O correto, segundo o Código, seria tratarmos do Habeas Corpus depois da revisão criminal, pois, como se pode observar, a revisão está prevista no art. 621 e o Habeas Corpus no art. 647, ambos do CPP; porém, por uma questão lógica, entendemos que, não obstante esta posição “geográfica” de ambos, o Habeas Corpus, normalmente, impetra-se no curso de uma relação jurídico-processual e, a revisão criminal, somente após o trânsito em julgado de uma sentença. Assim, a revisão criminal, para nós, seria o último meio de que se poderia valer o réu para impugnar aquela decisão que consagra não a justiça, mas, sim, o erro judiciário. Sabemos que o Habeas Corpus pode ser interposto de decisão já transitada em julgado nas hipóteses do art. 648, VI e VII, porém são hipóteses mais difíceis de acontecer. Assim, nossa inversão é meramente didática e lógica.
A Constituição Federal concede o direito à liberdade de locomoção e o assegura através do habeas corpus. Dizem os incisos XV e LXVIII do art 5º:
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
LXVIII – conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. (grifo nosso)
Etimologicamente, a palavra habeas corpus significa corpo livre, corpo solto, corpo aberto. Sob o ponto de vista jurídico, é um remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção, quando ameaçada ou coarctada por ilegalidade ou abuso de poder.
O Código de Processo Penal coloca o habeas corpus no Livro III, Título II, Capítulo X, ou seja, dos recursos em geral, dando a ideia de que se trata de uma espécie de recurso.
Entretanto, se investigarmos a essência do habeas corpus, veremos que de recurso não se trata.
A uma, porque o recurso pressupõe decisão não transitada em julgado e o habeas corpus pode ser impetrado de decisão que já transitou em julgado, nos termos do que autoriza o art. 648, VI e VII, do CPP, pois, se o juiz era absolutamente incompetente e a sentença já transitou em julgado, poderá ser impetrado habeas corpus para desconstituí-la. Ou ainda, se já estiver extinta a punibilidade em face da prescrição da pretensão executória, será admissível o writ;
A duas, porque o recurso é interposto sempre de decisão judicial e o habeas corpus pode ser impetrado contra ato de autoridade administrativa ou, como veremos adiante, inclusive de ato de particular;
A três, porque o recurso é interposto dentro da mesma relação jurídico-processual e o habeas corpus instaura uma nova relação jurídica, independentemente daquela que deu origem à sua instauração. Ou, até mesmo, sem que haja uma relação jurídica instaurada.
Assim, pelas razões acima expostas, o habeas corpus não é um recurso, tratando-se de uma ação autônoma de impugnação cuja pretensão é de liberdade. Esta, para nós, é sua natureza jurídica. Pensam assim os Professores Tourinho Filho (ob. cit., vol. 4, p. 501) e Ada Pellegrini (Recursos, ob. cit., p. 345) .
Em doutrina, há o posicionamento divergente do Professor Magalhães Noronha, que entende ser o Habeas Corpus tanto um recurso como uma ação, dando-lhe o caráter misto (cf. Curso, p. 408).
O habeas corpus é instaurado pelo processo de conhecimento e poderá ter um provimento meramente declaratório, como, por exemplo, quando se declara extinta a punibilidade nos termos do art. 648, VII; ou constitutivo, quando rescinde sentença transitada em julgado, nos termos do art. 648, VI. Nesse último caso, será constitutivo negativo. Assim, tendo o habeas corpus uma pretensão de liberdade, não pode haver um provimento condenatório. A possibilidade de a autoridade coatora ser condenada nas custas por ter agido de má-fé ou evidente abuso de poder não deve autorizar o operador do direito a identificar um provimento condenatório (cf. art. 653 e seu parágrafo único do CPP), pois, o pedido é de liberdade e não de condenação em custas. A condenação em custas é ex officio e não através de pedido do impetrante, até porque, como demonstra o parágrafo único do art. 653 do CPP, o Ministério Público, ao receber as peças que demonstram o abuso de poder ou a má-fé, promoverá a responsabilidade criminal da autoridade coatora. Neste caso, sim, haverá um pedido condenatório, através da regular ação penal.
Destarte, no habeas corpus, somente poderá haver um provimento declaratório ou constitutivo.
Duas são as espécies de habeas corpus na ordem jurídica: o preventivo e o liberatório. O preventivo é concedido quando há ameaça de violência ou coação à liberdade de locomoção do indivíduo e, neste caso, concedendo a ordem, o juiz ou o tribunal expede um salvo-conduto ao paciente (cf. § 4º do art. 660). Ou seja, que ele seja conduzido a salvo sem ser molestado. O liberatório é concedido quando a liberdade de locomoção já está sendo coarctada por violência ou coação e, nesse caso, concedendo a ordem, o juiz ou o tribunal expedirá alvará de soltura em favor do paciente-impetrante (cf. art. 660, § 1º).
A violência é a vis absoluta, que se traduz num constrangimento físico (prisão, cárcere privado ou sequestro). A coação é um constrangimento moral, que se traduz em um fazer ou não fazer alguma coisa. Entretanto, para o Código, a coação é gênero do qual a violência e o constrangimento moral são espécies. Diz o art. 648: A coação considerar-se-á ilegal: ...
Em nossa vida acadêmica, já tivemos conhecimento de juízes que concederam habeas corpus preventivo, expedindo salvo-conduto a alunos do curso de direito, a fim de que pudessem participar do famigerado dia do pendura (onze de agosto): dia em que estudantes de direito saem às ruas, frequentando restaurantes de luxo, comem e bebem, e não pagam a conta, pendurando-a. Na hora em que a polícia chega, mostram o salvo-conduto expedido por uma autoridade judiciária e fazem um belo discurso. O comerciante? Fica no prejuízo, porque, dizem eles, é tradição do curso de direito. Tradição de dar prejuízo aos outros.
Pensamos que o salvo conduto é um instrumento que deve ser utilizado em prol da liberdade de locomoção ameaçada de sofrer uma violência ou coação ilegal e não para proteger quem, do direito sendo, age errado.
O objeto do habeas corpus é o direito sobre o qual recai a prestação jurisdicional, qual seja: a liberdade corpórea do indivíduo, seu direito de locomoção. Trata-se de um direito líquido e certo, específico, que somente pode ser amparado por habeas corpus. Qualquer outro direito líquido e certo que não a liberdade de locomoção será tutelado por mandado de segurança (cf. art. 5º, LXIX). Pois o legislador constituinte concede os direitos que menciona e cria os mecanismos de proteção necessários à tutela dos mesmos. Assim, necessário se faz identificarmos bem o objeto do habeas corpus para que possamos utilizar o remédio jurídico adequado diante da violação de determinados direitos.
Exemplo: o indiciado em inquérito policial, que já apresentou identificação civil no momento de sua qualificação, está sendo “intimado” pela autoridade policial para se submeter à identificação datiloscópica, nos termos do art. 6º, VIII, do CPP, sob pena de condução coercitiva.
Entendemos que o direito que está sendo ameaçado de lesão é o inscrito no inciso LVIII do art. 5º da Constituição Federal, pois a natureza jurídica desta norma é de uma norma constitucional de eficácia contida, ou, na expressão do Professor Michel Temer, norma constitucional de eficácia redutível ou restringível (Elementos de Direito Constitucional, Malheiros, 9 ed., p. 25). Portanto, tem aplicação imediata, plena e integral, mas pode ter reduzido seu alcance por norma infraconstitucional. Foi o que fez a Lei 12.037/09 que tratou sobre a identificação civil. Enquanto o legislador ordinário não dispusesse sobre a limitação do exercício desse direito ele era pleno.
A liberdade de locomoção do indiciado, no exemplo citado, não está ameaçada, pois, se sua oitiva for necessária e imprescindível ao curso do inquérito policial, ele deverá comparecer à unidade de polícia de atividade judiciária. Inclusive, poderá ser pedida sua prisão temporária, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.960/89.
Portanto, o que se quer resguardar é seu direito líquido e certo de não ser submetido à identificação datiloscópica, como lhe permite a Constituição Federal, devendo ser utilizado o mandado de segurança.
A resposta acima parece-nos possível face à identificação do objeto do habeas corpus.
A questão sobre a identificação criminal pode parecer despicienda de interesse, porém não fugiu aos olhos do examinador no XII concurso para ingresso na classe inicial da carreira de Magistrado do Estado do Rio de Janeiro. A questão não quis saber qual o remédio jurídico que seria utilizado pelo indiciado, mas se era lícita a recusa. Porém, nada impede ao candidato de, sem fugir do cerne da questão e dependendo de sua posição, mostrar o instrumento que poderia ser utilizado.
Vejamo-la:
3ª Questão: Ocorrendo um furto na residência de João, foi instaurado o correlato inquérito policial, onde aparecia como indiciado Luís, que não aceitou ser submetido à identificação criminal, por já ser identificado civilmente. Encerrado o inquérito, foi o mesmo remetido ao juízo criminal competente, onde o representante do MP pediu a baixa dos autos à delegacia policial de origem, para a tomada do depoimento de uma testemunha. Pergunta-se: A recusa de Luís, não permitindo sua identificação criminal, considerando-se o disposto no art. 5º, LVIII, parte final, da Constituição Federal e art. 6º, VIII, do Código de Processo Penal, é correta? |
A resposta deve analisar a natureza jurídica da norma constitucional prevista no inciso LVIII do art. 5º da CRFB. Ou seja, se norma constitucional de eficácia plena, imediata e integral, norma constitucional de eficácia contida ou norma constitucional de eficácia limitada.
Pensamos tratar-se, como dissemos anteriormente, de norma constitucional de eficácia contida, e, portanto, a recusa de Luís é perfeitamente correta diante do postulado constitucional.
Outro exemplo: durante uma operação policial, um determinado veículo é apreendido por conter, na visão dos agentes de polícia, irregularidades em seu chassi. O motorista, irresignado, comparece à unidade policial, onde é indiciado pelo crime de receptação (art. 180 do CP) e tem seu veículo apreendido. Impetra ordem de habeas corpus para a liberação de seu veículo que, digamos, é seu instrumento de trabalho.
Pensamos que o objeto do habeas corpus (a liberdade de locomoção) não está sendo ameaçado de lesão nem coarctado, pois a irresignação do impetrante é com a apreensão do veículo que integra seu patrimônio. Ou seja, o direito, em tese, que está sendo discutido, é o direito de propriedade. Para o impetrante, não está sendo respeitado o devido processo legal (pelas razões que expõe) para que possa ser privado de seus bens. Assim, mais uma vez, a questão deve ser tratada através do mandado de segurança.
Interessante ressaltar que as duas hipóteses acima citadas foram vividas em nossa atuação profissional de promotor de justiça e a solução que defendemos foi a denegação da ordem por ausência do objeto, ou seja, ausência de violação ao direito líquido e certo chamado de liberdade de locomoção. É questão de mérito na ação de habeas corpus, autorizando a extinção do processo com julgamento de mérito.
Destarte, a questão da identificação perfeita do objeto no habeas corpus é imprescindível para que possamos utilizar a via jurisdicional adequada.
O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor
ou de outrem, bem como pelo Ministério Público (cf. art. 654 do CPP c/c art. 32, I, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).
Ao legitimar qualquer pessoa, o legislador cria uma ação popular de habeas corpus, pois, como dizia Rui Barbosa, a liberdade de locomoção não entra no patrimônio particular, como as cousas que estão no comércio, que se dão, trocam, vendem ou compram; é um verdadeiro condomínio social; todos o desfrutam, sem que ninguém o possa alienar; e, se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhão, vigilante, a reivindica (apud Tourinho Filho, ob. cit., p. 500). Assim, qualquer pessoa, natural ou estrangeira, maior ou menor, pode impetrar ordem de habeas corpus em favor de quem quer que seja.
Questão que pode trazer discussão é quanto à possibilidade da pessoa jurídica impetrar ordem de habeas corpus em favor de uma pessoa física.
A resposta é afirmativa.
A uma, porque o legislador não restringiu e onde a lei não restringe não cabe ao intérprete restringir.
A duas, porque, tratando-se de regra concessiva de direito, é admissível a interpretação extensiva e analógica, bem como a aplicação da analogia.
A três, porque, por força do art. 12, VI, do Código de Processo Civil, as pessoas jurídicas podem ser representadas em juízo, ativa e passivamente, pelos seus diretores ou quem seus estatutos indicarem.
Assim, autorizada está a pessoa jurídica a impetrar ordem de habeas corpus em favor de qualquer pessoa física e, em especial, daquelas que integram seus quadros.
Questão interessante é se a autoridade policial, nesta qualidade, tem legitimidade para impetrar Habeas Corpus. No VII Concurso para ingresso na classe inicial da carreira de Delegado de Polícia, realizado no dia 15 de novembro de 2000, integrando a banca examinadora respectiva, o autor desta obra elaborou a seguinte questão:
Questão nº 2 – Ponto sorteado nº 5: Tício encontrava-se em determinada boate da zona sul carioca, dançando e bebendo com seus amigos. Na madrugada, por volta das 3:00 h., Tício, já “alcoolizado”, retira-se da boate e se dirige para seu automóvel, que estava estacionado próximo ao local, tentando abri-lo, o que não consegue, por ter a chave emperrado e quebrado dentro da fechadura. No mesmo momento e instante, chega a Polícia Militar que, acompanhada de Caio, efetua a detenção de Tício por furto, já que aquele carro, efetivamente, era de Caio, como comprovam os policiais, abrindo a porta do carona com a chave que se encontrava com Caio, além da documentação em nome deste. Tício argumenta que há um engano, porém é algemado pelos policiais, que percebem que o mesmo está com forte ingestão alcoólica e o encaminham à Delegacia de Polícia. A autoridade policial de plantão, depois de ouvir o condutor, as testemunhas, o lesado e, por último Tício, que não dizia “coisa com coisa”, resolveu lavrar auto de prisão em flagrante por furto qualificado mediante emprego de chave falsa contra Tício, com seu consequente recolhimento ao cárcere. No dia seguinte, Tício, já “curado” da ingestão alcóolica, convenceu os policiais a irem ao local dos fatos para se certificarem de que, efetivamen te, seu carro estava lá, o que é comprovado pelos policiais que, inclusive, trouxeram o carro de Tício, idêntico ao de Caio, para o pátio da delegacia. |
Considerando que a prisão em flagrante delito já foi comunicada ao juiz competente, nos termos do art. 5º, LXII, da CRFB, que abriu vista ao Ministério Público para ciência da prisão e do engano, inequivocamente, comprovado, pergunta-se: É admissível que a autoridade policial, nesta qualidade, impetre ordem de Habeas Corpus em favor de Tício para que o mesmo seja solto? Em caso positivo, qual seria o órgão jurisdicional competente para conhecer do referido Habeas Corpus? Quem seria a autoridade coatora? Em caso negativo, qual a providência que a autoridade policial poderia adotar para reparar o erro claramente demonstrado? A questão deverá ser respondida em no máximo 30 linhas – valor da questão 30 (trinta) pontos.
Resposta A resposta é negativa. A autoridade policial no exercício de suas funções, portanto, nesta qualidade, não tem legitimidade para impetrar ordem de Habeas Corpus (art. 654 do CPP). A legitimidade ativa ad causam é conferida a qualquer cidadão e ao Ministério Público como custos legis, mas não ao delegado de polícia. Nada obsta que a autoridade policial impetre ordem de Habeas Corpus como qualquer cidadão. No caso em tela, a autoridade coatora é o Juiz de Direito que, recebendo a comunicação de prisão em flagrante e verificando o engano comprovado, não a relaxou (art. 5º, LXV, da CRFB), autorizando, assim, a impetração de Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A autoridade policial, a partir do momento em que comunica a prisão em flagrante ao Poder Judiciário, deixa de ser autoridade coatora, caso a prisão seja ilegal. A providência a ser adotada pela autoridade policial é a conclusão imediata do inquérito policial e, consequente, elaboração de minucioso relatório, consignando os fatos novos surgidos e remessa à Vara Criminal competente em decorrência da prévia distribuição da comunicação do flagrante delito. |
A Constituição Federal impede a impetração de habeas corpus contra as punições disciplinares militares. Diz o texto do § 2º do art. 142:
§ 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
Ou seja, quis o legislador constituinte resguardar a hierarquia e a disciplina que devem reger a vida militar, pois haveria uma quebra na hierarquia se um subordinado pudesse rever, através do remédio heroico, uma punição disciplinar aplicada por um superior. E, por via oblíqua, haveria quebra na disciplina. Assim, vedada está, na esfera militar, a utilização de habeas corpus para se apreciar o mérito da punição.
Entretanto, há que se ter uma visão ampla da questão para melhor compreensão do tema.
É cediço que os atos administrativos devem ser praticados em conformidade com a lei e, como dissemos acima (cf. item 12 do capítulo XII do Título I, supra), estão subordinados aos requisitos dos atos jurídicos em geral: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita e não defesa em lei.
Assim, se o ato administrativo disciplinar militar for praticado por autoridade que não tem o atributo previsto em lei para praticá-lo, haverá vício de formalidade que autoriza a impetração de habeas corpus perante o órgão jurisdicional competente. Ressalte-se que o Judiciário apenas irá analisar os requisitos extrínsecos da prática do ato e não o mérito da punição disciplinar, se certa ou errada.
Portanto, podemos asseverar que não cabe habeas corpus para analisar o mérito da punição disciplinar militar, porém é perfeitamente admissível para analisar os requisitos extrínsecos da prática do ato. Ou seja, os requisitos formais que integram a estrutura de perfazimento do ato.
O Supremo Tribunal Federal encampa posicionamento idêntico na ementa que segue abaixo:
RE 338840 / RS - RIO GRANDE DO SUL (Jurisprudencial/RE338840/RS RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 19/08/2003 Órgão Julgador: Segunda Turma
Ementa RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA CRIMINAL. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR. Não há que se falar em violação ao art. 142, § 2º, da CF, se a concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito. Concessão de ordem que se pautou pela apreciação dos aspectos fáticos da medida punitiva militar, invadindo seu mérito. A punição disci plinar militar atendeu aos pressupostos de legalidade, quais sejam, a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente, tornando, portanto, incabível a apreciação do habeas corpus. Recurso conhecido e provido. |
O mesmo deve ser dito diante das prisões decretadas, no juízo cível, de devedor de prestação alimentícia, pois cabe habeas corpus para analisar apenas se a prisão foi decretada nos estritos limites do art. 733 do CPC. Veja-se a ementa do Supremo Tribunal Federal concedendo a ordem de habeas corpus:
HC 5.180/MG. Habeas Corpus. Relator Ministro Moreira Alves. Publicação DJ: 1/8/1997, P33.467. Julgamento: 10/6/1997 – Primeira Turma. Habeas corpus. Prestações alimentares em atraso. Prisão civil. Como decidido no HC 73.912, em caso análogo ao presente, “o habeas corpus, por não poderem questões controvertidas ser decididas em seu âmbito estrito, não é o meio processual próprio para discutir as condições, ou não, do paciente para satisfazer a execução, nem, ainda, a necessidade da alimentanda”. De outra parte, a prisão civil não deve ser tida como forma de coação para o pagamento da totalidade das parcelas em atraso, porque, deixando a credora que o débito se acumule por longo tempo, essa quantia não mais tem caráter alimentar, mas, sim, o de ressarcimento de despesas feitas. Assim sendo, e tendo em vista as circunstâncias da causa descritas no parecer da Procuradoria-Geral da República relativas à inércia da credora e referentes ao pagamento da pensão concernente aos meses de maio a dezembro de 1996, devem-se ter como de caráter ainda alimentar as parcelas mensais posteriores a esta última data. Habeas corpus deferido, sem prejuízo de nova decretação da prisão civil, se ocorrido o inadimplemento de parcela mensal posterior a dezembro de 1996. Unânime. |
Neste particular aspecto do Habeas Corpus impetrado contra decisão proferida pelo juiz do cível, determinando a prisão em caso de inadimplemento de pensão alimentícia ou do depositário infiel, há que se considerar que o conteúdo da decisão é meramente civil, não havendo razão para tal Habeas Corpus ser julgado pelas câmaras ou turmas criminais do respectivo tribunal. Não podemos confundir o instituto do Habeas Corpus, que tem disciplina no Código de Processo Penal e visa a proteger a liberdade de locomoção, com a razão de ser dessa decisão. Se a matéria tratada é alimentos (art. 1.694 do Código Civil c/c art. 732 do CPC) ou depósito (arts. 627 e segs. do Código Civil c/c art. 901 do CPC), o Habeas Corpus deverá ser impetrado perante as câmaras ou turmas cíveis, não fazendo sentido a câmara ou turma criminal julgar matéria civil só porque o Habeas Corpus é tratado no âmbito processual penal. No mesmo sentido é o Mandado de Segurança impetrado na esfera criminal, pois, não obstante ser instituto disciplinado na Lei nº 12.016/09 e ter a natureza de ação civil de rito sumário especial (cf. Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 13 ed., Rio de Janeiro: RT, 2001, p. 8), deverá ser impetrado perante a câmara ou turma criminal se o ato impugnado for jurisdicional de conteúdo penal.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, através de seu órgão especial, entendeu falecer competência às Câmaras Criminais para apreciar e julgar Habeas Corpus requerido em favor de paciente cuja prisão decretada seja de caráter civil, alterando, inclusive, seu Regimento Interno. Diz o art. 6º, II, d, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
Art. 6º Compete às Câmaras Cíveis isoladas: ... II – ... d) Os habeas corpus impetrados contra decisão que decretar a prisão civil do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentícia, do depositário infiel e do falido prevista no art. 35 da lei de falências (sem grifos no original). |
Identificar a autoridade coatora é necessário para que possamos impetrar o habeas corpus perante o órgão jurisdicional competente, bem como responsabilizar o coator se houver má-fé ou abuso de poder, nos termos do que autoriza o art. 653 e seu parágrafo único do CPP. Assim, veremos se as autoridades mencionadas na epígrafe deste item podem ser apontadas como autoridade coatora.
O juiz é a única autoridade civil que pode decretar a prisão de quem quer que seja, desde que presentes os requisitos que autorizam o encarceramento do indivíduo. A Constituição Federal, no art. 5º, LXI, legitima somente a autoridade judiciária, excepcionando as punições disciplinares militares ou os crimes propriamente militares.
Assim, se decretada a prisão de alguém sem que estejam presentes os motivos que a autorizam, haverá grave cerceamento à liberdade de locomoção do indivíduo, o que lhe autoriza a impetração do habeas corpus. Tratando-se de um juiz a autoridade coatora, a competência será do tribunal competente para apreciar a matéria objeto do processo, ou seja, do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal.
No Estado do Rio de Janeiro, os Tribunais de Alçadas Cível e Criminal foram extintos pela Lei nº 2.856, de 8/12/1997, sendo competência, hoje, do Tribunal de Justiça apreciar todo e qualquer habeas corpus impetrado contra ato ilegal de juiz de primeira instância.
A EC 45/04 extinguiu todos os TACRIMs do País.
O Promotor de Justiça pode ser autoridade coatora a ponto de autorizar a impetração de habeas corpus contra seu ato. É cediço que o membro do Ministério Público não pratica atos de jurisdição, pois estes são reservados aos membros da magistratura. Porém, pratica atos administrativos de teor decisório e que podem causar constrangimentos à liberdade de locomoção. Assim, quando requisitada pelo Promotor de Justiça a instauração de inquérito policial para apurar fato crime, cuja prescrição do direito de punir já tiver ocorrida, haverá, evidente, constrangimento ilegal passível de ser remediado via habeas corpus. Ou ainda, se requisitada a instauração de inquérito policial de fato que, evidentemente, é atípico, o status dignitatis do indivíduo estará ameaçado, pois pode ser pedida sua prisão temporária. Neste caso, admissível será a impetração de habeas corpus e o Promotor de Justiça será autoridade coatora.
Entretanto, há que se distinguir o ato praticado pelo Promotor de Justiça. Se apenas encaminhou as peças de informação à autoridade policial, para que adotasse as providências que entendesse cabíveis sem, expressamente, requisitar a instauração de inquérito, porém a autoridade policial assim agiu, esta será a autoridade coatora e o habeas corpus será impetrado perante o juiz de primeiro grau, como veremos no item 1.7.3, infra.
Questão interessante é saber qual o órgão jurisdicional competente para apreciar eventual habeas corpus cuja autoridade coatora é o Promotor de Justiça.
Pensamos que eventual habeas corpus impetrado contra ato de Promotor de Justiça deva sê-lo perante órgão jurisdicional de primeiro grau.
A uma, porque a competência do Tribunal de Justiça é apenas para processar e julgar os membros do Ministério Público quando responderem ação penal (cf. art. 96, III, da CRFB), que não é o caso, pois o habeas corpus não é ação em face do Promotor de Justiça, mas, sim, ação impetrada pelo paciente (ou qualquer pessoa) em decorrência de ato praticado pelo promotor de justiça. Não se trata de analisar um crime praticado pelo Promotor, mas, sim, um ato administrativo do âmbito de suas atribuições legais que possa causar ameaça ou cerceamento à liberdade de locomoção.
A duas, porque todo ato praticado pelo Promotor de Justiça é levado ao conhecimento do juiz de primeiro grau, como, por exemplo, oferecimento de denúncia, requerimento de prisão preventiva e outros inerentes à persecução penal, e, portanto, não havendo legalidade no requerido ou sendo infundado, será repelido pelo juiz.
A três, porque não está no âmbito de competência dos tribunais apreciar habeas corpus tendo como autoridade coatora Promotor de Justiça, salvo no Estado do Rio de Janeiro.
Assim, defendemos a tese que a competência para apreciar habeas corpus, cuja autoridade coatora é um Promotor de Justiça, inscreve-se no âmbito do juiz de primeiro grau.
Por fidelidade à informação que fornecemos ao leitor, citamos o art. 8º, I, a, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que dá competência às câmaras criminais isoladas para processar e julgar:
os habeas corpus, quando o coator for Juiz ou Tribunal Criminal de Primeira Instância ou membro do Ministério Público Estadual, salvo os atos dos Juízes dos Juizados Especiais Criminais ou de suas Turmas Recursais.
A autoridade policial, sem a menor sombra de dúvida, também pode ser apontada como autoridade coatora em sede de habeas corpus, pois, caso venha a realizar uma prisão ao arrepio da regra insculpida no art. 302 do CPP, haverá flagrante ilegalidade no ato coercitivo da liberdade de locomoção. Neste caso, entendemos que a competência será do juiz de primeiro grau para apreciar eventual pedido de liberdade, através do writ.
Se a autoridade policial, ex officio, instaura inquérito diante de fato que, evidentemente, é atípico, seu ato poderá ser apreciado em sede de habeas corpus impetrado perante o juiz de primeiro grau.
Entretanto, se, nesta mesma hipótese, instaura inquérito e o remete ao Ministério Público que, desde logo, oferece denúncia, sendo esta recebida pelo juiz, este será a autoridade coatora em eventual habeas corpus impetrado pelo paciente. Assim, a competência desloca-se para o tribunal.
Abordado o tema acima quanto às autoridades coatoras, não pense o leitor que o mesmo é despiciendo, pois no XVIII Concurso para a Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, ocorrido em 11/11/1993, foi feita a seguinte pergunta aos candidatos:
Pedro está indiciado em inquérito policial por fato que, evidentemente, não constitui ilícito penal. Quem deve julgar o habeas corpus por ele impetrado para trancar o inquérito, considerando que este foi aberto: 1) de ofício, pelo delegado; 2) por requisição do MP; 3) por requisição do juiz? |
A questão gera controvérsia na doutrina. Alguns autores entendem inadmissível a impetração de habeas corpus se o ato promana de particular, pois, neste caso, entendem que a ação policial deve resolver a questão sem contar com a letra da lei que, em vários momentos, fala em autoridade coatora.
Adotando a tese da inadmissibilidade do habeas corpus contra ato de particular, encontramos vozes autorizadas como a do Professor Sérgio Demoro Hamilton (ob. cit., pp. 175/184), Hélio Bastos Tornaghi (Curso de Processo Penal. 7 ed., São Paulo: Saraiva, 1990, v. II, p. 396) e Damásio de Jesus, dizendo ser questionável a possibilidade de habeas corpus contra ato de particular, fazendo-nos acreditar ser contra (Código de Processo Penal Anotado. Comentários ao art. 648, 14 ed., São Paulo: Saraiva, p. 472).
O Professor e membro do Ministério Público fluminense, Dr. Sérgio Demoro, defende a inadmissibilidade com os seguintes argumentos na obra que citamos:
Sem embargo das respeitáveis opiniões em contrário, parece-me que a melhor posição doutrinária é a restritiva, excluindo o constrangimento emanado do particular da proteção do remédio heroico.
...
O estudo sistemático de nosso Código de Processo Penal conduz, sem sombra de dúvida, à conclusão de que o legislador ordinário, ao especificar a norma constitucional genérica, referiu-se, sempre, à autoridade coatora. Basta examinar os artigos 649, 650, § 1º, 653 e seu parágrafo único, 655, 660, §§ 3º e 5º, 662 e 665 da lei instrumental penal, para que não paire indagação a respeito dos objetivos da lei.
Entretanto, corrente doutrinária em sentido contrário admite a impetração de habeas corpus contra ato emanado de particular. São eles: Tourinho Filho (ob. cit., vol. 4, p. 537); Magalhães Noronha (Curso de Direito Processual Penal, 21 ed., São Paulo: Saraiva, 1992, pp. 409-410), Ada Pellegrini (Recursos, p. 356) e Mirabete (Processo Penal, 8 ed., São Paulo: Atlas, p. 712).
Filiamo-nos à segunda corrente, ou seja, pela admissibilidade da impetração de habeas corpus contra ato de particular. Pelos seguintes motivos:
A uma, porque, embora o Código de Processo Penal, nos arts. 649; 650, § 1º; 653 e seu parágrafo único; 655; 660, §§ 3º e 5º; 662 e 665, fale em autoridade coatora, devemos interpretar o Código (lei ordinária) de acordo com a Constituição e não a Constituição de acordo com o Código. Pois, do contrário, a pirâmide de Hans Kelsen ficará de cabeça para baixo. Assim, devemos observar a letra do art. 5º, LXVIII, que fala em ilegalidade ou abuso de poder, não havendo, por parte do legislador constituinte, restrição à origem do ato, se ilegal ou com abuso de poder.
A duas, porque, em se tratando de regra concessiva de direito, admite-se a interpretação extensiva e analógica, bem como a analogia. Neste caso, a interpretação da norma deve ser liberal, atendendo ao espírito do legislador ao criar a garantia.
A três, porque em uma interpretação sistemática há que se verificar que o legislador constituinte, ao criar o mandado de segurança, especificou a autoridade responsável pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, ou seja, a autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público. Porém, no inciso anterior (LXVIII), assim não fez, em uma clara alusão de que a ilegalidade poderia ser emanada de particular. Ou seja, o legislador constituinte teria reservado a ilegalidade ao particular e o abuso de poder à autoridade pública.
Exemplo típico de ato ilegal emanado de particular é o caso da clínica médica que nega alta ao paciente enquanto este não pagar o valor das despesas médicas. Ou, ainda, do síndico que prende o condômino em um quarto do prédio enquanto não pagar o valor do condomínio. Ou do fazendeiro que prende o colono na fazenda enquanto este não fizer determinado serviço, impedindo-o de se locomover pela cidade.
Em concurso (18/4/1993) para ingresso na classe inicial da carreira do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (XIV Concurso), o examinador, que, à época, era o Dr. Sérgio Demoro, acima citado, perguntou aos candidatos o seguinte:
5ª Questão: É cabível a impetração de habeas corpus no objetivo de fazer cessar coação ilegal emanada de ato de particular? (5 pontos) Entretanto, a questão do habeas corpus contra ato de particular, de tão importante, não fugiu também à argúcia do examinador do XVII Concurso para Ingresso da Carreira da Magistratura do Rio de Janeiro, realizado em 5/8/1993, prova específica com ponto sorteado nº 5: 4ª Questão: Em cidade do interior, cansado de ser explorado pelo patrão, de trabalhar “de sol a sol” com a mulher e os filhos e, apesar disso, não conseguir ganhar mais do que gastam com a comida, comprada no armazém da própria fazenda, o colono José resolveu voltar para sua cidade natal, mas é impedido de fazer isso pelo fazendeiro, que o mantém preso na fazenda “até pagar o que deve”. Pergunta: |
Cabe, ou não (dizer motivadamente) habeas corpus para livrar José? Resposta. A questão é controvertida na doutrina, apresentando-se duas correntes. A primeira corrente, defendendo a admissibilidade da impetração de habeas corpus de ato emanado de particular, é defendida pelos Professores Tourinho, Ada, Mirabete e Magalhães Noronha. Defendem os mestres, em apertada síntese, que a Constituição Federal, ao garantir a impetração de habeas corpus, usou fórmula genérica, ou seja, a coação deverá ser por ilegalidade ou abuso de poder. Neste caso, tanto pode ser por um ato ilegal, e o particular pode praticá-lo, como por um ato emanado de quem detém o poder e, nesta hipótese, somente quem exerce cargo na estrutura do Estado poderá ser autoridade coatora. Assim, para esta corrente, a lei ordinária (Código de Processo Penal) deve ser interpretada de acordo com a Constituição e não o contrário. Aduzem, ainda, o entendimento de que a Constituição deu a garantia (habeas corpus) para proteger o direito (a liberdade de locomoção) e, portanto, sendo regra concessiva de direito, por um princípio comezinho de hermenêutica admite-se interpretação extensiva, analógica e analogia. Por último, sustentam os autores acima que a Constituição, ao tratar logo em seguida do mandado de segurança (inc. LXIX), referiu-se a autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, ou seja, limitou a autoridade coatora no mandado de segurança e não o fez no habeas corpus. Pelas razões expostas, entendem os autores citados ser perfeitamente admissível a impetração de Habeas Corpus contra ato de particular. Entretanto, uma segunda corrente doutrinária afirma ser inadimissível a impetração de Habeas Corpus tendo como coator um particular. Na doutrina pátria, defendem esta corrente os Professores Sérgio Demoro Hamilton e Hélio Bastos Tornaghi. Alegam os mestres que o Código de Processo Penal, ao se referir ao Habeas Corpus, exige sempre que o ato coator seja emanado de autoridade, pois basta conferir os arts. 649; 650, § 1º; 653 e seu parágrafo único; 655; 660, §§ 3º e 5º; 662 e 665, todos do CPP. Além do que, alegam os autores, qualquer violência emanada de particular de impedir o ir, vir e permanecer do indivíduo deve ser resolvida no âmbito do exercício da polícia de atividade judiciária. Ou seja, “é caso de polícia”. Nossa posição: a primeira. |
Obs.: o candidato deve, sempre que possível, mostrar a flutuação doutrinária e jurisprudencial e se posicionar quanto ao assunto. Na questão, por exemplo, do Ministério Público, quem a elaborou foi o próprio Dr. Sérgio Demoro, à época examinador do concurso. Neste caso, pensamos, o candidato deveria filiar-se à corrente que não admite. Entretanto, na questão da Magistratura, a posição que, pensamos, deveria ser defendida é pela admissibilidade. Do mesmo modo deveria posicionar-se o candidato, se a questão fosse abordada em uma prova da Defensoria Pública, ou seja, pela admissibilidade, pois estaríamos protegendo um direito constitucional de nosso assistido. Veja o leitor que, tratando-se de prova específica, não há limites de linhas (foi o caso da Magistratura). Porém, sendo prova escrita preliminar, ou seja, o chamado provão, há o limite de oito linhas para responder a questão (foi o caso do Ministério Público). Portanto, em oito linhas não há espaço para respondermos como respondemos na questão da Magistratura. Assim, o candidato deve ser objetivo e conciso, sem perder a fundamentação da resposta. Por último, veja o leitor que o mesmo assunto foi abordado duas vezes em concursos diferentes, nos meses de abril e agosto de 1993. Ou seja, o assunto deve estar no domínio do candidato. |
Sendo o habeas corpus uma ação autônoma, mister se faz a existência dos elementos da ação, quais sejam: partes, pedido e causa de pedir. As partes são o paciente e a autoridade coatora. O pedido é de liberdade (habeas corpus liberatório) ou de salvo-conduto para evitar ameaça de violência ou coação à liberdade de locomoção (habeas corpus preventivo). A causa de pedir é o fato originário da ilegalidade.
O direito líquido e certo que o habeas corpus visa a tutelar é a liberdade de locomoção. Em verdade, se é direito, é porque é líquido e certo, pois o que se quer dizer é que o fato que se alega é incontestável, irrefutável, indiscutível. Ora, sendo o habeas corpus um remédio jurídico que tem como escopo proteger um direito líquido e certo específico, que é a liberdade de locomoção, a prova demonstrativa deste direito é pré-constituída, já que tem que estar previamente produzida. Pois não se admite a impetração de habeas corpus para, durante seu processamento, fazer prova do constrangimento ilegal a que está sendo submetido o impetrante ou paciente. A natureza processual do habeas corpus não permite, assim, maior dilação probatória, já que ao paciente compete o ônus de provar a ilegalidade que alega em sua petição inicial. A ilegalidade já tem que estar patente, existir antes da impetração, pois a sua liberdade de locomoção (direito líquido e certo) está sendo violada. Por isso, diz-se que no habeas corpus não cabe análise de provas, discussão probatória.
É comum, na prática do foro, advogados ingressarem com habeas corpus visando a discussão das provas do processo ou alegando que o réu não poderia estar preso porque é inocente, enfim... Esquecem que no habeas corpus o que se visa é a análise da ilegalidade ou não de ato constritivo da liberdade de locomoção. A discussão sobre os elementos de prova ou sobre a inocência do réu é matéria a ser discutida no curso do processo, perante o juiz de primeiro grau, e não na ação de habeas corpus, sob pena de haver supressão de instância, motivo pelo qual os tribunais julgam improcedente o pedido do habeas corpus ou nem conhecem do pedido, por estarem impedidos de analisar as provas.
Abaixo, citamos apenas três exemplos elucidativos da afirmativa de prova pré-constituída na ação de habeas corpus sem a intenção de esgotar as hipóteses.
Primeiro exemplo: se há a impetração de um habeas corpus onde se alega uma prisão em flagrante ilegal por parte da autoridade policial, deve-se instruir o writ com cópia do auto de prisão em flagrante para que, desde já, a autoridade judiciária verifique a ilegalidade ou não da medida cerceadora da liberdade.
Segundo exemplo: se a prisão preventiva decretada não está devidamente fundamentada pela autoridade judiciária, nos termos do que preconiza o art. 93, IX, da CRFB, eventual habeas corpus deverá ser instruído com cópia do despacho de decretação da prisão, para que o tribunal verifique a afronta ao dispositivo citado e, desde já, anule o ato constritivo da liberdade.
Terceiro exemplo: o réu já cumpriu pena e ainda não foi expedido, em seu favor, o competente alvará de soltura, encontrando-se, assim, encarcerado, com visível constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção. Nessa hipótese, o habeas corpus será impetrado com fulcro no art. 648, IV, do CPP, e o paciente deverá instruir sua petição (art. 654, § 1º, b) com cópia da carta de sentença, demonstrando o quantum de cumprimento de pena e a data do término da mesma, tudo em conformidade com que preceitua o art. 106 c/c 109 da Lei de Execução Penal (nº 7.210/84).
Assim, veja-se que, nos três exemplos, meramente didáticos, a prova está pré-constituída. Ou seja, é direito líquido e certo do impetrante a liberdade de locomoção.
A matéria é amplamente discutida no Supremo Tribunal Federal. Vejamos as ementas:
HC 77.197/SP. Habeas Corpus. Relator Ministro Sydney Sanches. Publicação DJ: 27/11/1998. Julgamento: 25/8/1998 – Primeira Turma. Direito Constitucional e Processual Penal. Homicídio e tráfico de drogas. Exame pericial do local do delito. Prova da existência do fato delituoso e de haver o réu concorrido para ele. Sentença do Presidente do Tribunal do Júri: Fundamentação. |
Habeas corpus. 1. Não é imprescindível o exame do local do evento, mas, sim, o de corpo de delito, que, no caso, existiu. 2. Não é o Habeas corpus instrumento processual adequado para viabilizar o reexame das provas em que se baseou a condenação. (grifo nosso). 3. A sentença do Presidente do Tribunal do Júri deve fundamentar-se nas respostas dadas pelos jurados e no direito aplicável, o que, na hipótese, foi observado. 4. “H.C.” indeferido. HC 69.912/RS. Habeas Corpus. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Publicação DJ: 26/11/1993. Julgamento: 30/6/1993 – Plenário Constitucional. Penal. Prova ilícita: “de gravação” de escutas telefônicas. CF., art. 5º, XII. Lei nº 4.117, de 1962, art. 57, II, “e”, habeas corpus: Exame da prova. I – O sigilo das comunicações telefônicas poderá ser quebrado, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (CF., art. 5º, XII). Inexistência da lei que tornara viável a quebra do sigilo, dado que o inciso XII do art. 5º não recepcionou o art. 57, II, “e”, da Lei 4.117, de 1962, a dizer que não constitui violação de telecomunicação o conhecimento dado ao Juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. É que a Constituição, no inciso XII do art. 5º, subordina a ressalva a uma ordem judicial, nas hipóteses e na forma estabelecida em lei. II – No caso, a sentença ou o acórdão impugnado não se baseia apenas na “degravação” das escutas telefônicas, não sendo possível, em sede de habeas corpus, descer ao exame da prova. (grifo nosso) III – HC indeferido. |
A questão pode parecer despicienda de interesse, porém já foi objeto, inclusive, de prova no XVIII Concurso da Magistratura no Estado do Rio de Janeiro, em 26/9/1993. Eis a questão:
18ª Questão: Dizer, objetivamente, o que significa a afirmação dos tribunais, inclusive do Colendo Supremo Tribunal Federal, quando decidem que no habeas corpus não cabe a análise de prova. |
Por fim, cumpre-nos dizer que a ausência do direito líquido e certo na ação de habeas corpus é matéria de mérito que deve ensejar a improcedência do pedido, fazendo, assim, coisa julgada. Outra ação de habeas corpus, pelo mesmo impetrante, somente será admissível se houver outra causa de pedir, se os fatos que ensejarem a impetração forem outros e não os mesmos. Se o habeas corpus é uma ação, deve se submeter à teoria geral da ação penal, ou seja, deve ter: os elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido); as condições para o regular exercício do direito de agir (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de ser parte, interesse de agir e justa causa) e, consequentemente, deve sofrer os efeitos da litispendência e da coisa julgada.
A causa de pedir serão os fatos constitutivos que ensejam a ordem de habeas corpus, não podendo ser os mesmos.
Se o impetrante alega em sua petição inicial de habeas corpus, perante o tribunal, que a decisão que decretou sua prisão preventiva não está fundamentada, violando assim o disposto no art. 93, IX, da CRFB, e o tribunal julga improcedente o pedido, outro habeas corpus não pode ser impetrado com base nesse mesmo motivo (ausência de fundamentação do decreto prisional), sob pena de haver ofensa à coisa julgada.
A prática de se impetrar um habeas corpus perante uma câmara criminal e, depois, perante outra (pelos mesmos motivos) a fim de se obter uma decisão favorável diante da posição que o impetrante já conhece, cria a litispendência. Muitas vezes o advogado sabe a posição de determinada câmara criminal sobre aquele tema, porém seu HC foi distribuído para câmara distinta. O que ele, advogado do paciente, faz? Impetra outro HC que, digamos, por sorte, é distribuído para a câmara que tem a posição que lhe interessa. Pensamos, sem margem a dúvidas, que se os elementos da ação forem os mesmos (partes, pedido e causa de pedir) haverá litispendência. Se já tiver ocorrido julgamento haverá coisa julgada.
Neste ponto, penitenciamos-nos com o leitor por havermos, nas edições anteriores, utilizado o termo comum do foro, qual seja, “trancar” o inquérito policial ou a ação penal, pois, em verdade o termo, tecnicamente, é incorreto. Não se tranca ação penal ou o inquérito policial, mas sim arquiva-se o inquérito ou extingue-se o processo com (ou sem) julgamento do mérito. A ação tem seu pedido julgado procedente ou improcedente, mas jamais trancado. A doutrina usa essa expressão (“trancar”) sem que ela tenha qualquer previsão em lei. Trata o inquérito ou o processo como se fossem portas que se trancam. Por isso, pedimos desculpas nesta edição, onde daremos o tratamento técnico devido à matéria.
Vejamos.
Há hipóteses em que a concessão do habeas corpus é incompatível com o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal. São os casos de concessão da ordem por manifesta atipicidade do fato ou extinção da punibilidade, pois, se o processo está em curso e o réu alega constrangimento ilegal, por estar respondendo a um processo em que o fato é atípico, se for concedida a ordem, não faz sentido prosseguir o processo para afinal absolvê-lo. Desde já, o tribunal reconhece a patente ilegalidade e a faz cessar.
Neste caso, o tribunal concede a ordem para extinguir o processo com julgamento do mérito. O mesmo se dá se já está extinta a punibilidade por qualquer das causas previstas no art. 107 do CP, pois manifesta é a ilegalidade do prosseguimento do processo.
Por tal razão, o Código estabelece, no art. 651, que:
A concessão do habeas corpus não obstará, nem porá termo ao processo, desde que este não esteja em conflito com os fundamentos daquela. (grifo nosso)
Não podemos confundir a impossibilidade de análise de provas no habeas corpus com a possibilidade de o tribunal arquivar o inquérito policial ou extinguir o processo. Não há contradição em nossas afirmações, muito pelo contrário, há perfeita compatibilidade entre as providências, pois o arquivamento do inquérito ou a extinção do processo ocorre exatamente porque está patente, cristalina, comprovada a ilegalidade do prosseguimento do inquérito ou da ação face, digamos, estar extinta a punibilidade pela prescrição do direito de punir. O tribunal, ao verificar a data do fato, o tempo decorrido e o perfeito enquadramento em uma das hipóteses do art. 109 do CP, sem a devida prestação jurisdicional, não tem a menor dúvida de que o constrangimento é ilegal. Nessa hipótese, não há análise de provas, pois o impetrante já instruiu sua ação de habeas corpus com os documentos necessários comprovadores da ilegalidade. Concedida a ordem, arquiva-se o inquérito ou extingue-se o processo com julgamento do mérito.
O mesmo se diga em caso de atipicidade do fato, pois o tribunal não analisa as provas dos autos, mas, simplesmente, os documentos comprovadores da ilegalidade.
Exemplo: denúncia narrando conjunção carnal entre pai e filha, maior e capaz, por livre e espontânea vontade de ambos, com capitulação de crime de estupro. Trata-se de fato atípico, não obstante ser chamado de um delito previsto no Código Penal como crime (art. 213). A simples cópia da denúncia com despacho liminar positivo, proferido pelo juiz, é prova inconteste da ilegalidade da instauração deste processo, com graves consequências à liberdade de locomoção do acusado. Concedida a ordem de habeas corpus, o processo será extinto com julgamento do mérito.
A lei ordinária silencia quanto à necessidade de intervenção do órgão do parquet na ação de habeas corpus perante o primeiro grau de jurisdição, quando a autoridade coatora for, por exemplo, o delegado de polícia ou até mesmo, como vimos, o particular.
Em doutrina, os autores vacilam um pouco quanto à correta interpretação que se deva dar à atuação do Ministério Público frente à nova ordem constitucional. Assim, diz Tourinho (ob. cit., p. 529):
O órgão do Ministério Público não funciona, na 1ª instância, nos pedidos de habeas corpus. Trata-se de um lamentável senão do legislador. Como fiscal da lei, devia ser ouvido. Entretanto, legem habemus, e esta silencia a respeito.
Entretanto, não temos dúvida em afirmar que tal intervenção é obrigatória, sob pena de nulidade.
A uma, porque a Constituição Federal alçou o Ministério Público à condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, dando-lhe a incumbência de garantir a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (Direitos e Garantias Fundamentais).
A duas, porque a liberdade de locomoção inscreve-se nos direitos fundamentais do indivíduo (art. 5º, XV) e, portanto, deve o Ministério Público adotar as providências necessárias a sua garantia (art. 129, II, da CRFB c/c art. 654 do CPP).
A três, porque, se o Ministério Público tem legitimidade para impetrar ordem de habeas corpus em favor do paciente em face da primazia do direito, não faz sentido que não deva intervir para fiscalizar o cumprimento do exercício deste mesmo direito.
A quatro, porque o Ministério Público tem legitimidade para interpor recurso na qualidade de custos legis, nos precisos termos do art. 577 c/c 581, X, ambos do CPP, sendo óbvio, nesta hipótese, que, se tem legitimidade para recorrer da decisão proferida na ação de habeas corpus, tem legitimidade para intervir no curso desta mesma ação.
Portanto, a intervenção do Ministério Público, através do promotor de justiça em exercício no primeiro grau de jurisdição, é obrigatória.
A prisão administrativa, como vimos no item 9.4 supra, não mais subsiste na ordem jurídica, pois toda e qualquer prisão somente poderá ser decretada pela autoridade judiciária e devidamente fundamentada (cf. art. 5º, LXI, da CRFB), salvo os casos de prisão administrativa militar.
Assim, se houver prisão administrativa, como menciona o art. 650, em seu § 2º, a mesma será manifestamente ilegal, autorizando a impetração de habeas corpus. Ou seja, advogamos a tese de revogação do § 2º do art. 650, pois, se a prisão administrativa não mais pode subsistir no sistema jurídico-processual vigente, óbvio nos parece que a impetração de habeas corpus nesta hipótese é perfeitamente admissível.
Não se argumente que a prisão administrativa será decretada pelo juiz, pois, se assim for, não será administrativa, mas, sim, judicial.
No sentido do texto e de acordo com nossa posição, encontramos a opinião dos Professores Mirabete (Processo Penal. São Paulo: Atlas, 8 ed., p. 717) e Tourinho (Código de Processo Penal Comentado, coment. ao art. 650, 1996, p. 415).
A Constituição Federal determina que a prisão de qualquer pessoa seja imediatamente comunicada à autoridade judiciária competente (cf. art. 5º, LXII), que deverá verificar a legalidade da mesma e, se for ilegal, será imediatamente relaxada (inciso LXV).
Assim, verifique-se que a regra da comunicação dirige-se à prisão em flagrante, pois somente há dois tipos de prisão: em flagrante e por ordem judicial. Portanto, não faria sentido que a prisão decretada pelo juiz lhe fosse comunicada para que verificasse a legalidade de sua medida. O que se comunica ao juiz é o cumprimento de sua ordem, ou seja, a autoridade policial (ou quem suas vezes fizer) oficia ao juiz comunicando que o preso, como determinado, já está recolhido ao cárcere.
A regra de comunicação de prisão é da prisão em flagrante e exatamente para que seja avaliada a legalidade da medida constritiva da liberdade. Nesta hipótese é que nasce o relaxamento de prisão, se esta for ilegal.
O habeas corpus, como vimos, é uma ação impetrada perante o órgão jurisdicional competente e exige os requisitos do art. 654, § 1º, do CPP.
O relaxamento de prisão é concedido quando a prisão em flagrante é ilegal. O juiz age, ex officio, independentemente de qualquer pedido, pois patente está a ilegalidade da medida restritiva da liberdade. Se a prisão ilegal já foi comunicada à autoridade judiciária e esta não a relaxou, torna-se ela autoridade coatora e, agora, será admissível a impetração de habeas corpus perante o tribunal competente, pois não faria sentido o juiz relaxar a prisão que entende legal. Neste caso, o paciente deverá buscar, perante um órgão jurisdicional superior, a concessão da ordem de habeas corpus.
Perceba-se que o relaxamento de prisão é medida que deve ser adotada pelo juiz no momento que analisa a prisão em flagrante que lhe foi comunicada. Entretanto, se ocorreu a prisão em flagrante e ainda não foi comunicada ao juiz competente (normalmente em 24 horas), poderá a ação de habeas corpus ou um simples requerimento de relaxamento de prisão ser impetrado perante o juiz de primeiro grau, que não sabe de prisão em flagrante nenhuma. Se a prisão em flagrante ilegal já lhe foi comunicada e não a relaxou, torna-se autoridade coatora e deverá ser impetrado habeas corpus no tribunal.
Entendemos que, se a autoridade coatora for o delegado de polícia, em decorrência da realização de uma prisão em flagrante ilegal, a medida mais rápida será o requerimento de relaxamento de prisão e não o habeas corpus, pois este tem pedido de informações, nos termos do art. 662, e, consequentemente, mais demorada será a concessão da liberdade. Já o relaxamento de prisão é um simples requerimento, mostrando a ilegalidade da prisão em flagrante, e o Juiz, convencendo-se, relaxará a prisão. É bem verdade que, para nós, só há pedido de informações quando o habeas corpus é impetrado perante o tribunal e não perante o juiz singular, pois a letra do art. 662 é clara: o presidente, se necessário, requisitará da autoridade indicada como coatora informações por escrito. Porém, na prática do foro, não há diferença. Os juízes acabam pedindo à autoridade policial informações por escrito.
Questão que nos parece interessante tratar é a impetração de habeas corpus de decisão emanada, primeiro, do juiz do Juizado Especial Criminal, depois, da Turma Recursal. Ou seja, qual o órgão jurisdicional competente para julgar o habeas corpus nas duas hipóteses.
Vamos tratar primeiro do habeas corpus impetrado de decisão do juiz singular.
Se o juiz singular do Juizado Especial Criminal for apontado como autoridade coatora, entendemos que a competência para processar e julgar eventual habeas corpus será da Turma Recursal, pois, não obstante esta competência não se encontrar escrita na regra do art. 82 da Lei nº 9.099/95, é intuitivo que assim o seja.
A uma, porque compete à Turma Recursal processar e julgar apelação das decisões do Juizado Especial Criminal, e esta somente poderá ser interposta se houver error in procedendo e/ou error in judicando. Ou seja, vício na decisão proferida pelo juiz do Juizado é corrigido pela Turma Recursal, em caso de apelação, e, óbvio nos parece, o mesmo vício pode ser alegado em ação de habeas corpus e, por consequência e logicidade, este deve ser impetrado perante a Turma Recursal;
A duas, porque é sabido por todos que os juízes e os tribunais podem conceder de ofício ordem de habeas corpus e seria um contra sensu argumentarmos que a Turma Recursal pode conceder, ex officio, durante o julgamento de uma apelação, ordem de habeas corpus, mas não pode conceder esta mesma ordem em impetração originária. A lógica do razoável impede este raciocínio. Vejam o que diz o § 2º do art. 654 do CPP:
Art. 654 ...
§ 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. (No original, sem grifo)
A três, porque a Turma Recursal não está julgando a pessoa do juiz, mas, sim, um ato seu praticado no curso do processo, da mesma forma que analisa sua sentença, evitando que, se houvesse bipartição de competências, pudesse haver decisões contraditórias.
Assim, somos do entendimento de que a competência para processar e julgar habeas corpus de decisão do juiz singular do Juizado Especial Criminal é da Turma Recursal e não do Tribunal de Justiça, ou, muito menos, nos Estados que ainda o possuem, do Tribunal de Alçada Criminal.
Nossa posição não é aceita pela doutrina dos mestres Julio Fabbrini Mirabete e Ada Pellegrini Grinover, que entendem ser da competência dos Tribunais de Alçada ou Justiça, conforme a matéria.
Diz o mestre Mirabete, do qual, com a devida vênia, discordamos pelas razões que expusemos:
Na primeira hipótese a decisão cabe ao Tribunal de Justiça ou Tribunal de Alçada, conforme dispuser a Constituição estadual. De outra forma, poderia a Turma Recursal julgar que houve abuso de autoridade do juiz, o que só pode ser definido pelo Tribunal de Justiça ou de Alçada, e não por decisão de juízes de primeiro grau, ainda que investidos na competência para apreciar recursos de seus pares. (Juizado Especial Criminal, 3 ed., São Paulo: Atlas, p. 130).
O erro da afirmativa, com o devido respeito que declinamos ao mestre, está em confundir julgamento de um ato praticado pelo juiz com julgamento de sua pessoa por alguma infração penal praticada. Não se trata de julgar o juiz, mas, sim, um ato praticado por ele, pois, se assim não pensarmos, o próprio recurso de apelação previsto no art. 82 da Lei do JECRIM seria uma afronta à regra do art. 96, III, da CRFB, pois permitiria julgar o juiz, e sabemos que isto não ocorre. Em verdade, julga-se um ato praticado por ele, e, se houver a hipótese de má-fé, com evidente abuso de autoridade, deve a Turma Recursal cumprir o que estatui o art. 653 c/c 40, ambos do CPP.
O Superior Tribunal de Justiça já sufragou esse entendimento que defendemos no acórdão cuja ementa abaixo transcrevemos:
HC 5267/PB. Habeas Corpus. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Publicação DJ: 9/6/1997. Julgamento: 12/5/1997. Sexta Turma. HABEAS-CORPUS. LEI 9.099/1995. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PARA CONHECER E JULGAR. 1. A Competência para apreciar Habeas Corpus impetrado contra decisão dos Juizados Especiais Criminais é das Turmas de Recursos destes Juizados, haja vista a letra do art. 82, da Lei 9.099/1995, cuja inteligência foi ministrada pelo STF no H.C. 71.713-6/PB. 2. Ordem denegada. Unânime. |
No Estado do Rio de Janeiro, a questão é resolvida por determinação da Resolução nº 11, de 12 de novembro de 1998, do E. Tribunal de Justiça, que, expressamente, no art. 1º, diz:
– Às Turmas Recursais Cíveis e Criminais da Comarca da Capital, bem como as do interior, caberá julgar os recursos das decisões proferidas pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca da Capital e das Comarcas do Interior, assim como os Mandados de Segurança e Habeas Corpus impetrados em face das decisões daqueles Juizados. (No original, sem grifo)
Quanto ao Habeas Corpus impetrado de decisão da Turma Recursal, a competência, de acordo com a Emenda Constitucional nº 22, de março de 1999, deveria ser do Superior Tribunal de Justiça e não do Supremo Tribunal Federal. Assim, o Supremo Tribunal Federal ficaria, definitivamente, como Corte Constitucional, devendo as outras matérias infraconstitucionais ser julgadas pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do que dispõe o art. 105, I, letra c, da CRFB.
Entretanto, temos que informar ao leitor que esse não tem sido o entendimento do STJ em suas decisões, como se comprova no acórdão abaixo. No Informativo nº 120, de 10 a 14/12/2001 há ementa também nesse sentido.
Superior Tribunal de Justiça Habeas Corpus nº 15.825-RS – Data: 21 de agosto de 2001. Ementa. CRIMINAL. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO DENEGATÓRIA DE WRIT PROFERIDA POR TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. INCOMPETÊNCIA DO STJ. LIMITES CONSTITUCIONAIS. ORDEM NÃO CONHECIDA. I. Compete ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso ordinário, as decisões denegatórias de habeas corpus, proferidas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais, pelos Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal, conforme disposto na Constituição Federal, não se incluindo, portanto, as decisões emanadas de Turma Recursal de Juizados Especiais Criminais. II. Writ não-conhecido. |
A matéria, até agora, estava sumulada pelo STF e, portanto, não se discutia mais, mas sempre sustentamos que o STF deveria se resguardar a matéria constitucional e deixar que as questões sobre o JECRIM fossem resolvidas pelos Tribunais de Justiça (ou TRF) e, depois, se fosse o caso, para o STJ. Veja o que dizia a súmula que vem sendo mitigada pelo o STF.
COMPETE ORIGINARIAMENTE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O JULGAMENTO DE HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por oito votos a três, declinar da competência para julgar habeas corpus impetrado contra decisão de Turma Recursal. A decisão foi adotada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 86834, impetrado por Miguel Ângelo Micas contra a Turma Recursal do Juizado Especial Criminal da Comarca de Araçatuba, município do Estado de São Paulo.
No HC 86.834, de 23/08/2006, Relator Ministro Marco Aurélio, o STF praticamente cancelou a súmula 690 ao dizer que comepte aos TJs conhecer de eventual recurso contra decisão das turmas recursais e não mais ao STF.
Eis a Ementa:
23/08/2006 – JULGAMENTO DO PLENO – NÃO CONHECIDO – Decisão: O Tribunal, por maioria, vencidos os Senhores Ministros Sepúlveda Pertence, Cármen Lúcia e Celso de Mello, declinou da competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do voto do Relator. Mantida a liminar até que seja reapreciado o feito pelo tribunal competente. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Não participou da votação o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski por suceder ao Senhor Ministro Carlos Velloso, que já proferira voto. Plenário, 23.08.2006.
No IX Concurso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, realizado em 16/12/1989, prova específica de Direito Processual Penal, o examinador fez a seguinte indagação aos candidatos. Note que a questão é anterior a Lei 11.719/08 e, por isso, ainda fala em art. 594:
4ª Questão: Condenado o réu a 6 (seis) anos de reclusão, pela prática de estelionato, determinou o Meritíssimo Juiz a expedição de mandado de prisão, por não ser o mesmo primário, nem portador de bons antecedentes. Cumprida a ordem de prisão, interpõe o acusado HABEAS CORPUS pleiteando o relaxamento da prisão e a reforma da decisão, argumentando que, com base no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Pergunta-se: a) qual a natureza jurídica do instituto do HABEAS CORPUS? b) É o HABEAS CORPUS meio idôneo para veicular a pretensão do réu? c) É correta a argumentação de que a norma constitucional teria revogado o art. 594 do Código de Processo Penal?
Resposta: Letra a) Há divergências na doutrina. A primeira corrente, capitaneada pelos mestres Tourinho Filho, Ada Pellegrini, entende ser o habeas corpus uma verdadeira ação, pois instaura uma nova relação jurídico-processual e pode ser interposto de decisão judicial transitada em julgado (cf. art. 648, VI e VII, do CPP), sem contar que se admite sua impetração de decisão emanada de particular. Assim, o habeas corpus tem a natureza de uma ação autônoma de impugnação, cuja pretensão é de liberdade. Entretanto, uma segunda corrente doutrinária, capitaneada pelo Professor Magalhães Noronha, defende a natureza do habeas corpus como sendo de um recurso e de uma ação, dependendo do momento da impetração, dando-lhe, assim, o mestre, o caráter misto. Nossa posição: a primeira. Letra b) O habeas corpus, na nossa opinião, não é o meio adequado e idôneo para impugnar uma sentença, pois há, nesse caso, a inadequação da via eleita. O meio pelo qual se deveria impugnar a referida decisão seria o recurso de apelação, com fulcro no art. 593, I, do CPP. Há quem entenda que se poderia recorrer (apelação) e, quanto à parte da decisão que determinou a expedição do mandado de prisão, a mesma seria impugnável por habeas corpus. Data venia, não concordamos. Os princípios da unirrecorribilidade dos recursos e da taxatividade são expressos em dizer que, neste caso, o único meio útil e necessário para se impugnar essa decisão é o recurso. |
Do contrário, não faria sentido o legislador estabelecer dois meios para se impugnar a mesma decisão, pois afrontaria a lógica do razoável. Letra c) Não. Não é correta a afirmativa, pois o Superior Tribunal de Justiça já sumulou (nº 9) a questão, dizendo que a exigência de se recolher à prisão para apelar não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência. Pois, em verdade, a própria Constituição expressamente diz que ninguém poderá ser preso se, não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (cf. art. 5º, LXI, da CRFB), ou seja, a prisão determinada na sentença é emanada de autoridade judiciária competente. Assim, não há que se falar em afronta à Constituição quando é ela mesma que assim determina. Obs.: em nossas aulas, aconselhamos sempre os candidatos a serem objetivos e precisos em suas respostas, sem prolixidade ou divagações que fujam do tema. |
O tema Habeas Corpus deve ser bem estudado pelo leitor, face à abordagem que sempre é feita nos concursos. Vejam o que quis saber o examinador do XXIII concurso para ingresso na classe inicial da carreira do Ministério Público, realizado em 13/2/2000, prova específica, ponto sorteado nº 01.
2ª Questão: Disserte sobre o Habeas Corpus dentro do enfoque da teoria do direito de ação. Natureza jurídica, condições para o seu exercício, natureza do processo, mérito, coisa julgada etc. (a Banca deseja do candidato aprofundamento teórico e sistemático do tema proposto). (50 pontos) Obs.: tratando-se de prova específica, o candidato não tem limites de linhas para escrever podendo desenvolver bem o tema sem ser prolixo e atacando exatamente o que quer o examinador.
Súmulas do STF sobre Habeas Corpus.
Súmula nº 691 Não compete ao supremo tribunal federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
Súmula nº 692 Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a respeito.
Súmula nº 693 Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada. Súmula nº 694 Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública. |
A Emenda Constitucional nº 45/04, em vigor desde 31 de dezembro de 2004, trouxe uma novidade: a possibilidade da propositura da ação de habeas corpus, perante a justiça do trabalho (art. 114, IV), ou seja, dentre outras competências está a de apreciar pedido de liberdade diante de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, mas em decorrência de questões trabalhistas.
Quando isso irá ocorrer na justiça do trabalho se ela não aprecia questões criminais e no cível somente pode haver prisão por inadimplemento de obrigação alimentar e de depositário infiel?
Sem delongas, entendemos que tanto de dívida trabalhista de caráter alimentar quanto de depositário infiel poderá ocorrer prisão do devedor. A prisão do depositário infiel, no âmbito trabalhista, não tem a menor celeuma doutrinária nem jurisprudencial, desde que dentro das hipóteses legais (arts. 5º, LXVII, da Constituição Federal; 652 do CC; 902, § 1º, e 904, parágrafo único, ambos do CPC).
Vejamos.
TST – ROHC – 154/2003-000-10-00 Relator – GMGA DJ – 22/10/2004 HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO INFIEL. SEGUNDA PRISÃO. A prisão civil do depositário infiel não se caracteriza como pena, mas como coação. Mantidos a não-apresentação dos bens ou de seu equivalente em dinheiro, a prisão pode ser reiterada, até o limite legalmente estabelecido. Recurso ordinário a que se nega provimento.
Súmula nº 619 A prisão do depositario judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito. |
Contudo, a mesma sorte não há na prisão do empregador pelo descumprimento da obrigação de pagar o salário do empregado. A questão é controvertida.
Se o contrato de trabalho é bilateral e oneroso onde o empregado, prestando serviços continuados e subordinados ao patrão, recebe salários que representam um ganho periódico e habitual (Süssekind: 2004, p. 215) não há dúvida de que a inadimplência do empregador gera problemas sociais imediatos da maior gravidade, retirando do empregado o único meio de que dispõe para sustento próprio e de sua família, enquanto o patrão desfruta do conforto e da estratégia comercial e financeira de não pagar a dívida trabalhista e aguardar o ingresso em juízo, por parte do empregado, uma vez que os juros judiciais são de 0,5% na justiça comum e 1,0% no judiciário trabalhista; enquanto que, no mercado financeiro, alcança-se facilmente a casa dos 2% ou 3%.
Não pagar o salário do empregado e pagá-lo, posteriormente, em juízo é um grande investimento. É a covarde especulação financeira as custas do salário e das verbas indenizatórias do empregado, ao nosso ver, de caráter alimentar. Não são raros os casos do empregado que tem 10x para receber, mas se contenta face o tempo decorrido, do sofrimento e da necessidade de sua família, com 3x. Verdadeiro locupletamento ilícito por parte do empregador.
A questão é controvertida, pois há quem entenda que a dívida de salário não tem o caráter alimentar, logo não autoriza a prisão do devedor.
O caráter alimentar do salário confere-lhe atributo de bem jurídico essencial, exigindo especial proteção do ordenamento jurídico em detrimento do lado mais fraco dessa relação contratual trabalhista, ainda mais dentro dessa relação capitalista selvagem a que estamos subordinados como País de Terceiro Mundo em um mundo Globalizado.
Bauman nos ensina:
A globalização deu mais oportunidades aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais recente tecnologia para movimentar largas somas de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e espetacular com eficiência cada vez maior.
Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos pobres do mundo. De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para poucos, mas deixa de fora ou marginaliza dois terços da população mundial (Bauman, Zygmunt. Globalização: As Consequências Humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 79).
O não pagamento de salário acarreta problemas imediatos também na esfera socioeconômica, gerando desconforto social, instabilidade nas relações de consumo e quebra, de uma certa forma, do comércio, desestabilizando a economia do País.
É curioso notar que no Brasil quebram-se farmácias, padarias, lojas, oficinas, mercados, pequenos e médios empresários, mas cada dia mais abrem-se bancos e instituições financeiras, pois não falta dinheiro para a especulação monetária. Quem paga esse sacrifício? O trabalhador brasileiro. Os juros altos, a carga tributária excessiva e a automatização dos meios de produção gerando desemprego, fazem com que o empresário prefira a especulação do que a criação de novas frentes de trabalho com novas empresas no mercado. Se o empregado ganha x, o empregador paga ao governo de impostos sobre o trabalhador 2x. Logo, seu dinheiro, ou melhor, do empregado, gira no mercado financeiro.
O conceito de dívida alimentar com o qual estamos trabalhando é da própria Constituição, in verbis:
Art. 100 (...)
§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
E o mesmo texto constitucionaal protege o salário.
Art. 7º (...)
X da CR - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
Ora, não faz sentido que assim o seja para a fazenda pública, mas não para toda e qualquer pessoa jurídica de natureza privada.
O expediente da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, a forma de aceitar a responsabilidade patrimonial e particular dos sócios, em função dos débitos sociais das empresas em que são membros (Jorge Neto, Francisco Ferreira e outro. Manual de Direito do Trabalho. Tomo I, 2 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 289) não pode, por si só, elidir a prisão pelo inamplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia do empregador. A desconsideração vem impedir que os sócios, utilizando a ficção da pessoa jurídica, lesem seus credores, mas a realidade brasileira é outra.
Muitas vezes o empregador não tem nada em seu nome exatamente para fugir da responsabilidade trabalhista, não obstante ser ele o testa de ferro da empresa. Na medida em que sofre a sanção processual da prisão pelo seu inadimplemento alimentar o dinheiro aparece.
Nossa posição é garantista (cf. Ferrajoli, Luigi. Derechos y Garantías: La Ley del más Débil. Madrid: Trotta, 1999) no sentido de assegurar ao empregado, a parte mais fraca da relação contratual, os meios necessários de subsistência face o débito salarial da empresa que não paga, no prazo e nas condições da lei ou do contrato, o salário devido a seus empregados (Decreto-Lei 368/68 – parágrafo único do art. 1º).
Destarte, entendemos que a prisão civil do devedor de alimentos será também daquele que é inadimplente de débitos trabalhistas de natureza alimentar, nos exatos limites da Constituição da República. Razão pela qual a justiça do trabalho será competente para processar e julgar, eventual, pedido de habeas corpus (art. 114, IV, da CR).
Pelo Regimento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região o HC deve ser dirigido ao seu Presidente.
Obs.: O leitor deverá buscar nos grandes Manuais de Direito do Trabalho informações mais aprofundadas sobre o tema, em si. Essa é apenas nossa opinião.
Cada dia mais é sedimentado o entendimento de que o advogado deve ser notificado para comparecer à sessão de julgamento do HC de seu cliente. Não poderia ser diferente.
Se o HC é uma ação autônoma de impugnação consagrada na CR, cuja pretensão é de liberdade e, portanto, verdadeiro direito fundamental inerente ao direito amplo de defesa, deve o advogado ser notificado a comparecer à sessão de julgamento para, uma vez requerendo em sua petição de HC, sustentar oralmente a defesa da liberdade.
Seria um contra-senso a CR assegurar o direito amplo de defesa (art. 5º, LV) com todos os meios e recursos a ela inerentes, o HC como instrumento de proteção da liberdade e da dignidade da pessoa humana, mas negar o direito do advogado de ser notificado para sustentar oralmente sua tese.
O CPP não prevê tal notificação, mas sendo da “Era Vargas” nem poderia. Já dissemos que a lei de ritos deve se adequar à CR e não vice-versa.
Não é crível que o advogado saia perambulando pelos tribunais do País para saber se seu HC entrou em mesa de julgamento. Nesse sentido, deve o relator do HC, consciente da importância e da magnitude do direito de defesa, notificar o advogado para que compareça à sessão de julgamento e faça, se requerer, sua sustentação oral.
E aqui fazemos um registro aos reacionários: se o tribunal vai ou não julgar procedente o pedido contido na ação de HC é outra história. Se o réu é ou não inocente, será discutido no juízo originário onde se instaurou o processo.
O que se quer, aqui, é apenas defender a efetivação das garantias constitucionais.
Luis Guilherme Vieira, ilustre causídico fluminense que defendeu esse entendimento perante os tribunais superiores, tornando-o realidade nos Regimentos Internos, assevera:
O dia-a-dia do advogado e o congestionamento da justiça impedem, na prática, que o advogado, por mais diligente que seja, compareça a todas as sessões, na esperança de ver a sua causa apresentada pelo relator para julgamento. As audiências na primeira instância que, em sua maioria, nunca se iniciam nos horários preestabelecidos, varando comumente tarde e noite adentro, com os tribunais assoberbados por suas sessões estranguladas – pois se avolumam um sem-número de feitos a serem julgados, alguns necessitando de publicação, outros, como o writ, postos em mesa, por vezes às dezenas, em razão de sua preferência regimental de julgamento – tornam-se obstáculos ao pleno exercício do múnus público conferido ao advogado (art. 133, CF), impossibilitando-o de assomar à tribuna para sustentar oralmente suas razões, como lhe faculta a lei e deseja seu cliente (Vieira, Luis Guiherme. Habeas Corpus – sustentação oral: um direito do advogado de ser intimado para a sessão de julgamento. www.ibccrim.org.br, 7.8.2001). |
Destarte, há que se fazer uma reforma processual penal a fim de assegurar ao advogado o direito de ser notificado para sessão de julgamento do HC proposto, garantindo-lhe o direito de sustentação oral, se o requerer. Contudo, enquanto tal reforma não é feita, nada obsta que se aplique o disposto no art. 5º, LV, c/c 133, ambos da CR, ou seja, o direito de ampla defesa autoriza que o advogado, indispensável à administração da justiça, seja notificado para sessão de julgamento e, se o requerer, possa sustentar oralmente sua tese.
A Sexta Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, seguindo o voto do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, ao julgar, em 24.3.98, o recurso ordinário constitucional de nº 7.198-7/SP, deu-lhe provimento, por entender que:
“HABEAS-CORPUS. INTIMAÇÃO DO IMPETRANTE DA DATA DO JULGAMENTO. ‘O habeas-corpus prescinde de inclusão do processo em pauta. Todavia, se longo o transcurso do tempo entre a conclusão dos autos e o julgamento, necessária intimação ao impetrante. Não é de exigir-se do advogado comparecer ao tribunal todos os dias de sessão’.” |