A Mboitatá

A Andrade Neves Neto1220

Meu caro Simões L. Neto.

Agradeço não me haveres esquecido com a tua amizade e com o teu talento. A lenda da “Boitatá”1221, também conhecida dos nossos sertanejos, com variantes que muito a diferençam da que escreveste, deve figurar no folclore gaúcho, onde já cintila, acesa por ti, a velinha do “Negrinho do Pastoreio”, a cuja claridade puseste o meu nome.1222 Prossegue, porque fazes trabalho de valor e muito me alegro por haver insistido com a tua modéstia para que continuasses a colher, aqui, ali, essas flores eternas da Poesia do povo, fazendo com elas o ramo que será um encanto para todas as almas e glória do teu nome. Abraço-te,

teu

Coelho Neto.1223

Rio, 20-XI-091224

 

 


1220. José Joaquim de Andrade Neves Neto (Rio Pardo, RS, 1873 – Santa Maria, RS, 1923). Advogado, jornalista e poeta.

1221. Refere-se à lenda da Mboitatá, naturalmente.

1222. Simões Lopes Neto publicara a lenda do Negrinho pela primeira vez a 26 de dezembro de 1906, no Correio Mercantil de Pelotas, dedicando-a ao autor desta carta, que estava em Pelotas, numa visita muito significativa.

1223. Coelho Neto (Maranhão, 1864 – Rio, 1934) era uma das expressões máximas da literatura prestigiosa então, tendo publicado mais de cem livros, entre os quais alguma literatura de caráter regionalista; sua linguagem rebuscada, retorcida, foi um dos alvos prediletos dos ataques modernistas, a partir dos anos de 1920. Vistas as coisas pelo ângulo de hoje, parece uma demasia a reverência de Simões Lopes Neto a um autor que envelheceu, sendo o autor das Lendas do Sul cada vez mais interessante.

1224. A versão da Mboitatá saiu no mesmo Correio Mercantil, de Pelotas, a 9 de novembro de 1909; uma cópia desta publicação é que deve ter chegado às mãos de Coelho Neto e é o motivo desta carta, que SLN reproduziu na primeira edição da lenda em livro, de 1910.