrinária afirma que não se trata de interrupção de prazo, mas sim de concessão de um novo prazo, totalmente independente do originário.
A distinção não é meramente acadêmica, pois dela decorrem efeitos práticos. Somente se pode interromper um prazo em curso, não sendo possível, perante a lógica, interromper a vida de quem já morreu. Caso se admita que o art. 173, II, do CTN traz causa de interrupção de decadência, deve-se entender que o dispositivo somente pode ser aplicado enquanto o prazo não se esvaiu. O raciocínio não encontra guarida no texto legal, uma vez que o Código faz o reinício do prazo depender apenas da anulação por vício formal de lançamento anteriormente realizado, não estabelecendo prazo para que a regra seja aplicada.
Assim, tendo em vista a redação do art. 173, II, parece mais adequada a conclusão de que o mesmo estipula prazo decadencial autônomo para o caso de anulação por vício formal de lançamento anteriormente realizado e não de interrupção de prazo decadencial.
Apesar do entendimento aqui defendido, no concurso para Procurador Federal realizado em 2004, o CESPE, mesmo após o julgamento dos recursos, considerou errada a seguinte assertiva: “A decadência, em direito tributário, refere-se ao direito de constituir o crédito tributário, não sendo o prazo decadencial sujeito a suspensão ou interrupção”.
Ao que parece, o CESPE adota a primeira corrente, segundo a qual o art. 173, II, traz causa de interrupção de prazo decadencial. Quem segue esta linha também entende que o dispositivo engloba uma causa de suspensão do prazo prescricional, pois o mesmo não fluiria na pendência do processo em que se discute a validade do lançamento feito.
Em virtude da adoção da teoria pelo CESPE, transcrevem-se as palavras de Luciano Amaro que, mesmo criticando o dispositivo, interpreta-o no sentido seguido pela banca:
“O dispositivo comete um dislate. De um lado, ele, a um só tempo, introduz, para o arrepio da doutrina, causa de interrupção e suspensão do prazo decadencial (suspensão porque o prazo não flui na pendência do processo em que se discute a nulidade do lançamento, e interrupção porque o prazo recomeça a correr do início e não da marca já atingida no momento em que ocorreu o lançamento nulo) (...)”.
A título de exemplo, imagine-se que, no dia 22 de maio de 2007, tenha ocorrido o fato gerador de determinada taxa sujeita a lançamento de ofício. Nesta situação, por conta da regra geral, o prazo decadencial começaria a fluir no primeiro dia do exercício seguinte (1.º de janeiro de 2008). Admita-se que, no dia 23 de abril de 2011, um agente público incompetente promova o lançamento do tributo e que, posteriormente, o sujeito passivo impugne o lançamento realizado, resultando na anulação de lançamento em virtude do vício formal decorrente da incompetência da autoridade lançadora. Se a declaração de nulidade se tornar definitiva no dia 20 de novembro de 2013, a partir desta data começará a fluir quinquênio legal para a realização de novo lançamento.
A situação proposta pode ser visualizada da seguinte forma:
Conforme já estudado, o § 4.º do art. 150 do CTN, disciplinando a sistemática do lançamento por homologação, dispõe:
“Art. 150. (...)
(...)
§ 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.
Doutrina esmagadora tem entendido que o passar do prazo para a homologação, sem que esta tenha sido expressamente realizada, não apenas configura homologação tácita, mas também decadência do direito de constituir o crédito tributário relativo a qualquer diferença entre o valor antecipado pelo sujeito passivo e aquele que a Administração Tributária entende devido.
Aqui uma observação é muito importante. Normalmente, o lançamento por homologação não está sujeito à decadência, pois, com o passar do prazo sem providência administrativa, o lançamento se tem por perfeito e acabado. Entretanto, na linha adotada pela doutrina majoritária, é possível perceber que o passar do prazo para a homologação efetivamente extingue o direito de que se lancem diferenças entendidas devidas.
O que decai, na realidade, é o direito de a Administração Tributária lançar de ofício as diferenças apuradas, caso viesse a deixar de “homologar o lançamento”. Entretanto, passado o prazo sem qualquer providência, o lançamento por homologação reputa-se legalmente efetuado.
Seguindo esta linha, o CESPE, no concurso para Advogado da União, realizado em 2002, considerou correta a seguinte assertiva: “A despeito das controvérsias teóricas que cercam os institutos da prescrição e da decadência no direito civil, no direito tributário a doutrina considera que a segunda fulmina o direito de o fisco efetuar o lançamento do tributo; consequentemente, é correto afirmar que a decadência, via de regra, não atinge os chamados lançamentos por homologação”.
É interessante notar que, na sistemática do lançamento por homologação, tem-se o único caso em que o prazo decadencial é contado exatamente da data da ocorrência do fato gerador. Entende-se que não se justificaria esperar um prazo razoável para o início da contagem de prazo (conforme ocorre na regra geral) porque a antecipação do pagamento provoca imediatamente o Estado a verificar sua correção, de forma que a inércia inicial já configura cochilo.
Justamente por isso, tem-se por correto o posicionamento do STJ, no sentido de que a regra do art. 150, § 4.º, não é aplicável nos casos em que o contribuinte não faz, até a data do vencimento, pagamento algum, devendo, neste caso, o prazo decadencial ser contado na forma definida na regra geral prevista no art. 173, I, do CTN.
Assim, se o contribuinte antecipou o pagamento dentro do prazo legal, mesmo que o valor recolhido tenha sido ínfimo, a homologação tácita ocorrerá em cinco anos, contados da data do fato gerador (CTN, art. 150, § 4.º). Se, ao contrário, o contribuinte não antecipou qualquer valor, o prazo para a realização do lançamento de ofício correspondente começará a fluir a partir do primeiro dia do exercício subsequente (CTN, art. 173, I), uma vez que, já no exercício financeiro em que verificada a omissão, seria possível ao Estado constituir o crédito relativo ao tributo não recolhido (STJ, 1.ª Seção, EREsp 101.407/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 07.04.2000, DJ 08.05.2000, p. 53).
Dúvidas poderiam surgir quanto à solução a ser adotada, quando verificada a presença de dolo, fraude ou simulação, pois o § 4.º do art. 150 do CTN apenas excetua tais casos da regra que enuncia, sem, contudo, prever a regra aplicável a eles.
Não obstante algumas controvérsias, sedimentou-se em sede doutrinária o entendimento no sentido de que, na ausência de regra expressa, a contagem do prazo decadencial deveria ser feita de acordo com a regra geral do art. 173, I, do CTN.
A solução é a mais consentânea com o espírito do CTN, pois além do argumento irretocável da aplicabilidade da regra geral na ausência de regra específica, há de se ressaltar que a existência de dolo, fraude ou simulação gera dificuldades para que o Fisco descubra a realidade dos fatos, o que, nos termos já analisados, deve levar à concessão de um prazo razoável para o começo da contagem do prazo decadencial, como ocorre, conforme analisado, na regra geral constante do art. 173, I, do Código. Ademais, a descoberta do ilícito deve ter por consectário um procedimento que culmine com um lançamento de ofício, o qual se submete, no tocante ao prazo decadencial, à multicitada regra geral.
Em resumo, seguindo a doutrina majoritária, o termo inicial do prazo decadencial, na sistemática do lançamento por homologação, pode ser facilmente identificado por meio do seguinte esquema:
A partir de 1995, o STJ passou a adotar um entendimento que possuía o efeito de ampliar o prazo para que a Fazenda Pública constitua créditos tributários relativos a diferenças apuradas na sistemática do lançamento por homologação (REsp 58.918/RJ). Tratava-se da famosa tese dos cinco mais cinco, que, até o advento da LC 118/2005, possuía uma tese homônima referente ao prazo para que o sujeito passivo pleiteasse restituição de valores pagos a título de tributo na sistemática do lançamento por homologação.
A tese era engenhosa e decorria do entendimento de que as regras relativas à decadência do direito de lançar eram exclusivamente aquelas constantes do caput, alíneas e parágrafo único do art. 173 do CTN. Nessa linha, a regra relativa ao prazo para homologação (CTN, art. 150, § 4.º) deveria ser complementada pela constante do art. 173, I, do mesmo Código.
Por conseguinte, a decadência somente se verificaria com o decurso de cinco anos, contados do exercício seguinte àquele em que se extinguiu o direito potestativo que possui o Estado para rever o lançamento.
Um exemplo ajuda na compreensão da tese.
Suponha-se que o fato gerador de um tributo sujeito a lançamento por homologação ocorra no dia 16 de março de 2006 e que o respectivo sujeito passivo, descumprindo a legislação aplicável, não realize qualquer pagamento até a data do vencimento. O prazo para “homologação” seria de cinco anos contados do fato gerador, expirando-se no dia 16 de março de 2011 (aplicação do art. 150, § 4.º, do CTN). Como no último dia do prazo a Administração Tributária poderia deixar de “homologar o lançamento” e constituir o crédito correspondente, o prazo para lançar de ofício seria de cinco anos, contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte (1.º de janeiro de 2012). Nessa linha, a decadência somente ocorreria no dia 1.º de janeiro de 2017.
A situação pode ser visualizada da seguinte forma:
Pelo entendimento, quando o CTN afirmou que o prazo decadencial seria contado “do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado” (art. 173, I), teria tomado como referência a data até a qual o lançamento poderia ser homologado.
A tese é, no mínimo, curiosa, pois fala em homologação quando o sujeito passivo não realizou qualquer pagamento sobre o qual tal atividade administrativa pudesse incidir, o que, por si só, já demonstraria sua incongruência com a essência da sistemática.
Pela peculiaridade do entendimento, transcreve-se o seguinte excerto, da lavra do STJ:
“(...). À luz do CTN esta Corte desenvolveu entendimento no sentido de computar, a partir do fato gerador, prazo decadencial de cinco anos e, após, mesmo não se sabendo qual a data da homologação do lançamento, se este não ultrapassou o quinquídio, computar mais cinco anos. Surgiu assim a contagem do cinco mais cinco, merecendo adesão majoritária” (STJ, 2.ª T., AgRgREsp 251.831/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 11.09.2001, DJ 18.02.2002).
Em provas objetivas de concurso público, a tese não tem sido cobrada. Contudo, é necessário conhecê-la, principalmente para citação em provas subjetivas.
Nos julgados mais recentes, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado um entendimento mais consentâneo com o caminho apontado pela doutrina majoritária, nos termos explanados nesta obra. Resumidamente, na linha hoje seguida pela Corte, o prazo decadencial, na sistemática do lançamento por homologação, obedece às seguintes regras:
a) se o tributo não foi declarado nem pago, o termo inicial do prazo decadencial é o primeiro dia do exercício seguinte (aplicação do art. 173, I do CTN);
A regra decorre de algo já detalhado anteriormente, não trazendo qualquer novidade. A homologação incide sobre o pagamento. Não havendo pagamento nem declaração de débito, não há o que homologar, devendo, por conseguinte, ser utilizada a regra geral de contagem do prazo decadencial para efeito de realização de lançamento de ofício.
Esse era o caso clássico a que o STJ aplicava a tese dos cinco mais cinco, entendendo que terminado o prazo de cinco anos contados da data do fato gerador, haveria homologação tácita e, a partir do primeiro dia do exercício seguinte, deveria ser iniciada a contagem do prazo decadencial. Combinavam-se os arts. 173, I e 150, § 4.º do CTN, o que, agora, parece definitivamente sepultado.
Há de se advertir, contudo, aos eventuais candidatos a cargos de representação judicial da Fazenda Pública que, se a banca examinadora, em prova subjetiva, propuser situação em que o único argumento viável para evitar a decadência seja a tese dos “cinco mais cinco”, essa deve ser invocada, inclusive com o reforço argumentativo de que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu dessa forma.
b) se foi realizado um pagamento, a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos, contados da data do fato gerador, para homologar tal pagamento expressamente ou realizar eventual lançamento suplementar (de ofício), caso contrário, ocorrerá homologação tácita e o crédito estará definitivamente extinto (aplicação pura e simples do art. 150, § 4.º do CTN).
Também aqui não mais é possível a invocação da tese dos “cinco mais cinco”, apesar de existir precedente (hoje superado) do Superior Tribunal de Justiça admitindo, mesmo nessa hipótese, a absurda forma de contagem (Resp 463.521-PR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ de 19.05.2003).
Valem aqui as mesmas advertências feitas no item anterior aos eventuais candidatos a cargos de representação judicial da Fazenda Pública.
c) se o tributo foi declarado e não pago, não há que se falar em decadência, pois o crédito tributário estará constituído pela própria declaração de débito do contribuinte, sendo possível a imediata inscrição em dívida ativa e posterior ajuizamento da ação de execução fiscal (a preocupação passa, portanto, a ser com o prazo prescricional, contado a partir do vencimento do prazo para pagamento)
Esse caso merece um maior detalhamento. Sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça, contrariando entendimento de boa parte da doutrina, entendeu que se o contribuinte elabora as declarações informando débitos não pagos e a lei prevê tal situação como confissão de débito com efeito constitutivo do crédito tributário (como a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF – ou as Guias de Informação e Apuração ICMS – GIA), não há que se falar em decadência (AgRg nos EAg 670.326/PR). Nas decisões mais recentes, o STJ acabou por estender o raciocínio para todas as declarações tributárias existentes na sistemática do lançamento por homologação (AgRg no Ag 884.833/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 07.11.2007). Atualmente, a tese adotada encontra-se cristalizada na Súmula STJ 436, cujo teor é o seguinte: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”.
Em face do exposto, é lídimo afirmar que, na sistemática do lançamento por homologação, havendo declaração de débito sem o correspondente pagamento, na data do vencimento, serão verificados quatro efeitos:
– início da contagem do prazo prescricional;
– possibilidade de imediata inscrição do declarante em dívida ativa;
– impossibilidade de o declarante gozar dos benefícios da denúncia espontânea (Súmula STJ 360);
– legitimidade da recusa de expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa (Súmula STJ 446).
Na realidade, os quatro efeitos configuram meras consequências de se considerar definitivamente constituído o crédito tributário. Assim: a) o prazo prescricional começa a fluir porque seu termo inicial é a constituição definitiva do crédito (CTN, art. 174); b) não havendo mais prazo para que se faça o pagamento, deve ser providenciada a inscrição em dívida ativa (CTN, art. 201); c) se já há crédito, não é cabível denúncia espontânea, pois como esta é afastada pelo início de qualquer procedimento relacionado com a infração (CTN, art. 138, parágrafo único), também o será – e ainda com mais razão – quando o crédito tributário já estiver definitivamente constituído; d) se há crédito, a certidão é positiva, não gozando dos efeitos de negativa por não restar configurada qualquer das hipóteses constantes do art. 206 do CTN.
Pela profunda importância do julgado objeto de análise, transcrevem-se abaixo as pedagógicas palavras da Corte, constantes da respectiva Ementa (REsp 850.423-SP, Rel. Min. Castro Meira, j. 28.11.2007):
“TRIBUTÁRIO. ARTIGO 535. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESACOMPANHADA DE PAGAMENTO. PRESCRIÇÃO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA.
(...)
2. Tratando-se de tributos sujeitos a lançamento por homologação, ocorrendo a declaração do contribuinte desacompanhada do seu pagamento no vencimento, não se aguarda o decurso do prazo decadencial para o lançamento. A declaração do contribuinte elide a necessidade da constituição formal do crédito, podendo este ser imediatamente inscrito em dívida ativa, tornando-se exigível, independentemente de qualquer procedimento administrativo ou de notificação ao contribuinte.
3. O termo inicial da prescrição, em caso de tributo declarado e não pago, não se inicia da declaração, mas da data estabelecida como vencimento para o pagamento da obrigação tributária declarada.
4. A Primeira Seção pacificou o entendimento no sentido de não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente. Precedentes.
5. Não configurado o benefício da denúncia espontânea, é devida a inclusão da multa, que deve incidir sobre os créditos tributários não prescritos.
(...)”.
O art. 45 da Lei 8.212/1991 estipula um prazo decadencial de dez anos para a realização do lançamento das contribuições para financiamento da seguridade social.
Desde a primeira edição desta obra, sustentou-se que a regra era de constitucionalidade extremamente duvidosa, uma vez que a matéria relativa à prescrição e decadência tributárias se encontra sob reserva constitucional de lei complementar (CF, art. 146, III, b).
No final do ano de 2007, o Superior Tribunal de Justiça acolheu a tese, afirmando expressamente que o art. 45 da Lei 8.212/1991 é formalmente inconstitucional. Pela extrema relevância do Acórdão, transcreve-se sua Ementa (grifou-se):
“CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 45 DA LEI 8.212, DE 1991. OFENSA AO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO.
1. As contribuições sociais, inclusive as destinadas a financiar a seguridade social (CF, art. 195), têm, no regime da Constituição de 1988, natureza tributária. Por isso mesmo, aplica-se também a elas o disposto no art. 146, III, b, da Constituição, segundo o qual cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria de prescrição e decadência tributárias, compreendida nessa cláusula inclusive a fixação dos respectivos prazos. Consequentemente, padece de inconstitucionalidade formal o artigo 45 da Lei 8.212, de 1991, que fixou em dez anos o prazo de decadência para o lançamento das contribuições sociais devidas à Previdência Social.
2. Arguição de inconstitucionalidade julgada procedente” (AI no REsp 616.348, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 15.10.2007).
Finalmente, em 2008, o Supremo Tribunal Federal resolveu definitivamente as controvérsias sobre a matéria, quando, em casos concretos que lhe foram submetidos (RREE 556.664, 559.882, 560.626 e 559.943), encampou a mesma tese esposada pelo STJ, editando a Súmula Vinculante 8, cujo teor é o seguinte:
STF – Súmula Vinculante 8 – “São inconstitucionais o parágrafo único do art. 5.º do Decreto-lei n. 1.599/1977 e os arts. 45 e 46 da Lei n. 8.212/1991”.
Os efeitos temporais do enunciado foram modulados, de forma que os sujeitos passivos que pagaram as contribuições sem contestá-las ou sem posteriormente formularem pedidos de restituição antes da edição da Súmula Vinculante 8, não mais poderão formulá-los.
Diante do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional aproveitou a edição da Lei Complementar 128/2008 e expressamente revogou o citado art. 45 da Lei 8.212/1991, bem como o art. 46, que, padecendo exatamente do mesmo vício, dobrava os prazos de prescrição para as contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social (LC 128/2008, art. 13, I, “a”).
Opera-se a prescrição quando a Fazenda Pública não propõe, no prazo legalmente estipulado, a ação de execução fiscal para obter a satisfação coativa do crédito tributário.
Segundo o art. 174 do CTN, o prazo de prescrição é de cinco anos, iniciando sua contagem da data da constituição definitiva do crédito tributário.
Quando o sujeito passivo é notificado do lançamento, o crédito tributário está constituído não havendo mais que se falar em decadência (salvo se o lançamento vier a ser anulado). Como o Fisco exerceu seu direito, não mais pode ser atingido por um instituto que faz perecer os direitos dos inertes.
Em face das garantias do contraditório e da ampla defesa, é possível que o sujeito passivo impugne o lançamento realizado, instaurando um litígio e inaugurando a fase contenciosa do lançamento, o que, conforme se deduz do art. 145, I, do CTN, pode gerar uma alteração do próprio lançamento realizado.
Pode-se afirmar, portanto, que, com a notificação, o crédito está constituído, mas não que ele está definitivamente constituído. Por conseguinte, tem-se uma situação em que não se conta decadência – porque a Administração já exerceu seu direito – nem prescrição por conta da ausência de definitividade do lançamento efetuado.
Não havendo pagamento ou impugnação ou, em havendo esta, concluído o processo administrativo fiscal e ultrapassado o prazo para pagamento do crédito tributário sem que o mesmo tenha sido realizado, começa a fluir o prazo prescricional.
Também no que concerne à prescrição, a Lei 8.212/1991 tentou dobrar o prazo previsto no CTN. No art. 46 da Lei, afirma-se que “o direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos”. Valem para o dispositivo os mesmos comentários feitos no tópico relativo ao prazo de decadência no lançamento por homologação (item 9.1.5.4), principalmente no que concerne à inconstitucionalidade decorrente da invasão de competência reservada à lei complementar. Nessa linha, com a edição, pelo STF, da Súmula Vinculante 8, tem-se por definitivamente afastada do ordenamento jurídico brasileiro a aplicabilidade do prazo dobrado previsto pelo citado dispositivo legal. Conforme ressaltado anteriormente, diante do posicionamento do STF, o Parlamento optou por revogar expressamente o dispositivo (LC 128/2008, art. 13, I, “a”).
Foi também a reserva de lei complementar que fundamentou a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição do Estado de Santa Catarina que determinava o arquivamento de processo administrativo tributário sem a possibilidade de revisão ou renovação do lançamento, quando as impugnações e os recursos eventualmente interpostos não fossem julgados dentro do prazo determinado por lei (até a promulgação da lei reclamada pelo dispositivo, seria aplicado o prazo de 12 meses, previsto no ADCT). O STF entendeu que a norma estatuía caso de prescrição intercorrente no curso do processo administrativo fiscal, sem qualquer previsão no CTN ou em outra lei complementar nacional, sendo, por conseguinte, inconstitucional (STF, Tribunal Pleno, ADI 124/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 01.08.2008, DJe 17.04.2009, p. 11).
Existem situações estritamente definidas em lei em que o prazo prescricional é integralmente devolvido à pessoa que seria prejudicada pela sua consumação. Trata-se dos casos de interrupção do prazo prescricional, normalmente configurando hipóteses em que o interessado age na busca da satisfação do seu direito, demonstrando não estar em situação de inércia.
Os casos de interrupção do prazo prescricional estão enumerados no art. 174 do CTN da seguinte forma:
“Art. 174. (...)
(...)
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor”.
Nos três primeiros casos, a interrupção ocorre em decorrência de ato praticado na seara judicial. Somente na última hipótese (confissão de dívida) aparece a expressão “ainda que extrajudicial”, possibilitando a interrupção na seara administrativa.
A última hipótese também merece um destaque especial por configurar a única situação de interrupção que pode decorrer de iniciativa do próprio devedor, pois, conforme se pode verificar em todos os demais casos, a interrupção decorre de ato em que o credor manifesta sua intenção de receber o crédito, demonstrando não estar inerte.
O dispositivo que hoje prevê a interrupção do prazo prescricional “pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal” tem sua atual redação dada pela Lei Complementar 118/2005. Até então, o CTN previa que a interrupção ocorreria “pela citação pessoal feita ao devedor”.
A redação anterior criava um conflito com o art. 8.º, § 2.º, da Lei 6.830/1980 (Lei das Execuções Fiscais), em cuja redação se afirmava que “o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”. O Superior Tribunal de Justiça entendia que, em se tratando de execuções fiscais da dívida ativa de natureza tributária, o dispositivo não poderia ser aplicado, uma vez a Lei das Execuções Fiscais é ordinária e, quando da sua edição (1980), o CTN já possuía status de lei complementar (STJ, 1.ª T., AgRg REsp 323.442/SP, Rel. Min. José Delgado, j. 16.08.2001, DJ 24.09.2001, p. 248).
A prevalência da redação anterior do CTN possibilitava ao devedor fugir à citação pessoal, de forma a manter artificiosamente a fluência do prazo prescricional. Tal situação era por demais injusta para a Fazenda Pública que, mesmo agindo (propondo a ação de execução fiscal), poderia ver seu direito perecer por algo que lhe é alheio (a fuga do devedor).
É relevante ressaltar que, seguindo a mesma diretriz – evitar que a Fazenda seja prejudicada por demora que não lhe pode ser imputada –, o STJ entende que “o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional” (REsp 1.120.295-SP). Em termos menos congestionados, o que a Fazenda tem a obrigação de realizar dentro do prazo prescricional é o ajuizamento da ação de execução fiscal, sendo incompatível com o bom senso imaginar a possibilidade de a Fazenda promover ajuizamento tempestivo e o juiz decretar a prescrição em virturde de ele mesmo ter ordenado a citação do executado após o prazo prescricional.
O raciocínio, além de decorrer de imperativo de lógica, é também fundamentado da interpretação conjunta do art. 174, parágrafo único, I, do CTN (ora analisado) com o art. 219, § 1.º, do Código de Processo Civil, no qual expressamente se afirma que “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
O protesto judicial e a adoção de atos que constituam em mora o devedor não são, na prática, meios utilizados pela Fazenda Pública para manifestar seu interesse em receber o montante objeto de lançamento. A medida tomada no caso de inadimplência é logo o ajuizamento da ação de execução fiscal.
É importante saber, contudo, que qualquer medida judicial adotada pelo credor, demonstrando que não está inerte e que deseja receber o valor lançado, constituirá em mora o devedor, restituindo ao credor o prazo prescricional na sua integralidade. Estão incluídas na regra, além dos protestos judiciais (citados redundantemente no inciso II, pois já alcançados pelo genérico inciso III), as interpelações e notificações judiciais, bem como os arrestos e demais medidas cautelares.
A quarta hipótese de interrupção do prazo prescricional dá-se “por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor”.
Conforme comentado anteriormente, essa hipótese possui duas peculiaridades importantes: é a única que pode ocorrer extrajudicialmente e a única que pode se verificar por iniciativa do devedor.
Os casos mais comuns de verificação concreta da hipótese ocorrem no pedido de parcelamento e no de compensação do débito, pois quem solicita tais providências demonstra concordar com a existência do débito, de forma que, mesmo sem que o credor envide esforços concretos para a satisfação do seu crédito, terá o prazo integralmente restituído.
Curiosamente, com a formulação do pedido de parcelamento do débito, ocorre a interrupção do prazo prescricional; com o deferimento do pedido, a exigibilidade do crédito estará suspensa, o que, conforme se verá no item a seguir, também suspenderá o prazo de prescrição. Assim, a Fazenda Pública, além de contar com a devolução integral do prazo (decorrência da interrupção), também terá, caso deferido o pleito, a paralisação da fluência do prazo que lhe foi devolvido (consequência da suspensão). Na prática, somente na hipótese de descumprimento do parcelamento, o prazo prescricional volta a fluir, tendo como novo termo inicial o dia em que o devedor deixar de adimplir o acordo celebrado (Súmula 248 do extinto TFR).
Apesar de demonstrar concordância com o débito objeto de confissão, nada impede a formulação posterior de pedido de restituição, pois a restituição de valores indevidamente recolhidos deve ser feita “independentemente de prévio protesto” (CTN, art. 165), sendo irrelevante, para efeito de restituição, o estado de espírito ou as razões íntimas do devedor no momento do pagamento.
No subitem anterior, afirmou-se que, ocorrida uma causa de interrupção do prazo de prescrição, este é integralmente devolvido ao credor. Trata-se de um fenômeno instantâneo, de forma que o prazo é interrompido e, logo após, volta a fluir pelo seu total.
Nos casos de suspensão, o prazo fica sem fluir durante o tempo em que durar a respectiva causa e, cessada esta, volta ao seu curso apenas pelo que lhe faltava.
Assim, se um prazo de cinco anos flui até atingir três anos e é interrompido, o mesmo volta imediatamente ao seu curso pelo total, de forma que restarão ao interessado os mesmos cinco anos iniciais. Se houver suspensão no final do terceiro ano, o prazo para de fluir e, cessada a causa suspensiva, volta ao seu curso pelos dois anos restantes.
O CTN não prevê expressamente as hipóteses de suspensão da fluência do prazo prescricional. Entretanto, conforme já foi estudado, em face da regra prevista no parágrafo único do art. 155 do Código, durante o tempo decorrido entre a concessão de moratória em caráter individual obtida de maneira fraudulenta e a sua “revogação” (o correto seria anulação), não corre a prescrição. É lícito afirmar, portanto, que ocorreu a suspensão do prazo prescricional no período.
Como já analisado, a regra do art. 155, parágrafo único, é aplicável também ao parcelamento, à remissão, à isenção e à anistia obtidos em caráter individual com base em procedimento fraudulento. Assim, ocorre suspensão do prazo prescricional em todos esses casos.
Além dessas hipóteses, tem-se entendido que, em todos os casos em que a exigibilidade do crédito tributário está suspensa (CTN, art. 151), também estará suspenso o respectivo prazo prescricional. O raciocínio decorre do simples fato de que a prescrição não pode punir o credor que não age porque está legalmente impedido de fazê-lo. Ora, não se pode continuar a contagem de um prazo para que a Fazenda Pública tome uma providência que está legalmente proibida de tomar (promover ação de execução fiscal).
Apesar de não estar expressa no Código Tributário Nacional, a regra é cobrada em provas de concurso público, conforme demonstra a seguinte assertiva, proposta pelo CESPE no certame para provimento do cargo de Procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, realizado em 2007: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Constitui hipótese de suspensão da prescrição a concessão de medida liminar em mandado de segurança” (correta).
Já o art. 2.º, § 3.º, da Lei 6.830/1980 (Lei das Execuções Fiscais), prevê que a inscrição do crédito tributário em dívida ativa “suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo”.
Assim, se a Fazenda Pública, poucos dias antes da consumação da prescrição, inscreve o débito em dívida ativa (providência necessária à execução), terá bastante tempo disponível para evitar a consumação do prazo. O motivo é bem simples. A Fazenda passa a ter um acréscimo de cento e oitenta dias no tempo disponível para ajuizar a ação. Com a distribuição da execução fiscal, o prazo volta a fluir, mas logo a seguir, com o despacho do juiz ordenando a citação, haverá a interrupção prevista no art. 174 do CTN, de forma que o prazo de cinco anos será integralmente restituído.
No âmbito do STJ, contudo, tem-se entendido que a LEF não poderia estipular causa de suspensão do prazo prescricional não prevista no CTN (que tem status de lei complementar), de forma que a previsão não poderia ser aplicada para as execuções fiscais da dívida ativa de natureza tributária (STJ, 1.ª T., REsp 249.262/DF, Rel. Min. José Delgado, j. 18.05.2000, DJU 19.06.2000, p. 120).
Não obstante a jurisprudência, as bancas (principalmente a ESAF) continuam cobrando a regra. As questões são elaboradas de maneira blindada, normalmente citando a própria lei (Segundo a Lei das Execuções Fiscais...). Neste caso, como nos semelhantes, devem ser consideradas corretas as questões que transcreverem a lei. Entretanto, é importante conhecer a jurisprudência, dada a possibilidade de cobrança nas provas com maior grau de exigência.
Por fim, a Lei das Execuções Fiscais, no seu art. 40, trouxe mais um caso de suspensão do prazo prescricional. Pela peculiaridade da previsão, transcreve-se o dispositivo:
“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1.º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2.º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3.º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução”.
Como o § 3.º afirma que se os bens forem encontrados “a qualquer tempo”, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução, as Fazendas Públicas defendiam que, na situação, o prazo prescricional estaria suspenso por prazo indefinido. Se a tese fosse adotada, estaria institucionalizado um inusitado caso de imprescritibilidade em matéria tributária.
Todavia, novamente mantendo sua coerência com relação à matéria de prescrição, o STJ tratou de afastar a tese fiscal. Neste sentido, é extremamente pedagógico o seguinte fragmento (AGREsp 323.442/SP):
“O art. 40 da Lei 6.830/1980, nos termos em que foi admitido em nosso ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174, do Código Tributário Nacional. 4. Repugna aos princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. 5. Após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via de prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes. 6. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do art. 40 da Lei 6.830/1980. Há de ser sempre lembrado que o art. 174 do CTN tem natureza de Lei Complementar”.
Atualmente o art. 40 da LEF conta com mais um parágrafo, incluído pela Lei 11.501/2004. O novo dispositivo acaba com qualquer pretensão no sentido de se entender que a regra prevista no art. 40 cria caso de imprescritibilidade. É a seguinte a redação do dispositivo:
“Art. 40. (...)
§ 4.º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato”.
O dispositivo deixa claro que, após a ordem de arquivamento, não mais se pode afirmar que o prazo prescricional ficará suspenso indefinidamente, podendo o magistrado – e aí é a grande novidade – decretar de ofício a prescrição intercorrente. O STJ não demorou a analisar a matéria e prolatou acórdão cuja ementa ficou assim redigida:
“A jurisprudência do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição intercorrente em matéria tributária não podia ser decretada de ofício.
2 – O atual § 4.º do art. 40 da LEF (Lei 6.830/1980), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6.º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso.
(...)” (STJ, 1.ª T., REsp 735.220/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03.05.2005, DJ 16.05.2005, p. 270).
Não obstante a decisão, há de se perceber que, de uma maneira um tanto quanto incoerente com a tese de que a matéria relativa à prescrição tributária está reservada à lei complementar, admitiu-se como aplicável a suspensão do prazo prescricional por um ano, enquanto estiver suspenso o curso do processo de execução em virtude de não serem encontrados o devedor ou bens sobre os quais possa recair a penhora.
No que concerne à possibilidade de decretação de ofício da prescrição por parte do juiz, não há qualquer vício formal na disciplina mediante lei ordinária, pois a regra não definiu prazos prescricionais, sua maneira de contagem ou seus termos iniciais ou finais. Apenas se concedeu ao juiz um poder, numa norma tipicamente processual civil. Registre-se, por oportuno, que o art. 53 da Medida Provisória 11.941/2009 permitiu o reconhecimento de ofício da prescrição tributária pela própria autoridade administrativa, o que configura uma medida salutar para evitar a propositura de ações de execução fiscal intempestivas e tendentes a gerar prejuízos para a própria Fazenda exequente.
Segundo o STJ, os arts. 40 da LEF e 174 do CTN podem – e devem – ser interpretados harmonicamente (REsp 194.296/SC), o que levou o Tribunal a editar a Súmula 314, cuja redação é a seguinte: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”.
Por fim, há de se recordar que é da natureza da prescrição prejudicar aqueles que se quedam inertes e não tomam as providências para o exercício de seus direitos, não sendo razoáveis interpretações que reconheçam a prescrição quando a paralisação de um processo de execução decorre de determinação da própria autoridade judicial (perante a qual tramita uma ação anulatória, por exemplo) ou de ato do executado (interposição de embargos, por exemplo). Assim, pode-se afirmar genericamente que suspendem a prescrição no curso do processo de execução (daí a terminologia “prescrição intercorrente”) os atos e fatos não imputáveis ao exequente que ensejem a suspensão da própria pretensão executiva.
Em face de tudo o que foi exposto, como resumo, pode-se afirmar que suspendem a fluência do prazo prescricional:
a) a concessão de moratória, parcelamento, remissão, isenção e anistia em caráter individual e mediante procedimento fraudulento do beneficiário (nestes casos o prazo ficará suspenso até a “revogação” do favor);
b) as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas no art. 151 do CTN (nestes casos a suspensão durará até que o crédito volte a ser exigível);
c) a inscrição do crédito tributário em dívida ativa (a suspensão durará 180 dias ou até a distribuição da ação de execução fiscal, se esta ocorrer primeiro);
d) a ordem judicial suspendendo o curso da execução fiscal, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (neste caso a suspensão deve durar um ano, após o qual o processo será arquivado e o prazo para prescrição intercorrente voltará a fluir do seu início).
e) os demais atos e fatos não imputáveis ao exequente que ensejem a suspensão da própria pretensão executiva.
A moratória e o parcelamento aparecem como causas de suspensão tanto na letra a como na b. A alínea b é mais ampla e poderia levar à conclusão de que a concessão de moratória sempre suspenderia a exigibilidade do crédito tributário, não sendo necessária a análise da utilização de procedimentos fraudulentos para a sua obtenção. Entretanto, há de se recordar que, segundo lição basilar de direito administrativo, os atos administrativos nulos não geram efeitos, salvo quanto a terceiros de boa-fé. Assim, aplicando a teoria à risca, a moratória obtida de maneira fraudulenta não geraria qualquer efeito, nem mesmo o de suspender o prazo prescricional.
Daí a necessidade de se estipular expressamente que, mesmo se verificando que a concessão de moratória em caráter individual foi um ato administrativo nulo, um efeito seu permanecerá, qual seja o de suspender o prazo prescricional.
Conforme já analisado, o sujeito passivo que discorda de lançamento efetuado pode decidir por contestá-lo judicial ou administrativamente.
Caso opte pela via judicial, é conveniente que adote alguma medida que suspenda a exigibilidade do crédito tributário contestado, pois, caso contrário, não haverá impedimento para que a Fazenda Pública proponha a ação de execução fiscal, constrangendo-lhe o patrimônio. A alternativa mais viável no caso é o depósito do montante integral.
Se optar pela via administrativa, já conseguirá a suspensão da exigibilidade mediante o manejo das reclamações e recursos previstos na lei respectiva. Entretanto, pode ser conveniente a realização do depósito para evitar a fluência dos juros de mora.
Em qualquer caso, não obtendo sucesso no litígio instaurado, a importância depositada será convertida em renda da Fazenda Pública interessada, de forma que o crédito tributário respectivo será extinto.
A conversão do depósito em renda é modalidade de extinção do crédito tributário necessariamente ligada à existência de um depósito anteriormente realizado.
Além do caso da realização de depósito com o objetivo de suspender a exigibilidade do crédito tributário e/ou a fluência dos juros de mora, também existe a possibilidade de conversão em renda de depósito realizado em sede de ação de consignação em pagamento. Como será visto adiante, nesta espécie de ação o sujeito passivo deposita o montante que entende devido e não o exigido pela Fazenda Pública, sendo possível que a conversão em renda extinga apenas parcialmente o crédito tributário, devendo a diferença ser cobrada com os acréscimos legais.
Consoante analisado, na sistemática do lançamento por homologação, o sujeito passivo calcula o montante do tributo devido, antecipa o pagamento e fica no aguardo da homologação do seu proceder pela autoridade administrativa.
Segundo o § 1.º do art. 150 do CTN, o pagamento antecipado extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
Assim, pode-se afirmar que o crédito tributário objeto de lançamento por homologação somente se poderá considerar definitivamente extinto quando a autoridade administrativa competente homologar a atividade do sujeito passivo ou – usando as infelizes palavras do § 1.º do art. 150 e do inciso VII do art. 156, ambos do CTN – quando houver “homologação do lançamento”.
Relembre-se, entretanto, que, após o advento da Lei Complementar 118/2005, para o exclusivo efeito de definição do termo inicial do prazo para pleitear restituição, considera-se extinto o crédito tributário, também na sistemática do lançamento por homologação, na data do pagamento.
A ação de consignação em pagamento é o meio processual adequado para que o sujeito passivo exerça o seu direito de pagar e obter a quitação do tributo, quando tal providência está sendo obstada por fato imputável ao credor.
Pode parecer estranho se falar em direito de pagar, quando normalmente se falaria em dever. Há de se recordar, contudo, que o sujeito passivo tem legítimo interesse em proceder ao pagamento tempestivamente, uma vez que os efeitos da mora em direito tributário são automáticos, fazendo com que o adimplemento extemporâneo tenha como consectário a incidência de juros e multa.
No art. 164 do CTN, estão estabelecidas as regras relativas à utilização da consignação em pagamento em matéria tributária. A redação do dispositivo é a seguinte:
“Art. 164. A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:
I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal;
III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.
§ 1.º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar.
§ 2.º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consignada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis”.
A primeira observação relevante é que o consignante deposita o valor que entende devido e não aquele exigido pelo Fisco. Essa é uma distinção fundamental entre o depósito do montante integral, causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e o depósito feito a título de consignação em pagamento, cujo julgamento pela procedência é causa de extinção do crédito tributário.
O particular que deposita o montante integral exigido pelo Fisco vai discutir judicial ou administrativamente o crédito tributário. Tem ele a esperança de, logrando sucesso no litígio, levantar o valor depositado. Já no caso da consignação em pagamento, em consonância com o § 1.º do dispositivo acima transcrito, o consignante se propõe a pagar determinado montante e o deposita, não importando qual o valor que o Fisco entende devido. Neste sentido é a jurisprudência do STJ (STJ, 2.ª T., REsp 26.156, rel. Min. Américo Luz, j. 17.10.1994, DJU 07.11.1994, p. 30.014).
As hipóteses podem ser visualizadas da seguinte forma:
É por conta da diferença apontada que, ao fim da discussão que sucede ao depósito do montante integral, caso haja insucesso do depositante, o crédito tributário será extinto na sua integralidade, não havendo diferença a ser cobrada, pois o valor depositado era o exigido pelo Fisco. Já na consignação em pagamento, caso haja insucesso do particular, o pagamento não se reputa efetuado, tendo o particular de arcar com os acréscimos legais relativos à diferença.
No que concerne aos acréscimos legais, a literalidade do § 2.º acima transcrito causa a impressão de que os juros e multas incidirão sobre o valor total do débito. Esta, entretanto, não é a interpretação mais justa, como se passa a demonstrar.
Suponha-se, a título de exemplo, que determinado contribuinte consigne em pagamento o montante de dez mil reais. Ao final do processo a decisão judicial julga parcialmente improcedente o pedido formulado, afirmando que o montante devido é de quinze mil reais. Se fosse seguido à risca o entendimento decorrente da literalidade, haveria cobrança de juros sobre o valor total do crédito tributário (quinze mil reais). A solução é por demais injusta, pois aquele que deposita um valor entendendo-o indevido, partindo para uma discussão (depósito do montante integral), não pode ser tratado de maneira melhor do que o particular que quer pagar determinado valor, reconhecendo-o devido.
Por tudo, a interpretação correta do dispositivo é no sentido de que se a consignação foi julgada improcedente em parte, em virtude de o valor consignado ter sido considerado insuficiente para a total extinção do crédito, o autor terá de pagar juros e multa apenas sobre a diferença entre o valor consignado e aquele que, ao final, foi considerado devido.
Analisados os aspectos gerais sobre a matéria, passa-se ao estudo das hipóteses de consignação expressamente previstas no Código Tributário Nacional.
A primeira hipótese prevista no CTN é a da recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória.
Imagine-se, por exemplo, que determinado particular deseja alienar um apartamento e precisa, para tanto, apresentar certidão negativa de débito de IPTU, taxas e contribuições de melhoria relativas ao imóvel. Comparecendo à Secretaria de Finanças do Município, é informado de que possui débitos de IPTU relativos ao imóvel que quer alienar e a outros dois. Como o objetivo é alienar o imóvel específico, o particular tenta pagar o débito a tal unidade, sendo informado por um servidor que o pagamento somente poderá ser realizado se abranger todos os débitos de IPTU em que o interessado figure como sujeito passivo.
A exigência do servidor é ilegal. O particular tem o direito de quitar o crédito tributário que quiser. É o caso de utilização da consignação em pagamento.
Apesar de o dispositivo referir-se à subordinação do recebimento ao pagamento de outro tributo ou penalidade, também é cabível o manejo da ação de consignação em pagamento no caso de subordinação do recebimento ao pagamento de juros e correção monetária. O STJ já chegou a afirmar que esta hipótese é típica de utilização da ação (REsp 55.911/SP).
A segunda hipótese apontada pelo Código é a da subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal.
Se os procedimentos burocráticos exigidos pela Administração para recebimento do pagamento (preenchimento de requerimentos ou formulários, obtenção de vistos ou quaisquer outros) não têm fundamento legal, o caso é de consignação em pagamento.
Se as exigências têm fundamento legal, devem ser cumpridas, não sendo caso de manejo da ação. Assim, se a legislação estipula que o pagamento deve ser feito em agência bancária e mediante o preenchimento de determinada guia, há fundamento legal para a exigência administrativa, devendo ser negada a possibilidade de o contribuinte quitar o crédito mediante entrega de dinheiro a servidor na repartição.
A terceira hipótese é a da exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.
O dispositivo trata da “tentativa de bitributação”, que pode ser verificada, por exemplo, no caso de dois Municípios limítrofes notificarem o mesmo contribuinte para pagar IPTU sobre o mesmo imóvel. O particular pode ajuizar a ação de consignação em pagamento, requerendo a citação dos dois Municípios, para que estes tenham condições de trazer os argumentos que desejarem no intuito de demonstrar seu direito, comprovando a respectiva competência.
Segundo a jurisprudência, é também possível a utilização da ação consignatória para que o sujeito passivo satisfaça seu direito de “pagar corretamente o tributo quando entende que o Fisco está exigindo prestação maior que a devida” (STJ, REsp 667.302/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 21.10.2004, DJ 22.11.2004, p. 292). Perceba-se que a situação não está expressamente prevista nos incisos do art. 164, o que demonstra que as restrições que o dispositivo faz sobre o objeto da ação devem ser consideradas em termos.
Por fim, uma observação muito importante para quem vai se submeter a provas objetivas de concurso público. Devem ser consideradas incorretas as assertivas que afirmem ser a ação de consignação em pagamento causa extintiva do crédito tributário, pois a extinção somente ocorre quando a ação é julgada procedente. Assim, somente são corretas as assertivas que atestem ser hipótese de extinção a consignação em pagamento julgada procedente ou, de maneira mais técnica, a consignação em pagamento cujo pedido foi julgado procedente.
Se o sujeito passivo, irresignado com lançamento efetuado pela autoridade administrativa, oferece impugnação, acaba por instaurar um litígio que seguirá as regras da lei do processo administrativo fiscal do respectivo ente tributante.
Se, ao final do litígio, a decisão for pela improcedência do lançamento, o crédito estará definitivamente extinto.
A improcedência do lançamento pode decorrer de razões formais ou de razões materiais.
Quando o vício do lançamento é meramente formal, ele pode ser repetido (inclusive ocorre a devolução do prazo decadencial decorrente da decisão anulatória definitiva – CTN, art. 173, II). O típico exemplo é o do lançamento realizado por autoridade incompetente.
É possível também que o lançamento tenha sido anulado por vício material (de conteúdo). Imagine-se, por exemplo, um lançamento de crédito relativo a imposto de importação não pago sobre a entrada de pescados capturados fora do mar territorial brasileiro. Ora, o pescado, nesta situação, não é mercadoria estrangeira. Não ocorre fato gerador, não há obrigação tributária. O crédito porventura constituído tem existência meramente formal. Após a anulação do lançamento, não se abre novo prazo para nova constituição de crédito e esta, por óbvio, não deve ser realizada.
Em qualquer dos casos, não é razoável imaginar que a matéria relativa a lançamento anulado seja submetida ao Judiciário, pois o particular não tem interesse em rediscutir matéria que foi objeto de decisão favorável. Também não parece haver interesse de agir por parte de Fazenda Pública, uma vez que ela própria, por meio de órgãos especializados, decidiu pela improcedência do lançamento.
Não obstante o entendimento, é necessário perceber que o inciso IX do art. 156 do CTN, ao prever a extinção do crédito por decisão administrativa irreformável, conceitua esta como sendo “a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”. Por conseguinte, o dispositivo parece admitir que a Fazenda Pública busque no Judiciário a anulação de decisão que ela mesma proferiu.
Somente diante de graves vícios na decisão prolatada pelo órgão julgador, pode-se imaginar a propositura, pela Fazenda Pública, de ação visando a anular sua própria decisão. Como exemplo, poderia ser imaginada a situação em que se comprove que parte das autoridades julgadoras foi corrompida para votar favoravelmente ao contribuinte.
Não obstante parecer juridicamente despropositado, na esfera federal existem atos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional determinando a obrigatoriedade do representante da Fazenda Pública propor ao Poder Judiciário ações anulatórias contra acórdãos do Conselho de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais que afastem a aplicação de leis ou de decretos (Parecer PGFN/CRJ 1.087/2004 e Portaria PGFN 820/2004).
Registre-se que a Medida Provisória 449/2008 extinguiu os Conselhos de Contribuintes incorporando suas atribuições ao novo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. A Câmara Superior de Recursos Fiscais passou a ser um dos órgãos do novo Conselho.
Diz-se que a decisão judicial passou (ou transitou) em julgado quando contra a mesma não mais cabe recurso, situação em que o julgamento passa a gozar de imutabilidade constitucionalmente protegida (CF, art. 5.º, XXXVI).
Por óbvio, assim como na decisão administrativa irreformável, somente extingue o crédito tributário a decisão judicial passada em julgado favorável ao sujeito passivo.
Valem aqui os mesmos comentários realizados no tópico anterior quanto à diferenciação entre a anulação de lançamento por vício formal ou material.
Segundo lição civilista, a dação em pagamento é a forma de extinção das obrigações em que o credor consente em receber do devedor prestação diversa da que lhe é devida.
Em direito tributário, a prestação devida pelo sujeito passivo é pecuniária, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir (CTN, art. 3.º), de forma que haverá dação em pagamento quando o Estado consentir em extinguir o crédito tributário mediante o recebimento de algo que não seja dinheiro.
Conforme consta do art. 156, XI, do CTN, a prestação substitutiva do pagamento em dinheiro somente poderá ser a entrega de um bem imóvel.
Há uma discussão sobre a possibilidade de quitação de crédito tributário mediante dação em pagamento em bens móveis, títulos ou direitos. A celeuma novamente remete para a questão de a lista de hipóteses extintivas do crédito ser taxativa ou exemplificativa.
Conforme já estudado, tem-se entendido pela taxatividade do rol, em virtude de o art. 141 do Código estipular que o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos no CTN, o que impede que novas hipóteses sejam criadas, salvo mediante a utilização de lei complementar de caráter nacional, alterando o próprio Código.
Assim, tem-se entendido que o rol é taxativo, de forma que somente é possível a extinção de crédito tributário mediante dação em pagamento de bens imóveis, jamais de móveis.
O posicionamento, apesar de controverso em sede doutrinária, tem sido seguido à risca em provas de concurso público, conforme demonstra a assertiva abaixo, proposta pela ESAF no concurso para Auditor do Estado de Minas Gerais, realizado em 2005: “Lei ordinária pode prever a extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento de bens móveis”.
A afirmativa foi considerada incorreta, o que demonstra o entendimento da banca no sentido da taxatividade do rol.
Relembre-se, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Medida Cautelar requerida na ADI 1.917/DF, entendeu ser inconstitucional a previsão, em lei distrital, da extinção de crédito tributário mediante dação em pagamento em bens móveis, tendo em vista dois fundamentos: a) a agressão à reserva de lei nacional para estipular regras gerais de licitação e b) a desobediência à reserva de lei complementar nacional para a definição das hipóteses de extinção do crédito tributário. Não obstante, ao julgar o mérito da mesma ADI, a Suprema Corte, apesar de manter a conclusão pela inconstitucionalidade da lei, excluiu o primeiro fundamento, de forma a manter o precedente firmado no julgamento da ADI 2.405-MC, no sentido de ser possível à lei local estipular novas formas de extinção do crédito tributário. O detalhamento do julgado, bem como o exemplo de como a matéria passou a ser abordada nas provas de concurso público, constam do item 1.3.1 do Capítulo 1 desta obra. De qualquer forma, mesmo com o entendimento atual, a assertiva ESAF acima transcrita (“lei ordinária pode prever a extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento de bens móveis”) deve continuar sendo considerada incorreta, tendo em vista não ser possível à lei local excepcionar regra constante da lei geral de licitações.